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era preciso carteira de motorista. Os agentes de trânsito, quando nos paravam em
alguma blitz, apenas solicitavam nossa carteira de vacinação, confirmando se
havíamos tomado a antitetânica. O rádio era o som do celular dele. O arcondicionado
era do abano de um caderno e o cinto de segurança era um sinal da
cruz e um pedido em oração: “Deus esteja conosco”. Viajamos até Porto Alegre
dentro daquele pseudocarro, suando feito uns porcos e rindo feito umas hienas. Um
amor de verão. Uma alegria de ter encontrado aquele mozão, como dizem por aí.
Eu estava contente, mas ainda faltava algo. Por que ele não simplesmente aceitava
meu pedido de namoro? A desculpa para o não era sempre a mesma: estamos juntos
e ponto. Não precisamos de denominações, a inveja adora rótulos.
Foi um dos verões mais quentes que vivi. Sem chuva, sem tormenta, sem
temporal. Eu não sabia quando era dia, muito menos quando a noite chegava.
Quando março se anunciou, trouxe com ele uma notícia: “Preciso ir às pressas para
minha cidade. Meu pai precisou ser internado no hospital e tenho de ir vê-lo. Volto
assim que puder. Mandarei notícias assim que tiver mais detalhes”. Seis horas de
viagem era o tempo que nos separava. Para mim parecia uma eternidade.
Relacionamento a distância, no meu conceito, é como querer tomar sol na Antártida,
não dá! Não funciona. Não engrena.
A gente tenta ficar quente e acaba saindo gelado. Ele foi e me deixou aos pedaços,
dizendo que voltaria assim que desse. Mas não voltava, não ligava e não atendia.
Parei de conhecer novos lugares, de arquitetar alguma estratégia para conscientizá-lo
de que precisávamos oficializar nosso namoro e deixei de atualizar a minha carteira
de vacinação. Depois de algum tempo tentando me recuperar da despedida brusca –
e sem nenhuma notícia do seu paradeiro –, recebi uma mensagem: “Se você ainda
não entendeu, estamos juntos, e é isso o que importa. Meu pai está melhor e minha
mãe quer saber quem é o guri do sorriso simpático que aparece em todas as fotos do
meu celular. Falei pra ela que era alguém, mais que um amigo, provavelmente um
namorado. O que você acha? Ah, e já tomou sua vacina? Tô chegando em seis
horas”.
Aprendi que o amor nem sempre exige rótulos. Passei a comemorar por estar
junto e não por estar durando. Percebi que existem muitos sentimentos que ainda não
ganharam nome e que, talvez, nem ganhem. Companheirismo é o segredo para a
durabilidade, o formol do encantamento. E a simplicidade é o que nos mantém
vivos. E é umas das maiores riquezas que podemos levar para além deste plano
carnal.