001 - Lucas Comentario - Copia
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Endossos
Comentário do Evangelho Segundo Lucas:
Uma abordagem pastoral, teológica e literária ao evangelho dos marginalizados – Lucas 1.1–9.50
Abreviações
AT
NT
BDAG
DTNT
Sumário
Prefácio (escolher alguém)
Lucas 1.1-4 – Prefácio: Lucas informa o contexto, o método, o destinatário e o
objetivo de sua obra.
Tradução Literal
1 Visto que muitos se propuseram a colocar em ordem uma narrativa 1 acerca das coisas que foram
cumpridas e cujos efeitos se fazem presentes 2 (Particípio Passivo Perfeito, uso atributivo) entre nós,
2 conforme confiaram 3 a nós “aqueles que desde o princípio [foram] testemunhas oculares 4 e
ministros se tornaram da palavra” 5 , 3 pareceu bem também a mim – seguindo o curso de eventos
atentamente 6 desde o começo, de tudo, acuradamente, em ordem – a ti escrever, nobilíssimo
Teófilo, 4 a fim de que reconheças 7 daquilo que foste instruído das palavras, a certeza.
Ideia Exegética
Lucas apresenta a sua obra para uma audiência gentílica educada com o objetivo de dar
certeza da veracidade dos fatos que envolvem a Pessoa que ele apresenta.
1
O dicionário BDAG apresenta a seguinte definição para διήγησιν “uma descrição organizada dos fatos, eventos, ações
ou palavras”
2
Essa tradução um tanto estranha reflete o uso atributivo do Particípio Passivo Perfeito: πεπληροφορημένων
3
O verbo indicativo aoristo ativo παρέδοσαν de παραδίδωμι tem, em diversas ocorrências, um significado semitécnico,
apontando para a tradição (“παράδοσις”) apostólica transmitida de uma geração para a outra (1Co 11.2, 23;
15.3; 2Pe 2.21; Jd 3)
4
“Deveríamos notar que o termo grego usado no v. 2 para ‘testemunhas oculares’ (autoptai) não tem significado
forense e, nesse sentido, a palavra ‘testemunhas oculares’, com sua conotação de uma metáfora de tribunais, é um
pouco desnorteante. Os autoptai são simplesmente observadores de primeira mão dos acontecimentos”. Richard
Bauckham. Jesus e as Testemunhas Oculares: Os Evangelhos como testemunhos de testemunhas oculares. São Paulo:
Paulus, 2011, p. 154.
5
A expressão grega “οἱ ἀπʼ ἀρχῆς αὐτόπται καὶ ὑπηρέται γενόμενοι τοῦ λόγου” aponta para um mesmo grupo de
pessoas.
6
A expressão “seguir o curso de eventos atentamente” aqui traduz o Particípio Perfeito Ativo παρηκολουθηκότι. Esse
verbo têm diversas acepções: “(1) estar associado com alguém que é visto como uma figura de autoridade, seguir” [...];
(2) auxiliar, seguir, acompanhar, cuidar [...]; (3) conformar-se ‘a crença ou prática de alguém ao prestar atenção
cuidadosa, seguir fielmente, seguir como uma regra [...] e (4) prestar atenção cuidadosa a alguma coisa em um
seguimento de tempo, seguir uma coisa, seguir [...]”. BDAG, 767.
7
Esse aoristo aponta para um reconhecimento completo após o qual não há mais incerteza.
Contexto Literário (Conexões em Lucas-Atos)
O contexto literário do prefácio (ou prólogo) de uma obra é toda a obra, evidentemente. Um
lembrete importante aqui, no entanto, diz respeito ao fato de que a obra é Lucas-Atos. Assim, o
prefácio do evangelho não introduz somente o primeiro volume da obra lucana, mas ambos. 8
Contexto Canônico
A ligação canônica mais evidente deste prólogo encontra-se no prólogo de Atos (At 1.1-2),
que faz referência específica ao livro de Lucas. Considerando que este é um dos textos bíblicos que
melhor aborda o método de escrita do autor, inclusive citando pesquisa em fontes escritas e orais, e
a veracidade do seu escrito, o texto também estabelece uma relação canônica com textos que falam
sobre a inspiração e inerrância das Escrituras. 9
Forma e Estrutura
Esse texto é um prefácio (proêmio, prólogo). Um prefácio é um texto que vem antes do texto
propriamente dito, uma introdução. Charles Talbert afirma que um prefácio greco-romano tem
normalmente sete características: (1) uma fala sobre os escritores que precederam o atual; (2) o
assunto que será tratado; (3) as qualificações do autor; (4) uma afirmação sobre o plano, uma espécie
de índice; (5) um comentário sobre o propósito do escrito; (6) o nome do autor e (7) o destinatário
que receberá o escrito em caráter oficial. 10 De todas essas características, a única não encontrada em
nosso texto é o nome do autor. O estudo da forma do prefácio lucano tem gerado importantes obras
como a de Loveday Alexander. 11
8
Cf., por exemplo, François Bovon and Helmut Koester, Luke 1: A Commentary on the Gospel of Luke 1:1–9:50
(Hermeneia—a Critical and Historical Commentary on the Bible; Minneapolis, MN: Fortress Press, 2002), 17-18. Stein
defende uma posição um pouco diferente: “Como resultado, o prólogo serve primariamente como uma introdução ao
evangelho de Lucas. Ainda assim, quando Lucas escreveu o seu evangelho, ele já tinha em mente a segunda parte de
sua obra: Atos”. Robert H. Stein, Luke (vol. 24; The New American Commentary; Nashville: Broadman & Holman
Publishers, 1992), 62.
9
Para citar apenas alguns, segue uma lista resumida Sl 19; 119; Pv 30.5; Jo 14.26; 21.25; Cl 4.16; 1Ts 2.13; 2Tm 2.2;
3.16-17; 2Pe 1.20-21; 3.15-16.
10
Talbert Charles H. Reading Luke: A Literary and Theological Commentary. Rev. ed Rev. ed. Smyth & Helwys Pub 2002,
p. 7-11.
11
Alexander Loveday. The Preface to Luke's Gospel: Literary Convention and Social Context in Luke 1.1-4 and Acts 1.1.
1st pbk. version ed. Cambridge University Press 2005.
Quanto à estrutura, temos nesse prefácio uma sentença condicional formando um
paralelismo imperfeito escrito com magistral domínio da língua grega, tanto em seu vocabulário,
quanto em sua sintaxe mais rebuscada. Por imperfeito, referimo-nos ao fato de que um dos
elementos encontrados na primeira metade (prótase) não encontra correspondente na segunda
metade (apódose), mas Lucas fez isso de propósito, por querer colocar ênfase nessa informação. 12
Prótase (v. 1-2) Apódose (v. 3-4)
Decisão de escrever 1 Visto que muitos se propuseram 3 pareceu bem também a mim
Método de escrita a colocar em ordem uma narrativa – seguindo o curso de eventos atentamente
desde o começo, de tudo, acuradamente –
Conteúdo
acerca das coisas que foram cumpridas e
cujos efeitos se fazem presentes entre nós,
Audiência 2 conforme confiaram a nós a ti escrever, nobilíssimo Teófilo,
Propósito
“aqueles que desde o princípio [foram] 4 a fim de que reconheças daquilo que foste
testemunhas oculares e ministros se instruído das palavras, a certeza.
tornaram da palavra”,
A qualidade literária desse prefácio é tão grande, que François Bovon e Helmut Koester, talvez
com um pouco de exagero, dizem “É também o caso de que 1.1-4 é quase bem demais para ser
verdade [...] Claramente, essa sentença é o resultado de uma construção deliberada e nenhum outro
autor do Novo Testamento escreveu com tamanha dignidade”. 13
Comentário
O prólogo de Lucas tem o objetivo de assegurar a veracidade de Lucas-Atos para uma
audiência exigente. 14 O texto tem a estrutura de uma sentença condicional e, como vimos na
12
“Do ponto de vista literário, o prefácio de Lucas é construído de uma forma muito polida. É um único período,
harmonioso e balanceado, estruturado com maestria de acordo com as regras da retórica antiga. Não é difícil entender
os elementos constituintes do prefácio: as circunstâncias da obra, seu conteúdo, suas referências ou fontes, a decisão
autorial, a pesquisa empreendida, a escrita em si, a dedicatória e o propósito da obra”. Matteo Crimella. "“That You
May Know”. The Preface to Luke’s Gospel (Lk 1:1–4)." Biblica Et Patristica Thoruniensia 13.4 (2020): 365
13
François Bovon and Helmut Koester, Luke 1: A Commentary on the Gospel of Luke 1:1–9:50 (Hermeneia—a Critical
and Historical Commentary on the Bible; Minneapolis, MN: Fortress Press, 2002), 17.
14
Edwards aponta outra característica interessante do prólogo: “Diferente dos outros, Lucas começa não com o
evangelho, mas com uma descrição da tarefa hermenêutica diante dele. Seu evangelho é enraizado em testemunho de
testemunhas oculares e fontes escritas prévias, e ele identifica o recipiente do evangelho por nome “excelentíssimo
estrutura, funciona como um paralelismo quase perfeito. Na primeira metade, versículos 1-2, Lucas
fala sobre a decisão que outros tiveram de escrever a história de Jesus. Na segunda metade, ele fala
sobre a sua própria decisão de escrever a sua obra. O prólogo introduz tanto o evangelho quanto o
livro de Atos dos Apóstolos, mas, de maneira mais direta o evangelho.
Levando em consideração a forma, o vocabulário e o estilo semelhante com outras obras
clássicas, esse prólogo do evangelho de Lucas tem sido considerado uma das porções mais bem
escritas do Novo Testamento. Nas palavras de Marshall, “O prefácio é escrito em excelente grego,
com uma estrutura de frase altamente elaborada, e apresenta-se em contraste com o estilo adotado
na narrativa seguinte. Ele reivindica um lugar para o evangelho como obra de literatura, digna de
uma audiência instruída”. 15 Marshall vai adiante ao dizer que esse tipo de escrita faz com que Lucas
coloque o Cristianismo no palco da história mundial. Lucas quer ser ouvido pelo mundo não cristão. 16
1 Ἐπειδήπερ πολλοὶ ἐπεχείρησαν ἀνατάξασθαι διήγησιν περὶ τῶν πεπληροφορημένων ἐν ἡμῖν
πραγμάτων (1 Visto que muitos se propuseram a colocar em ordem uma narrativa acerca das coisas
que foram cumpridas e cujos efeitos se fazem presentes entre nós):
Lucas começa a sua obra com uma palavra incomum que aparece somente aqui tanto no NT
quanto na LXX. Ἐπειδήπερ é uma forma intensificada da expressão ἐπειδή (Lc 7.1; 11.6; At 13.46;
14.12; 15.24; 1Co 1.21-22; 14.16; 15.21; Fp 2.26) e é uma marca de causa ou razão, ‘assim como,
Teófilo” (v. 3). Toda proclamação significativa do evangelho exige um intérprete, e Lucas funciona como uma ponte
hermenêutica entre suas fontes e sua audiência”. James R. Edwards, The Gospel according to Luke (ed. D. A. Carson;
The Pillar New Testament Commentary; Grand Rapids, MI; Cambridge, U.K.; Nottingham, England: William B. Eerdmans
Publishing Company; Apollos, 2015), 23. Outro autor, abordando a razão de ser do prólogo, afirma: “Mediante o
prólogo, Lucas formula o seu projeto literário e informa sua ética e técnica de historiador”. Andrés García Serrano, “Del
relato a la historia en los cuatro primeros capítulos de Lucas,” Estudios Bíblicos 78.1 (2020), p. 67-98, p. 75.
15
I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: A Commentary on the Greek Text (New International Greek Testament
Commentary; Exeter: Paternoster Press, 1978), 39–40. Marshall continua essa citação dizendo que “Embora o livro seja
endereçado para um leitor, Teófilo, ele é evidentemente o patrono literário de Lucas, e embora deva permanecer
duvidoso se um livro foi escrito para o mercado literário, ele foi feito para circular de maneira ampla. Lucas adotou as
convenções literárias do seu tempo, mas a obra resultante é uma expressão de sua própria personalidade e propósito.
Nós não devemos, portanto, interpretar suas afirmações de uma maneira muito convencional, como se o que ele disse
tenha sido ditado puramente por estilo e vocabulário de seus modelos literários. Ele está mais preocupado em
transmitir uma tradição do que em seu um littérateur”.
16
I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: A Commentary on the Greek Text (New International Greek Testament
Commentary; Exeter: Paternoster Press, 1978), 40. Sobre isso, Fitzmyer comenta: “O terceiro evangelho desde o início
demonstra a intenção do autor de relacionar a sua obra conscientemente à literatura contemporânea do mundo Greco-
Romano”. Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX: Introduction, Translation, and Notes (vol. 28; Anchor
Yale Bible; New Haven; London: Yale University Press, 2008), 287.
visto que’ (BDAG, 360). Aqui, a palavra é usada de maneira causal, não como uma concessão. 17 Ou
seja, o fato de que muitos escreveram sobre a história de Jesus, motivou e deu condições a Lucas de
também escrever uma biografia bastante precisa e abrangente.
Lucas diz que “muitos se propuseram a colocar em ordem uma narrativa”. A palavra que
traduzimos como “se propuseram” é ἐπεχείρησαν (At 9.29; 19.13) que literalmente significa colocar
a mão [para fazer] e que tem tanto a acepção de empreender quanto de tentar. A discussão que se
esconde atrás da escolha da acepção que Lucas pretendeu, diz respeito à visão que Lucas tinha da
obra que esses muitos (πολλοὶ) produziram. Será que para Lucas eles tentaram produzir um relato,
mas sem tanto sucesso e por isso ele viu a necessidade de escrever um novo relato? 18 Ou
simplesmente Lucas considera que eles empreenderam suas obras e que ele está, em certo sentido,
seguindo os passos de seus antecessores literários nessa difícil tarefa? 19 Creio que a segunda opção
é a melhor, ainda que devamos entender que Lucas defende a utilidade e necessidade de sua própria
produção. Bock também aponta para o fato de que Lucas não julga os demais escritos como sem
qualidade, mas a própria abrangência de sua obra incluindo Atos, a candidata como única. 20
A palavra ἀνατάξασθαι é uma hápax legómenon. Ela significa organizar em série, compilar,
arranjar e, aqui, “implica o uso de material tradicional e, como o contexto indica, com ênfase em uma
sequência organizada” (BDAG, 73). Qual foi o resultado desse trabalho que muitos tiveram de colocar
fatos em ordem? O nosso autor define as obras anteriores como sendo διήγησιν. Também uma hápax
no NT, essa palavra significa “uma descrição organizada de fatos, eventos, ações ou palavras,
narrativa, relato” (BDAG, 245). Ao usar essas duas palavras para se referir aos relatos que o
antecederam, Lucas atribui a eles a qualidade de organização e escrita responsável.
A próxima expressão, não encontra paralelo na segunda parte, na qual Lucas fala de sua
decisão e método de escrita. Dessa forma, podemos considerar que essa expressão é transportada
17
I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: A Commentary on the Greek Text (New International Greek Testament
Commentary; Exeter: Paternoster Press, 1978), 40–41.
18
“Por implicação, ele terá sucesso, onde outros somente tentaram (e, portanto, falharam)”. John T. Carroll, Luke: A
Commentary (ed. C. Clifton Black and M. Eugene Boring; First Edition.; The New Testament Library; Louisville, KY:
Westminster John Knox Press, 2012), 19. Outros representantes dessa posição são Joseph A. Fitzmyer, The Gospel
according to Luke I–IX: Introduction, Translation, and Notes (vol. 28; Anchor Yale Bible; New Haven; London: Yale
University Press, 2008), 291–292; François Bovon and Helmut Koester, Luke 1: A Commentary on the Gospel of Luke
1:1–9:50 (Hermeneia—a Critical and Historical Commentary on the Bible; Minneapolis, MN: Fortress Press, 2002), 17–
19.
19
I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: A Commentary on the Greek Text (New International Greek Testament
Commentary; Exeter: Paternoster Press, 1978), 41.
20
Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Baker
Academic, 1994), 55–56.
para a segunda parte do texto, como uma espécie de zeugma. 21 Isso faz com essa construção seja a
mais importante de todo esse texto. Ela se refere ao conteúdo do que outros escreveram
cuidadosamente e daquilo que Lucas também decidiu escrever. Este conteúdo são “as coisas que
foram cumpridas e cujos efeitos se fazem presentes entre nós” (πεπληροφορημένων). Essa palavra
está em uma forma verbal (particípio perfeito passivo) que implica em algo ocorrido anteriormente,
mas cujos resultados ainda se fazem presentes. Além disso, sendo um tempo verbal mais incomum,
Lucas está atraindo ênfase à palavra, que, aliás, é um termo importantíssimo em Lucas-Atos.
As palavras da raiz “πληροω” (pleróo) tem um status semi-técnico em Lucas-Atos. As palavras
desta raiz aparecem 31 vezes em Atos dos Apóstolos e 30 vezes em Lucas, sendo os dois livros
neotestamentários com mais ocorrências das mesmas. O uso dessa expressão é um dos aspectos que
torna Lucas o evangelista mais consciente da história da redenção como um todo incluindo uma vinda
não-iminente. Assim, as palavras da raiz “πληροω” (pleróo) em Lucas tem em diversas ocorrências a
ideia de que algo anteriormente revelado do plano de Deus agora está se cumprindo (Lc 1.20; 4.21;
7.1; 9.31; 9.51; 21.24; 22.16; 24.44; At 1.16; 2.1; 3.18; 7.30; 12.25; 13.27, 33; 19.21 e 21.26). 22
A palavra que traduzimos por “coisas” (πραγμάτων) é a última palavra deste versículo em
grego. É a palavra πρᾶγμα (pragma). As acepções dessa palavra são “1. Aquilo que é feito ou
acontece, feito, coisa, evento, ocorrência, assunto [...]; 2. Aquilo que deve ser feito,
empreendimento, ocupação, tarefa [...]; 3. Questão ou preocupação de qualquer tipo, coisa, assunto,
caso [...]; 4. Uma questão de discussão, disputa ou processo jurídico [...]” (BDAG, 858-859). Optamos
em nossa tradução por uma acepção mais simples.
Falando em termos teológicos, a informação desse primeiro versículo é que Deus (o agente
da passiva de πεπληροφορημένων) providenciou que os eventos relacionados a Jesus acontecessem
em cumprimento às antigas promessas e ao plano que o próprio Deus estabeleceu na eternidade e
muitos escritores escreveram relatos organizados sobre tais eventos.
2 καθὼς παρέδοσαν ἡμῖν οἱ ἀπʼ ἀρχῆς αὐτόπται καὶ ὑπηρέται γενόμενοι τοῦ λόγου, (2 conforme
confiaram a nós aqueles que desde o princípio [foram] testemunhas oculares e ministros se tornaram
da palavra,)
21
Figura de linguagem sintática semelhante à elipse, em que uma ideia já referida no contexto é subentendida.
22
Cf. por exemplo Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand
Rapids, MI: Baker Academic, 1994), 56–57.
Lucas não foi uma testemunha ocular dos eventos registrados no evangelho. Ele é um cristão
de segunda geração que leu relatos sobre Jesus e ouviu cristãos da primeira geração falarem sobre
Jesus. Neste versículo, Lucas mostra que esse processo de transmissão das verdades acerca de Jesus
foi bastante cuidadoso. O verbo παρέδοσαν (parédosan) de παραδίδωμι (paradídomi) tem no Novo
Testamento um significado semi-técnico de transmissão do ensino apostólico (por vezes chamado de
tradições [παράδοσις]). 23 Ela significa “transmitir algo em que uma pessoa tem um forte interesse
pessoal, entregar, dar, confiar” (BDAG, p. 761).
