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HISTÓRIAS<br />
Passando por aqui<br />
T<br />
enho uma hora antes de começar meu trabalho.<br />
Estou sentada em frente ao computador,<br />
escrevendo estas palavras num caderno<br />
que carrego para cima e para baixo.<br />
Esquento-me com uma xícara de café, só é<br />
a segunda do dia. Não posso demorar, porque já sei que<br />
minhas mãos não conseguem acompanhar meus pensamentos,<br />
ainda mais quando uma ideia surge.<br />
Decidi que essa crônica será sobre Curitiba, ou melhor,<br />
sobre Curitiba que alguém dos anos 60 ou 70 viveu<br />
e só posso ter um vislumbre da época, das pessoas, da<br />
cidade por meio de relatos. Assim, consigo formar uma<br />
nítida imagem de como era essa cidade de que tanto<br />
ouço falar e que não consigo reconhecer pelas ruas que<br />
passo. Fico a imaginar.<br />
A moça está no sofá da sala de visita, conversando<br />
ao telefone, ou melhor, sussurrando. Ela sabe que não<br />
pode ficar muito tempo – telefone era artigo de luxo<br />
naquela época. Então, marca logo o programa de sábado<br />
com a amiga. Já pediu permissão aos pais, eles já fizeram<br />
todo o interrogatório: aonde vai? Com quem? Que horas?<br />
E determinaram o horário de volta, como sempre às 22h.<br />
O cinema fica na Rua XV de Novembro ou perto de<br />
lá – não tenho certeza, a história não é minha – o grupo<br />
de amigos se encontram na frente da bilheteria. A moça<br />
olha com timidez e o rapaz devolve o olhar na mesma<br />
moeda, talvez mais tímido, e um sorriso no canto da<br />
boca. Enquanto todos entram para tentar pegar o melhor<br />
lugar, os dois, moça e rapaz, se encontram na hora de<br />
comprar pipoca e refrigerante. O tempo não passa, são<br />
os cinco minutos mais longos de suas vidas. O silêncio<br />
predomina e, mesmo assim, ela deseja para sempre esse<br />
momento e anseia que o sentimento seja recíproco.<br />
Depois do cinema, o grupo de amigos decide passar<br />
na Confeitaria das Famílias, que fica na XV de Novembro<br />
– essa tenho certeza, porque ainda existe e conheço<br />
bem. Risadas, comentários sobre o filme e muitos olhares<br />
entre moça e rapaz, embalam a noite. A moça fica<br />
atenta no relógio e 22h em ponto, está em casa como<br />
combinado com os pais. Já fez o relatório do passeio<br />
para os pais e já está na cama. Mesmo exausta, o sono<br />
não chega, porque as lembranças da noite não a deixam<br />
em paz e tudo o que ela quer é que o próximo sábado<br />
chegue logo. Haverá baile no clube, ela vai com os<br />
pais – moça direita deve estar em família nesses eventos<br />
– e se tudo der certo, o rapaz vai pedir permissão para<br />
dançar com ela.<br />
Como se diria hoje: esse foi um dos rolês – gíria paulistana<br />
dos anos 80, muito usada pelos jovens de hoje<br />
– de uma jovem dos anos 60 ou 70, não sei ao certo. Foi<br />
um momento de um tempo que não volta mais, de uma<br />
Curitiba que já não existe, pois essa se modificou, assim<br />
como as pessoas e seus rolês.<br />
Foto: divulgação<br />
Por Patricia Munhoz<br />
82<br />
outubro 2018<br />
revistavoi.com.br