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Previz2 - 16.07 VRamalho5

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Homenagem a Um Homem de Bem<br />

e Amigo Sem Falhas<br />

Na esfera das convivências variadas que me trazem o sal da<br />

vida e ajudam a sustentar a esperança nas razões da minha<br />

visão do mundo, Vítor Ramalho tem lugar aparte. O Vítor tem<br />

também lugar aparte entre os que me fizeram compreender e<br />

amar os valores supremos da amizade generosa e solidária. No<br />

nosso caso, uma amizade velha, e sempre nova, vivida desde<br />

os primeiros tempos de Abril, crescentemente reforçada pelo<br />

melhor entendimento que dele fui tendo ao longo de mais de<br />

quatro décadas, tão fúteis em mudanças e continuidades, que<br />

foram moldando o quadro das nossas vidas. Não só no período<br />

do PREC, mas também para além dele, até aos dias de hoje.<br />

Aprecio o Vítor Ramalho como homem público e como amigo.<br />

O que nele se espelha e o que dele emana num e noutro campo<br />

têm rara unidade fundacional. Tanto do lado dos princípios que<br />

o movem como do lado das atitudes e comportamentos que<br />

dão propósito à sua presença constante entre nós.<br />

As intervenções públicas de Vítor Ramalho definem-no incontroversamente<br />

como clarividente e empenhado partidário de<br />

mudanças libertadoras e, ao mesmo tempo, tenaz adversário<br />

de continuidades indignas. Assim, a sua vida foi naturalmente,<br />

e continua sendo, uma saga de combates políticos e sociais,<br />

também culturais, por um lado, a bem da democracia e do<br />

florescimento das imensas capacidades libertadoras que ela<br />

encerra e, por outro, contra importantes situacionismos enraizados<br />

numa imensa teia de interesses a-sociais muito poderosos<br />

em Portugal. Uma luta permanente que a todo o tempo exige<br />

sageza, determinação, jogo de cintura e coragem para dar a<br />

cara, custe o que custar. Uma luta que também exige sempre<br />

paciência, frontalidade, risco e audácia na iniciativa.<br />

Um conjunto de qualidade que justamente têm sido as suas ao<br />

serviço das transformações da sociedade portuguesa numa<br />

perspectiva de aprofundamento da democracia, da justiça e da<br />

solidariedade responsável.<br />

Cedo se distinguiu pela prática, ao mais alto nível das suas possibilidades,<br />