A quem Lucas se refere quando fala daqueles “que desde o princípio foram deles testemunhas
oculares e ministros da palavra”? Ele está falando somente de um grupo (as testemunhas oculares
que tornarem-se ministros posteriormente) ou de dois (o grupo de testemunhas oculares e o grupo
de ministros da palavra)? 24 O fato de que no grego temos somente um artigo definido (οἱ) para
qualificar as duas expressões, testemunhas oculares (αὐτόπται) e ministros (καὶ ὑπηρέται) sugere
que Lucas está se referindo a um grupo de pessoas.
Este grupo ao qual Lucas se refere é composto especificamente dos apóstolos ou refere-se a
um grupo maior do que o colégio apostólico? Em sua ótima obra Jesus e as testemunhas oculares,
Richard Bauckham defende que estes não eram somente os doze, mas um grupo específico de
testemunhas, com os doze como principais fontes, que garantia a confiabilidade da tradição a
respeito de Jesus:
De importância crucial para toda a tese deste livro é o papel de autores e transmissores individuais
das tradições de Jesus. Propusemos que as tradições originaram-se de e foram formuladas por
testemunhas oculares nominadas, em cujo nome elas eram transmitidas, e que permaneceram os
garantes vivos e ativos das tradições. Nas comunidades cristãs locais que não incluíam testemunhas
oculares entre seus membros, provavelmente seriam reconhecidos mestres que funcionavam como
transmissores autorizados das tradições que eles haviam recebido das testemunhas oculares, seja
diretamente, seja mediante muito poucos intermediários (autorizados). 25
23
Alguns desses usos mais técnicos de παραδίδωμι podem ser conferidos em At 16.4; Rm 6.17; 1Co 11.2, 23; 15.3.
24
Veja boa apresentação dessa discussão em Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX: Introduction,
Translation, and Notes (vol. 28; Anchor Yale Bible; New Haven; London: Yale University Press, 2008), 294.
25
Richard Bauckham. Jesus e as Testemunhas Oculares: Os Evangelhos como testemunhos de testemunhas oculares.
São Paulo: Paulus, 2011, p. 371. Sobre esse grupo, Bock diz: “Um grupo é referido à medida em que funcionaram em
dois estágios na história da Igreja: eles viram e, então, eles reportaram”. Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker
Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Baker Academic, 1994), 58.
Assim, Lucas deixa claro nesse versículo que as informações contidas em seu evangelho são
totalmente confiáveis, baseadas nos princípios mais seguros tanto de senso comum quanto
historiográficos. As fontes de Lucas são apropriadas e oficiais: pessoas que participaram daqueles
eventos desde o princípio e que foram reconhecidas pela igreja como canais oficiais para transmissão
da tradição a respeito de Jesus. 26 Por meio dessa pesquisa séria e criteriosa é que Lucas quer
convencer Teófilo da certeza dos fatos registrados em sua obra. É digno de nota também, como
comentam Bovon e Koester, que Lucas faz isso sem se utilizar de linguagem declaradamente religiosa,
de forma a não “assustar” a sua audiência. 27
3 ἔδοξεν κἀμοὶ παρηκολουθηκότι ἄνωθεν πᾶσιν ἀκριβῶς καθεξῆς σοι γράψαι, κράτιστε Θεόφιλε,
(3 pareceu bem também a mim – seguindo o curso de eventos atentamente 28 desde o começo, de
tudo, acuradamente, em ordem – a ti escrever, nobilíssimo Teófilo,).
Assim como outros tomaram a decisão de registrar da melhor maneira que conseguiram
eventos e palavras relacionados a Jesus, Lucas também tomou a mesma decisão. O escrito de Lucas,
no entanto, é marcado por algumas características peculiares: (1) No versículo anterior, Lucas deixou
claro que as fontes do seu evangelho são testemunhas oculares e pessoas reconhecidas como fontes
autorizadas e confiáveis de informações a respeito de Jesus. (2) No versículo 1, Lucas também havia
deixado claro que conhecia diversas outras obras escritas com o mesmo objetivo que o seu. Neste
26
“A noção de que as principais testemunhas dos acontecimentos da vida, morte e ressurreição de Jesus deviam ser os
que haviam estado com ele ‘desde o princípio’ – uma ideia que vimos ser comum a Lucas [Lc 3.23; 23.5; At 1.1; 21-22;
10.36-42] e a João [2.11; 10.37; 15.26-27] e, portanto, provavelmente, remontar à tradição cristã primitiva por trás desses
dois autores – era, presumivelmente, em primeiro lugar, uma concepção de senso comum, e não uma noção
historiográfica precisa. Contudo, Lucas certamente, apreciava o modo como tal ideia coincidia com o princípio
historiográfico de escolher o ponto de partida apropriado para uma história e também com a importância da “autopsia”,
o testemunho daqueles que podiam falar a partir da experiência de primeira mão dos acontecimentos. As principais
fontes de testemunhas oculares de sua obra estavam aptas para oferecer um relato abrangente doa acontecimentos
‘desde o princípio’”. Richard Bauckham. Jesus e as Testemunhas Oculares: Os Evangelhos como testemunhos de
testemunhas oculares. São Paulo: Paulus, 2011, p. 161.
27
“Assim como Lucas aludiu aos eventos salvíficos no v. 1 sem nomear Deus e Cristo, ele se refere aqui aos apóstolos e
testemunhas sem usar os seus respectivos termos, provavelmente para evitar alienar leitores não cristãos e
desencorajá-los com linguagem sectária”. François Bovon and Helmut Koester, Luke 1: A Commentary on the Gospel of
Luke 1:1–9:50 (Hermeneia—a Critical and Historical Commentary on the Bible; Minneapolis, MN: Fortress Press, 2002),
21.
28
A expressão “seguir o curso de eventos atentamente” aqui traduz o Particípio Perfeito Ativo παρηκολουθηκότι. Esse
verbo têm diversas acepções: “(1) estar associado com alguém que é visto como uma figura de autoridade, seguir” [...];
(2) auxiliar, seguir, acompanhar, cuidar [...]; (3) conformar-se ‘a crença ou prática de alguém ao prestar atenção
cuidadosa, seguir fielmente, seguir como uma regra [...] e (4) prestar atenção cuidadosa a alguma coisa em um
seguimento de tempo, seguir uma coisa, seguir [...]”. BDAG, 767.
versículo, Lucas defende a qualidade de sua obra ao afirmar que (3) fez um trabalho sério de seguir
cuidadosamente o curso de eventos (παρηκολουθηκότι) desde o começo (ἄνωθεν) e de tudo (πᾶσιν),
ou seja, o evangelho escrito por Lucas foi criteriosamente pesquisado e é abrangente em sua
abordagem desde os primórdios da história de Jesus até seus resultados. Sobre essa abrangência,
Bock diz: “De fato, o relato começa no início e é abrangente. A contribuição de Lucas não é
significativa apenas por causa do seu trabalho cuidadoso, mas também porque somente ele escreve
uma sequência, Atos, ligando o cumprimento em Jesus à Igreja”. 29
Outra característica da obra lucana é (4) que ele escreveu cuidadosamente (ἀκριβῶς). A
palavra utilizada por Lucas aqui significa “em estrita conformidade com o padrão ou a norma, com
foco em uma atenção cuidadosa; acuradamente, cuidadosamente, bem” (BDAG, p. 39). Uma última
característica da escrita de Lucas é que ele (5) compôs um relato em ordem. A palavra escolhida por
Lucas foi καθεξῆς, que aponta para “estar em sequência em tempo, espaço ou lógica, um depois do
outro” (BDAG, p. 490). Note que palavra, que também aparece em Lc 8.1; At 3.24; 11.4 e 18.23,
simplesmente aponta para ordem, sem se referir necessariamente a ordem cronológica. 30 Assim
como era comum na historiografia greco-romana, é provável que Lucas esteja implicando uma ordem
lógica, ou seja, a ordem que melhor se adequaria aos seus objetivos para apresentação biográfica de
Jesus, do que para uma ordem estritamente cronológica. Em suma, a obra escrita por Lucas é
confiável, bem pesquisada, abrangente, cuidadosamente escrita e organizada. 31
29
Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Baker
Academic, 1994), 53–54.
30
Sobre isso Liefeld comenta: “Não é possível determinar a partir desse prefácio somente se Lucas está se referindo a
ordem cronológica ou a uma ordem temática. Ele não reivindica especificamente ter almejado uma sequência
cronológica. Talvez, ele tenha seguido uma ordem encontrada em suas fontes. [...] Ou pode ter reorganizado suas
fontes de acordo com outro padrão. Analisado sozinho, o prólogo não é conclusivo quanto essas possibilidades. De
qualquer forma, Lucas pretendeu reivindicar ter trabalhado de uma forma organizada de maneira a inspirar confiança
em seus ouvintes. Walter L. Liefeld, “Luke,” in The Expositor’s Bible Commentary: Matthew, Mark, Luke (ed. Frank E.
Gaebelein; vol. 8; Grand Rapids, MI: Zondervan Publishing House, 1984), 8822.
31
Fitzmyer apresenta uma abordagem um pouco diferente: Três qualidades são reivindicadas para a sua investigação:
completitude, acuidade e meticulosidade (“desde o início”); e outra para a sua composição: ordem (“sistematicamente”).
Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX: Introduction, Translation, and Notes (vol. 28; Anchor Yale Bible;
New Haven; London: Yale University Press, 2008), 289. Joel Green, erradamente, em uma clássica dicotomia causada por
métodos críticos, afirma que Lucas não está tão interessado em convencer Teófilo da veracidade histórica dos eventos,
mas está interessado em apresentar o significado e significância dos eventos a fim de encorajar fé ativa. Joel B. Green,
The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans
Publishing Co., 1997), 36. Bem contrário a essa posição assumida por Green, Edwards diz: “O evangelho de Lucas não é
um testemunho de suas ideias, nem mesmo de sua fé. Ele narra eventos que se cumpriram entre nós, isto é, os atos
concretos e salvíficos de Deus que foram cumpridos em Jesus Cristo”. James R. Edwards, The Gospel according to Luke
(ed. D. A. Carson; The Pillar New Testament Commentary; Grand Rapids, MI; Cambridge, U.K.; Nottingham, England:
William B. Eerdmans Publishing Company; Apollos, 2015), 24. Craig Evans, a partir da ênfase histórica de Lucas, deduz:
“A ênfase histórica no prefácio de Lucas pode ter sido projetada como uma polêmica contra uma tendência gnóstica de
Antes de passar para a última parte de seu prefácio, onde Lucas mostra o objetivo de sua
obra, o evangelista cita o nome do destinatário primário dessa obra e possivelmente o homem
responsável por financiar a sua publicação: nobilíssimo Teófilo (κράτιστε Θεόφιλε). A palavra
utilizada por Lucas para qualificar Teófilo é “uma forma de tratamento honorária fortemente
afirmativa, nobilíssimo, excelentíssimo” (BDAG, p. 565). É uma forma de tratamento utilizada
especialmente para pessoas em posição de governo (cf. At 23.26; 24.2-3; 26.25). Assim, embora o
nome Teófilo signifique “amigo de Deus”, tudo indica que Lucas realmente endereçou o seu
evangelho para uma pessoa específica, que detinha posição de governo e, portanto, honra e
condições financeiras, e que poderia, por meio de investimento, ajudar Lucas a tornar a obra
acessível para mais pessoas. Mas também havia um objetivo específico para a obra em relação a
Teófilo, exposto no próximo versículo.
4 ἵνα ἐπιγνῷς περὶ ὧν κατηχήθης λόγων τὴν ἀσφάλειαν. (4 a fim de que reconheças daquilo que
foste instruído das palavras, a certeza.)
Na última parte do prefácio de Lucas temos uma declaração do objetivo de seu evangelho. De
alguma forma que não podemos precisar, Teófilo havia sido exposto às verdades da fé cristã, ele fora
instruído (κατηχήθης). A palavra grega utilizada por Lucas é a mesma de onde vem o conceito de
catequese, ensino religioso. Não dá para ter certeza de Lucas está utilizando termo em sua acepção
comum de informação, relatório, ensino, instrução ou se ele está fazendo o use técnico que
posteriormente ficou tão comum na igreja. 32 Teófilo ficou sabendo sobre o cristianismo de maneira
fortuita ou foi instruído como um catecúmeno, mas ainda estava sem certeza a respeito das verdades
do evangelho? Não é possível responder essa pergunta com certeza e é possível que a verdade esteja
em algum lugar entre essas duas posições. O fato, no entanto, é que Teófilo tivera algum tipo de
contato com as verdades acerca de Cristo, mas por algum motivo não estava totalmente seguro a
respeito delas e Lucas escreve para prover a Teófilo evidências a fim de que ele reconheça (ἐπιγνῷς)
a certeza e veracidade (ἀσφάλειαν) daqueles fatos e de seu significado.
minimizar a importância do Jesus real, histórico, terreno. Craig A. Evans, Luke (Understanding the Bible Commentary
Series; Grand Rapids, MI: Baker Books, 1990), 19.
32
Baseado em Atos 11.4 e na obra de Martin Völkel, Tannehill acredita que a palavra καθεξῆς é utilizada com o
significado de apresentar uma narrativa persuasiva a fim de convencer a audiência de algo.
Teologia da Passagem
Teologia Sistemática: Prolegômenos à Teologia. Humanidade da Bíblia.
Teologia Bíblica: revelação acontece na história e nós a acessamos por meio da revelação escrita. O
que vale para nós, portanto, como lócus da revelação é a palavra escrita e não o evento histórico. A
manipulação do autor do evento histórico atinge seus objetivos com relação àquele escrito. Ainda
assim, devemos afirmar que este autor (e os demais) nunca burlam a história a fim de atingir seus
objetivos. Revelação como progressiva, histórica, orgânica e adaptável. 33
Teologia Prática: devemos crer na Bíblia como documento histórico confiável (além de ser palavra de
Deus)
Aplicações Práticas
Regra de fé: os eventos relatados no evangelho são comprováveis; o método de escrita do evangelho
é histórico e confiável.
Regra de prática: ter certeza das verdades bíblicas; anunciar o evangelho assim como Lucas e
discipular aqueles que precisam de certeza do que aprenderam.
Transformando em Sermão
Darrell Bock sugere que o esboço exegético básico de Lucas 1.1-4 pode ser descrito assim: 34
(1) Os precedentes (1.1-2)
(a) A existência de outros relatos (1.1)
(b) A fonte dos relatos: testemunhas oculares apostólicas (1.2)
(2) A Contribuição de Lucas (1.3-4)
(a) O método de composição de Lucas (1.3)
33
VOS, Geerhardus. Biblical Theology: Old and New Testaments. Eugene: Wipf and Stock, 2003, p. 5 et seq. Disponível
em: < https://books.google.com.br/books?id=dHevCwAAQBAJ> GRONINGEN, Gerard Van. Revelação messiânica no
Antigo Testamento. Campinas: LPC, 1995, p. 59-60.
34
Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Baker
Academic, 1994), 54.
(b) O propósito da composição de Lucas (1.4)
Evidentemente, o esboço acima pode ser transformado em um esboço de sermão colocando
títulos mais acessíveis para cada sessão. Ainda assim, creio que podemos fazer uma abordagem mais
expositivo-temática que possivelmente seja mais agradável aos ouvintes. Segue uma sugestão:
(1) O Cristianismo é baseado em história: relatos, testemunhas oculares confiáveis
(2) O Cristianismo é baseado no cumprimento das profecias
(3) O Cristianismo não tem que temer pessoas cultas e ricas: qualidade estilística do prefácio,
Teófilo
(4) O Cristianismo não é uma questão de mera opinião: plena certeza
(5) O Cristianismo deve ser propagado: O que Lucas está fazendo ao escrever
Primeiro Ato
O Arauto e o Rei (Lucas 1.5—4.14): A Narrativa da Infância e a
Preparação Para o Ministério
O Dicionário Cambridge define um arauto como “um sinal de que algo está para acontecer,
mudar, etc. e, no passado, uma pessoa que levava mensagens importantes e fazia anúncios”. 35 Entre
outras funções, um arauto na antiguidade, anunciava que um rei estava para visitar determinada
região. É nesse sentido que João Batista se encaixa perfeitamente nessa posição. Ele foi profetizado,
escolhido e apontado como aquele que anunciaria a vinda do Messias Jesus, a voz que clama no
deserto conclamando que os caminhos pelos quais o rei passaria fossem preparados para a sua
gloriosa vinda. Junto com João, Lucas é o evangelista que mais destaca o ministério de João Batista,
criando um belíssimo paralelismo entre ele e Jesus Cristo nos primeiros quatro capítulos do seu
evangelho.
Andrés García Serrano, depois de apresentar uma tabela com os paralelos específicos entre
João Batista e Jesus, demonstra como o paralelo, ou repetição, ou seja, a justaposição de dois
personagens com o fim de compará-los entre si, era uma marca da historiografia da época, conforme
visto em Plutarco e Flávio Josefo, por exemplo. 36
Outra marca dessa sessão que estamos nomeando de “O Arauto e o Rei” (Lucas 1.5—4.14),
são as introduções históricas de Lucas em 1.5; 2.1-3 e 3.1-2 (cf. tb. 3.18-20). Em cada uma dessas
aberturas, Lucas ambienta a história que está narrando no contexto político de sua época. Ao fazêlo,
Lucas demonstra que a história que ele está narrando aconteceu no cenário da história mundial,
é um evento de suma importância e, ao apresentar certa semelhança com as aberturas dos livros
proféticos do Antigo Testamento, reivindica autoridade divina para João Batista e para Jesus, e
autoridade de Escritura para o evangelho de Lucas.
35
https://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles/herald
36
Andrés García Serrano, “Del relato a la historia en los cuatro primeros capítulos de Lucas,” Estudios Bíblicos 78.1
(2020), p. 67-98, p. 76-77. Sobre essa grande sessão, o autor diz: “De fato, a sequencia de Lucas 1—4, que termina o
paralelismo entre João Batista e Jesus com o começo da pregação de João Batista (Lc 3) e o começo da pregação de
Jesus (Lc 4) constitui a primeira sequencia da obra lucana”. (p. 69).
Assim, levando em consideração essa comparação paralelística, mas também a clara intenção
de Lucas de mostrar João Batista como um grande homem e Jesus como o Messias incomparável,
cremos que esse primeiro ato da história de Lucas pode ser organizado da seguinte forma, a partir
da qual os próximos trechos serão trabalhados:
Primeiro Ato: O Arauto e o Rei (Lucas 1.5—4.14)
1.5—2.52) Narrativa da Infância
1.5-25) Antecedentes do nascimento de João
1.26-56) Antecedentes do nascimento de Jesus
1.57-80) O nascimento de João
2.1-52) O nascimento e a infância de Jesus
3.1—4.13) Preparação para o ministério de Jesus
3.1-20) Ministério de João Batista
3.21-4.13) Preparação de Jesus para o ministério
Reparando na estrutura acima, percebe-se que ela tem uma subdivisão em “A Narrativa da
Infância” e a “Preparação de Jesus para o Ministério”. A Narrativa da Infância é uma sessão bastante
reconhecida e estudada. James Boyce a chama de “uma das mais longas e mais lindas narrativas do
Novo Testamento”. 37
Algumas das características dessa sessão em Lucas são o já mencionado paralelo entre João
Batista e Jesus; uma espécie de paralelo antitético entre Zacarias e Maria, ainda que não seja
totalmente antitético; ecos com histórias semelhantes do Antigo Testamento; uso das Escrituras do
37
James L. Boyce. “For You Today a Savior: The Lukan Infancy Narrative,” Word & World Volume 27, Number 4 Fall
2007, p. 371-380, p. 372.
