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Revista Dr Plinio 297

Dezembro de 2022

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Jean-Baptiste Debret(CC3.0)<br />

À esquerda, Dom João VI - Museu de Belas Artes, Rio de Janeiro.<br />

À direita, Marechal Deodoro - Museu da República, Rio de Janeiro<br />

Somos um povo<br />

que tem o defeito de<br />

suas qualidades. Propensos<br />

habitualmente<br />

a tudo que é bom,<br />

infelizmente não somos<br />

ao mesmo tempo<br />

infensos a tudo quanto<br />

é mau. Em geral, os<br />

outros povos, quando<br />

amam uma verdade,<br />

odeiam o erro que<br />

lhe é contrário. E reciprocamente,<br />

quando<br />

amam o erro detestam<br />

a verdade que a ele se<br />

contrapõe. Em última<br />

análise, é pelo jogo<br />

desse princípio que<br />

se explicam as grandes<br />

fidelidades, como as<br />

grandes apostasias. Na<br />

psicologia do brasileiro,<br />

o ódio explícito e declarado<br />

à verdade e ao<br />

bem é raro. Neste sentido somos um<br />

dos melhores povos da Terra. Mas,<br />

quando se trata, para nós, de deduzir<br />

do amor à verdade e ao bem uma<br />

atitude militante contra o erro e o<br />

mal, o caso é outro. E no fundo isto<br />

se dá porque o princípio de contradição<br />

é antipático à pacatez brasileira.<br />

Uma expressão muito conhecida<br />

exprime em linguagem popular o<br />

princípio de contradição: “pão, pão;<br />

queijo, queijo”. Mas, em inúmeros<br />

casos, confundimos pão com queijo.<br />

Esta tendência de espírito se reflete<br />

em muitos aspectos da nossa<br />

mentalidade. O Brasil é uma República.<br />

Entretanto, em nenhum lugar<br />

o monarca destronado e a monarquia<br />

deixaram mais saudades. Separamo-nos<br />

de Portugal numa atmosfera<br />

borrascosa. Entretanto, no tratado<br />

em que a antiga Metrópole reconhecia<br />

nossa independência asseguramos<br />

a D. João VI até o fim de<br />

seus dias o título de Imperador do<br />

Brasil. O quadro corrente, e por assim<br />

dizer oficial do Marechal Deodoro,<br />

proclamador da República,<br />

apresenta-o com o peito constelado<br />

com as insígnias do Império que derrubou.<br />

Expulsamos em 1930 o Presidente<br />

Washington Luiz. Restaurado<br />

o regime constitucional, regressou<br />

ele ao Brasil num ambiente de respeito<br />

e de simpatia tão gerais que,<br />

com exceção de D. Pedro II, nenhum<br />

homem público reuniu em torno de<br />

si unanimidade maior. Por que então<br />

foi destituído? Dessas pitorescas<br />

contradições, poder-se-ia fazer uma<br />

longa lista.<br />

Talvez, à vista destas reflexões, algum<br />

leitor sorria, pois não deixa de<br />

ter algo de simpático e tranquilizador<br />

um tal cúmulo de bonomia.<br />

Soluções intermediárias:<br />

fruto do amortecimento do<br />

princípio de contradição<br />

Mas estudemos este assunto no<br />

terreno da moral. Trata-se de analisar<br />

esta tendência psicológica, para<br />

ver se é conforme à Lei de Deus. E<br />

não é com meros sorrisos, mas com<br />

muita seriedade que se resolvem os<br />

problemas morais.<br />

Aquele que veio ao mundo para<br />

pregar as bem-aventuranças nos deixou<br />

por preceito que fôssemos fiéis<br />

ao princípio de contradição: “Seja<br />

vossa linguagem sim, sim; não, não”<br />

(Mt 5, 37). E se tal deve ser nossa linguagem,<br />

tal deve ser nosso pensamento.<br />

Em matéria de moral, mais<br />

do que em qualquer outra, todo excesso<br />

é um mal, ainda que seja de<br />

qualidades tão simpáticas quanto a<br />

bonomia e a suavidade de trato. E<br />

um mal que conforme o caso pode<br />

tornar-se muito grave.<br />

Exemplifiquemos. No terreno religioso,<br />

não é bem verdade que o<br />

amortecimento do princípio de contradição<br />

nos conduz com muita frequência<br />

a atitudes lamentáveis?<br />

Quantos são os católicos que se julgam<br />

no direito de discordar da Igreja<br />

em algum ou em muitos pontos?<br />

Com isto, embora se ufanem de católicos,<br />

pecam contra a fé. Por quê?<br />

Museu da República/IPHAN/Minc(CC3.0)<br />

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