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Jean-Baptiste Debret(CC3.0)<br />
À esquerda, Dom João VI - Museu de Belas Artes, Rio de Janeiro.<br />
À direita, Marechal Deodoro - Museu da República, Rio de Janeiro<br />
Somos um povo<br />
que tem o defeito de<br />
suas qualidades. Propensos<br />
habitualmente<br />
a tudo que é bom,<br />
infelizmente não somos<br />
ao mesmo tempo<br />
infensos a tudo quanto<br />
é mau. Em geral, os<br />
outros povos, quando<br />
amam uma verdade,<br />
odeiam o erro que<br />
lhe é contrário. E reciprocamente,<br />
quando<br />
amam o erro detestam<br />
a verdade que a ele se<br />
contrapõe. Em última<br />
análise, é pelo jogo<br />
desse princípio que<br />
se explicam as grandes<br />
fidelidades, como as<br />
grandes apostasias. Na<br />
psicologia do brasileiro,<br />
o ódio explícito e declarado<br />
à verdade e ao<br />
bem é raro. Neste sentido somos um<br />
dos melhores povos da Terra. Mas,<br />
quando se trata, para nós, de deduzir<br />
do amor à verdade e ao bem uma<br />
atitude militante contra o erro e o<br />
mal, o caso é outro. E no fundo isto<br />
se dá porque o princípio de contradição<br />
é antipático à pacatez brasileira.<br />
Uma expressão muito conhecida<br />
exprime em linguagem popular o<br />
princípio de contradição: “pão, pão;<br />
queijo, queijo”. Mas, em inúmeros<br />
casos, confundimos pão com queijo.<br />
Esta tendência de espírito se reflete<br />
em muitos aspectos da nossa<br />
mentalidade. O Brasil é uma República.<br />
Entretanto, em nenhum lugar<br />
o monarca destronado e a monarquia<br />
deixaram mais saudades. Separamo-nos<br />
de Portugal numa atmosfera<br />
borrascosa. Entretanto, no tratado<br />
em que a antiga Metrópole reconhecia<br />
nossa independência asseguramos<br />
a D. João VI até o fim de<br />
seus dias o título de Imperador do<br />
Brasil. O quadro corrente, e por assim<br />
dizer oficial do Marechal Deodoro,<br />
proclamador da República,<br />
apresenta-o com o peito constelado<br />
com as insígnias do Império que derrubou.<br />
Expulsamos em 1930 o Presidente<br />
Washington Luiz. Restaurado<br />
o regime constitucional, regressou<br />
ele ao Brasil num ambiente de respeito<br />
e de simpatia tão gerais que,<br />
com exceção de D. Pedro II, nenhum<br />
homem público reuniu em torno de<br />
si unanimidade maior. Por que então<br />
foi destituído? Dessas pitorescas<br />
contradições, poder-se-ia fazer uma<br />
longa lista.<br />
Talvez, à vista destas reflexões, algum<br />
leitor sorria, pois não deixa de<br />
ter algo de simpático e tranquilizador<br />
um tal cúmulo de bonomia.<br />
Soluções intermediárias:<br />
fruto do amortecimento do<br />
princípio de contradição<br />
Mas estudemos este assunto no<br />
terreno da moral. Trata-se de analisar<br />
esta tendência psicológica, para<br />
ver se é conforme à Lei de Deus. E<br />
não é com meros sorrisos, mas com<br />
muita seriedade que se resolvem os<br />
problemas morais.<br />
Aquele que veio ao mundo para<br />
pregar as bem-aventuranças nos deixou<br />
por preceito que fôssemos fiéis<br />
ao princípio de contradição: “Seja<br />
vossa linguagem sim, sim; não, não”<br />
(Mt 5, 37). E se tal deve ser nossa linguagem,<br />
tal deve ser nosso pensamento.<br />
Em matéria de moral, mais<br />
do que em qualquer outra, todo excesso<br />
é um mal, ainda que seja de<br />
qualidades tão simpáticas quanto a<br />
bonomia e a suavidade de trato. E<br />
um mal que conforme o caso pode<br />
tornar-se muito grave.<br />
Exemplifiquemos. No terreno religioso,<br />
não é bem verdade que o<br />
amortecimento do princípio de contradição<br />
nos conduz com muita frequência<br />
a atitudes lamentáveis?<br />
Quantos são os católicos que se julgam<br />
no direito de discordar da Igreja<br />
em algum ou em muitos pontos?<br />
Com isto, embora se ufanem de católicos,<br />
pecam contra a fé. Por quê?<br />
Museu da República/IPHAN/Minc(CC3.0)<br />
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