AT; aparições de anjos; “cânticos”, piedade judaica e discursos diretos. 38 Bock faz o seguinte
comentário sobre essa sessão:
O maior objetivo da narrativa [da infância] é dar uma visão geral do plano de Deus ao mostrar
o relacionamento entre Jesus e João. João é o precursor que anuncia a chegada do
cumprimento, mas Jesus é o cumprimento. Jesus é superior a João em tudo. João nasce de
uma situação de esterilidade; Jesus nasce de uma virgem. João é o grande profeta diante do
Senhor; Jesus é o grande e prometido governante dravídico. João pavimenta o caminho; Jesus
é o caminho. 39
Levando em consideração uma abordagem mais semântica, os seguintes conceitos se
mostram bastante importantes na narrativa da infância, emprestando a ela coerência e unidade por
meio de sua repetição: louvor, Espírito Santo 40 , coração, alegria, salvação, poder, santidade, templo,
Jerusalém. 41 Kuhn fala da importância da narrativa de infância dentro do seu contexto literário grecoromano
e sintetiza diversas observações que fizemos até aqui:
Na biografia Greco-romana, era comum os escritores aludirem a histórias do personagem
principal em seu nascimento e primeiros anos, focando nos eventos e discursos que
revelavam o caráter, habilidades especiais e vocação do sujeito. Incorporando essa forma ao
38
Bock faz a seguinte lista de característica: “A narrativa da infância é uma sessão fundamental do seu evangelho, visto
que ela introduz os temas principais. A narrativa bíblica usa uma variedade de meios para apresentar o seu ponto de
vista: (1) recapitular ou prever eventos; (2) usar a Escritura para revelar o propósito de Deus; (3) revelar os propósitos
de Deus por meio de agentes comissionados; e (4) dar testemunho por meio de personagens confiáveis dentro do
relato (Tannehill 1986: 21–22). O material de infância de Lucas utiliza todos esses: (1) o relato é obviamente uma
previsão do evangelho de Lucas; (2) alusões ao Antigo Testamento dominam os dois capítulos; (3) dois agentes chave
são revelados e comissionados: João Batista e Jesus (o papel de cada um emerge no anúncios de Gabriel, o arcanjo e
por meio dos hinos de Maria e Zacarias); (4) testemunho adicional vem de Simeão e Ana, profetas de piedade judaica”.
Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Baker
Academic, 1994), 68.
39
Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Baker
Academic, 1994), 68.
40
Sobre o papel do Espírito Santo na narrativa da infância, veja Roger Stronstad, The Charismatic Theology of St. Luke:
Trajectories from the Old Testament to Luke-Acts (Second Edition.; Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2012), 40-3.
41
Note como este relato introduz não somente o evangelho, mas também o livro de Atos: “A história do nascimento
narrada por Lucas contém a maioria dos temas teológicos que serão importantes no restante do evangelho, bem como
alguns temas que antecipam aspectos da narrativa que o leitor não encontrará completamente até Atos. Por exemplo,
em Lucas 2.25-35, Simeão declara que a salvação que Jesus traz será uma “luz para revelação aos gentios” (Lc 2.32), um
tema completamente realizado na narrativa somente com a missão aos gentios em Atos. A história do nascimento não é
meramente um pensamento posterior, entretanto, adicionado como introdução, em vez disso, ela é o ‘evangelho
completo’, mostrando que a história da salvação está tomando forma concreta no aqui e agora”. S. Young, “Birth of
Jesus,” ed. Joel B. Green, Jeannine K. Brown, and Nicholas Perrin, Dictionary of Jesus and the Gospels, Second Edition
(Downers Grove, IL; Nottingham, England: IVP Academic; IVP, 2013), 76.
seu relato histórico, Lucas modifica significativamente a convenção ao expandir o seu foco e
função. Ele usa a sua narrativa de infância (veja Lucas 1—2) para introduzir a nós tanto João
quanto Jesus. Na verdade, Lucas interconecta os relatos do anúncio de seus nascimentos (veja
Lucas 1.5-25, 26-38) para compor um ‘paralelismo escalonado’ entre os dois personagens.
Além disso, a narrativa da infância inclui diversos outros personagens proeminentes e é
principalmente por meio dos discursos desses personagens que aprendemos os contornos
mais amplos da salvação há muito esperada que Lucas anuncia e descreve nas páginas que se
seguem. Assim, Lucas amplifica a intenção típica de uma narrativa de infância, usando-a não
somente para formar nosso entendimento de um único personagem, mas também para servir
como uma introdução rica e convincente ao plano de Deus de redenção retratado em Lucas-
Atos como um todo, enfatizando os principais temas que aparecem ao longo do restante
dessa obra em dois volumes. 42
A segunda parte dessa sessão, “a preparação para o ministério de Jesus” (3.1—4.13) tem
recebido menor atenção por parte dos estudiosos. Duas das ideias fundamentais desse trecho são o
batismo (3.3, 7, 12, 16,21) – um tema que começa a ser desenvolvido aqui e torna-se de fundamental
importância ao longo de Lucas-Atos – o conceito de filiação (3.2, 22, 23; 4.3, 9), outro tema
fundamental ao longo do evangelho.
Mais temas?
O que dá maior coerência a essa divisão, no entanto, é a sua distinção em relação aos trechos
posteriores. Tudo o que antecede Lucas 4.14 é nitidamente material introdutório e preparatório para
o que se segue. A partir de Lucas 4.14 temos a descrição do ministério de Jesus de fazer e ensinar,
antes disso temos as mais diversas informações e eventos que preparam Jesus e o palco do mundo
para os eventos mais importantes da história universal.
42
Karl Allen Kuhn, The Kingdom according to Luke and Acts: A Social, Literary, and Theological Introduction (Grand
Rapids, MI: Baker Academic, 2015), 79–80.
Lucas 1.5-25: O Anúncio do Nascimento de João Batista
Tradução Literal
5 Aconteceu 43 nos dias de Herodes, rei da Judéia, que certo sacerdote de nome Zacarias, da divisão
de Abias, e a mulher com ele das filhas de Arão, e o nome dela Isabel. 6 Eles eram 44 justos, os dois,
diante de Deus, andando em todos os mandamentos e estatutos do Senhor, sendo irrepreensíveis. 7
E não havia neles filho, pois era Elizabete estéril, e ambos avançados 45 nos dias deles eram.
8 E aconteceu que no serviço sacerdotal estava ele, na ordem da sua divisão diante de Deus, 9
segundo o costume do sacerdócio, ele foi escolhido por sorte para queimar incenso, entrando no
santuário do Senhor, 10 e toda a multidão de povo estava orando do lado de fora na hora da oferta
de incenso. 11 e apareceu a ele um anjo do Senhor, estando em pé, à direita do altar de incenso. 12
E ficou terrificado Zacarias ao ver e temor caiu sobre ele.
13 Disse a ele o anjo:
“Não temas, Zacarias, porque foi ouvida a oração tua, e a mulher tua, Isabel, dará à luz um
filho para ti e tu chamarás o nome dele João. 14 E ele será alegria tua e exultação e muitos no
nascimento dele se alegrarão. 15 Pois ele será grande diante do Senhor, e vinho e cerveja de
modo algum beberá, e de Espírito Santo será enchido ainda do ventre da mãe dele. 16 E muitos
dos filhos de Israel ele voltará ao Senhor, o Deus deles. 17 E ele irá adiante diante dele, no
Espírito e poder de Elias, para voltar corações dos pais para os filhos e desobedientes na
prudência dos justos, para preparar ao Senhor um povo pronto”.
18 E disse Zacarias ao anjo:
43
Lucas frequentemente usa καὶ ἐγένετο e ἐγένετο δέ para marcar transições na narrativa”. Martin M. Culy, Mikeal C.
Parsons, e Joshua J. Stigall, Luke: A Handbook on the Greek Text (Baylor Handbook on the Greek New Testament; Waco,
TX: Baylor University Press, 2010), 10.
44
Ao usar o tempo imperfeito aqui, passa-se a ideia de que essa era a maneira habitual de Zacarias e Isabel viverem.
45
O particípio perfeito (προβεβηκότες) utilizado aqui traz uma ênfase sobre a idade avançada do casal.
“De que modo realmente saberei 46 isto? Porque eu sou velho e a mulher minha velha nos dias
dela”.
19 E respondendo o anjo disse-lhe:
“Eu mesmo sou Gabriel, aquele que fica de pé diante de Deus e fui enviado para falar a você
e para evangelizar a você estas coisas. 20 E veja: Ficarás 47 mudo e não podendo falar até este
dia em que acontecerão estas coisas, em retorno de que não acreditastes as palavras minhas,
as quais se cumprirão para o tempo delas”.
21 E estava o povo esperando Zacarias e maravilhado pelo demorar no santuário dele. 22 E saindo,
ele não conseguia falar a eles, e entenderam que uma visão ele vira no santuário. E ele mesmo estava
fazendo sinais a eles enquanto permanecia mudo. 23 E aconteceu, quando se completaram os dias
do serviço dele, foi para a casa dele. 24 Depois daqueles dias, concebeu Isabel, a mulher dele, e se
escondeu até o quinto mês, dizendo:
25 “Isso a mim fez o Senhor nos dias nos quais preocupou-se em tirar a desgraça (reprovação)
de mim entre os homens.
Ideia Exegética
O sumo sacerdote Zacarias vai ofertar incenso no templo e recebe de um anjo a mensagem de que
ele e Isabel, sua esposa estéril, apesar da idade avançada de ambos, terão um filho que preparará o
caminho para o Senhor e, dessa forma, a promessa de Deus se cumpre.
Contexto Literário
46
O uso da voz média aqui em γνώσομαι intensifica a incredulidade de Zacarias. Por isso usei o “realmente” na
tradução.
47
A voz média aqui acrescenta ênfase.
O fino estilo grego do prefácio dá lugar a um texto que tanto na forma quanto no conteúdo
relembra muito a LXX. 48
Primeiro Ato: O Arauto e o Rei (Lucas 1.5—4.14)
1.5—2.52) Narrativa da Infância
1.5-25) Antecedentes do nascimento de João
1.26-56) Antecedentes do nascimento de Jesus
1.57-80) O nascimento de João
2.1-52) O nascimento e a infância de Jesus
3.1—4.13) Preparação para o ministério de Jesus
3.1-20) Ministério de João Batista
3.21-4.13) Preparação de Jesus para o ministério
Contexto Canônico
Uma das primeiras promessas da Bíblia está relacionada ao nascimento do filho da mulher
que pisaria a cabeça da serpente (Gn 3.15). Assim, desde Eva, cada mulher em Israel nutria a
esperança de ser aquela que geraria o prometido. Também havia a promessa de Deus para Abraão
de fazê-lo extremamente fecundo com uma descendência que seria uma grande nação (Gn 12.2),
numerosa como as estrelas (Gn 15.5) e como a areia (Gn 22.16). Assim, se a fecundidade era uma
das maiores bênçãos de Deus (Gn 1.28; Êx 23.26; Dt 7.14; Sl 127.3; 128.3; Is 54.1), a infertilidade era
considerada uma das maiores maldições (Gn 20.17-18; Lv 20.20-21; Pv 30.15-16). Deus, no entanto,
fez questão de escrever a sua história por meio de mulheres “estéreis”. Este foi o caso das matriarcas
Sara (Gn 11.30; 16.2; 17.15-16; 21.1-3; Hb 11.11), Rebeca (Gn 25.21) e Raquel (Gn 29.31; 30.22-23).
Também foi o caso da mãe de Sansão (Jz 13.13) e de Ana, mãe de Samuel (1Sm 1.2-11). Assim, ao
longo da história bíblica, Deus fez questão de ser conhecido dessa forma: “O SENHOR faz com que a
mulher estéril viva em família e seja alegre mãe de filhos. Aleluia!” (Salmo 113.9). Assim, a história
de Zacarias e Isabel, que traz diversos ecos da história de Abraão (idade avançada, orações, piedade)
e de outras dessas histórias de nascimentos milagrosos (anúncio de anjos, o filho como um libertador)
48
Cf. I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: a commentary on the Greek text (New International Greek Testament
Commentary; Exeter: Paternoster Press, 1978), 51. Sobre isso, Bovon comenta que essa semelhança “indica que o autor
pretende ser contado entre os sucessores legítimos das Escrituras”. François Bovon e Helmut Koester, Luke 1: a
commentary on the Gospel of Luke 1:1–9:50 (Hermeneia—a Critical and Historical Commentary on the Bible;
Minneapolis, MN: Fortress Press, 2002), 30.
desperta a tenção do leitor para esse menino que está nascendo e prepara o caminho para o
nascimento mais milagroso de todos que será narrado a seguir.
Forma e Estrutura
Lucas 1.5-7: Apresentação de Zacarias e Isabel
Lucas 1.8-12: Durante a oferta de incenso, um anjo aparece a Zacarias e ele teme
Lucas 1.13-20: O Diálogo entre o anjo e Zacarias
Lucas 1.21-23: Mudo, Zacarias sai do santuário ao encontro do povo
Lucas 1.24-25: Isabel fica grávida!
Comentário
Lucas 1.5-7: Apresentação de Zacarias e Isabel
5 Ἐγένετο ἐν ταῖς ἡμέραις Ἡρῴδου βασιλέως τῆς Ἰουδαίας (Aconteceu nos dias de Herodes, rei da
Judéia,): Logos após o prólogo, a primeira informação que temos de Lucas é que os fatos com os
quais ele começa a sua história deram-se nos na época em que Herodes (ca. 73 a.C. a 4 d.C.) era o rei
da Judéia. Foi nessa época que João e Jesus nasceram, entre 37 a.C. e 4 d.C. Chamado de “Herodes,
o Grande” por Josefo, este é o governante que dá nome a uma dinastia. Herodes foi tão poderoso
que o nome dele passou a valer como se fosse um título de nobreza. Herodes, o Grande é conhecido
na história bíblica como aquele que mandou exterminar os meninos de Belém que tivessem menos
de dois anos a fim de tentar exterminar o Rei dos Judeus, cujo nascimento os magos haviam
anunciado (Mt 2). Nesse mesmo capítulo de Mateus, ficamos sabendo que Herodes, o grande morreu
quando Jesus ainda era uma criança. Herodes era muito poderoso por pertencer a uma família que
gozava de grande prestígio junto aos imperadores romanos, a família de Antipáter. Essa família tinha
origem idumeia (dos antigos edomitas, descendentes de Esaú) e não era apreciado pelos judeus mais
ortodoxos como os fariseus. Ao se casar com Mariana, Herodes passou a fazer parte da família dos
hasmoneus e, assim, tornou-se um postulante ao trono de Israel. Administrador e construtor
competente, Herodes construiu fortalezas, aquedutos, teatros, cidades e o templo de Israel. Ele
também era um bom estrategista político; centralizador em relação ao templo e ao sacerdócio;
violento ao ponto de matar todos os seus adversários, as pessoas mais ricas de Israel para confiscar
o dinheiro delas e até mesmo a própria esposa Mariana e os dois filhos. Assim, Herodes entrou para
a história como um dos homens mais brilhantes e cruéis que existiram. “O contexto dos eventos na
narrativa de nascimento de Lucas, portanto, é um de luta durante o processo de consolidação dos
judeus sob o domínio romano e nas mãos de um rei conhecido por sua tirania”. 49 Lucas quer que
saibamos que foi na época desse governante que foi anunciado e nasceu o filho de Zacarias, João, o
qual seria grande diante do Senhor (Lc 1.15).
ἱερεύς τις ὀνόματι Ζαχαρίας ἐξ ἐφημερίας Ἀβιά, (que certo sacerdote de nome Zacarias, da divisão
de Abias,): Essa cláusula introduz o objeto do verbo que inicia o parágrafo. Em resumo o texto diz:
“Era uma vez... um sacerdote... e sua esposa...”. Assim como o trecho anterior nos apresentou o
tempo narrativo, essa e a próxima nos apresentarão dois dos personagens principais dessa narrativa.
Note como Lucas os qualifica. O nome do sacerdote é Zacarias, cujo significado é “Deus se lembrou”,
o que já é um indicativo do que vai acontecer no texto. Zacarias era um sacerdote do turno de Abias.
Na época de Davi, os sacerdotes foram divididos em vinte e quatro famílias específicas (todos
evidentemente da linhagem de Arão) que serviriam por turnos. Em 1 Crônicas 24 lemos sobre essas
divisões e sobre como a oitava sorte caiu sobre a família de Abias (1Cr 24.10; cf. tb. 1Cr 23.6; 28.11-
14).
Na época do Novo Testamento havia em torno de dezoito mil sacerdotes, ainda organizados
de acordo com aquelas vinte e quatro famílias e, portanto, em vinte e quatro turnos, cada grupo
servia em torno de duas semanas separadas por ano. 50 Dentre as centenas de sacerdotes de cada
divisão, definia-se quem desempenharia as responsabilidades mais importantes por meio de sortes.
No restante do tempo os sacerdotes funcionavam como guardiões de religião judaica e responsáveis
49
Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI:
Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 64. Carroll neste ponto, lança uma pergunta interessante: “Esses eventos vão
se desenvolver contra um pano de fundo de poder; será somente um pano de fundo, ou será que a narrativa postará
um desafio fundamental para tal poder? John T. Carroll, Luke: A Commentary (org. C. Clifton Black e M. Eugene Boring;
First Edition.; The New Testament Library; Louisville, KY: Westminster John Knox Press, 2012), 25.
50
“A divisão do sacerdócio em vinte e quatro turnos, com cada qual servindo por uma semana em Jerusalém, de
sábado a sábado – razão pela qual eram chamados de turnos semanais – era o sistema prevalente na época de Jesus”.
Joachim Jeremias. Jerusalem in the Times of Jesus: An Investigation into Economic and Social Conditions during the
New Testament Period. Philadelphia: Fortress, 1969, p. 199.
por ensinar nas sinagogas, fazer trabalhos de escribas e exercer liderança local e às vezes nacional. 51
Zacarias estava diante de uma grande oportunidade, talvez o ponto mais alto de sua carreira
sacerdotal. Um sacerdote somente teria a oportunidade de oferecer incenso uma vez durante toda
a sua vida. 52 Do ponto de vista de Herodes e do poderio romano, Zacarias é alguém sem importância
e que não faz grande diferença na história. Da perspectiva de Deus, Zacarias tem um papel
fundamental na história que verdadeiramente importa, a história da redenção.
καὶ γυνὴ αὐτῷ ἐκ τῶν θυγατέρων Ἀαρὼν καὶ τὸ ὄνομα αὐτῆς Ἐλισάβετ (e a mulher com ele [era]
de entre as filhas de Arão, e o nome dela [era] Isabel): Agora Lucas apresenta uma segunda
אֱלִ ישֶׁ בַ ע personagem importante no texto. O nome Ἐλισάβετ (Elizabete) vem do original hebraico
(Elisheba) e significa “O meu Deus é um juramento (aquele por quem eu juro)”. 53 Em várias línguas
latinas esse nome foi transliterado como “Isabel” em vez de Elizabete e por isso encontramos essa
dubiedade. Em Êx 6.23 aprendemos que “Elisheba” era o nome da esposa do primeiro sumosacerdote,
Arão. Além de ter o nome da esposa de Arão, Lucas nos informa que ela realmente era
uma das filhas de Arão, ou seja, ela também tinha linhagem sacerdotal, o que era uma situação ideal
para a esposa de um sacerdote. 54
6 ἦσαν δὲ δίκαιοι ἀμφότεροι ἐναντίον τοῦ θεοῦ, πορευόμενοι ἐν πάσαις ταῖς ἐντολαῖς καὶ
δικαιώμασιν τοῦ κυρίου ἄμεμπτοι (e a mulher com ele das filhas de Arão, e o nome dela Isabel. 6
Eles eram justos, os dois, diante de Deus, andando em todos os mandamentos e estatutos do
Senhor, sendo irrepreensíveis.) Lucas continua caracterizando Zacarias e Isabel e agora ele diz que
eles eram “justos diante de Deus”. As palavras da raiz “δικη” são muito importantes em Lucas,
aparecendo 64 vezes. É também uma das palavras mais importantes da piedade do Antigo
51
Cf. “Priesthood in the First Century AD” em C. Fletcher-Louis, “Priests and Priesthood”, org. Joel B. Green, Jeannine K.
