Bauru de todos nós
Livro da Academia Bauruense de Letras em homenagem a Bauru no seu 124º aniversário
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saía de casa, sabe, naquele tempo, ia jantar, ia aos bares...
Sexta-feira das noites mágicas, com as perspectivas do sábado!)
Ninguém. E eu ali pensando que pelo menos tinha
uma cadeira confortável, para passar a noite. Pelo vidro via
a TV ligada emendando satisfeita a programação a seu bel
prazer. Agora, um daqueles programas de bolos de gosto
duvidoso. Novamente ensaiei umas palavras. Não iria gritar
“socorro”. Manteria a dignidade. E optei por um texto mais
discreto: “Alguém está me ouvindo? Tem alguém aí?” Uma
voz respondeu: “Sim, o que houve?” Era a vizinha de cima
(o som sobe...) Um único andar acima, depois o espaço infinito.
Por sorte eu ainda guardava resquícios do mundo précelular
e sabia de cor o número do telefone de minha sobrinha.
Ela, curtindo um programa – era sexta-feira! – do outro
lado da cidade, atendeu, por sorte: número desconhecido.
Avisou a irmã que mora perto de meu prédio e que chegou
em pouco tempo – elas tinham a chave da porta de entrada.
Na reunião da Oficina da Palavra, na terça, contei o
ocorrido. E levei um conto de Lígia Fagundes Telles para ler:
“Venha ver o pôr do sol”, em que uma moça é presa numa
capela de um cemitério abandonado pelo namorado, inconformado
com o rompimento. E enquanto ele se afastava, ela
chamava em vão e seus gritos ficavam cada vez mais débeis.
Lá também o pôr do sol era magnífico. Mas já não tinha mais
ninguém para contemplar o espetáculo.
Cecilia de Lara