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STORYTELLER<br />
Bliznetsov/iStock<br />
Velho Briza<br />
Candidato ao governo do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, que começara a campanha<br />
com 2% <strong>de</strong> intenção <strong>de</strong> voto<br />
LuLa Vieira<br />
Uma vez minha agência foi contratada<br />
pelo PSDB para fazer a campanha <strong>de</strong><br />
seu candidato ao governo do Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
Ronaldo Cezar Coelho, um empresário<br />
respeitado, rabeira nas pesquisas <strong>de</strong> intenção<br />
<strong>de</strong> voto, mas com um belo potencial<br />
<strong>de</strong> crescimento graças a uma folha corrida<br />
com muitos méritos e um discurso bastante<br />
coerente, além <strong>de</strong> ser uma pessoa simpática.<br />
Na chapa, como senador, meu querido<br />
irmão Técio Lins e Silva, paladino na <strong>de</strong>fesa<br />
dos perseguidos pela ditadura, advogado<br />
brilhante e figura das mais carismáticas. O<br />
vice era o professor Carlos Lessa, ex-presi<strong>de</strong>nte<br />
do BNDES, economista genial e um<br />
dos cariocas mais apaixonados pela sua cida<strong>de</strong>.<br />
Fui o último a ser convidado, numa<br />
equipe que tinha Milton Coelho da Graça,<br />
Bob Feith, que estava voltando <strong>de</strong> Nova<br />
York, on<strong>de</strong> era correspon<strong>de</strong>nte da Globo, e<br />
outros cobrões do mesmo porte.<br />
Junto com eles, vieram alguns dos melhores<br />
profissionais <strong>de</strong> televisão daquela<br />
época, nomes até hoje consagrados, ainda<br />
em plena ativida<strong>de</strong>. Uma equipe <strong>de</strong> sonhos,<br />
num ambiente <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong>licioso. Alugamos<br />
uma casa enorme na Lagoa Rodrigo<br />
<strong>de</strong> Freitas e montamos um estúdio da<br />
maior qualida<strong>de</strong>, capaz <strong>de</strong> produzir os mais<br />
emocionantes programas <strong>de</strong> televisão que<br />
o talento po<strong>de</strong> criar. Estou exagerando? Um<br />
pouco. Mas só um pouco, posso garantir.<br />
Do outro lado, o concorrente, Brizola,<br />
não tinha nada disso, a não ser o carisma<br />
natural do velho engenheiro e a sua charla<br />
<strong>de</strong> estancieiro dos pampas, capaz <strong>de</strong> manter<br />
uma conversação por horas, falando <strong>de</strong><br />
um mundo <strong>de</strong> heróis valentes, frases <strong>de</strong><br />
efeito e imagens poéticas, algumas carentes<br />
<strong>de</strong> sentido. No horário gratuito tínhamos<br />
o mesmo tempo, uns <strong>de</strong>z minutos cada<br />
candidato.<br />
Nós fazíamos programas que tinham cuidado<br />
<strong>de</strong> produção padrão Globo, baseados<br />
nas mais apuradas pesquisas, com textos<br />
que mereciam exames cuidadosos, utilizando<br />
as mais mo<strong>de</strong>rnas técnicas <strong>de</strong> persuasão.<br />
Sabem estas coisas todas que o pessoal<br />
que trabalha com internet fica dizendo<br />
que elegeu o Obama? Pois é, a gente já fazia<br />
mais ou menos isso <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aquela época. Do<br />
outro lado, Brizola vestido com uma camisa<br />
azul tendo ao fundo uma pare<strong>de</strong> também<br />
azul, sem roteiro nem nada, falava o que<br />
lhe dava na telha. Um papo meio <strong>de</strong>sgarrado,<br />
i<strong>de</strong>ia puxando outra, câmera fixa, e<br />
cada vez mais ele subia nas pesquisas. Uma<br />
verda<strong>de</strong> era indiscutível: nossa tecnologia<br />
e nossa arrogância <strong>de</strong> especialistas estavam<br />
per<strong>de</strong>ndo para uma cara que não apresentava<br />
planos <strong>de</strong> governo e dizia coisas que<br />
não tinham significado concreto. Por exemplo.<br />
Todo programa ele se referia a certas<br />
“perdas internacionais” que o Brasil estava<br />
tendo. Nunca explicou o que queria dizer<br />
nem o que isso tem a ver com o estado do<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro. Mas parecia um risco grave.<br />
Resumo: Brizola, um gaúcho, candidato<br />
ao governo do Rio, que começara a campanha<br />
com 2% <strong>de</strong> intenção <strong>de</strong> voto, sem<br />
recursos materiais, com um discurso meio<br />
atabalhoado, subia diariamente nas pesquisas.<br />
E nós empacados. Até que um dia resolvemos<br />
apelar. Entrar na briga direto, na<br />
tentativa <strong>de</strong> polarizar a disputa. E fizemos<br />
um programa da maior profundida<strong>de</strong>, apresentando<br />
nosso plano <strong>de</strong> governo e dando<br />
algumas cutucadas no Brizola, que não<br />
apresentava plano algum. E ficamos esperando<br />
a resposta.<br />
Brizola simplesmente ignorou. O máximo<br />
que fez foi se dizer vítima <strong>de</strong> uma “orquestra<br />
perversa”. E, para nosso candidato,<br />
reservou uma pérola. A certa altura, falando<br />
<strong>de</strong> seus adversários referiu-se a ele como<br />
“um tal <strong>de</strong> Ronaldinho”, com sotaque bem<br />
gaúcho. Per<strong>de</strong>mos. Tirando os CIEPs, Brizola<br />
fez um governo controverso. Um acordo<br />
com Collor trouxe dinheiro para algumas<br />
obras viárias importantes. Já que estava<br />
com a mão na massa, dizem que fez acordos<br />
outros, inclusive na área da segurança.<br />
Mas, apesar <strong>de</strong> cercado <strong>de</strong> uma troupe para<br />
lá <strong>de</strong> suspeita, não enriqueceu. Nem queria,<br />
seu negócio era outro.<br />
Lula Vieira é publicitário, diretor da<br />
Mesa Consultoria <strong>de</strong> Comunicação,<br />
radialista, escritor, editor e professor<br />
lulavieira@grupomesa.com.br<br />
36 5 <strong>de</strong> <strong>junho</strong> <strong>de</strong> <strong>2017</strong> - jornal propmark