Brown, e Nicholas Perrin, Dictionary of Jesus and the Gospels, Second Edition (Downers Grove, IL; Nottingham, England:
IVP Academic; IVP, 2013), 700.
52
No Mishnah Tamid 5:2, lê-se: “O sacerdote escolhido dirá a eles: Que somente aqueles sacerdotes que são novos no
queimar incenso venham e participem nas sortes para o incenso. Quem ganhar nesse lançamento de sortes ganharão
privilégio de queimar o incenso”. Disponível em https://www.sefaria.org/Mishnah_Tamid.5.2.
53
Francis Brown, Samuel Rolles Driver, and Charles Augustus Briggs, Enhanced Brown-Driver-Briggs Hebrew and English
Lexicon (Oxford: Clarendon Press, 1977), 45.
54
“Era muito comum para um sacerdote judeu ter uma esposa do mesmo background e tal união era considerada um
privilégio especial. A menção da linhagem de Isabel enfatiza suas origens piedosas e fortalece o pedigree de João
Batista.” Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI:
Baker Academic, 1994), 76.
Testamento. Ser um justo significa viver da maneira que Deus ordena, ainda que não de maneira
perfeita, mas tendo íntima comunhão com Deus. O conceito passará por desenvolvimentos ao longo
de Lucas-Atos. Marshall afirma que essa palavra “implica em um caráter religioso em vez de
puramente ético, visto na obediência aos mandamentos de Deus e indo além de justiça meramente
externa e legal”. 55 A preposição “ἐναντίον” é exclusiva de Lucas no Novo Testamento, mas comum
na Septuaginta (LXX). 56 A primeira vez que ela aparece na LXX é para falar que Noé encontrou graça
“diante do” Senhor (Gn 6.8) e alguns capítulos adiante Deus afirma que Noé também era justo
“diante de” o próprio Deus (Gn 7.1). Alguém ser algo “diante de Deus” aponta para a autenticidade
e realidade do que está sendo dito. Mesmo aos olhos de Deus, mesmo considerando o crivo de Deus,
Zacarias e Isabel eram justos e, como Lucas usa o imperfeito ἦσαν, ele aponta que esse era o padrão
de vida deles. Essa expressão “diante de Deus” tem sido usada especialmente em latim, “coram Deo”,
para expressar uma vida consciente de que sempre se está na presença de Deus e assim devemos
temer e nos preocupar em agradar a ele em vez de aos homens. Todos nós somos chamados a viver
coram Deo.
A segunda parte do texto que no grego começa com o particípio πορευόμενοι (andando), está
exemplificando e qualificando como o casal realmente era justo diante de Deus. O pedigree
apresentado por Lucas até aqui é o melhor possível: função, ascendência, nomes e piedade diante
de Deus e dos homens. Ainda existe gente muito séria em Israel, mesmo na época de Herodes, na
qual também existe muita corrupção no sacerdócio. “Andar com Deus” é uma das metáforas bíblicas
importantíssimas para expressar o nosso relacionamento com Deus e também nos remete aos
patriarcas que andaram com Deus. 57 No caso de Zacarias e Isabel, eles andavam, ou seja, tinham
como hábito de vida, guardar os mandamentos e estatutos 58 do Senhor e nisso eles eram
irrepreensíveis!
55
I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: a commentary on the Greek text (New International Greek Testament
Commentary; Exeter: Paternoster Press, 1978), 52.
56
Em Lucas a preposição ἐναντίον/ἔναντι aparece em Lc 1.6, 8; 20.26; 24.19; At 7.10; 8.21, 32; 28.17.
57
Veja mais sobre isso em João Paulo Thomaz de Aquino. União com Cristo: Uma abordagem bíblica, teológica, histórica,
prática e atualizada da mais importante das doutrinas. Brasília: Monergismo, 2023, p. 157-164.
58
É muito comum no AT que os mandamentos de Deus sejam referidos com mais uma palavra: mandamentos e leis (Êx
16.28); mandamentos e juízos (Nm 36.13; Dt 26.17; Dn 9.5); mandamentos e estatutos (Dt 27.10; 28.15,45; 30.10; 1Rs
9.6; 11.34); mandamentos e lei (Sl 99.7); mandamentos e testemunhos (Ne 9.34). A lista aqui não é exaustiva. Devo essa
observação a Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand
Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 65.
7 καὶ οὐκ ἦν αὐτοῖς τέκνον,* καθότι ἦν °ἡ Ἐλισάβετ στεῖρα, καὶ ἀμφότεροι προβεβηκότες ἐν ταῖς
ἡμέραις αὐτῶν ἦσαν. (7 E não havia neles filho, pois era Elizabete estéril, e ambos avançados 59 nos
dias deles eram). Esse versículo apresenta um grande problema. Após uma caracterização
cuidadosamente elaborada para enfatizar a piedade do casal, ficamos sabendo que eles não tinham
filhos. Edwards chega a dizer que “A piedade exemplar e integridade do casal, em outras palavras,
não foram recompensadas”. 60 O leitor conhecedor das Escrituras, no entanto, sabe que esterilidade
e piedade são elementos comuns nas histórias do Antigo Testamento, especialmente quando Deus
quer trazer ao cenário da história um personagem especial. Bock salienta esse aspecto:
A ausência de crianças era vista geralmente como uma reprovação no Judaísmo e no AT. Mas
a justiça do casal (1.6) mostra que sua infertilidade não era resultado de julgamento ou
pecado. Em vez disso, Deus tinha algo especial em mente, como ele teve com muitos dos
grandes santos do At que nasceram sob condições semelhantes. 61
Assim, a caracterização de Zacarias e Isabel termina com essa nota triste, mas que ao mesmo
tempo, em contexto, desperta esperança pela intervenção de Deus na história. Considerando que
tanto tempo havia se passado desde a última revelação escrita por parte de Deus, esse tipo de
situação tão semelhante a diversas histórias do AT preparam o leitor para um novo grande momento
na história do povo de Deus. Como Carroll diz, “À medida em que a narrativa começa, os leitores de
Lucas encontram-se já no meio da história – a história de Israel”. 62 A história dos grandes atos de
Deus na história está continuando e apresentará seu momento mais decisivo.
59
O particípio perfeito (προβεβηκότες) utilizado aqui traz uma ênfase sobre a idade avançada do casal.
60
James R. Edwards, The Gospel according to Luke (org. D. A. Carson; The Pillar New Testament Commentary; Grand
Rapids, MI; Cambridge, U.K.; Nottingham, England: William B. Eerdmans Publishing Company; Apollos, 2015), 34.
61
Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Baker
Academic, 1994), 78.
62
John T. Carroll, Luke: A Commentary (org. C. Clifton Black e M. Eugene Boring; First Edition.; The New Testament
Library; Louisville, KY: Westminster John Knox Press, 2012), 24.
Lucas 1.8-12: Durante a oferta de incenso, um anjo aparece a Zacarias e ele teme
8 Ἐγένετο δὲ ἐν τῷ ἱερατεύειν αὐτὸν ἐν τῇ τάξει τῆς ἐφημερίας αὐτοῦ ἔναντι τοῦ θεοῦ, 9 κατὰ τὸ
ἔθος τῆς ἱερατείας ἔλαχεν τοῦ θυμιᾶσαι εἰσελθὼν εἰς τὸν ναὸν τοῦ κυρίου, (8 E aconteceu que no
serviço sacerdotal estava ele, na ordem da sua divisão diante de Deus, 9 segundo o costume do
sacerdócio, ele foi escolhido por sorte para queimar incenso, entrando no santuário do Senhor,) A
construção Ἐγένετο δὲ deixa claro que há uma pequena quebra na perícope. Assim como Zacarias
vivia de maneira justa diante do Senhor, agora ele está cumprindo seu sacerdócio diante de Deus
(ἔναντι τοῦ θεοῦ). A expressão aqui pode apontar para a maneira piedosa que Zacarias
desempenhava sua função sacerdotal, ou pode apontar para a presença de Deus no templo. É difícil
definir qual dessas possibilidades Lucas tem em mente. O serviço específico que Zacarias está
performando é a apresentação do incenso. Esse altar do incenso era o utensílio que ficava mais
próximo da arca da aliança (Hb 9.1-5). Ele era alimentado com incenso aceso duas vezes por dia, de
manhã e no final da tarde (Êx 30.1-10; 37.25-28; 40.27; 2Cr 13.11) pelos sacerdotes (1Cr 23.12-13) e
o incenso oferecido sobre ele era uma fórmula exclusiva elaborada pelo próprio Deus (Êx 30.34-38;
37.29). Era uma das práticas mais importantes da religiosidade de Israel (2Cr 2.4-6; 29.1-11; Is 1.13).
Foi durante essa atividade que Nadabe e Abiú morreram diante do Senhor (Lv 10.1-7) e que o rei
Uzias (também chamado de Azarias) foi atacado de lepra (2Cr 26.16-21). Outra vez que oferta de
incenso (neste caso, fora do templo) causou morte foi quando Corá, Datã e Abirão e duzentos e
cinquenta outros homens, confrontando a liderança de Moisés e Arão, ofereceram incenso e foram
destruídos pelo Senhor (Nm 16). O altar do incenso era especialmente importante no Dia da Expiação,
pois ele provia uma nuvem quando o sumo-sacerdote entrasse no Santo dos Santos e essa nuvem
iria proteger o sumo-sacerdote da morte (Lv 16.11-14). Ofertas de incenso continuam sendo um
desafio durante a história bíblica, pois um dos pecados mais comuns do povo era “apresentar incenso
nos altos”, ou seja, era uma forma de misturar a adoração a Yahweh com a adoração pagã em locais
que não aprovados pelo Senhor (várias vezes em 1 e 2 Reis e outros lugares) e apresentar incenso
para outros deuses (2Rs 18.4; 22.17; 2Cr 25.14; Jr 1.16; 7.9; 44.17). Diante de tudo isso, é
impressionante que Jesus tenha recebido incenso como oferta em Mateus 2.11! Também existe uma
ligação entre o incenso e a oração, ligação esta que vai se tornando mais explícita ao longo da
revelação de Deus (Sl 141.1-2; Ap 5.8; 8.3-4). Essa ligação entre o incenso e a oração aparece também
em nosso texto. No Talmude, no tratado Mishná Tamid 6.3, lê-se mais detalhes sobre o que acontecia
nesse momento:
O sacerdote que ganhou o direito de trazer a panela de carvão cheia de carvão para o altar
interno do incenso, primeiro empilhará o carvão no altar interno e então achatará os carvões,
distribuindo-os de maneira uniforme sobre o altar com a parte de baixo da panela de carvão.
E quando ele terminar de distribuir os carvões, ele se prostrará e emergirá do santuário. 63
Essa era a atividade fundamental de queimar incenso que Zacarias estava tendo o privilégio
de fazer na presença de Deus, bem perto do Santo dos Santos e da arca da aliança. 64
10 καὶ πᾶν τὸ πλῆθος ἦν τοῦ λαοῦ προσευχόμενον ἔξω τῇ ὥρᾳ τοῦ θυμιάματος. 11 ὤφθη δὲ αὐτῷ
ἄγγελος κυρίου ἑστὼς ἐκ δεξιῶν τοῦ θυσιαστηρίου τοῦ θυμιάματος. 12 καὶ ἐταράχθη Ζαχαρίας
ἰδὼν καὶ φόβος ἐπέπεσεν ἐπʼ αὐτόν. (10 e toda a multidão de povo estava orando do lado de fora
na hora da oferta de incenso. 11 e apareceu a ele um anjo do Senhor, estando em pé, à direita do
altar de incenso. 12 E ficou terrificado Zacarias ao ver e temor caiu sobre ele.) De maneira um tanto
inesperada, Lucas mostra a piedade do povo de Israel, pois afirma que toda a multidão (πᾶν τὸ
πλῆθος) estava orando enquanto Zacarias performava a sua tarefa. Assim, nesse contexto de grande
piedade por parte de Zacarias, de sua esposa e de uma multidão do povo, um anjo do Senhor
apareceu ao sacerdote Zacarias e ficou parado em pé à direita do altar do incenso! Edwards comenta
esse momento com grande propriedade:
Uma criatura celestial santa aparece para um sacerdote santo que está no santo lugar e
performando um sacrifício santo. A santidade aparece como um pré-requisito para um
encontro com o inefável, talvez até sugerindo que a visão angélica de Zacarias é uma
recompensa. Apesar das propriedades cúlticas, Zacarias não tem uma das qualidades mais
importantes de um discípulo: a fé (v. 20). O anjo (grego: angelos, “mensageiro celestial”) está
de pé não à direita de Zacarias, mas do altar de incenso. O altar simboliza a presença de Deus
e o lado direito é a posição totalmente importante de autoridade e exaltação. 65
63
Traduzido do inglês, disponível em https://www.sefaria.org/Mishnah_Tamid.6.2
64
“A oferta do incenso, portanto, traria Zacarias tão próximo da presença de Deus quanto possível para qualquer pessoa
além do sumo-sacerdote. Muitos sacerdotes nunca experimentariam tal honra e ela estava para sempre longe do alcance
de não-sacerdotes”. Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand
Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 70.
65
James R. Edwards, The Gospel according to Luke (org. D. A. Carson; The Pillar New Testament Commentary; Grand
Rapids, MI; Cambridge, U.K.; Nottingham, England: William B. Eerdmans Publishing Company; Apollos, 2015), 35.
Ao ver o anjo, talvez ainda prostrado no chão, Zacarias tem uma reação que é totalmente
previsível para quem conhece as Escrituras: ele ficou apavorado. Marshall chama a atenção para dois
paralelos extra-bíblicos de anjos aparecendo a pessoas no templo: um anjo aparecendo ao sumo
sacerdote Hircano enquanto ele oferecia incenso (Josefo, Antiguidades 13.282) e um cavaleiro
aparecendo a Heliodoro (2 Macabeus 3.22-28). 66 Até aqui, o texto está absolutamente repleto de
referências à piedade judaica: templo, sacerdócio, família sacerdotal andando diante de Deus apesar
da infertilidade, oferta de incenso no altar, oração e aparição de anjo. Ainda que, como o evangelho
demonstrará, muitos estejam vivendo distantes de Deus, a religiosidade e rituais da velha aliança não
são apresentados como vazios e inúteis, mas como o meio que Deus usou para preparar a trazer o
Messias e a nova aliança.
Lucas 1.13-20: O Diálogo entre o anjo e Zacarias
13 εἶπεν δὲ πρὸς αὐτὸν ὁ ἄγγελος· μὴ φοβοῦ, Ζαχαρία, διότι εἰσηκούσθη ἡ δέησίς σου, καὶ ἡ γυνή
σου Ἐλισάβετ γεννήσει υἱόν σοι καὶ καλέσεις τὸ ὄνομα αὐτοῦ Ἰωάννην. (13 Disse a ele o anjo: “Não
temas, Zacarias, porque foi ouvida a oração tua, e a mulher tua, Isabel, dará à luz um filho para ti
e tu chamarás o nome dele João.) Essa é uma cena que se repete nas Escrituras, um anjo aparece a
uma pessoa e fala algo relacionado ao medo, normalmente: “Não temas” (Gn 21.17; 2Rs 1.15; Mt
1.20; 28.5; Lc 1.30; 2.9-10). Em todas as vezes que isso acontece em Lucas, a ideia é que a aparição
do anjo seria motivo de grande medo e por isso o mensageiro de Deus chega anunciando para que
aqueles que o estão vendo não fiquem com medo. A ordem para não ficar com medo aparece mais
de 100 vezes nas Escrituras, mostrando a frequência que esse sentimento toma conta de nós. O anjo
continua falando com Zacarias e lhe apresenta como razão para que ele não fique com medo o fato
de que a oração dele foi ouvida e, como resultado, a sua esposa dará à luz um filho que eles deverão
chamar de João. Assim, fica claro para Zacarias que o anjo não estava ali para puni-lo por algum
motivo, mas sim para trazer a ele ótimas notícias em resposta às suas orações. Qual era o assunto da
oração de Zacarias? Não é possível saber se Zacarias orou especificamente pelo nascimento de um
filho durante oferta de incenso, embora esse deve ter sido o assunto de muitas das orações daquele
sacerdote. Marshall propõe que o sacerdote Zacarias, logo antes do sacrifício vespertino (cf. Dn 9.20),
66
Cf. I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: a commentary on the Greek text (New International Greek Testament
Commentary; Exeter: Paternoster Press, 1978), 55.
estava orando pela vinda do Messias e salvação de Israel. Green afirma que o nascimento do filho e
a salvação de Israel estavam tão interligadas (inclusive na história de Abraão) que não dá para separar
esses pedidos um do outro. 67 O fato é que a oração foi respondida e o filho de Zacarias seria parte
fundamental nos sublimes eventos de salvação que se seguirão. 68 O anjo também diz qual seria o
nome do filho: “João”. O fato de o próprio Deus dar um nome para a criança aponta para a escolha
de Deus deste menino como um servo de Deus e importante na história da salvação. 69 No AT esse
nome aparece algumas vezes como Joanã ,(יֹוחָ נָן) (2Rs 25.23; Jr 40.8, 1Cr 3.15; Ed 8.12; Ne 12.22). No
hebraico, o nome é a contração de Yahweh e o verbo נַן“ ”חָ (favorecer, agraciar, compadecer). Dessa
forma, Joanã significa: “Yahweh mostra graça” ou “Yahweh é gracioso”. 70 A versão grega de Joanã
virou Ἰωάννης (Joánnes). Em suma, o nome de João é mais um dos sinais de que Deus está dando
início ao cumprimento de suas promessas feitas desde há muito. Deus está mostrando grande graça
para com o seu povo e com o mundo inteiro. 71
14 καὶ ἔσται χαρά σοι καὶ ἀγαλλίασις καὶ πολλοὶ ἐπὶ τῇ γενέσει αὐτοῦ χαρήσονται. 15 ἔσται γὰρ
μέγας ἐνώπιον [τοῦ] κυρίου, καὶ οἶνον καὶ σίκερα οὐ μὴ πίῃ, καὶ πνεύματος ἁγίου πλησθήσεται
ἔτι ἐκ κοιλίας μητρὸς αὐτοῦ, 16 καὶ πολλοὺς τῶν υἱῶν Ἰσραὴλ ἐπιστρέψει ἐπὶ κύριον τὸν θεὸν
αὐτῶν. 17 καὶ αὐτὸς προελεύσεται ἐνώπιον αὐτοῦ ἐν πνεύματι καὶ δυνάμει Ἠλίου, ἐπιστρέψαι
καρδίας πατέρων ἐπὶ τέκνα καὶ ἀπειθεῖς ἐν φρονήσει δικαίων, ἑτοιμάσαι κυρίῳ λαὸν
κατεσκευασμένον. (14 E ele será alegria tua e exultação e muitos no nascimento dele se alegrarão.
15 Pois ele será grande diante do Senhor, e vinho e cerveja de modo algum beberá, e de Espírito
Santo será enchido ainda do ventre da mãe dele. 16 E muitos dos filhos de Israel ele voltará ao
Senhor, o Deus deles. 17 E ele irá adiante diante dele, no Espírito e poder de Elias, para voltar
corações dos pais para os filhos e desobedientes na prudência dos justos, para preparar ao Senhor
67
Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI:
Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 73–74.
68
I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: a commentary on the Greek text (New International Greek Testament
Commentary; Exeter: Paternoster Press, 1978), 56.
69
Cf. Walter L. Liefeld, “Luke”, in The Expositor’s Bible Commentary: Matthew, Mark, Luke (org. Frank E. Gaebelein; vol.
8; Grand Rapids, MI: Zondervan Publishing House, 1984), 8826; Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New
International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 74..
