ESPECIALO universo digital e o mutualismoRodrigo Belloube*ANOSQuem de nós diria, apenas alguns meses atrás,que estaríamos em casa, em quarentena, portodo esse tempo? E um elemento onipresentenessa nova jornada é, como nunca antes, o universodigital. Redes sociais, aplicativos de comunicação, gruposvirtuais; todos servindo à necessidade humana desocializar-se, divertir-se, expressar-se, compartilhar,trabalhar. Trouxemos para casa boa parte de nossasatividades, do estudo ao exercício físico, do trabalhoaos “encontros”, com os ecossistemas digitais viabilizandonossa interação com o mundo.Essa socialização em torno de interesses comunsnão é fenômeno novo, pelo menos se desconsideradasua faceta digital. Afinal, como nos ensinouYuval Noah Harari em sua obra Sapiens – Uma BreveHistória da Humanidade, a vantagem competitiva dohomem sobre outros primatas com quem concorreuna linha evolutiva, ao longo de milhares de anos, foijustamente sua capacidade de organizar-se socialmente.Paradoxalmente, como nos mostram DanielGoleman e muitos outros estudiosos do cérebro humano,este pouco evoluiu desde a época em que éramoscaçadores nômades, embora lide hoje com demandasradicalmente diferentes.Entre matricular-se em uma única academia deginástica e associar-se a um aplicativo que lhe dê acessoa várias outras (e a treinos pela web) a um preçomais competitivo, provavelmente você escolherá a segundaopção. Juntos, usuários do aplicativo formamum grupo imenso de consumidores que academias deginástica não poderiam simplesmente ignorar. Com“risco” não é tão diferente. O princípio do mutualismo,da formação de fundos cuja finalidade é a proteção deseus associados em face de situações contratadas como gestor, a seguradora, teve desde sempre relação diretacom os benefícios da agregação de consumidores,embora a digitalização tenha chegado depois.Os critérios que nos fazem optar por determinadoaplicativo, rede social ou ferramenta de comunicaçãovariam, mas frequentemente incluem a percepçãode como são tratadas nossas informações pessoais,a quantidade de conhecidos que usam o mesmo recurso,as funcionalidades existentes. E com seguro eresseguro? Quais seriam os critérios mais comuns?Na indústria de riscos, o fundo mútuo formadopelas contribuições individuais não é, via de regra, suficientepara proteger seus contribuintes contra todosos cenários contratados a que se sujeitam. Para umaproteção mais robusta contra cenários de estresse,capitais adicionais são fornecidos por acionistas eresseguradores, que buscam em contrapartida remuneraçãocompatível com o risco assumido. A robustezdessa cadeia tem relação direta com a resiliência doselos que a formam. Balanços e governança de melhorqualidade trazem valor ao sistema, particularmenteem conjunturas como a atual.Cenários de pico ganham em criticidade àmedida que migramos para carteiras formadas porempresas e empreendimentos cujo mosaico de riscosassume magnitudes econômicas múltiplas vezesmaiores. Interessantemente, o resseguro vem se mostrandotambém competitivo enquanto capital paracarteiras voltadas ao mercado consumidor (seguro deauto, por exemplo).Resseguradores com atuação global têmeficiência maior – mais especificamente, precisamproporcionalmente de menos provisões em seus balançospara fazer frente a seus próprios cenários deestresse -, uma vez que sua diversificação geográficae multidisciplinaridade de atuação produzem benefíciosde pulverização de riscos. Não se trata de umnegócio local por natureza.O mutualismo precisa ser robusto o suficientepara honrar seus resgates, remunerar os fornecedoresde capital que garantem o sistema, custear seu complexoadministrativo, bem como suas atividades decomercialização. Qualquer flutuação em variável deentrada – por ex., da taxa de juros aplicável aos investimentosdo fundo, ou o aumento da sinistralidade -,implica na necessidade de que as contribuições individuaissejam ajustadas, sob pena de comprometimentodo equilíbrio econômico do sistema.Há inúmeras oportunidades à mesa para a indústriade seguros e resseguros no novo normal desdeque seus próprios fundamentos se mantenhamcoesos e ela agregue valor aos ecossistemas digitais.56
RODRIGO BELLOUBE * Diretor-presidente da Munich Re do Brasil57