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Dona Lucilia<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> no Cemitério da Consolação em 1990<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
enorme na Providência, a qual marcava<br />
a vida dela e explicava a suavidade,<br />
dando-lhe o suporte racional.<br />
Porque, por mais que essa seja uma<br />
bela virtude, só o é porque é razoável.<br />
Ora, qual era o fundamento da<br />
atitude de mamãe perante as coisas?<br />
Deveria haver um fundamento<br />
razoável. Se não tivesse, não seria<br />
católico, nem seria virtude e eu não<br />
o quereria. Se alguém dissesse simplesmente:<br />
“Esse sentimento é belo,<br />
portanto, é razoável”, eu não poderia<br />
ser um bicho-preguiça e, achando<br />
isso belo, deixar de procurar o verum<br />
que existe por detrás. Pelo contrário,<br />
o verum deve ser encontrado.<br />
Algo me diz que assim se deve ser<br />
e que nós devemos ser infatigáveis<br />
nesse esforço: a razão demonstrou,<br />
logo procure o pulchrum; o pulchrum<br />
demonstrou, então procure a razão.<br />
E dessa “ogivalidade” resulta o bem-<br />
-estar e a missão cumprida da alma.<br />
Serenidade em todas<br />
as circunstâncias<br />
Naturalmente, eu procurava fazer<br />
isto a propósito dela e encontrava<br />
sempre o seguinte: na ponta dos<br />
horizontes mais aflitivos, um ato de<br />
confiança. No extremo das preocupações<br />
podiam aflorar mil coisas,<br />
mas, depois, de repente, no término<br />
mais pungente, estava a serenidade.<br />
O que explicava a paciência e a bondade<br />
dela.<br />
Ela olhava para esse fim de horizonte<br />
como olhava o Sol cair sobre<br />
a Praça Buenos Aires ou na Rua<br />
Alagoas, entre o arvoredo da alameda<br />
ainda não poluída pelos horrores<br />
que se espargiram depois. Às vezes<br />
ela comentava como estava bonito.<br />
Ela tinha a mesma posição de alma<br />
e o mesmo modo de olhar, a mesma<br />
serenidade. Por quê? A pergunta vai<br />
até lá.<br />
Eu me lembro dela, já bem idosa,<br />
com um incômodo digestivo consideravelmente<br />
mais sério do que o<br />
comum. Mandei chamar o médico.<br />
Para uma pessoa daquela idade a visita<br />
de um médico pode significar<br />
uma sentença de vida ou de morte.<br />
Mas ela não tinha bem ideia até que<br />
ponto a morte pendia sobre ela.<br />
Quando o médico foi examiná-la,<br />
pouco antes de ela entrar na sala, disse-me:<br />
“Meu filho, se você soubesse<br />
que horror sua mãe tem a câncer!”<br />
Aí me dei conta de que ela passou<br />
a vida inteira com essas perturbações<br />
digestivas e, tendo essa espécie<br />
de horror a câncer, ela poderia<br />
ter pensado várias vezes nessa hipótese.<br />
Habituado desde pequeno a vê-<br />
-la com esses incômodos, nunca me<br />
passou pela cabeça que ela viesse a<br />
ter essa doença. Quando eu era pequeno<br />
não se falava em câncer, esse<br />
mal foi um fruto da modernidade,<br />
não a doença enquanto tal, mas<br />
a disseminação.<br />
E pensei comigo: “De repente é.<br />
E a morte de câncer é inexorável e<br />
muito dolorosa.” Após o exame, o<br />
médico foi para o salão conversar<br />
com minha irmã, minha sobrinha e<br />
comigo. Durante a exposição, chamei<br />
a atenção dele de propósito, cortei<br />
a explicação e lhe perguntei:<br />
— Doutor, será câncer?<br />
Ele teve um pequeno sobressalto<br />
e deu a seguinte resposta:<br />
— Por enquanto não se tem o direito<br />
de pensar nisso.<br />
Não tinham aparecido os sintomas<br />
próprios para definir se era ou<br />
não câncer. Mas, se compreende,<br />
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