70
O nome significa que a falta de filhos e fraqueza do casal idoso foi aliviada não por sua própria piedade ou mérito, mas
por graça divina. James R. Edwards, The Gospel according to Luke (org. D. A. Carson; The Pillar New Testament
Commentary; Grand Rapids, MI; Cambridge, U.K.; Nottingham, England: William B. Eerdmans Publishing Company;
Apollos, 2015), 36.
71
Cf. John Calvin e William Pringle, Commentary on a Harmony of the Evangelists Matthew, Mark, and Luke (vol. 1;
Bellingham, WA: Logos Bible Software, 2010), 15.
um povo pronto”.) Após dar a notícia do nascimento para Zacarias, o anjo, que mais à frente é
identificado como Gabriel, passa a descrever o ministério do filho que Zacarias em dez pontos.
Primeiro, o filho de Zacarias traria e este grande alegria e exultação. Aparentemente aqui existe uma
garantia de que esse filho não seria rebelde, não traria tristeza, mas seria um filho piedoso que traria
grande alegria para pais piedosos. Alegria é um dos temas fundamentais da narrativa da infância em
particular e de Lucas-Atos como um todo e o mesmo começa a ser desenvolvido nesta passagem.
Nas palavras de Bock, “Zacarias vai se alegrar não somente porque ele será pai, mas também por
causa da missão do que a missão dessa criança significa para o seu povo. A chegada de João significa
que a salvação se aproxima. O tema lucano fundamental da obra divina de salvação emerge”. 72
Segundo, o nascimento dele traria alegria não somente para Zacarias, mas também para muitas
outras pessoas. O fato de que o filho de Zacarias entraria no mundo seria fonte de alegria para muitas
pessoas. Terceiro, o anjo diz a Zacarias que de alguma forma o seu filho seria especial em comparação
a outras pessoas, pois seria “grande diante do Senhor”. Além de uma promessa de piedade, existe
aqui uma promessa de que o filho de Zacarias teria uma atuação grandiosa no povo de Deus e seria
fiel e, portanto, grande aos olhos de Deus. O próprio Jesus, que é descrito de maneira absoluta como
“grande” (Lc 1.32), confirma a grandiosidade de João em Lucas 7.28. 73 Quarto, o filho de Zacarias não
consumiria bebida fermentada, o que possivelmente aponta para alguém que estaria sob um
nazireado vitalício, assim como Sansão e Samuel (Nm 6.1-21; Jz 13; 1Sm 1.11 [cf. LXX]; Am 2.11-12). 74
Como não há uma proibição quanto a cortar o cabelo, não podemos ter certeza de que o que se tem
em vista é um voto de nazireu ou somente um requisito de consagração para o serviço a Deus.
Quinto, o filho de Zacarias seria cheio do Espírito Santo já desde o ventre de sua mãe. Essa não é a
única vez que vinho e Espírito são contrastados no Novo Testamento (Cf. At 2.15; Ef 5.18). O conceito
72
Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Baker
Academic, 1994), 83.
73
“A grandeza de João (7.28) é devida à sua dedicação pessoal e capacitação divina para a tarefa dele”. I. Howard
Marshall, The Gospel of Luke: a commentary on the Greek text (New International Greek Testament Commentary;
Exeter: Paternoster Press, 1978), 57.
74
Veja mais detalhes sobre isso em Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX: introduction, translation, and
notes (vol. 28; Anchor Yale Bible; New Haven; London: Yale University Press, 2008), 325–326. Vale a pena registrar aqui
o comentário de Green: A abstinência completa de vinho e outras bebidas alcoólicas é extraordinária no mundo bíblico,
assim a exigência de que João adotasse tal comportamento ascético requer explicação. Durante o período de serviço no
templo, os sacerdotes deviam se abster de bebidas alcoólicas (Lv 10.8–9; Ez 44.21). A abstinência também era essencial
para aqueles que haviam feito voto de nazireu (Nm 6:1–21). Isso sugere que a recusa de beber vinho e cerveja estava
associada à separação da vida normal para uma tarefa divina, seja por um período temporário e específico (sacerdotes
de plantão, nazireus) ou, como no caso de Sansão, por toda a vida (Jz 13: 7). Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New
International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 75. Na
LXX de 1 Samuel 1.11, acrescenta-se ao texto hebraico uma informação bastante semelhante à que temos aqui: “καὶ
οἶνον καὶ μέθυσμα οὐ πίεται” (“E vinho e cerveja não beberá”).
de ser cheio do Espírito Santo não é comum no Antigo Testamento. Bezalel, o principal responsável
pela construção do tabernáculo, foi enchido de Espírito (Êx 31.3) e o Espírito visitou Sansão de
maneira diferente do que fazia com outras pessoas (Jz 14.6, 19; 5.14). A Bíblia fala sobre outros que
também foram habitados pelo Espírito (Gn 41.38; Nm 11.17, 25-26; 24.2; 27.18; Jz 3.10; 6.34; 11.29;
13.5; 1Sm 10.6, 9-10; 11.6; 16.13-14; 19.20-23; 1Cr 12.18; 2Cr 15.1; 20.14; 24.20; Ed 5.1; Ne 9.20; Sl
51.11; Is 11.2; 42.1; 61.1; 63.11; Ez 2.2; 3.24; 11.5; Mq 3.8). Além de ter uma relação bastante
próxima com o nascimento de Sansão, esses versículos também lembram do profeta Jeremias que
foi escolhido para ser profeta desde antes do seu nascimento (Jr 1.4-5). Esse versículo, juntamente
com outros que mostram algum tipo de relacionamento de fetos com Deus (Lc 1.41-44; Sl 139.13; Is
49.1; Jr 1.5; Gl 1.15), é potente em sua aplicação antiaborto. Sexto, o ministério do filho de Zacarias
teria sucesso como profeta, pois ele conseguiria fazer com que muitos de Israel se voltasse para o
Senhor. Esse versículo deixa claro que, da perspectiva de Deus, muitos de Israel estavam vivendo
afastados de Deus e seria necessário um ministério de reaproximação e esse ministério seria
desempenhado pelo filho do sacerdote Zacarias. Essa expressão de retornar ao Senhor também
aparece em outros contextos na Escritura: Dt 4.30; 1Sm 7.3; Ne 1.9; Sl 51.13; Is 10.21; 31.6; 55.7; Jr
3.12-22; 4.1; 15.19; 24.7; Lm 3.40; Ez 18.30; Ho 12.6; 14.1-2; Jl 2.13; Zc 1.3. Embora chamar o povo
de Deus para se voltar ao Senhor não fosse uma atividade incomum entre os profetas, o que é
impressionante no ministério anunciado pelo anjo para o filho de Zacarias é que ele teria sucesso em
fazer isso. Sétimo, após ter citado “o Senhor, o Deus deles” no versículo anterior, o anjo diz a Zacarias
que o filho dele iria adiante do Senhor. A expressão grega aqui é αὐτὸς προελεύσεται ἐνώπιον αὐτοῦ.
O verbo usado aqui é o προέρχομαι que significa ir adiante, às vezes até no sentido de ser o líder de
pessoas que seguem atrás (BDAG, 868-869). É evidente que aqui o sentido não pode ser que o filho
de Zacarias seria o líder de Deus, mas que ele andaria adiante de Deus, o que é um pensamento muito
estranho. Como pode alguém ir para algum lugar antes de Deus, talvez Zacarias tenha pensado. A
história do evangelho explica aquilo que aqui não é falado. A encarnação do Filho de Deus
possibilitará isso. A maneira de expressar alguém que anda adiante do Senhor evoca o texto de
Malaquias 3.1: “Eis que eu envio o meu mensageiro, que preparará o caminho diante de mim. De
repente, o Senhor, a quem vocês buscam, virá ao seu templo; e o mensageiro da aliança, a quem
vocês desejam, eis que ele vem, diz o SENHOR dos Exércitos”. Além disso, esse andar adiante de Deus
aconteceria “no Espírito e poder de Elias”. O mesmo Espírito Santo que atuou em Elias e deu poder
a um dos profetas mais importantes da história de Israel atuaria sobre este filho mais do que especial.
Talvez aqui, Zacarias, se é que ele estava conseguindo processar todas as informações do anjo, tenha
se lembrado do texto bíblico: “ 5 — Eis que eu lhes enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande
e terrível Dia do SENHOR. 6 Ele converterá o coração dos pais aos seus filhos e o coração dos filhos aos
seus pais, para que eu não venha e castigue a terra com maldição” (Malaquias 4.5-6). Se ele se
lembrou, isso somente se confirmou à medida em que o anjo continuou falando. Oitavo, assim como
diz Malaquias 4.5-6 sobre o profeta Elias que viria no futuro, o anjo diz a Zacarias que seu filho João
faria voltar o coração dos pais aos seus filhos. Uma restauração da harmonia familiar que deveria
caracterizar a família da aliança que é o que o ministério deste profeta prometido vai realizar. 75 Nono,
aquilo que em Malaquias aparece como voltar o coração dos filhos aos pais, é retrabalhado pelo anjo
como voltar “os desobedientes na prudência dos justos”. Assim, essa restauração da harmonia
familiar seria baseada não em utilitarismo, mas em uma transformação profunda de caráter, marcada
pela presença da sabedoria bíblica. Em décimo lugar, o ministério do filho do sacerdote também faria
com que ficasse pronto para o Senhor um povo “preparado”. A palavra grega aqui é
κατεσκευασμένον (kateskeuasménon), que significa: tornar algo pronto para algum propósito, tornar
pronto, preparar, construir, erigir, equipar (BDAG, 526-527). Pronto para que, alguém poderia
perguntar. Creio que o texto responde, pronto para a vinda do Senhor! Assim como no Êxodo (19.10-
11) e em algumas outras ocasiões o povo era convocado para se purificar e preparar porque Deus
faria uma reunião com eles, assim o filho de Zacarias e Isabel será o responsável por convocar o povo
para se encontrar com Deus e ele vai conseguir fazer isso com algum nível de sucesso. As palavras de
Green cabem bem aqui:
Ainda não há nenhuma noção de um Messias em vista na narrativa, mesmo que a atmosfera
esteja carregada de antecipação escatológica. Por ora, a promessa gira em torno da
intervenção direta do próprio Senhor Deus, cuja vinda inauguraria o tão esperado domínio de
Deus, shalom, paz com justiça (cf. Is 40). O anúncio do nascimento de João forneceu, assim, a
ocasião para uma proclamação ainda mais surpreendente. O período de espera está
75
Geldenhuys apresenta uma interpretação bem diferente aqui, que nos relembra que a expressão pais pode ser usada
para apontar para a geração anterior. “Com Greydanus, imaginamos que o caso seja o seguinte. Por “pais” entende-se
os ancestrais piedosos de Israel. Eles estão, por assim dizer, cheios de aversão por seus descendentes que caíram na
impiedade. Agora, João, pelo poder do Espírito Santo, fará com que muitos desses descendentes se convertam a Deus e
assim abandonem seus caminhos pecaminosos. E dessa maneira eles reconquistarão a afeição de seus piedosos
ancestrais. O significado é, portanto, que João trará a atual geração rebelde à harmonia religiosa com os retos dos
tempos anteriores. Será sua tarefa reunir e consolidar Israel com base na devoção dos antepassados”. Norval
Geldenhuys, Commentary on the Gospel of Luke: The English Text with Introduction, Exposition and Notes (The New
International Commentary on the Old and New Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1952),
66. Para Carroll, por outro lado, como o texto diz que os pais é que devem se voltar para os filhos, o erro está com os
pais e que o ministério de Jesus vai, na verdade, separar pais e filhos, por causa da dureza dos primeiros. Cf. John T.
Carroll, Luke: A Commentary (org. C. Clifton Black e M. Eugene Boring; First Edition.; The New Testament Library;
Louisville, KY: Westminster John Knox Press, 2012), 32–33.
chegando ao fim. Deus está agindo. Os preparativos finais são necessários, e João terá o papel
profético central na proclamação do iminente advento do Senhor. 76
18 καὶ εἶπεν Ζαχαρίας πρὸς τὸν ἄγγελον· κατὰ τί γνώσομαι τοῦτο; ἐγὼ γάρ εἰμι πρεσβύτης καὶ ἡ
γυνή μου προβεβηκυῖα ἐν ταῖς ἡμέραις αὐτῆς. 18 E disse Zacarias ao anjo: “De que modo
realmente saberei isto? Porque eu sou velho e a mulher minha velha nos dias dela”. Sabe aquele
momento em que você deveria ter ficado quieto, mas falou o que não devia? Pois é, com Zacarias
aconteceu mais ou menos assim. Quando a mãe de Sansão recebeu uma visita de um anjo ela não
pediu nenhuma confirmação, apenas foi contar ao seu marido a novidade maravilhosa (Jz 13). Daniel
também não duvidou das palavras recebidas por meio de anjos (Dn 9—12). Nem mesmo Balaão
questionou o anjo que lhe foi enviado (Nm 22.21-41). Abraão creu quando o anjo lhe anunciou o
nascimento de um filho na sua velhice, Sara se riu e foi levemente repreendida pelo anjo (Gn 18.1-
15). Gideão teve dificuldades de acreditar nas palavras do Anjo do Senhor e o mesmo proveu a ele
sinais para fortalecer a sua fé (Jz 6.11-40). Maria ao receber a visita do mesmo anjo, creu e pediu
maiores explicações de como funcionaria aquilo que o anjo estava lhe anunciando (Lc 1.26-38).
Assim, Deus tem uma maneira específica de lidar com cada um, levando em consideração quem é a
pessoa que está recebendo instrução por parte do anjo. Baseado em toda a história da redenção, no
ritual que ele estava performando e na evidência da presença e palavra angelicais, Zacarias deveria
ter crido. 77 Mas ele não creu e questionou como poderia realmente ter certeza de que aquilo tudo
iria acontecer, especialmente considerando que ele e sua esposa já estavam velhos demais.
19 καὶ ἀποκριθεὶς ὁ ἄγγελος εἶπεν αὐτῷ· ἐγώ εἰμι Γαβριὴλ ὁ παρεστηκὼς ἐνώπιον τοῦ θεοῦ καὶ
ἀπεστάλην λαλῆσαι πρὸς σὲ καὶ εὐαγγελίσασθαί σοι ταῦτα· 20 καὶ ἰδοὺ ἔσῃ σιωπῶν καὶ μὴ
δυνάμενος λαλῆσαι ἄχρι ἧς ἡμέρας γένηται ταῦτα, ἀνθʼ ὧν οὐκ ἐπίστευσας τοῖς λόγοις μου,
οἵτινες πληρωθήσονται εἰς τὸν καιρὸν αὐτῶν. (19 E respondendo o anjo disse-lhe: “Eu mesmo sou
Gabriel, aquele que fica de pé diante de Deus e fui enviado para falar a você e para evangelizar a
76
Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI:
Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 78.
77
“A pergunta de Zacarias (v. 18) parece inocente, mas o v. 20 revela que foi feita em dúvida. Em contraste, a pergunta
de Maria: “Como pode isso ser”? (v. 34), é feita a partir da fé (v. 45). Maria simplesmente perguntou a forma como
tudo aquilo iria acontecer; Zacarias questionou a veracidade da revelação”. Walter L. Liefeld, “Luke”, in The Expositor’s
Bible Commentary: Matthew, Mark, Luke (org. Frank E. Gaebelein; vol. 8; Grand Rapids, MI: Zondervan Publishing
House, 1984), 8828. Green também diz: “Em Lucas, Deus pode por sua propria iniciativa dar um dinal (1.36; 2.12), mas
pedidos por sinais são interpretados negativamente de forma consistente (11.16, 29–30; 23.8)”. Joel B. Green, The
Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans
Publishing Co., 1997), 79.
você estas coisas. 20 E veja: Ficarás mudo e não podendo falar até este dia em que acontecerão
estas coisas, em retorno de que não acreditastes as palavras minhas, as quais se cumprirão para o
tempo delas”). Então, em um movimento irônico na narrativa, o anjo decide fazer algumas coisas ao
mesmo tempo: repreender Zacarias afirmando a sua identidade angelical, dar-lhe um castigo leve
(mudez temporária), reafirmar a certeza de suas palavras (as quais se cumprirão) e prover o sinal
(mudez) pedido por Zacarias a fim de aumentar a sua fé. O anjo se identifica como Gabriel (Γαβριὴλ).
Este é o mesmo anjo que apareceu para Daniel em Dn 8.15; 9.21 רִ יאֵ֡ ל) .(גַבְ O nome Gabriel é a junção
das palavras hebraicas גְבֶׁ ר (gever, homem forte) e אֵ ל (El, Deus), ou seja, “homem [forte] de Deus”.
Gabriel apresenta-se como o anjo “que fica em pé diante de Deus” (veja Ap 8.2). 78 Essa expressão
comunica tanto o fato de que Gabriel é uma espécie de atendente direto de Deus, quanto a grandeza
de alguém que consegue ficar de pé na presença do Todo-Poderoso.
Lucas 1.21-23: Mudo, Zacarias sai do santuário ao encontro do povo
21 Καὶ ἦν ὁ λαὸς προσδοκῶν τὸν Ζαχαρίαν καὶ ἐθαύμαζον ἐν τῷ χρονίζειν ἐν τῷ ναῷ αὐτόν.
22 ἐξελθὼν δὲ οὐκ ἐδύνατο λαλῆσαι αὐτοῖς, καὶ ἐπέγνωσαν ὅτι ὀπτασίαν ἑώρακεν ἐν τῷ ναῷ· καὶ
αὐτὸς ἦν διανεύων αὐτοῖς καὶ διέμενεν κωφός. 23 καὶ ἐγένετο ὡς ἐπλήσθησαν αἱ ἡμέραι τῆς
λειτουργίας αὐτοῦ, ἀπῆλθεν εἰς τὸν οἶκον αὐτοῦ. (21 E estava o povo esperando Zacarias e
maravilhado pelo demorar no santuário dele. 22 E saindo, ele não conseguia falar a eles, e
entenderam que uma visão ele vira no santuário. E ele mesmo estava fazendo sinais a eles
enquanto permanecia mudo. 23 E aconteceu, quando se completaram os dias do serviço dele, foi
para a casa dele.) Uma das maneiras que os evangelhos mostram que o tempo que relatam é um
tempo todo especial é por meio do uso de expressões que demonstram maravilhamento por parte
do povo. Não sabemos quanto tempo normalmente demorava o processo de acender o incenso
diante de Deus, mas neste dia demorou bem mais do que o normal, ao ponto de o povo ficar
maravilhado. É até mesmo possível que alguns haviam começado a considerar a possibilidade de
Zacarias ter morrido dentro do templo. 79 Finalmente, no entanto, Zacarias saiu. É provável que nessa
78
Veja essa outra possibilidade de interpretação do nome Gabriel: “Gabrî-ʾēl não significa ‘Homem de Deus’, nem ‘Deus
tem se mostrado forte’, mas ‘Deus é o meu herói/guerreiro’. Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX:
introduction, translation, and notes (vol. 28; Anchor Yale Bible; New Haven; London: Yale University Press, 2008), 328.
79
Marshall chama a atenção para o fato de que o Mishnah Yoma 5.1, após descrever as atividades do sumo-sacerdote
ao queimar incenso, diz: “Ele coloca o incenso sobre as brasas, e toda a câmara seria preenchida com fumaça. Então ele
sai e sai da mesma maneira que entrou. Ele não se vira, mas deixa o Santo dos Santos caminhando de frente para a
hora Zacarias tivesse a responsabilidade de abençoar o povo com a bênção sacerdotal junto com
ouros sacerdotes (Nm 6.24-26). 80 Mas ele não poderia fazer isso, pois não saiu da mesma maneira
que havia entrado. Agora ele estava mudo (e surdo, de acordo com Lc 1.62) e, de alguma forma, o
povo entendeu que o sacerdote idoso tivera uma visão no santuário por parte do Senhor. Assim,
Zacarias começou a se comunicar com o povo por meio de sinais. Assim, acabaram os dias do serviço
de Zacarias. A palavra aqui traduzida como serviço é o grego λειτουργίας (leitourgías), de onde vem
a nossa palavra “liturgia”. A principal conotação do termo grego é de um serviço prestado a Deus,
relacionado ou não ao culto. 81 Ao acabar a “liturgia” de Zacarias, ele foi para a sua casa.
