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LOCKE-Segundo_tratado_Sobre_O_Governo

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<strong>Segundo</strong> Tratado <strong>Sobre</strong> o <strong>Governo</strong> Civil 79<br />

158. A regra salus populi suprema lex é certamente tão justa e fundamental que aquele que a segue com<br />

sinceridade não corre um risco grande de errar. Por isso, se o executivo, que tem o poder de convocar o<br />

legislativo, considerar a representação em suas proporções verdadeiras e não suas modalidades acidentais, e se<br />

regulamentar pela razão objetiva e não pelos antigos costumes para determinar o número dos eleitos de cada<br />

uma das localidades que enviam representantes, privilégio ao qual uma parte do povo, mesmo associado, não<br />

poderia pretender senão na medida de sua contribuição ao bem público, esta decisão não tem de modo algum por<br />

efeito a instauração de um poder legislativo novo; ao contrário, ela restaura o poder legislativo antigo, o<br />

verdadeiro, e corrige os defeitos que, com o passar do tempo, vão sendo introduzidos de maneira insensível, mas<br />

inevitável. Como é interesse e intenção do povo ter uma representação honesta e justa, aquele que realiza melhor<br />

este ideal se conduz, certamente, como o fundador do governo e como seu amigo, e não poderia deixar de obter o<br />

consentimento e a aprovação da comunidade. Uma vez que a prerrogativa não é senão um poder nas mãos do<br />

príncipe para promover o bem público naqueles casos que, dependendo de acontecimentos imprevistos e<br />

incertos, teria sido muito perigoso submeter a leis imperativas e imutáveis. Todo ato que tem manifestamente por<br />

objetivo o bem do povo e o estabelecimento do governo sobre suas verdadeiras bases, é e sempre será uma<br />

prerrogativa justa. O poder de criar novas coletividades e por conseguinte novos representantes, supõe que o<br />

número de representantes pode variar com o tempo, que localidades que não tinham o direito de se fazer<br />

representar podem adquiri-lo, e outros, que o possuíam, podem perdê-lo se vêm a se tornar muito insignificantes<br />

para merecer esse privilégio. Não é a transformação da situação atual, provocada talvez pela corrupção ou pelo<br />

declínio, que causa um dano sério ao governo, mas sua tendência para prejudicar ou oprimir o povo, e de isolar<br />

uma parte ou uma facção dele, para discriminá-la e sujeitá-la injustamente ao resto. Tudo o que não pode ser<br />

reconhecido como vantajoso para a sociedade e para o povo em geral segundo critérios justos e duradouros<br />

encontrará sempre em si próprio sua justificativa; e sempre que o povo escolher seus representantes por meio de<br />

medidas justas e inegavelmente eqüitativas, convenientes à estrutura original do governo, não se pode duvidar de<br />

que foram a vontade e o ato da sociedade que o permitiram ou propuseram fazê-lo.<br />

CAPÍTULO XIV<br />

DA PREROGATIVA<br />

159. Quando os poderes legislativo e executivo se encontram em mãos distintas (assim como em todas as<br />

monarquias moderadas e governos bem estruturados), o bem da sociedade exige que várias coisas fiquem a cargo<br />

do discernimento daquele que detêm o poder executivo. Como os legisladores são incapazes de prever e prover<br />

leis para tudo o que pode ser útil à comunidade, o executor das leis, possuindo o poder em suas mãos, tem pela lei<br />

comum da natureza o direito de utilizá-lo para o bem da sociedade em casos em que a lei civil nada prescreve, até<br />

que o legislativo possa convenientemente se reunir para preencher esta lacuna. Há muitas coisas em que a lei não<br />

tem meios de desempenhar um papel útil; é preciso então necessariamente deixá-las a cargo do bom-senso<br />

daquele que detêm nas mãos o poder executivo, para que ele as regulamente segundo o exigirem o bem público e<br />

suas vantagens. Mais que isso, convém às vezes que as próprias leis se retraiam diante do poder executivo, ou<br />

antes, diante da lei fundamental da natureza e do governo, ou seja, que tanto quanto possível todos os membros<br />

da sociedade devem ser preservados. Muitos acidentes podem ocorrer quando a aplicação estrita e rígida da lei<br />

pode prejudicar (como, por exemplo, abster-se de demolir a casa de um homem que nada fez de mal, para deter<br />

um incêndio, quando a casa do vizinho está queimando); às vezes, por uma ação que pode merecer absolvição e<br />

recompensa, um homem pode tombar sob o golpe da lei, que não faz distinção das pessoas; convém, então, que os<br />

governantes tenham o poder de atenuar a severidade da lei e perdoar alguns contraventores, pois o governo tem<br />

por finalidade garantir a preservação de todos, na medida do possível, ainda que se poupem os culpados quando<br />

se pode provar que os inocentes não foram prejudicados.<br />

160. Este poder de agir discricionariamente em vista do bem público na ausência de um dispositivo legal,<br />

e às vezes mesmo contra ele, é o que se chama de prerrogativa. Em alguns governos, o poder encarregado de

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