LOCKE-Segundo_tratado_Sobre_O_Governo
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<strong>Segundo</strong> Tratado <strong>Sobre</strong> o <strong>Governo</strong> Civil 53<br />
reverência íntimas que devem ser demonstradas através de todas as expressões exteriores, que afasta o filho de<br />
qualquer coisa que possa prejudicar ou afrontar, perturbar ou implicar em risco à felicidade ou à vida daqueles de<br />
quem ele recebeu a sua; e os engaja em todas as ações de defesa, alívio, assistência e conforto daqueles através<br />
dos quais ele veio à vida, e tornou-se capaz de desfrutá-la. Nenhum estado e nenhuma liberdade pode isentar os<br />
filhos desta obrigação. Mas isto está muito longe de conceder aos pais um poder de comando sobre seus filhos, ou<br />
uma autoridade para fazer leis e dispor como lhes aprouver de suas vidas ou liberdades. Uma coisa é dever honra,<br />
respeito, gratidão e assistência; outra é exigir uma obediência e uma submissão absolutas. A honra devida aos<br />
pais, um monarca em seu trono deve a sua mãe, e isto não diminui sua autoridade nem o sujeita ao seu domínio.<br />
67. A sujeição de um menor investe o pai de uma autoridade temporária que termina com a minoridade<br />
da criança; e a honra que a criança deve aos pais lhes proporciona um direito perpétuo a um respeito, reverência,<br />
apoio e obediência maiores ou menores, segundo o pai colocou mais ou menos cuidado, gastos e bondade em sua<br />
educação. Isto não termina com a minoridade, mas permanece em todas as obrigações e condições da vida de um<br />
homem. O fato de não distinguir estes dois poderes que o pai possui, o direito de instrução durante a minoridade,<br />
e o direito à honra durante toda a sua vida, talvez seja responsável por grande parte dos erros nesta questão.<br />
Falando estritamente, o primeiro deles é um privilégio para os filhos e dever dos pais, mais que uma prerrogativa<br />
de poder paterno. A alimentação e a educação dos filhos é uma incumbência tão forçosa dos pais para o bem de<br />
seus filhos que nada pode eximi-los de cuidar disso. Embora o poder de comandar e punir siga ao lado disso, Deus<br />
urdiu nos princípios da natureza humana uma tal ternura por sua descendência que há pouco receio de que os<br />
pais possam usar seu poder com muito rigor; o excesso raramente ocorre no lado da severidade, a forte tendência<br />
da natureza inclinando-se para o outro lado. Por isso Deus Todo-Poderoso, ao expressar sua atitude amável para<br />
com os Israelitas, diz-lhes que não obstante os haja punido, puniu-os como um pai pune seu filho (Dt 8,5) – isto é,<br />
com ternura e afeição – e não os manteve sob disciplina mais severa do que aquela que seria absolutamente a<br />
melhor para eles, e mais doçura teria manifestado menos bondade. Este é o poder a qual os filhos são mandados<br />
obedecer, a fim de não aumentarem ou mal recompensarem os esforços e os cuidados de seus pais.<br />
68. Por outro lado, a honra e o apoio material, tudo a que a gratidão obriga em contrapartida aos<br />
benefícios recebidos, os filhos o devem sem dispensa possível, e isso é privilégio próprio dos pais. Trata-se aqui<br />
da vantagem dos pais, como antes se tratava daquele do filho; mas a educação, que cabe aos pais, é acompanhada<br />
por um poder quase universal, devido à ignorância e às fragilidades da infância, que requerem a restrição e a<br />
correção, ou seja, o exercício de um governo e uma espécie de dominação. O dever que está contido na palavra<br />
honra requer menos obediência, ainda que se imponha menos obediência aos filhos menores que aos maiores.<br />
Quem pode acreditar na ordem “Filhos, obedecei a vossos pais”, que exige de um homem que tem filhos a mesma<br />
submissão a seus pais que seus filhos devem a ele, ou que em virtude deste preceito ele deveria obedecer a todas<br />
as ordens de seu pai, se este, abusando da autoridade, comete a indelicadeza de tratá-lo ainda como a um<br />
menino?<br />
69. Assim, a primeira parte do poder, ou melhor, do dever do pai, que é a educação, lhe pertence até que<br />
termine na época determinada. Quando a tarefa da educação está completa, ela termina por si mesma e é também<br />
previamente alienável. Pois um homem pode colocar em outras mãos a instrução de seu filho; e aquele que fez de<br />
seu filho aprendiz de outro homem, desobrigou-o durante aquele período de grande parte de sua obediência,<br />
tanto a ele quanto a sua mãe. No entanto, a segunda parte, toda a obrigação de honra, permanece intacta; nada<br />
pode cancelar este dever. Ele é tão inseparável de ambos, pai e mãe, que a autoridade do pai não pode despojar a<br />
mãe desse direito, nem qualquer homem pode dispensar seu filho de honrar aquela que o gerou. Mas ambos estão<br />
muito distantes de um poder de fazer leis e obrigá-los de penalidades que podem atingir os bens, a liberdade, a<br />
integridade física e a própria vida. O poder de comandar termina com a minoridade; e ainda que depois disso o<br />
filho continue a dever aos pais honra e respeito, apoio material e proteção, e tudo o mais que a gratidão possa<br />
obrigar um homem em contrapartida aos benefícios que ele seja naturalmente suscetível de receber, isso não<br />
coloca nenhum cetro nas mãos do pai, nenhum poder soberano de comando. Ele não tem domínio sobre os bens<br />
ou os atos de seu filho, e nenhum direito de lhe impor toda a sua vontade; entretanto, em algumas situações que<br />
não sejam inconvenientes ao filho ou a sua família, o filho pode esperar ser <strong>tratado</strong> respeitosamente.