Lucas 1.24-25: Isabel fica grávida!
24 Μετὰ δὲ ταύτας τὰς ἡμέρας συνέλαβεν Ἐλισάβετ ἡ γυνὴ αὐτοῦ καὶ περιέκρυβεν ἑαυτὴν μῆνας
πέντε λέγουσα 25 ὅτι οὕτως μοι πεποίηκεν κύριος ἐν ἡμέραις αἷς ἐπεῖδεν ἀφελεῖν ὄνειδός μου ἐν
ἀνθρώποις. (24 Depois daqueles dias, concebeu Isabel, a mulher dele, e se escondeu até o quinto
mês, dizendo: 25 “Isso a mim fez o Senhor nos dias nos quais preocupou-se em tirar a desgraça de
mim entre os homens.) A Bíblia nunca faz sensacionalismo com o poder sobrenatural de Deus em
ação. Veja, o narrador poderia ter explorado a concepção de Isabel de forma sensacionalista e cheia
de emoção, mas não é assim que ele escreve. O narrador se limita a nos contar três eventos. Primeiro,
Arca. E ele recita uma breve oração na câmara externa, no Santuário. E ele não prolonga sua oração lá para não alarmar
o povo judeu, que caso contrário concluiria que algo aconteceu e que ele morreu no Santo dos Santos.” Texto hebraico
e inglês do Mishná disponível em: https://www.sefaria.org/Mishnah_Yoma.5.1. Cf. I. Howard Marshall, The Gospel of
Luke: a commentary on the Greek text (New International Greek Testament Commentary; Exeter: Paternoster Press,
1978), 61.
80
“Após os sacerdotes saírem do Santuário, eles ficaram de pé nas doze escadas diante do Salão de Entrada. Os cinco
primeiros sacerdotes ficaram ao sul de seus irmãos, os sacerdotes, que levaram os membros da oferta diária até o altar.
E esses cinco sacerdotes tinham cinco vasos em suas mãos: o cesto com as cinzas do altar interno estava nas mãos de um
sacerdote; e o jarro com as cinzas do candelabro estava nas mãos de um sacerdote; e a panela de carvão estava nas mãos
de um sacerdote; e o vaso menor, a tigela que continha o incenso, estava nas mãos de um sacerdote que havia queimado
o incenso; e a colher e sua tampa estavam nas mãos de um sacerdote, o amigo ou parente daquele que queimou o
incenso. Os sacerdotes colocaram seus vasos no chão e então abençoaram o povo, recitando uma bênção. A Bênção
Sacerdotal também era recitada fora do Templo, mas no Templo era recitada de forma diferente, pois no restante do
país os sacerdotes a recitavam como três bênçãos, e os ouvintes respondiam "amém" após cada bênção. Mas no Templo
eles a recitavam como uma única bênção, e os ouvintes não respondiam a cada bênção. Em vez disso, ao final de toda a
Bênção Sacerdotal, eles respondiam: Bendito és Tu, Senhor, Deus de Israel, de eternidade em eternidade.” Talmude,
Mishná Tamid 7.2. Traduzido do inglês, disponível em https://www.sefaria.org/Mishnah_Tamid.7.2. Veja também
Eclesiástico 50.19-21.
81
Sobre liturgia como oferta do dia a dia a Deus, indico o livro: Tish Warren. Liturgia do Ordinário: Práticas Sagradas na
Vida Cotidiana. São Paulo: The Pilgrim, 2019.
Isabel concebeu! Aquela que fora estéril por tantos anos, agora está esperando seu primeiro filho e
um filho especialíssimo, conforme as palavras do anjo (Imagine quantas vezes Zacarias teve que
repetir aquela história para Isabel por meio das tabuinhas que ele usava para escrever?!). Em
segundo lugar, Lucas nos diz que Isabel se escondeu por 5 meses. A explicação que o próprio texto
oferece para a atitude de Isabel de se esconder são as palavras dela: “Isso a mim fez o Senhor nos
dias nos quais preocupou-se em tirar a desgraça de mim entre os homens.” Já vimos que a
esterilidade era vista como uma maldição de Deus. Como resultado, uma mulher estéril era julgada
por muitos como alguém que mereceu ser estéril, uma pecadora. Agora, no entanto, tudo havia
mudado! Isabel estava grávida. Curiosamente, no entanto, em vez de sair por aí “esfregando sua
barriga na cara das pessoas” como forma de mostrar que ela era uma abençoada de Deus, ela se
escondeu. 82 Há autores que interpretam tanto esse esconder de Isabel quanto a mudez de Zacarias
como apontando para o fato de que Deus não queria que aqueles eventos se tornassem totalmente
conhecidos imediatamente. 83 Não consigo ver razão para esta interpretação. Isabel interpretou sua
gravidez de maneira pessoal e teológica. Era uma obra do próprio Deus e era uma obra em seu favor.
É claro que ela deveria saber da grandeza do seu filho para todo o Israel. Para ela, no entanto, o
nascimento do filho era Deus vindicando-a diante dos seus contemporâneos. A palavra que Isabel
usa para falar sobre o que Deus tirou de cima dela é a expressão grega ὄνειδός, que significa “perda
de posição social conectada com fala depreciativa, desgraça, reprovação ou insulto” (BDAG, 711). Ela
também pode significar desgraça, opróbrio, censura e injuria (DTNT, 36). Ou seja, parece que muitas
vezes Isabel foi mal falada pelas pessoas por causa de sua esterilidade. Mas agora, isso faria parte do
passado. Deus havia se lembrado dela. Outro aspecto que o narrador parece estar enfatizando é a
diferença da resposta de Isabel quando comparada à de Zacarias. 84 Ela respondeu em fé, enquanto
seu marido, em incredulidade. Como Israel responderá ao programa de redenção iniciado por Deus?
Como o leitor responderá?
82
Bock apresenta cinco explicações que têm sido dadas por estudiosos para o esconder-se de Isabel: (1) a dor causada
pelos comentários maldosos durante os anos de infertilidade; (2) alusão às setenta semana de Daniel; (3) meses de
louvor a Deus; (4) destacar o encontro de Jesus e João em Lucas 1.39-45; (5) junto com a mudez de Zacarias, manter em
segredo os eventos salvíficos que estão acontecendo até a hora certa. Depois de apresentar as posições, Bock diz que é
impossível saber a razão dessa reclusão de Isabel. Cf. Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical
Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Baker Academic, 1994), 97.
83
Veja, por exemplo, Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX: introduction, translation, and notes (vol.
28; Anchor Yale Bible; New Haven; London: Yale University Press, 2008), 329.
84
Veja ótimas observações sobre isso em Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the
New Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 81.
Teologia da Passagem
Teologia Bíblica
Revelação orgânica (história com ecos de tantas outras no AT), histórica (Herodes,
instituições do judaísmo), progressiva (Cristo está chegando e as instituições do AT
cumprem seu papel apontando e preparando a sua chegada), adaptável (instituições do AT:
sacerdócio, templo, incenso, sinal para Zacarias)
Vinda do Messias
Teologia Sistemática
Revelação de Deus
Soberania de Deus
Fé
Espírito Santo
Conversão
Angelologia
Teologia Aplicada
Oração
Incredulidade / Credulidade
Infertilidade
Aborto
Família
Vergonha
Deus usa pessoas de todas as idades, incluindo idosos
Deus dirige o lançar das sortes
Alegria
Aplicações Práticas
Regra de fé: Deus cumpre as suas promessas, fé no Messias visto que como o AT previa
(características de João Batista), houve um mensageiro para preparar o seu caminho. O Messias é o
Senhor. Deus é aquele que tem poder para abrir a madre e fazer coisas impossíveis. Deus é aquele
que dá alegria. Deus agiu em prol de um casal idoso e estéril: ministério, revelação, concepção,
sinal e honra. Deus agiu em prol do seu povo: vinda de João para preparar a vinda do Senhor,
alegria, pregação de João para arrependimento, transformação.
Regra de prática: recomendação da piedade característica de Zacarias e Isabel; Deus ouve a oração
(incenso) dos piedosos; a importância fundamental da oração; repreensão da incredulidade.
Devemos voltar: pais para filhos, desobedientes para sabedoria, ser povo do Senhor.
Transformando em Sermão
Herodes, o Grande e Grande Diante de Deus: Entre Herodes e João
Aprendendo a partir da perspectiva de Deus
1.5-7: Não é porque você é justo que Deus vai dar tudo o que você quer na hora em que
você quer
Moisés não entra na terra
Paulo não teve o espinho da carne retirado
e sim a tua.
Jesus: se possível passa de mim este cálice, mas não seja conforme a minha vontade
1.8-12: Não há rituais vazios no cristianismo: a realidade sobrenatural está sempre
presente, mesmo quando não a vemos
Daniel ora e o anjo vem (Dn 9.20-22)
Apocalipse 5.8
Ananias e Safira em Atos 5
Nadabe e Abiú
1.13-17: Quem é verdadeiramente grande: Herodes ou João?
Davi em sua casa e diante de Golias
Moisés
Deuteronômio 7.7-8
1 Coríntios 1.26-31
1.18-20: Cuidado com a incredulidade! Punição e Sinal juntos.
A jumenta falando com Balaão
Deus dando sinal para Gideão
Deus perdoando a incredulidade de Sara
Deus não permitindo que Moisés entrasse na terra
1.21-25: O Deus que leva a nossa vergonha.
Sara, mãe de Isaque
Rebeca, mãe de Esaú e Jacó
Raquel, Mae de José e Benjamin
Mãe de Sansão
Ana, Mae de Samuel, de 3 outros meninos e 2 meninas
A mulher Sunamita
Lucas 1.26-38 – O Diálogo de Maria com o Anjo Gabriel
Tradução Literal
26 E em o mês sexto foi enviado o anjo Gabriel por Deus para uma cidade da Galileia, cujo nome era
Nazaré, 27 a uma virgem comprometida a um homem cujo nome era José, da casa de Davi e o nome
da virgem era Maria. 28 E entrando diante dela disse: "Saudações, agraciada, o Senhor está com
você". 29 A (Ela), com a palavra, ficou confusa e considerava de que tipo era a saudação aquela. 30 E
disse o anjo a ela: "não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus. 31 E veja! Tu receberás no
ventre e darás à luz um filho e chamarás o nome dele Jesus. 32 Este será grande e filho do Altíssimo
ele será chamado e dará a ele o Senhor Deus, o trono de Davi, pai dele, 33 e ele reinará sobre a casa
de Jacó para sempre e o reino dele não haverá fim". 34 E disse Maria ao anjo: "Como acontecerá isto,
visto que homem não estou conhecendo?” 35 E respondendo o anjo disse-lhe: "O Espírito Santo virá
sobre você e o poder do Altíssimo cobrirá (com sombra) você. Por esta razão também o nascido santo
será chamado filho de Deus. 36 E veja: Elizabete (Isabel) a parente sua também ela concebeu um
filho na velhice dela e este mês sexto é para ela, a chamada estéril, 37 pois toda palavra não será
impossível para Deus. 38 E disse Maria: "Veja a serva do Senhor. Aconteça em mim segundo a palavra
tua". E partiu dela o anjo.
Ideia Exegética
O anjo Gabriel é enviado a Maria que é informada dos planos de Deus de fazê-la a virgem mãe de
Jesus, o grande Filho de Deus e de Davi, e ela se prontifica.
“Deus fez o impossível, trouxe o filho de Deus ‘a terra em um ventre virgem para se tornar o Filho
de Davi que governa um reino eterno”. 85
Contexto Literário
1.5—4.14 – Introdução: João e Jesus em paralelo
1.5-25) Antecedentes do nascimento de João
1.26-56) Antecedentes do nascimento de Jesus
1.57-80) O nascimento de João
85
Trent C. Butler, Luke (vol. 3; Holman New Testament Commentary; Nashville, TN: Broadman &
Holman Publishers, 2000), 10.
2.1-52) O nascimento e a infância de Jesus
3.1-20) Início do ministério de João Batista
3.21-4.13) Preparação de Jesus para o ministério
Contexto Canônico
Como veremos, existe uma íntima conexão entre a presente passagem e a passagem do
anúncio do anjo Gabriel para Zacarias. Aqui, no entanto, vamos salientar a relação entre a nossa
passagem e outras passagens do cânon. Isaías 7.14 é a promessa específica da qual o nosso texto é
o início de cumprimento O mesmo se aplica a 2 Samuel 7.12-16. Gênesis 3.15 é o primeiro texto em
que se fala sobre a promessa de um filho de mulher que será fundamental na derrota da serpente.
Mateus 1 narra a preparação do nascimento de Jesus, inclusive envolvendo aparição de anjos, mas a
partir de outra perspectiva. Textos que tratam sobre humildade, graça e disposição para o serviço a
Deus também lançam luz sobre e recebem luz do nosso texto.
Forma e Estrutura
1.26-27 – O anjo Gabriel é enviado por Deus a Maria
1.28-38 – O diálogo de Maria com o anjo
Existem diversas maneiras de se estruturar um mesmo texto. Essas estruturas podem ser mais
simples ou mais complexas. A estrutura acima é bastante simples. A estrutura abaixo, por outro lado,
é mais complexa e mostra a semelhança entre a nossa passagem e a perícope anterior.
Lucas 1.5-25 Lucas 1.26-38
Ambientação temporal
5
Nos dias de Herodes, rei da Judeia,
26
No sexto mês
Caracterização dos personagens houve um sacerdote chamado o anjo Gabriel foi enviado por Deus,
• O de Zacarias e Isabel é mais
elaborado
Zacarias, do turno de Abias. A
mulher dele era das filhas de Arão e
27
a uma virgem que estava
comprometida a casar com um
• No relato de Maria não há o
elemento surpresa do
aparecimento do anjo que
caracteriza o relato de
Zacarias e Isabel.
se chamava Isabel. 6 Ambos eram
justos diante de Deus, vivendo de
forma irrepreensível em todos os
preceitos e mandamentos do
Senhor. 7 Eles não tinham filhos,
porque Isabel era estéril, e os dois já
tinham idade avançada.
homem da casa de Davi, cujo nome
era José. A virgem se chamava
Maria.
Ambientação geográfica
• Um acontece no templo e o
outro em uma vila
desprezada chamada Nazaré.
Aparição do anjo Gabriel
Reação de temor
O anjo tranquiliza Zacarias/Maria
Anúncio do nascimento do filho e do
nome
Anúncio da identidade e ministério
do filho de Zacarias/Maria
Pergunta do personagem
apresentando alguma dificuldade
quanto ao cumprimento
Resposta do anjo com um sinal
• Zacarias é tratado como
incrédulo e Maria não.
Conclusão do encontro de
Zacarias/Maria com o anjo
8 E aconteceu que, enquanto
Zacarias exercia o sacerdócio diante
de Deus na ordem do seu turno,
coube-lhe por sorteio, 9 segundo o
costume sacerdotal, entrar no
santuário do Senhor para queimar o
incenso. 10 Durante esse tempo, toda
a multidão do povo permanecia na
parte de fora, orando.
11 E eis que apareceu a Zacarias um
anjo do Senhor, em pé, à direita do
altar do incenso.
12
Ao vê-lo, Zacarias ficou assustado,
e o temor se apoderou dele.
13 O anjo, porém, lhe disse: — Não
tenha medo, Zacarias, porque a sua
oração foi ouvida.
Isabel, sua esposa, dará à luz um
filho, a quem você dará o nome de
João.
14 Você ficará alegre e feliz, e muitos
ficarão contentes com o nascimento
dele. 15 Pois ele será grande diante
do Senhor, não beberá vinho nem
bebida forte, e será cheio do Espírito
Santo, já desde o ventre materno.
16 Ele converterá muitos dos filhos de
Israel ao Senhor, seu Deus. 17 E irá
adiante do Senhor no espírito e
poder de Elias, para converter o
coração dos pais aos filhos,
converter os desobedientes à
prudência dos justos e habilitar para
o Senhor um povo preparado.
18 Então Zacarias perguntou ao anjo:
— Como terei certeza disso? Pois eu
sou velho, e a minha mulher
também já tem idade avançada.
19
O anjo respondeu: — Eu sou
Gabriel, que estou a serviço de
Deus, e fui enviado para falar com
você e lhe trazer esta boa notícia. 20
Todavia, você ficará mudo e não
poderá falar até o dia em que estas
coisas vierem a acontecer, porque
você não acreditou nas minhas
palavras, as quais, no devido tempo,
se cumprirão.
21
O povo estava esperando Zacarias
e admirava-se com a demora dele
a uma cidade da Galileia, chamada
Nazaré
[o anjo Gabriel foi enviado por Deus]
28 E, aproximando-se dela, o anjo
disse:
— Salve, agraciada! O Senhor está
com você.
29
Ela, porém, ao ouvir esta palavra,
perturbou-se muito e pôs-se a
pensar no que poderia significar esta
saudação.
30 Mas o anjo lhe disse: — Não tenha
medo, Maria; porque você foi
abençoada por Deus.
31 Você ficará grávida e dará à luz um
filho, a quem chamará pelo nome de
Jesus.
32 Este será grande e será chamado
Filho do Altíssimo. Deus, o Senhor,
lhe dará o trono de Davi, seu pai. 33
Ele reinará para sempre sobre a casa
de Jacó, e o seu reinado não terá
fim.
34 Então Maria disse ao anjo: —
Como será isto, se eu nunca tive
relações com homem algum?
35
O anjo respondeu: — O Espírito
Santo virá sobre você, e o poder do
Altíssimo a envolverá com a sua
sombra; por isso, também o ente
santo que há de nascer será
chamado Filho de Deus. 36 E Isabel,
sua parenta, igualmente está
grávida, apesar de sua idade
avançada, sendo este já o sexto mês
de gestação para aquela que diziam
ser estéril. 37 Porque para Deus não
há nada impossível.
38
Então Maria disse:
Resultado do encontro com o anjo
no santuário. 22 Quando Zacarias
saiu, não lhes podia falar. Então
entenderam que ele havia tido uma
visão no santuário. E expressava-se
por sinais e permanecia mudo.
23 Aconteceu que, terminados os dias
do seu ministério, Zacarias voltou
para casa.
24 Passados esses dias, Isabel, a
mulher de Zacarias, ficou grávida. E
ela não saiu de casa durante cinco
meses, dizendo: 25 — Foi isto o que o
Senhor me fez, ao contemplar-me,
para acabar com a minha vergonha
diante das pessoas.
— Aqui está a serva do Senhor; que
aconteça comigo o que você falou.
Então o anjo foi embora.
