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Revista LiteraLivre

Revista Literária que une textos de autores do Brasil e do mundo com textos de todos os estilos escritos em Língua Portuguesa. Acesse nosso site e participe também: http://cultissimo.wixsite.com/revistaliteralivre/comoparticipar

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<strong>LiteraLivre</strong> nº 1<br />

violão, sentiu que estava sendo observado. Levantou os olhos levemente e notou uma<br />

presença austera em frente a si. Empertigou-se no caixote, adotando uma postura ereta e<br />

ares de soberano das artes, e começou a tocar freneticamente. Seus dedos deslizavam<br />

pelas cordas, produzindo notas e sons elaborados, seu corpo inteiro parecia mover-se em<br />

consonância àquela melodia. Em sua mente o universo ia tomando forma e cores, criando<br />

vida e exuberância. De olhos fechados, sentindo a música preencher seu vazio interior,<br />

Pedro, por um momento, sentiu sua espinha gelar.<br />

Parou em meio a um acorde complexo. Abriu os olhos. A sombra da figura<br />

agigantou-se sobre si. Notou que a pessoa (era um homem ou uma mulher?) havia se<br />

aproximado mais dele e estava com a mão estendida.<br />

— Companheiro; não sei se você é de fora ou veio do interior, mas, aqui na cidade,<br />

quem está se apresentando é que recebe uma oferta de quem está assistindo. Portanto,<br />

como eu estava aqui expondo minha alma artística e deixando todo meu talento<br />

mergulhar em sua audição banal, você é quem deve me pagar. Não adianta estender<br />

essa mão, a não ser que queira me dar os parabéns por ser um artista tão maravilhoso.<br />

A criatura permaneceu estática, com a mão estendida.<br />

— Escuta aqui, você não vai colaborar não? Tudo bem. Já era de se esperar que<br />

um sujeito tão estranho como você não saberia reconhecer um artista quando o<br />

encontrasse. Agora, vai ficar fazendo hora com a minha cara? Não tenho tempo para lidar<br />

com estupidez, saia da minha frente! – levantou-se abruptamente do caixote e acertou um<br />

tapa na mão da figura com sua mão direita.<br />

Assim que tocou na mão daquela criatura, que até o momento não havia<br />

conseguido decifrar se era um homem ou uma mulher, Pedro Júnior sentiu seu corpo se<br />

retesar. Um frio subiu pela espinhal dorsal, um calafrio se fez notar em seu ventre, os<br />

pelos do braço e nuca se eriçaram. A visão escureceu.<br />

— Mas que merda está acontecendo aqui? – balançava a cabeça feito um pêndulo,<br />

mas nada conseguia visualizar.<br />

Passados alguns minutos de muita tremedeira e angústia, vislumbrou, com o canto<br />

esquerdo de seus olhos, um objeto. Aproximou-se relutante e sorrateiramente, mas,<br />

conforme se aproximava, notou a familiaridade do objeto e avançou a passos largos. Era<br />

seu violão.<br />

Assim que pôs as mãos no violão o ambiente pareceu ganhar vida.<br />

Refletores apontavam luzes sobre seu corpo. Notou que estava sobre um palco de<br />

piso escuro. Colocando as mãos por sobre os olhos, vislumbrou o grande público que o<br />

observava. E, como o narcisista que era, começou a tocar as melodias e músicas mais<br />

complexas que conhecia, passando os dedos por toda a estrutura do violão, emitindo<br />

sons excepcionais, balançando seu corpo envolto naquele rito de prazer e egocentrismo.<br />

O suor pingava de sua face.<br />

Após o que considerou um grande ato, uma apresentação memorável que com<br />

certeza ficaria gravada eternamente na mente de todos ali presentes, Pedro parou de<br />

tocar, fazendo uma grande reverência para o público.<br />

Esperando os aplausos e a ovação, levantou a cabeça, desconcertado. O ambiente<br />

parecia morto. Conferiu mais uma vez por sob a luz dos refletores se a audiência ainda<br />

estava presente... Todos estavam em silêncio.<br />

— Continue! – ecoou uma voz. Não conseguiu distinguir de onde ela vinha. Parecia<br />

que vinha de dentro de seu cérebro.<br />

- Não irei continuar seu bando de estú... – antes de terminar sua ofensa, seus<br />

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