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Revista LiteraLivre

Revista Literária que une textos de autores do Brasil e do mundo com textos de todos os estilos escritos em Língua Portuguesa. Acesse nosso site e participe também: http://cultissimo.wixsite.com/revistaliteralivre/comoparticipar

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<strong>LiteraLivre</strong> nº 1<br />

Afeição<br />

Lis Dianna - Cabo-frio/Rio de Janeiro<br />

Faz um tempo que eu não vejo mais a senhora do ônibus. É uma senhorinha baixinha,<br />

risonha e bastante tagarela, ela sempre procura sentar ao lado de alguém para puxar<br />

algum assunto.<br />

Dia desses ela sentou ao meu lado e começou a falar da novela e do seu esposo que a<br />

perturbava pra comprar todos os dias ameixas secas, que ele adorava._ Olha que homem<br />

chato. Cisma de comer essa porcaria. Você já viu isso? Eu detesto ameixa quanto mais<br />

seca!<br />

Tão distraída e com mil problemas na cabeça eu estava que nem percebia a velhinha<br />

falar. Então ela me diz:_ Filha esta calada hoje. O que esta havendo, hein?_ Imagina eu<br />

sempre sou quieta. Não é nada. Eu digo a senhorinha que me olha bem dentro dos olhos,<br />

realmente não costumo conversar muito e no ônibus eu gosto mesmo é de ler já que a<br />

viagem é maçante, mas aquela senhora conseguia fazer eu fechar o livro e começar<br />

sempre uma nova conversa ali. Não sei o que ela tinha, mas algo nela me comovia, talvez<br />

fosse seu bom humor ou quem sabe seu mal humor. Porém nesse dia estava com uma<br />

dor de cabeça horrível resultado de um dia complicado no trabalho e uma discussão com<br />

meu chefe. Ela não insistiu em prosseguir enquanto eu apenas sorria.<br />

De repente ela abre a sacola e como sempre me entrega um monte de balas de<br />

caramelo, minhas balas preferidas. Agradeci. Aquela senhora conseguia sempre melhorar<br />

meu dia, na terceira bala a dor de cabeça já nem mais existia. Ela logo desceu do ônibus<br />

e eu nunca mais a vi.<br />

Outro dia sentada no ônibus ouço então o cobrador falando sobre a senhora tagarela,<br />

ele falava com uma mulher que perguntara por ela, certamente uma de suas<br />

“admiradoras’’.<br />

_ Ela mora na rua ao lado do ponto. Minha namorada é vizinha dela. Faz uns dias que o<br />

marido dela morreu. Disfarçadamente eu passo para o banco da frente, assim ouço<br />

melhor a conversa._ Ele vivia em cima da cama estava bem velhinho, eu o conheci.<br />

Parece que já não andava mais e nem falava. Eles não tinham ninguém além deles. Ela<br />

fazia tudo por ele, mas era muito sozinha. Minha namorada disse que ela se mudou. Mas<br />

ninguém sabe pra onde.<br />

Logo depois disso eu entendi porque ela entrava naquele ônibus todos os dias apenas<br />

para conversar. Talvez fosse a única forma dela se distrair. Talvez fosse a única forma de<br />

ela ter alguém pra ouvir suas histórias e distribuir seu afeto. Onde estaria ela agora? Senti<br />

um aperto no peito em saber que não a veria mais entrar naquele ônibus implicando com<br />

o motorista. Lembrei-me daquele dia que eu não quis conversar. Se soubesse que a<br />

senhorinha engraçada não estaria mais ali eu juro que passaria do meu ponto e pediria<br />

pra ela ficar ali até darmos uma volta inteira pela cidade. Eu e a senhorinha com minhas<br />

deliciosas balas de caramelo.<br />

12

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