Maria visita Isabel (Lc 1.39-45)
O Cântico de Maria (Lc 1.46-56)
Sobre a relação entre essas cenas, Edwards diz: “Os dois anúncios são narrados de forma
independente um do outro, ainda assim, ambos são governados pelo propósito divino único de
inaugurar o reino escatológico de Deus”. 86
Comentário
1.26-27 – O anjo Gabriel é enviado por Deus a Maria
26 Ἐν δὲ τῷ μηνὶ τῷ ἕκτῳ ἀπεστάλη ὁ ἄγγελος Γαβριὴλ ἀπὸ τοῦ θεοῦ εἰς πόλιν τῆς Γαλιλαίας ᾗ
ὄνομα Ναζαρὲθ 27 πρὸς παρθένον ἐμνηστευμένην ἀνδρὶ ᾧ ὄνομα Ἰωσὴφ ἐξ οἴκου Δαυὶδ καὶ τὸ
ὄνομα τῆς παρθένου Μαριάμ. (26 E em o mês sexto foi enviado o anjo Gabriel por Deus para uma
cidade da Galileia, cujo nome era Nazaré, 27 a uma virgem comprometida a um homem cujo nome
era José, da casa de Davi e o nome da virgem era Maria.) O texto de Lucas 1.24 nos informou que
Isabel ficou cinco meses sem sais de casa depois que concebeu o seu filho. O nosso texto começa
com a seguinte informação cronológica: “No sexto mês”. É claro, portanto, que está sendo
86
James R. Edwards, The Gospel according to Luke (org. D. A. Carson; The Pillar New Testament Commentary; Grand
Rapids, MI; Cambridge, U.K.; Nottingham, England: William B. Eerdmans Publishing Company; Apollos, 2015), 41. A
citação continua da seguinte forma: “Os dois anúncios são, dessa forma, elementos narrativos de uma única história, o
que Lucas aponta pela localização em sequencia e detalhes paralelos. A metanarrativa que as abrange, não as absorve e
dissolve os particulares dos dois anúncios, entretanto, mas acentua os elementos singulares de cada uma nos propósitos
de Deus”. Essa mesma afirmação pode ser feita a respeito dos personagens da narrativa e como uma aplicação para os
leitores contemporâneos.
estabelecida uma conexão entre as duas gravidezes, as duas mães e, especialmente, os dois bebês
apresentados por Lucas. O uso da contagem de meses para relacionar os dois eventos continua
presente à medida em que o relato se desenvolve (Lc 1.24; 26; 36; 56). O segundo elemento de
contato entre as duas passagens é apresentado logo em seguida com a afirmação de que o anjo
Gabriel novamente foi enviado da parte de Deus.
Os relatos, no entanto, não têm apenas continuidades e semelhanças, mas também
contrastes. 87 O anúncio de Gabriel para Zacarias aconteceu dentro do templo, em Jerusalém, na
Judeia. O encontro de Gabriel com Maria, por outro lado, acontece em Nazaré da Galileia. Enquanto
a Judeia era a região mais desenvolvida e importante, comportando Jerusalém que era o centro
religioso, político e financeiro da nação. A Galileia era região interiorana e marcada pela agricultura
de subsistência. Vemos esse desprezo pela Galileia, por exemplo, no evangelho de João, quando os
fariseus deixam claro para Nicodemos que da Galileia não se levanta profeta (Jo 7.52). Sendo a região
limítrofe de Israel, acostumou-se em ser a primeira região atacada pelos inimigos que vinham do
norte (2Rs 15.29) e por isso mesmo era “desprezível” e considerada a “Galileia dos gentios” (Is 9.1).
Nazaré, por sua vez, sendo uma cidade bem pobre e não tão desenvolvida pelos padrões da época,
era uma das cidades mais desprezadas da Galileia, o que fica bem claro no comentário de Natanael
a Filipe no evangelho de João: “De Nazaré pode sair alguma coisa boa?” (Jo 1.46). Assim, do ponto
de vista socioeconômico, o anjo Gabriel agora se encontra em uma região oposta àquela em que se
encontrava na no texto anterior. 88
O segundo contraste que temos entre os dois textos diz respeito à caracterização dos
personagens. Enquanto Zacarias e Isabel são idosos, casados há muitos anos, detém certo status
religioso e são apresentados como exemplos da piedade vétero-testamentária, Maria é apresentada
com apenas quatro peças de informação: (1) ela é uma virgem e, portanto, bem jovem; (2) ela está
prometida em casamento; (3) o homem a quem ela está prometida em casamento é da casa de Davi
87
Veja uma lista desses contrastes em Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the
New Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 84–85.
88
Sobre Gabriel, Green faz o interessante comentário de que é o personagem dele quem estrutura a história: Lucas usa
Gabriel para apresentar o episódio: ele vem até a virgem (v. 26-27), entrega a mensagem e recebe a resposta (v. 28-
38a) e, então, parte (v. 38b). Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New
Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 83.
e (4) o nome dela é Maria. 89 Além disso, Zacarias e Isabel tem status social e Maria, não. 90 Assim,
podemos afirmar que existe uma ligação íntima entre os dois anúncios de nascimento e que essa
ligação é tanto de continuidade quanto de contraste. Analisemos cada uma das informações que o
texto nos dá sobre Maria.
A palavra παρθένον (virgem) é usada duas vezes no v.27 e este é a primeira peça de
informação apresentada a respeito de Maria. Mais à frente, no v, 34, o texto torna ainda mais
explícito o significado da expressão, quando Maria deixa claro que nunca havia tido relação sexual
com nenhum homem. Essa ênfase na virgindade de Maria faz com que o leitor conhecedor do Antigo
Testamento se lembre de Isaías 7.14: “Portanto, o Senhor mesmo lhes dará um sinal: eis que a virgem
conceberá e dará à luz um filho e lhe chamará Emanuel” (NAA). No texto de Isaías, Deus está
anunciando a Acaz, a despeito da incredulidade deste, o nascimento de uma criança especial que
será um libertador para o seu povo (Is 7.10-17). Dessa forma, é possível dizer que o nosso texto cria
propositadamente um eco do texto de Isaías. 91
A segunda informação do nosso texto a respeito de Maria é que ela está “ἐμνηστευμένην”
(emnesteuménen). O verbo μνηστεύω (mnesteúo) significa “noivar, comprometer em casamento”. O
compromisso desse “noivado” era tão sério que se a mulher prometida tivesse relações com outro
homem, ambos seriam mortos (Dt 22.23)! O Talmude explica o costume afirmando que um homem
que deseja “adquirir” uma esposa precisa fazê-lo em três passos. Primeiro, transferência de dinheiro.
Segundo, a produção de documento formal de casamento. Terceiro, a relação sexual. Após essas
explicações, o texto explicita a seriedade legal com que eram vistos os primeiros passos que
antecedem a consumação sexual do casamento:
89
Para comparações que tem sido propostas entre a encarnação de Cristo e mitos pagãos, veja James R. Edwards, The
Gospel according to Luke (org. D. A. Carson; The Pillar New Testament Commentary; Grand Rapids, MI; Cambridge, U.K.;
Nottingham, England: William B. Eerdmans Publishing Company; Apollos, 2015), 41–42.
90
Calvino chama a atenção para as diferenças entre os relatos: “A profecia a respeito de João foi publicada no templo e
tornou-se universalmente conhecida. Cristo é prometido a uma virgem em uma cidade obscura da Judeia e a sua
profecia permanece sepultada no peito de uma jovem mulher”. John Calvin, Commentary on a Harmony of the
Evangelists Matthew, Mark, and Luke (vol. 1; Bellingham, WA: Logos Bible Software, 2010), 31. Carroll, talvez, esteja
lendo demais na situação quando diz: Ironicamente, enquanto ela está esperando para ganhar honra (atribuída) por
meio do casamento em uma família que está na linhagem de Davi, ela aprende do mensageiro divino que sua reversão
de status virá, em vez disso, da identidade do filho dela – e por escolha e iniciativa divina”. John T. Carroll, Luke: A
Commentary (org. C. Clifton Black e M. Eugene Boring; First Edition.; The New Testament Library; Louisville, KY:
Westminster John Knox Press, 2012), 39.
91
Cf. Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI:
Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 85.
Uma vez que esse processo de aquisição tenha sido formalizado e um mulher tenha se
tornado mekudeshet [prometida em casamento, noiva], deve ser considerada casamento,
ainda que o laço do casamento não tenha sido consumado e ela não tenha entrado na casa
de seu marido. Qualquer um, fora o seu esposo, que engajar em relações sexuais com ela é
passível de ser executado pelo tribunal. Se o seu marido quiser se divorciar dela, ele dele
compor um “get” (um documento formal de divórcio). 92
Esse era o estado de Maria. Provavelmente José já havia pagado o dote e um documento de
casamento já havia sido redigido. Na cultura da época, uma menina era considerada adulta a partir
dos doze anos e um rapaz a partir dos treze. 93 A partir dessa idade, uma moça poderia ficar noiva e,
então, teria um ano para se preparar para o casamento. 94 Assim, embora não seja possível afirmar a
idade de Maria com certeza, é relativamente seguro afirmar que ela devia ter algo entre 12 e 19 anos
quando o anjo Gabriel veio falar com ela.
A terceira informação que o texto nos dá sobre Maria diz respeito ao homem de quem ela
está noiva. Duas são as informações sobre ele: seu nome e origem. O nome é José (Ἰωσὴφ, Yosef)
vem do hebraico “ ף ”יֹוסֵ e tem uma etimologia complicada significando “ele toma” ou “ele
adicionará”. 95 A segunda informação é mais importante, pois afirma que o noivo da virgem é ἐξ οἴκου
Δαυὶδ (da casa de Davi). A expressão significa da família de Davi (cf. por ex. 1Sm 20.16; 2Sm 3.6; 1Rs
12.20) e no contexto do anúncio de uma gravidez, aponta especialmente para a importantíssimo
texto de 2 Samuel 7.26 (veja tb. 1Rs 13.2; 1Cr 7.24; 2Cr 21.7; Zc 12.8-12), onde Deus promete um
descendente da casa de Davi que reinará para sempre sobre o trono de Israel. A narrativa evoca
diversos textos do Antigo Testamento que afirmam e reafirmam as promessas que Deus fez a Davi
(Sl 89.1-37; Is 9.6-7; 11.1; 55.3-5; Jr 23.5-6; 30.8-10; 33.14-17; Ez 37.22-25; Os 3.4-5; Am 9.11). 96
92
Mishneh Torah 1.3. Disponível em <https://www.sefaria.org/Mishneh_Torah%2C_Marriage.1.3>. Acesso em
09/03/2023. Outro documento com diversos regulamentos a respeito do casamento é o Mishnah Ketubot, disponível
em <https://www.sefaria.org/Mishnah_Ketubot>. Acesso em 09/03/2023.
93
Para referências, veja Mishnah Niddah 5:6 Disponível em <https://www.sefaria.org/Mishnah_Niddah.5.6>. Acesso
em 09/03/2023; Mishnah Yoma 8:4 Disponível em <https://www.sefaria.org/Mishnah_Yoma.8.4>. Acesso em
09/03/2023; Mishnah Kiddushin 4:12 Disponível em <https://www.sefaria.org/Mishnah_Kiddushin.4.12>. Acesso em
09/03/2023 e Berakhot 24a:12 Disponível em <https://www.sefaria.org/Berakhot.24a.12>. Acesso em 09/03/2023.
94
Cf. Mishnah Ketubot 5.2-3. Disponível em <https://www.sefaria.org/Mishnah_Ketubot.5.2>. Acesso em 09/03/2023.
95
Wilhelm Gesenius e Samuel Prideaux Tregelles, Gesenius’ Hebrew and Chaldee lexicon to the Old Testament
Scriptures (Bellingham, WA: Logos Bible Software, 2003), 343. Veja tb. Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke
I–IX: introduction, translation, and notes (vol. 28; Anchor Yale Bible; New Haven; London: Yale University Press, 2008),
344.
96
Devo essa lista de textos a John F. Walwoord. The Kingdom Promised to David. 2008. Disponível em
<https://bible.org/seriespage/5-kingdom-promised-david>. Acesso em 10/03/23.
Curiosamente, a última informação que Lucas nos fornece é o nome da “virgem”: Μαριάμ
(Maríam). Diferente dos demais evangelistas que registram o nome como Μαρίας, Lucas escreve o
nome de Maria da mesma forma que a LXX grafa o nome de Miriã ( רְ יָם ,(מִ irmã de Moisés. Existe
grande discussão a respeito da etimologia do nome, mas algumas possibilidades de significado são
exaltada, excelente ou amarga, rebelde. 97 Vimos no texto anterior que o sacerdote reagiu mal à visita
do anjo. Como reagirá a adolescente de Nazaré?
1.28-38 – O diálogo de Maria com o anjo
28 καὶ εἰσελθὼν πρὸς αὐτὴν εἶπεν· χαῖρε, κεχαριτωμένη, ὁ κύριος μετὰ σοῦ. 29 ἡ δὲ ἐπὶ τῷ λόγῳ
διεταράχθη καὶ διελογίζετο ποταπὸς εἴη ὁ ἀσπασμὸς οὗτος. 28 E entrando diante dela disse:
"Saudações, agraciada, o Senhor está com você". 29 A (Ela), com a palavra, ficou confusa e
considerava de que tipo era a saudação aquela. Assim que o anjo entra na presença de Maria, ele
chega saudando-a com “χαῖρε, κεχαριτωμένη, ὁ κύριος μετὰ σοῦ”. A primeira palavra grega é a
saudação padrão dos gregos na época da escrita do texto. Embora a palavra compartilhe da mesma
raiz de palavras significativas como graça (χάρις), ação de graças (εὐχαριστέω) e alegria (χαρά), aqui
ela tem simplesmente o significado de “saudações”, ou “oi”.
A palavra que vem logo a seguir é da mesma raiz. É o verbo χαριτόω, que significa “causar
alguém ser o recipiente de algum benefício, derramar favor sobre, grandemente favorecer,
abençoar” (BDAG, 1081). No caso do nosso texto, o verbo é um particípio perfeito passivo sendo
utilizado de maneira substantivada para Maria. Ou seja, o anjo a define como alguém que foi
agraciada por Deus e por isso está em um estado de agraciamento. Maria é bendita porque recebeu
bênção. Ela é cheia de graça porque recebeu muita graça da parte do Senhor. Ou seja, não há, nessa
saudação, nenhum reconhecimento de alguma característica intrínseca especial em Maria, mas sim
o reconhecimento de que ela foi abençoada de maneira maravilhosa pelo Senhor. 98 Como Marshall
diz, “O particípio indica que Maria foi especialmente favorecida por Deus no sentido de ter sido
escolhida para ser a mãe do Messias (1.30). Não existe nenhuma sugestão de qualquer dignidade
97
I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: a commentary on the Greek text (New International Greek Testament
Commentary; Exeter: Paternoster Press, 1978), 65; Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX: introduction,
translation, and notes (vol. 28; Anchor Yale Bible; New Haven; London: Yale University Press, 2008), 344. Verb tb. Êx
15.23 e Rt 1.20.
98
“A tradução da vulgate como gratia plena (“cheia de graça”) é enganosa, porque a palavra em Lucas aponta para o
favor de Deus, não para a graça que torna alguém santo”. François Bovon e Helmut Koester, Luke 1: a commentary on
the Gospel of Luke 1:1–9:50 (Hermeneia—a Critical and Historical Commentary on the Bible; Minneapolis, MN: Fortress
Press, 2002), 50.
particular por parte da própria Maria”. 99 Green comenta de maneira semelhante: “Deus deu favor
para alguém que não tinha reivindicação de status digno, levantou-a de uma posição de pequenez e
a escolheu para ter um papel central na história da salvação”. 100
A terceira parte da saudação do anjo é uma afirmação de que o Senhor está com Maria: ὁ
κύριος μετὰ σοῦ. É uma cláusula sem verbo, o que torna a afirmação ainda mais contundente e
axiomática. Foi a mesma saudação que o anjo fez para Gideão em Juízes 6.12. Seria possível escrever
um belíssimo livro teológico sobrea presença de Deus com pessoas ao longo da história bíblica!
Normalmente, Deus afirma a sua presença para alguém quando convoca essa pessoa para algum
trabalho, um lugar ou um relacionamento especial com ele. A Bíblia afirma, por exemplo, que Deus
estava com Abraão (Gn 21.22), Isaque (Gn 26.24), Jacó (Gn 28.15), José (Gn 39.2), Moisés (Gn 3.12),
Josué (Js 1.5), Samuel (1Sm 3.19), Davi (1Sm18.14), Salomão (1Cr 28.20), Fineias (1Cr 9.20), Jeremias
(Jr 1.8) e muitos outros, normalmente, no contexto de mostrar Deus encorajando essas pessoas para
o trabalho ou os autores bíblicos confirmando que porque Deus estava com alguém, essa pessoa
conseguiu realizar grandes coisas. Green comenta que a expressão “O Senhor é contigo” é muito
mais do que uma saudação e que “esta linguagem é frequentemente usada no AT com referência a
uma pessoa escolhida por Deus para um propósito especial na história da salvação”, e acrescenta,
“em tais contextos, essa expressão assegura os agentes humanos dos recursos e da proteção
divina”. 101 A frase aqui funciona como uma constatação (não um desejo). 102
Curiosamente, nessa primeira parte do diálogo, o anjo fala, mas Maria não fala nada e volta.
As duas últimas palavras do anjo, de que ela era uma mulher especialmente agraciada e que Deus
era com ela, fizeram com que Maria ficasse confusa: ἡ δὲ ἐπὶ τῷ λόγῳ διεταράχθη καὶ διελογίζετο
ποταπὸς εἴη ὁ ἀσπασμὸς οὗτος. Aliás, o texto aqui atribui duas reações à Maria: perturbação
(διεταράχθη) e ponderação (διελογίζετο). A primeira dessas expressões significa ficar
profundamente perturbado, perplexo ou confuso. Nessa forma (διαταράσσω), o verbo é uma hápax
legomena; a forma intensificada do verbo mais comum, ταράσσω. Além disso, o narrador também
no informa que Maria se pôs a pensar sobre o significado daquela saudação. O verbo διαλογίζομαι
99
I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: a commentary on the Greek text (New International Greek Testament
Commentary; Exeter: Paternoster Press, 1978), 65.
100
Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI:
Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 87.
101
Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI:
Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 87.
102
Cf. Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX: introduction, translation, and notes (vol. 28; Anchor Yale
Bible; New Haven; London: Yale University Press, 2008), 346.
também é uma forma intensificada de λογίζομαι e significa considerar, ponderar, arrazoar, pensar a
seriamente a respeito, distinguir, refletir, discutir. Essa é uma das marcas de Maria neste evangelho.
Ela é uma mulher contemplativa, que pondera naquilo que está acontecendo (Lc 2.19, 51; cf. tb. Lc
1.46-55).
30 Καὶ εἶπεν ὁ ἄγγελος αὐτῇ· μὴ φοβοῦ, Μαριάμ, εὗρες γὰρ χάριν παρὰ τῷ θεῷ. 31 καὶ ἰδοὺ
συλλήμψῃ ἐν γαστρὶ καὶ τέξῃ υἱὸν καὶ καλέσεις τὸ ὄνομα αὐτοῦ Ἰησοῦν. 32 οὗτος ἔσται μέγας καὶ
υἱὸς ὑψίστου κληθήσεται καὶ δώσει αὐτῷ κύριος ὁ θεὸς τὸν θρόνον Δαυὶδ τοῦ πατρὸς αὐτοῦ,
33 καὶ βασιλεύσει ἐπὶ τὸν οἶκον Ἰακὼβ εἰς τοὺς αἰῶνας καὶ τῆς βασιλείας αὐτοῦ οὐκ ἔσται τέλος.
30 E disse o anjo a ela: "não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus. 31 E veja! Tu
receberás no ventre e darás a luz um filho e chamarás o nome dele Jesus. 32 Este será grande e
filho do Altíssimo ele será chamado e dará a ele o Senhor Deus, o trono de Davi, pai dele, 33 e ele
reinará sobre a casa de Jacó para sempre e o reino dele não haverá fim". Vendo a reação sem
palavras de Maria, o anjo continua falando: “μὴ φοβοῦ, Μαριάμ, εὗρες γὰρ χάριν παρὰ τῷ θεῷ”.
Depois de dizer as palavras tradicionais dos anjos, o “não temas”, o anjo explica para Maria o porquê
ela foi chamada de agraciada (κεχαριτωμένη, no v. 28) e a razão é porque ela achou graça diante de
Deus. A expressão “achar graça aos olhos de” ou “encontrar graça diante de” aparece várias vezes
na LXX. A lista daqueles que encontraram graça diante de Deus no AT inclui Noé (Gn 6.8), Abraão (Gn
18.3), Moisés (Êx 33.13, 16, 17; 34.9; Nm 11.11), Gideão (Jz 6.17), Ana (1Sm 1.18) e Davi (2Sm
15.25). 103 Encontrar graça diante de alguém significa que aquela pessoa te fará o bem sem que você
tenha feito nada por merecer aquele bem. Assim, o anjo explica a Maria que Deus quis olhar para ela
com graça.
