FEVEREIRO-2020 - Nº 261
Centro Lusitano de Zurique
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DESPORTO
31
© JOSE COELHO/LUSA
Paulo Gonçalves seguiu
viagem para um outro Dakar
LUÍS OSÓRIO
Impressionantes as imagens da chegada
do corpo de Paulo Gonçalves a Esposende.
Milhares na rua, centenas de motards
a acompanharem a última viagem de um
herói – porventura do maior herói de uma
cidade que se uniu para a despedida.
Ouvi e comovi-me com o minuto de silêncio,
um silêncio ensurdecedor o daquelas
tantas pessoas que se transformaram
numa só.
Estou a ouvir a minha canção preferida
dos Madredeus. “Coisas Pequenas” canta
a Teresa Salgueiro. E Paulo Gonçalves,
que amanhã será sepultado, era amado
por todos precisamente por ousar ir tão
longe mantendo-se tão perto dos seus.
E também por não se importar de perder
tempo para ajudar quem vinha atrás. Ou
por ser o primeiro a amparar quem precisava
de ser amparado no deserto onde
acabaria por morrer. Ou para acudir os
colegas que caíam. Ou para ser o Speedy,
como era conhecido no pelotão do
Dakar, o mais rápido. Coisas pequenas
que, afinal, são maiores.
Paulo nunca ganhou a prova das provas.
Ficou em segundo lugar há uns anos,
mas nem por isso era o mais requisitado
pelos colegas, pelas marcas, pelos jovens
aspirantes ao deserto, pelos que se
iniciavam na inclemente corrida contra si
próprios ou para dentro de si próprios, o
que é a mesma coisa.
Diz quem com ele conviveu que nas
noites de deserto falava de Esposende.
Contava das praias, dos ranchos das
procissões, do verde, dos dois filhos que
brincavam como ele brincava. Os filhos
e a mãe deles, a família que construiu e
o viu partir em dezembro para mais um
deserto. O seu último deserto.
Tantas notícias hoje. A do polícia que espancou
uma mulher por ser preta. Que a
pôs dentro do carro e a humilhou à frente
de uma menina de oito anos. Por serem
pretos e certamente nas suas doentes
cabeças abaixo de humanos – como
qualificar o comunicado de um sindicato
da PSP que envergonha qualquer pessoa
de bem? Tantas notícias. A do gestor de
Isabel dos Santos que se suicidou.
E outras, tantas.
Mas só me ocorre escrever sobre o homem
que foi ao deserto e se perdeu para
agora o encontrarmos e nos encontrarmos
a nós com o que realmente interessa.
Paulo era um homem bom. Que por um
dia possamos celebrar a história de um
homem bom que ousou desafiar o deserto.
E que chegou hoje a Esposende para
que amanhã possa seguir viagem para
um outro Dakar onde o espera uma corrida
de gigantes.
Fevereiro 2020 | Lusitano de Zurique | www.cldz.eu