dessa regra de vida.<br />

Recordo aqui, logo na Universidade, o seu profundo empenho<br />

no fortalecimento do movimento estudantil em defesa das liberdades<br />

académicas e cívicas e contra o viso autoritário e anti-democrático<br />

do regime salazarista, irremediavelmente opressivo<br />

tanto no fundo da sua governação como nas suas intervenções<br />

dia a dia. O Vítor foi à luta de tal modo que os seus pares o elegeram<br />

Presidente da Associação de Estudantes da Faculdade<br />

de Direito de Lisboa em 1969.<br />

Sei muito bem o significado que tal eleição tinha no contexto<br />

da época. Nos meus 6 anos universitários participei, tão activamente<br />

quanto pude, na Associação de Estudantes do Técnico,<br />

em cuja direcção me envolvi de alma e coração, com particular<br />

incidência no período da crise académica desencadeada pela<br />

publicação do Dec-Lei n.º 40900 (Dezembro de 1956). Esta foi<br />

a primeira crise de contestação do regime que obrigou Salazar<br />

a recuar, retirando publica e definitivamente essa legislação.<br />

Acabado o Técnico, continuei a acompanhar o movimento es-<br />

tudantil-<br />

Na década de 60, as Associações de Estudantes ganharam assinalável<br />

relevo e notoriedade à escala nacional. Atesta-o bem<br />

a repercussão das crises de 1962 e 1969 em Lisboa e Coimbra.<br />

No termo da década a exigência de mudança de regime crescia<br />

manifestamente em extensão e força. A guerra colonial tinha-se<br />

tornado uma chaga fatal para o regime. O país ia tomando<br />

plena consciência de que o regime não tinha nem solução<br />

militar que pudesse ser esmagadoramente Vítoriosa em toda a<br />

extensão do território colonial, nem solução política que pudesse<br />

pôr fim à intervenção armada..<br />

Ninguém mais desesperadamente consciente desse impasse<br />

absoluto que os jovens de todas as origens e condições, na<br />

generalidade dos casos largamente acompanhados pelos seus<br />

familiares. O espectro da sucessão sem fim das mobilizações<br />

militares maciças, destinadas a guarnecer as frentes de combate<br />

e a quadrícula de ocupação das colónias, fez cair uma<br />

pesada cortina de chumbo aniquiladora dos horizontes tipicamente<br />

esperançosos da juventude. Sem surpresa, nesse contexto<br />

a grande maioria dos estudantes universitários tornou-se<br />

acérrima adversária do regime e abriu-se consequetemente a<br />

frontal e permanente pró-actividade. Do mesmo passo, também<br />

assumiu, inevitavelmente, a politização em vários graus do seu<br />

combate por um futuro livre do espectro da guerra colonial.<br />

Nestas condições, as Associações de Estudantes não poderiam<br />

deixar de ser solicitados a estender e a aprofundar as suas<br />

responsabilidades e actividades segundo os mais variados<br />

planos. Alguns deles novos e de grande complexidade, face à<br />

natural diversidade do corpo estudantil. Em correspondência,<br />

cresceu enormemente o acervo de qualidade relacionai, de solidez<br />

de carácter e de fundamentada cultura política, no mais<br />

nobre sentido do termo, exigido aos líderes das Associações<br />

de Estudantes. Só se enfrenta eficazmente a complexidade<br />

mediante dinâmicas globais assentes em princípios claros e<br />

eticamente compulsivos, em flexível pensamento e acção, no<br />

espírito de aberta cooperação e mobilização, na força e subtileza<br />

de propósitos habilmente trabalhados no terreno a golpes<br />

de equipas motivadas.<br />

Tudo atributos que têm tido singular manifestação ao longo da<br />

vida do Vítor.<br />

Porque razão chamei à colação a trajectória do movimento estudantil<br />

nos anos 60 e dei especial relevo ao fim dessa década?<br />

Porque penso que foi a inserção prestigiosa do Vítor nesse movimento<br />

que lhe forneceu o cadinho essencial do apuramento<br />

do seu carácter, da sua personalidade pró-activa, da sua fidelidade<br />

ao culto de princípios e de valores fundamentais da democracia,<br />

da justiça e da solidariedade-. Tenho para mim que aí<br />

se forjou muito do Homem de Bem a que devemos homenagem.<br />

O CV de Vítor Ramalho na vida pública é vasto e diversificado:<br />

advogado sindical nos anos de brasa, membro do Governo por<br />

duas vezes, no Trabalho e na Economia, influente consultor do<br />

Presidente da República, deputado e Presidente de Comissão<br />

Parlamentar, membro de reconhecido mérito, assim oficialmente<br />

designado, do Conselho Económico e Social, lúcido e<br />

desassombrado interveniente na política nacional como dirigente<br />

do PS, dirigente da Cruz Vermelha, do INATEL e da UCCLA,<br />

activista maior da lusofonia e do relacionamento de Portugal<br />

com Angola, dirigente de várias associações e promotor de fundamentais<br />

iniciativas nesse dominio.<br />

São inúmeros e relevantes os serviços que a todos prestou, bem<br />

acima dos habituais oportunismos partidários.<br />

Nunca esquecerei a determinação e eficácia que, no Governo,<br />

soube pôr ao serviço da salvação de milhares postos de trabalho<br />

em empresas em dificuldades. Recordarei sempre a profunda<br />

pedagogia e acerto estratégico de tantas intervenções suas<br />

no Parlamento e no PS. Tal como terei também presente o largo<br />

horizonte e a paixão sem limites que conduziram e continuam<br />

conduzindo os seus combates pela lusofonia, com particular<br />

ênfase no que diz respeito a Angola, terra do seu nascimento e<br />

centro de um dos seus dois mundos.<br />

A tudo isto acresce a marca forte do Vítor como homem de cultura<br />

aberto à promoção dos mais diversos projectos criativos..<br />

No plano pessoal, ofereceu-nos, com a maior das simplicidades,<br />

contributos da sua sensibilidade artística, como a exposição<br />

da sua pintura, e a sua capacidade de enquadrar ideias,<br />

valorizar factos e relevar comportamentos através de extensa<br />

comunicação escrita. A sua última obra, Crónica de Uma Amizade<br />

Fixe, é exemplar a esse título.<br />

Não poderia terminar o meu testemunho sem agradecer ao<br />

Vítor a amizade sem falha que nos une. Uma amizade como<br />

não conheço outra. De dupla raiz, espelho de uma afeição indefectivelmente<br />

enraizada tanto no melhor que os portugueses<br />

são capazes de oferecer, como na honra de “mais velho” que o<br />

Vítor generosamente me faz de acordo com o melhor da cultura<br />

angolana. Também nasci em Angola: somos patrícios. E isso<br />

esteve sempre presente na nossa amizade sem igual.<br />

- 79 -<br />

Longa Vida a Vítor Ramalho,<br />

Homem de Bem e Amigo sem Falha.<br />

João Cravinho

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