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LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />
Ele é ele, envolto por elementos rasos,<br />
dominando-os só por si. Muito<br />
mais do que sua altura, vale sua unicidade.<br />
A esta característica do Mont<br />
Saint Michel correspondem também<br />
algumas disposições da alma humana.<br />
De fato, há coisas que ela admira<br />
quando são únicas e não vêm<br />
acompanhadas de outras igualmente<br />
belas. Por exemplo, uma jóia constituída<br />
apenas de uma fina corrente<br />
de platina, da qual pende um brilhante<br />
grande e claríssimo, posta<br />
sobre um fundo de veludo negro,<br />
pode ser mais esplêndida do que<br />
uma outra emoldurada por cem pedras<br />
preciosas. Às vezes é mais<br />
bonito ostentar essa valiosa companhia,<br />
outras vezes é apresentando-se<br />
como único. São estados do<br />
belo, que equivalem a estados do<br />
espírito humano: ora cada um de<br />
nós lucra sendo visto no seu contexto,<br />
ora considerado na sua unicidade.<br />
E para alçarmos logo o supremo<br />
vôo dessas comparações, digamos<br />
que esse aspecto do Mont Saint Michel<br />
é uma pequena imagem do por<br />
onde o próprio Deus é único. Essa<br />
é uma rocha firme e alta, no meio<br />
de areias e praias movediças, como<br />
Deus é eterno e supremo no meio<br />
do movediço das coisas que Ele<br />
criou.<br />
* * *<br />
O rochedo e a vegetação. Destruamos<br />
esta e veremos como a<br />
aparência daquele fica prejudicada.<br />
Porque é agradável vislumbrar algum<br />
aspecto do mosteiro a perderse<br />
na mata cerrada, a qual imaginamos<br />
fresca, coberta de sombras, e<br />
talvez umedecida por duas ou três<br />
fontes que, nascidas do alto, por ela<br />
correm num suave e apaziguante<br />
murmúrio...<br />
Sem dúvida, é interessante ver o<br />
edifício como que se desfazendo em<br />
sombras e mistérios. Tanto ou mais<br />
bonito é vê-lo claro, altivo, agarrando-se<br />
ao rochedo que lhe serve de<br />
alicerce e dominando-o; é contemplá-lo<br />
na elegância de suas linhas<br />
que avançam para o céu, e na<br />
solidez de suas pedras que resistem<br />
e se afirmam diante dos elementos<br />
adversos.<br />
É bela a alma humana quando,<br />
com franqueza, proclama sua personalidade,<br />
se exprime e se define. É<br />
igualmente bela quando, com discrição,<br />
conserva alguma coisa consigo,<br />
exclusivamente sua. Ter seus<br />
mistérios e suas explicações, ter suas<br />
proclamações mas também suas intimidades,<br />
constitui um jogo de aspectos<br />
muito nobre para o espírito<br />
humano. Então, não será algo em<br />
nós que aprecia sua própria penumbra,<br />
e se deleita em olhar para o<br />
Mont Saint Michel? E não será algo<br />
em nós, sedento de proclamar-se, de<br />
afirmar-se e de ser uma fortaleza,<br />
que se identifica com esse monte<br />
que assim se declara à luz do sol?<br />
Sim, em todo homem se encontram<br />
essas várias disposições. Temos,<br />
em nossa alma, facetas que<br />
gostariam de se mostrar inteiras,<br />
sem véus; temos zonas delicadas<br />
que confiamos a poucos; e outras<br />
que, embora façam parte de nossa<br />
riqueza, nem nós conhecemos e<br />
tão-só as pressentimos, pois são vistas<br />
apenas por Deus.<br />
Resultado, a alma humana encontra<br />
na variedade do Mont Saint<br />
Michel uma expressão de si mesma,<br />
uma semelhança e uma alegria.<br />
* * *<br />
O mosteiro, mais bem um conglomerado<br />
de prédios distintos, tem<br />
algo de fortaleza, algo de residência<br />
e algo de igreja.<br />
Ombreando-se por entre as irregularidades<br />
do morro, as casas de<br />
uma pequena aldeia se eclipsam à<br />
sombra do grande e proeminente<br />
edifício religioso. No interior deste,<br />
um claustro que exprime ordenação<br />
e sabedoria extraordinárias, nascidas<br />
da piedade medieval, filha ela<br />
mesma da ordem e da sapiência da<br />
Igreja Católica. Imaginemos a vida<br />
entre essas paredes sagradas: monges<br />
estudando em magníficas bibliotecas<br />
ou cantando o Ofício na<br />
igreja; um que se acha recolhido em<br />
sua cela, desenhando lindas iluminuras<br />
num pergaminho, enquanto<br />
outro na oficina entalha um bonito<br />
capitel para uma coluna ainda desprovida<br />
de ornatos.<br />
Depois, na periferia das construções,<br />
há espaços para a luta e a<br />
guerra. Confundindo- se com as rochas,<br />
erguem-se como que muralhas<br />
nas quais podemos figurar mongescruzados<br />
resistindo e expulsando,<br />
passo a passo, os invasores que debalde<br />
intentam conquistar a fortaleza<br />
inexpugnável.<br />
Como tudo se encaixa bem no<br />
Mont Saint Michel! Síntese de oração,<br />
de estudo, de recolhimento, de<br />
arte e de luta. Unicidade que encontra<br />
sua máxima expressão na torre<br />
do campanário, forte, desafiante, inamovível,<br />
como se fora um pesa-papéis<br />
colocado sobre papéis diferentes,<br />
como quem diz: “O vento não os<br />
faz esvoaçar nem os tira daqui!”<br />
No alto dessa torre, uma flecha.<br />
No cimo da flecha, a estátua do Arcanjo,<br />
que parece proclamar: “A síntese,<br />
a correlação de todos esses aspectos<br />
é tão vária e tão imensa que<br />
se perde nas nuvens, abisma-se no<br />
céu!”<br />
E então poderíamos dizer que,<br />
no seu conjunto, o Mont Saint Michel<br />
é um magnífico símbolo do Sapiencial<br />
e Imaculado Coração de<br />
Maria, Rainha dos Doutores, Rainha<br />
dos Profetas, Rainha dos Mártires<br />
e dos Guerreiros, Rainha de<br />
todos os Santos.<br />
Mais. Símbolo d’Aquele que veremos<br />
face a face na bem-aventurança<br />
eterna, no seu vulto inteiro,<br />
embora não na totalidade de cada<br />
uma das suas perfeições: Deus Nosso<br />
Senhor, infinitamente claro e infinitamente<br />
misterioso, pelos séculos<br />
dos séculos. Amém! <br />
Sudres/Maison de la France<br />
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