LOCKE-Segundo_tratado_Sobre_O_Governo
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<strong>Segundo</strong> Tratado <strong>Sobre</strong> o <strong>Governo</strong> Civil 85<br />
sobre as vidas daqueles que, por uma guerra injusta, ficaram privados de mantê-las; mas não tem poder sobre as<br />
vidas e os bens daqueles que não participaram da guerra, e nem também sobre os bens daqueles que dela<br />
participaram ativamente.<br />
179. <strong>Segundo</strong>: Eu digo, neste caso, que o conquistador só adquire o poder sobre aqueles que realmente<br />
ajudaram, concorreram ou consentiram naquela força injusta que foi usada contra ele. O povo jamais habilita seus<br />
governantes a cometer uma injustiça, como, por exemplo, empreender uma guerra injusta (pois o poder de<br />
realizar atos desse gênero jamais lhe pertenceu); portanto não deve ser considerado culpado da violência e da<br />
injustiça que são cometidas em uma guerra injusta, senão na medida em que ele realmente participou dela; e não<br />
pode ser considerado culpado de qualquer violência ou opressão que seus governantes usassem sobre o próprio<br />
povo ou sobre uma parte de seus súditos, uma vez que não autorizaram este abuso. É verdade que os<br />
conquistadores raramente se dão ao trabalho de fazer a distinção; mas eles de bom grado permitem que a<br />
confusão que acompanha a guerra arraste tudo com ela; mas isso não altera em nada o direito, pois a única razão<br />
pela qual o conquistador tem poder sobre as vidas daqueles que conquistou é ter utilizado a força para perpetrar<br />
uma injustiça, e só poderá exercer tal poder sobre aqueles que participaram dessa utilização da força; o restante é<br />
inocente; e como o povo daquele país não lhe causou nenhum mal e não constituiu ameaça a sua vida, ele não tem<br />
mais direitos sobre o povo daquele país do que tem sobre qualquer outro entre aqueles que viveram em bons<br />
termos com ele, sem injúrias ou provocações.<br />
180. Terceiro: O poder que um conquistador adquire sobre aqueles que ele venceu em uma guerra justa é<br />
perfeitamente despótico; ele tem um poder absoluto sobre as vidas daqueles que, colocando-se em um estado de<br />
guerra, tiveram este poder confiscado; mas não tem por isso direito nem título sobre seus bens. Eu não duvido<br />
que à primeira vista esta possa parecer uma doutrina estranha, uma vez que contradiz completamente a prática<br />
do mundo; nada mais familiar, quando se fala da dominação de países, do que dizer que alguém o conquistou;<br />
como se a conquista, por si só, concedesse um direito de posse. Mas quando consideramos que a prática daqueles<br />
que detêm a força e o poder, por mais universal que ela possa ser, raramente é a regra do direito, embora faça<br />
parte da sujeição do conquistado não discutir as condições a ele impostas pela espada da conquista.<br />
181. Embora em toda guerra haja em geral uma complicação de força e prejuízos, e raramente o agressor<br />
deixe de causar danos às propriedades, quando ele usa a força contra as pessoas daqueles contra os quais ele luta,<br />
é apenas o emprego dessa força que coloca um homem em estado de guerra. Pouco importa se foi pela violência<br />
que ele deu início ao ato injusto, ou se este foi perpetrado em silêncio e através da fraude, se ele se recusa a<br />
qualquer reparação e o perpetua pela violência (o que vem a ser a mesma coisa que utilizar a força desde o início),<br />
é o uso injusto da força que faz uma guerra. Aquele que invade a minha casa e violentamente me expulsa porta<br />
afora, ou tendo entrado pacificamente, em seguida me obriga a ficar do lado de fora, na realidade faz a mesma<br />
coisa; supondo-se que estamos em tal estado, que não tenhamos um juiz comum na terra a quem possamos apelar<br />
e a cujas decisões ambos tenhamos de nos submeter, é disso que falo agora, deste uso injusto da força que coloca<br />
um homem contra outro em um estado de guerra, e por isso é culpado do confisco de sua vida. Como ele se afasta<br />
da razão, ou seja, da regra que rege os relacionamentos entre os homens, e utiliza a violência à maneira dos<br />
animais selvagens, fica sujeito a ser destruído por aquele contra o qual ele emprega a força, como um animal<br />
selvagem que é perigoso para sua existência.<br />
182. Apesar dos erros dos pais não serem culpa dos filhos, e eles poderem ser racionais e pacíficos não<br />
obstante a brutalidade e a injustiça do pai, este, com seus erros e sua violência, pode confiscar apenas sua própria<br />
vida, não envolvendo seus filhos em sua culpa ou destruição. Seus bens, de que a natureza tornou seus filhos<br />
proprietários para os impedir de perecer, uma vez que ele deseja que a humanidade seja preservada em toda a<br />
medida do possível, continuam a pertencer a seus filhos. Supondo-se que eles não tenham participado da guerra,<br />
seja pela pouca idade ou por uma questão de escolha, nada fizeram que mereça o confisco desses bens; e o<br />
conquistador não tem qualquer direito de se apossar deles, pela simples invocação da vitória que obteve sobre<br />
aquele que tentou destruí-lo pela força; embora ele talvez tenha algum direito a eles, para reparar os danos<br />
causados pela guerra e na proteção de seus próprios direitos. Em que medida isso atinge os bens do conquistado,