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LOCKE-Segundo_tratado_Sobre_O_Governo

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<strong>Segundo</strong> Tratado <strong>Sobre</strong> o <strong>Governo</strong> Civil 41<br />

pode significar “Quem decidirá a controvérsia”. Todos sabem que Jefté aqui nos diz que “o Senhor é Juiz” e deverá<br />

julgar. Quando não há juiz na terra, o apelo é dirigido a Deus, no céu. Essa pergunta não pode então significar<br />

“Quem será o juiz se alguém se coloca em estado de guerra para comigo? Poderia eu, como Jetfé, apelar ao céu?”<br />

Disso só eu mesmo posso ser o juiz em minha própria consciência, até o dia do Juízo Final, quando responderei<br />

perante o juiz supremo de todos os homens.<br />

CAPÍTULO IV<br />

DA ESCRAVIDÃO<br />

22. A liberdade natural do homem deve estar livre de qualquer poder superior na terra e não depender da<br />

vontade ou da autoridade legislativa do homem, desconhecendo outra regra além da lei da natureza. A liberdade<br />

do homem na sociedade não deve estar edificada sob qualquer poder legislativo exceto aquele estabelecido por<br />

consentimento na comunidade civil; nem sob o domínio de qualquer vontade ou constrangimento por qualquer<br />

lei, salvo o que o legislativo decretar, de acordo com a confiança nele depositada. Portanto, a liberdade não é o que<br />

Sir Robert Filmer nos diz, O.A. 55 (Observations on Aristotle), “uma liberdade para cada um fazer o que quer, viver<br />

como lhe agradar e não ser contido por nenhuma lei”. Mas a liberdade dos homens submetidos a um governo<br />

consiste em possuir uma regra permanente à qual deve obedecer, comum a todos os membros daquela sociedade<br />

e instituída pelo poder legislativo nela estabelecido É a liberdade de seguir minha própria vontade em todas as<br />

coisas não prescritas por esta regra; e não estar sujeito à vontade inconstante, incerta, desconhecida e arbitrária<br />

de outro homem: como a liberdade natural consiste na não submissão a qualquer obrigação exceto a da lei da<br />

natureza.<br />

23. Esta liberdade diante do poder arbitrário absoluto é tão necessária e está tão estreitamente ligada à<br />

preservação do homem que não pode ser perdida exceto por aquilo que ao mesmo tempo destrói sua preservação<br />

e sua vida. Pois o homem, incapaz de dispor de sua própria vida, não poderia, por convenção ou por seu próprio<br />

consentimento, se transformar em escravo de outro, nem reconhecer em quem quer que seja um poder arbitrário<br />

absoluto para dispor de sua vida quando lhe aprouver. Ninguém pode conceder mais poder do que ele próprio<br />

tem; e aquele que não pode tirar sua própria vida, não pode conceder a outro tal poder. Mesmo que ele incorra na<br />

pena capital por sua própria falta, por qualquer ação que mereça a morte, aquele por quem ele perdeu a vida<br />

(quando o tem em seu poder), pode retardar o cumprimento de sua pena e utilizá-lo a seu próprio serviço; e isso<br />

não lhe causa qualquer dano. Mas quando ele considera que a pena imposta pela escravidão ultrapassa o valor de<br />

sua vida, tem o direito de resistir à vontade de seu senhor e provocar para si a morte que ele deseja.<br />

24. Esta é a perfeita condição da escravidão, que nada mais é que o estado de guerra continuado entre um<br />

conquistador legítimo e seu prisioneiro. Desde que façam um pacto entre eles, se concordam que um deles<br />

exercerá um poder limitado, que o outro obedecerá, o estado de guerra e a escravidão deixam de existir enquanto<br />

este pacto durar. Pois, como foi dito, ninguém pode concordar em conceder a outro um poder que não tem sobre<br />

si mesmo, ou seja, o poder de dispor de sua própria vida.<br />

Admito que encontramos entre os judeus, assim como em outras nações, homens que se venderam; mas,<br />

evidentemente, isto só ocorreu em relação ao trabalho servil, não à escravidão. Porque é certo que a pessoa<br />

vendida não estava sob um poder absoluto, arbitrário e despótico, e o senhor não tinha poder para matá-lo,<br />

qualquer que fosse a situação, porque em uma data determinada ele era obrigado a deixá-lo abandonar<br />

livremente o seu serviço; longe de poder dispor arbitrariamente da vida de um tal servidor, o senhor não podia<br />

sequer mutilá-lo propositalmente, pois a perda de um olho ou de um dente implicaria no retorno de sua liberdade<br />

(Êxodo 21).

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