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GESTA MARIAL DE UM VARÃO CATÓLICO<br />
Intervenção inopinada<br />
do benjamin<br />
Tio Américo, o “financiador” da<br />
candidatura de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
Coloquei-me no último lugar da<br />
mesa, bem em frente ao líder. Assim,<br />
estando vis-à-vis do chefe, se<br />
houvesse qualquer problema, eu me<br />
destacava muito, podendo impor o<br />
ponto de vista da LEC com maior<br />
facilidade. Ele disse:<br />
— Bem, convoquei os<br />
senhores porque temos de<br />
apresentar um programa<br />
para os nossos eleitores. E<br />
o programa é o que eu vou<br />
ler aqui, para ver se os senhores<br />
aprovam ou não.<br />
Primeiro ponto: Separação<br />
da Igreja e do Estado. Segundo<br />
ponto: isto, aquilo...<br />
Eram coisas de política,<br />
que não vêm ao caso.<br />
Constavam as reivindicações<br />
da LEC, que quebravam<br />
o laicismo do Brasil,<br />
entre as quais: proibição<br />
do divórcio, ensino religioso<br />
nas escolas, capelanias<br />
nos hospitais e nas<br />
prisões do Estado e nas<br />
Forças Armadas.<br />
Terminada a leitura, diz<br />
o Alcântara Machado:<br />
— Os senhores querem<br />
fazer alguma objeção?<br />
— Eu quero, <strong>Dr</strong>. Alcântara.<br />
Quase todos os olhares se volveram<br />
para mim.<br />
— Eu tenho um ponto em desacordo<br />
quanto ao primeiro tópico:<br />
separação da Igreja e do Estado.<br />
Não é desejo do Episcopado restaurar<br />
a união da Igreja com o Estado,<br />
mas nós não podemos afirmar que<br />
seja um regime bom. É um mal menor.<br />
Um homem de barba grisalha era<br />
dos poucos que não se haviam voltado<br />
quando eu pedira a palavra.<br />
Mas ao ouvir-me agora, afastou com<br />
estardalhaço a cadeira e fechou a<br />
carranca, como a querer dizer: “Eu<br />
estava vendo que admitir esses carolas<br />
aqui ia dar em encrenca no<br />
primeiro momento!” Eu sabia perfeitamente<br />
quem era ele, pois o encontrara<br />
diversas vezes na casa de<br />
meu tio, o antigo Secretário da<br />
Agricultura.<br />
— Não é que eu pretenda que a<br />
Chapa Única por São Paulo Unido<br />
deva restaurar a Idade Média... (Hipótese<br />
cujo simples enunciado já os<br />
deixou espantados!) Mas declarar<br />
que a separação da Igreja do Estado<br />
é um bem, isto eu, enquanto representante<br />
da LEC, não posso subscrever.<br />
Prefiro renunciar ao meu lugar<br />
na Chapa Única... — concluí.<br />
Enquanto eu falava, o Alcântara<br />
Machado, com um lápis e um papel<br />
na mão, me olhava reflexivo. Logo<br />
interveio em tom conciliador:<br />
— Bom, vamos dar um jeito nisso.<br />
Havia um suspense na sala, pois<br />
parecia que ia estalar a Chapa Única,<br />
perdendo os políticos o apoio<br />
tão cobiçado do eleitorado católico.<br />
— Façamos uma redação que<br />
contente todo mundo — continuou<br />
ele. — Em vez de simplesmente<br />
“separação da Igreja do Estado”, fica<br />
escrito assim: “Mantida a separação<br />
da Igreja do Estado...”. Isso<br />
quererá dizer que a separação vai<br />
ser mantida, mas pode também querer<br />
dizer: “Uma vez que seja mantida...”<br />
Poderá ser interpretada como<br />
tendo um caráter condicional. <strong>Dr</strong>.<br />
<strong>Plinio</strong> então fica satisfeito, e <strong>Dr</strong>. Fulano<br />
também.<br />
— Aí está bem, eu concordo.<br />
Foi o suficiente para se refazer o<br />
ambiente de distensão, que durou<br />
até o término da reunião.<br />
Um velho tio vem<br />
em socorro do sobrinho<br />
idealista<br />
Daí a dias, novo telefonema convocando<br />
para outra reunião da Chapa<br />
Única. Compareci. O Prof. Alcântara<br />
Machado diz: “Nós devemos<br />
cuidar agora das despesas da<br />
eleição. Precisamos ter um secretariado<br />
central, e será necessário que<br />
os candidatos paguem cada qual um<br />
tanto, para fazer face às despesas”.<br />
Saí da reunião sem saber de onde<br />
tirar o dinheiro. Meu bolso estava<br />
ultra-avariado e meu pai tivera um<br />
prejuízo nos negócios enorme, ficando<br />
muito endividado. Na hora<br />
do jantar, em casa, com a mesa presidida<br />
por minha avó, Dª Gabriela,<br />
e estando presentes alguns tios e<br />
primos, eu contei:<br />
— Há tal dificuldade assim, e eu<br />
não sei verdadeiramente como conseguir<br />
esse dinheiro.<br />
Silêncio geral. Eu tivera a esperança<br />
de que alguém propusesse um<br />
rateio. Encontrava-se ali também<br />
um irmão de minha avó, já bem velho,<br />
solteiro e ateu declarado. Ao<br />
notar que ninguém se adiantava, ele<br />
disse:<br />
— Está bom, <strong>Plinio</strong>, se ninguém<br />
quer contribuir, eu pago tudo! Você<br />
me procura depois do jantar para<br />
acertarmos.<br />
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