Essa graça é explicada de forma específica e enfática a partir do v. 31: καὶ ἰδοὺ 104 συλλήμψῃ
ἐν γαστρὶ καὶ τέξῃ υἱὸν. A tradução literal é estranha: “receberás no ventre e darás a luz um filho”,
mas isso é só porque a maneira de falar da época soa estranha para ouvidos contemporâneos. Em
103
Essas outras referências na LXX também dizem respeito a encontrar graça diante de Deus: Pv 3.3; 12.2; 18.22. A
mesma expressão é usada nos relacionamentos inter-humanos na LXX: Gn 30.27; 32.6; 33.8, 10, 15; 34.11; 39.4; 47.25,
29; 50.4; Nm 32.5; Dt 24.1; Rt 2.2, 10, 13; 1Sm 16.22; 20.3, 29; 25.8; 27.5; 2Sm 14.22; 16.4; 1Rs 11.19; Et 2.9, 15, 17;
5.8; 7.3; 8.5; Pv 3.3. Veja também Esdras A 8.4; 1 Macabeus 6.13, 24; 10.60; 11.24; Eclesiástico 3.18; 21.16; 41.27; 45.1;
Baruque 1.12.
104
Steven E. Runge chama expressões semelhantes ao ἰδού de “chamadores de atenção” e diz que eles funcionam
como dispositivos que apontam para frente. Eles são “elementos opcionais que poderiam ter sido omitidos sem alterar
significativamente o conteúdo proposicional”. Runge continua dizendo que eles criam uma quebra da fluência do
discurso com fins de ênfase e “criar alguma medida de suspense”. Steven E. Runge, Discourse Grammar of the Greek
New Testament: A Practical Introduction for Teaching and Exegesis (Bellingham, WA: Lexham Press, 2010), 122–123.
suma, a graça que Maria está recebendo é a chegada de um filho. Ela ficará grávida! A partir daí, o
anjo faz uma apresentação relativamente detalhada deste filho maravilhoso que Maria terá. O que
chamará a atenção de Maria, no entanto, no v. 34, não é a descrição do filho, mas realmente o fato
de que ela ficará grávida. Mas antes de chegarmos lá, vejamos a descrição maravilhosa que o anjo
faz do filho de Maria.
Nos versículos 31-33, o anjo Gabriel apresenta sete informações sobre a identidade de Jesus.
Curiosamente essas informações, que são centrais na estrutura do texto, não são desenvolvidas em
forma de diálogos pelos próprios personagens. A gravidez em si é o assunto que forma uma inclusio
em torno dessas sete características. Vejamos cada informação do anjo sobre o bebê de Maria. (1)
em primeiro lugar ele evidentemente será filho de Maria, o que será desenvolvido de maneira mais
clara mais à frente no texto. (2) A segunda informação é que o nome que deve ser dado ao filho de
Maria é Jesus (Ἰησοῦς). O nome vem das formas hebraicas de Josué ( יְהֹושּועַ e שּועַ (י e tem relação
também com o nome Oseias ( עַ .(הֹוש O nome em sua forma hebraica completa significa “Yahweh é
salvação” ou “Aquele cuja salvação é Yahweh”. 105 Essa explicação do nome de Jesus aparece
claramente em Mateus, quando o anjo fala com José e lhe explica: “Ela dará à luz um filho e você
porá nele o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles” (Mt 1.21). (3) A terceira
informação sobre Jesus é que ele será grande (μέγας). Enquanto foi dito sobre João Batista que ele
seria “grande diante do Senhor” (Lc 1.15), sobre Jesus é dito de forma mais absoluta que ele será
grande, o que é explicado na próxima característica. (4) O quarto aspecto da identidade de Jesus é
que ele será chamado Filho do Altíssimo, ou seja, ele será de fato e será reconhecido como tal.
Altíssimo é um dos nomes de Deus nas Escrituras. Deus se revela várias vezes a Abraão como El Elyon
em Gênesis 14 e, assim, “Deus Altíssimo”, “SENHOR Altíssimo” ou somente “Altíssimo” passa (א לַעֶׁלְ יֹון)
a ser usado nas Escrituras, mais de 50 vezes. O nome Altíssimo (ὑψίστου) não é muito usado no Novo
105
Wilhelm Gesenius e Samuel Prideaux Tregelles, Gesenius’ Hebrew and Chaldee lexicon to the Old Testament
Scriptures (Bellingham, WA: Logos Bible Software, 2003), 339. Veja também W. Foerster, “Iēsoús”, org. Gerhard Kittel,
Gerhard Friedrich, e Geoffrey W. Bromiley, trad. Thaís Pereira Gomes, Dicionário Teológico do Novo Testamento (São
Paulo: Editora Cultura Cristã, 2013), 399–400. Fitzmyer apresenta uma possibilidade interessante: “O nome Iēsous é
uma forma grega do desenvolvimento posterior do nome hebraico de Josué. Em hebraico, a forma anterior é Yĕhôšûaʿ
(Js 1.1), um nome teofórico, cujo primeiro element é uma forma de Yāhû (= Yahweh) e a parte final é o imperativo de
šwʿ, “Socorre.” O nome significava, “Yahweh, ajuda!”, expressando o grito da mãe no nascimento da criança. Com o
passer do tempo, Yĕhôšûaʿ foi contráido para Yôšûaʿ e, então, para Yēšûaʿ (cf. por ex. Esdras 2.6), transcrito na LXX
como Iēsous. Mas visto que o nome Yēšûaʿ soa semelhante a yĕšûʿāh, que vem de uma raiz diferente e significa
salvação, o nome de Jesus veio a ser popularmente compreendido como uma forma de yšʿ, “salva”. É essa etimologia
popular que Mateus 1:21 cita. Mas a verdadeira raiz do nome de Jesus/Josué é šwʿ, “ajuda [socorre]”. Joseph A.
Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX: introduction, translation, and notes (vol. 28; Anchor Yale Bible; New Haven;
London: Yale University Press, 2008), 347.
Testamento, mas quem mais usa é Lucas. 106 Sendo o Filho de El Elyon, é evidente o porquê a
identificação anterior é que o filho será grande! A expressão filho do Altíssimo aponta para o fato de
que a divindade de Jesus está sendo explicitada aqui e não somente uma filiação por meio de adoção
como acontecia era com os reis de Israel. (5) A quinta peça de informação sobre a identidade de Jesus
é dupla: ele receberá do Senhor Deus o trono de Davi, pois ele é filho de Davi. Lucas já nos havia dado
a informação de que Maria estava comprometida em casamento com um homem da casa de Davi (v.
27). Agora ele confirma que o filho de Maria será um filho de Davi. Evidentemente, essa informação
traz consigo o peso de diversas profecias (2Sm 7.12-16; 1Cr 17.11-14; Sl 89.3-4; Is 11.1; 55.3; Jr 33.15;
Ez 34.22; 37.24-25; Am 9.11; Zc12.8; cf. Jo 7.42). Dessa lista, o texto que deu origem aos demais é o
de 2 Samuel 7, no qual Deus promete a Davi: “farei surgir depois de você o seu descendente, que
procederá de você, e estabelecerei o seu reino. Este edificará um templo ao meu nome, e eu
estabelecerei para sempre o trono do seu reino. Eu lhe serei por pai, e ele me será por filho” (2Sm
7.12-14). Desde a ida para o exílio babilônico, nenhum filho de Davi se assentou de fato sobre o trono
de Davi. A esperança da vinda do filho de Davi para reinar em Israel estava muito viva no período
inter-bíblico (Salmos de Salomão 17; 4 Esdras 12.32; 4Qpls a ). 107 O que Lucas está dizendo é que o
filho de Maria é esse filho de Davi que vai restaurar o reinado davídico e reinar sobre o trono de Israel
para sempre. (6) A sexta informação está intimamente ligada à quinta, pois também remete à
profecia de Deus para Davi em 2 Samuel 7, de que seu filho reinaria para sempre. Ao citar a “casa de
Jacó”, a profecia de Gabriel conecta as promessas feitas a Davi com as promessas de Deus aos
patriarcas. (7) A sétima informação é uma repetição da sexta para fins de ênfase. O reinado do filho
de Maria será para sempre e não terá fim! Fitzmyer afirma que provavelmente Lucas está aludindo a
Isaías 9.6 (LXX) ou a Daniel 7.14, textos que falam sobre o reino messiânico eterno. 108 É evidente que
deveria haver algo de muito especial em um filho de Davi para que ele pudesse reinar para sempre.
Há uma subjugação da própria morte e, assim, o estabelecimento de um reino eterno e próspero,
conforme profeticamente vislumbrado tantas vezes no Antigo Testamento. O filho de Maria é o
Messias prometido e ele vem para implantar um reino eterno!
106
No Novo Testamento, a expressão ὑψίστου (Altíssimo) é usada para Deus em Mc 5.7; Lc 1.32, 35, 76; 6.35; 8.28; At
7.48; 16.17 e Hb 7.1.
107
Richard Van Egmond. Jesus, "Son of David" in Matthew's Gospel and The Messianic Background of Early Christology.
(Dissertação). Hamilton, ON: McMaster Divinity College, 2004, p. 135-186.
108
Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX: introduction, translation, and notes (vol. 28; Anchor Yale
Bible; New Haven; London: Yale University Press, 2008), 348.
34 εἶπεν δὲ Μαριὰμ πρὸς τὸν ἄγγελον· πῶς ἔσται τοῦτο, ἐπεὶ ἄνδρα οὐ γινώσκω; 34 E disse Maria
ao anjo: "Como acontecerá isto, visto que homem não estou conhecendo?” Aqui novamente vemos
semelhança e diferença no encontro de Gabriel com Zacarias e no encontro do anjo com Maria. A
semelhança está no fato de que ambos fazem perguntas ao anjo relacionadas à mensagem que
acabaram de receber. A diferença está no tipo de pergunta. Zacarias perguntou: “Como saberei isto?
Pois eu sou velho, e minha mulher, avançada em dias” (Lc 1.18). Ao questionar κατὰ τί γνώσομαι
τοῦτο; (Como posso saber isso? Ou: Como posso ter certeza disso), Zacarias demonstrou falta de fé
e apresentou a idade dele e de sua esposa como evidência contrária à possibilidade anunciada pelo
anjo. Maria por sua vez, não questiona a validade do que Gabriel disse, mas pede maiores
explicações. Green mostra como o próprio contexto torna essa distinção clara: “Em ambos os casos,
aprendemos subsequentemente o que motivou as perguntas – no caso de Zacarias, falta de fé (v.
20); no caso de Maria, fé (v.45). Também se pode distinguir entre o pedido de Zacarias por um sinal
(‘Como eu saberei’?) e o pedido de Maria por uma explicação (‘Como isso acontecerá’?)”. 109
Essa é a primeira vez que Maria fala na narrativa. Geldenhuys nos relembra o que estava em
jogo para Maria diante da mensagem do anjo Gabriel:
Por um lado, a maior de todas as honras jamais dadas a uma mulher estava sendo conferida
a ela pelo Senhor – tornar-se a mãe do Filho de Deus. Mas por outro lado, Maria foi colocada
em um lugar de extrema dificuldade e até mesmo em uma posição mortalmente perigosa.
Pois ela claramente percebeu o quanto ficar grávida antes de seu casamento iria influenciar
radicalmente a sua posição social e especialmente a sua relação com José. 110
Assim, Maria quer compreender melhor a maneira em que a mensagem do anjo vai se realizar
e ela pergunta “Como acontecerá isto?” e apresenta o que ela vê como a maior dificuldade. 111 Ela é
uma virgem que nunca teve e não está tendo relações sexuais nem com seu noivo, nem com qualquer
109
Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI:
Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 89.
110
Norval Geldenhuys, Commentary on the Gospel of Luke: The English Text with Introduction, Exposition and Notes
(The New International Commentary on the Old and New Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing
Co., 1952), 78.
111
Para diversas interpretações das palavras de Maria no v. 34, veja Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–
IX: introduction, translation, and notes (vol. 28; Anchor Yale Bible; New Haven; London: Yale University Press, 2008),
348–350.
outra pessoa. Como ela vai conceber e ter um filho sem ter relações sexuais? Louvado seja Deus pela
pergunta feita por Maria, pois a resposta de Gabriel apresenta a ela e aos leitores um santo mistério,
o evento mais maravilhoso da história da humanidade.
35 καὶ ἀποκριθεὶς ὁ ἄγγελος εἶπεν αὐτῇ· πνεῦμα ἅγιον ἐπελεύσεται ἐπὶ σὲ καὶ δύναμις ὑψίστου
ἐπισκιάσει σοι· διὸ καὶ τὸ γεννώμενον ἅγιον κληθήσεται υἱὸς θεοῦ. 35 E respondendo o anjo disselhe:
"O Espírito Santo virá sobre você e o poder do Altíssimo cobrirá (com sombra) você. Por esta
razão também o nascido santo será chamado filho de Deus. A resposta de Gabriel é dada em forma
poética, como o paralelismo deixa claro:
O Espírito Santo virá sobre você
e o poder do Altíssimo cobrirá (com sombra) você.
Por esta razão também o nascido santo será chamado filho de Deus. (Lc 1.35)
A resposta do anjo para Maria sobre como tudo aconteceria inclui duas explicações em forma
de paralelismo e um resultado. A primeira explicação envolve a pessoa do Espírito Santo. Gabriel diz
a Maria que o Espírito viria sobre (ἐπελεύσεται) ela. O verbo grego não tem nada de especial em si
mesmo, sendo uma forma composta de ἐπί + ἔρχομαι, ou seja, literalmente, vir sobre. 112 A outra vez
que uma construção muito semelhante é utilizada por Lucas se encontra em Atos 1.8, onde Jesus
anuncia aos discípulos que eles receberão poder quando o Espírito Santo vier sobre eles (λήμψεσθε
δύναμιν ἐπελθόντος τοῦ ἁγίου πνεύματος ἐφʼ ὑμᾶς). A ideia de o Espírito Santo vir de cima para
baixo sobre alguém, ainda que utilizando outras construções gramaticais, também fica clara em
Lucas-Atos no anúncio do batismo com o Espírito Santo (Lc 3.16; At 1.5); no batismo de Jesus (Lc 3.22)
e na “queda” do Espírito sobre pessoas em Atos (At 8.16; 10.44; 11.15 cf. tb. At 7.51).
No Antigo Testamento, o texto que traz essa ideia de maneira mais clara é Isaías 32.15-16. Ali,
Isaías profetiza que o sofrimento de Jerusalém no exílio acabará quando o Espírito for derramado do
alto: “Isso será assim até que se derrame sobre nós o Espírito lá do alto. Então o deserto se tornará
112
“O verbo eperchesthai é usado somente por Lucas entre os evangelistas; ele ocorre em 11.22; 21.26; Atos 1.8; 8.24;
13.40; 14.19 (também em Ef 2.7; Tg 5.1). Somente no versículo programático de Atos 1.8 o verbo é usado novamente
sobre a “vinda” do Espíito sobre os discípulos. O uso do verbo aqui em conexão com a concepção de Jesus é único e não
deve ser entendido de forma alguma como se referindo a qualquer tipo de união sexual. É visto como um
Septuagintismo, derivado em particular de Is 32.15...” Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX: introduction, translation,
and notes (vol. 28; Anchor Yale Bible; New Haven; London: Yale University Press, 2008), 351.
em pomar, e o pomar será tido por bosque; a retidão habitará no deserto, e a justiça morará no
pomar” (Isaías 32.15-16; cf. tb. LXX de Nm 5.14, 30; Jó 4.15). A cena do Espírito Santo descendo
acontece em outros lugares no Antigo Testamento: Gn 1.2; Nm 11.25; Jz 14.6; 15.14; 1Sm 10.6; 11.6;
16.13; Is 11.2; 44.3; 59.19-21; Ez 11.5; Jl 2.28-29; Zc 12.10. Essa lista aponta para a obra do Espírito
Santo criando, capacitando pessoas e trazendo um novo momento de restauração para o povo de
Deus. Assim, podemos concluir que o Espírito Santo veio sobre Maria assim como veio sobre diversos
servos do passado, mas no caso de Maria, ele veio de forma especial sobre ela, a fim de criar nela e
a partir dela a humanidade do próprio Deus Filho.
A segunda explicação do anjo Gabriel sobre o modus operandi de Deus em relação à
encarnação de Jesus foi: “e o poder do Altíssimo cobrirá (com sombra) você”. O verbo fundamental
aqui é o ἐπισκιάσει de ἐπισκιάζω, que significa “(1) causar um efeito de escurecimento ao interpor
algo entre a fonte de luz e um objeto; ofuscar; lançar uma sombra... (2) causar um escurecimento;
cobrir...” (BDAG, 378-379). O DTNT explica que “O termo é raro na LXX. Em Pv 18.11 e Êx 40.34–35,
o que está sugerido é a manifestação de poder, e a ideia de proteção ocorre em Sl 91.4” e que “No
NT, o sentido literal ocorre em At 5.15 (a sombra de Pedro) e Mc 9.7 (a nuvem na transfiguração).
Em Lc 1.35, o poder do Altíssimo cobre Maria com sua sombra, denotando geração divina, mas sem
descrever o modo, exceto em termos da operação do Espírito” (DTNT, 424). O termo não tem
nenhuma conotação sexual. 113 Liefield é muito bem-sucedido ao explicar o termo à luz dos seus
outros usos:
A palavra para “cobrir com sombra” (episkiazō) carrega o sentido da presença santa e poderosa de Deus, como
na descrição da nuvem que “cobriu” (Heb. šākan; NVI, “estava sobre”) o tabernáculo quando a tenda ficou cheia
com a glória de Deus (Êx 40.35; cf. Sl 91.4). A palavra é usada em todos os três relatos da Transfiguração para
descrever o ofuscamento da nuvem (Mt 17.5; Mc 9.7; Lc 9.34). De forma semelhante, em cada relato a voz vem
da nuvem identificando Jesus como o filho de Deus, um lembrete impressionante de Lucas 1.35, onde a vida que
resulta do envelopamento da nuvem é identificada como o Filho de Deus. 114
Note que Maria será coberta pela sombra do poder do Altíssimo (δύναμις ὑψίστου). A
expressão Altíssimo (ὑψίστου) já havia aparecido em Lc 1.32, quando o anjo disse a Maria que o filho
dela seria chamado Filho do Altíssimo (υἱὸς ὑψίστου). Em Lucas, a expressão também é usada para
se referir a João Batista que será chamado profeta do Altíssimo (προφήτης ὑψίστου κληθήσῃ; Lc
113
Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX: introduction, translation, and notes (vol. 28; Anchor Yale Bible; New Haven; London: Yale
University Press, 2008), 337.
114
Walter L. Liefeld, “Luke”, in The Expositor’s Bible Commentary: Matthew, Mark, Luke (org. Frank E. Gaebelein; vol. 8; Grand Rapids, MI: Zondervan
Publishing House, 1984), 8831–832. Ver também Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand
Rapids, MI: Baker Academic, 1994), 122.
1.76); todos que fazem o que Jesus ordena também se tornam filhos do Altíssimo (καὶ ἔσεσθε υἱοὶ
ὑψίστου; Lc 6.35); demônios reconhecem Jesus como “Filho do Deus Altíssimo” (Ἰησοῦ υἱὲ τοῦ θεοῦ
τοῦ ὑψίστου; Lc 8.28); Estevão chama Deus de “o Altíssimo” (ὁ ὕψιστος; At 7.48); e um demônio
denomina Paulo e seus companheiros de “servos do Deus Altíssimo” (δοῦλοι τοῦ θεοῦ τοῦ ὑψίστου;
At 16.17). 115 Este termo é bem mais utilizado na LXX (138x) do que no NT e na LXX ele traduz o
importantíssimo nome divino El Elyon ( עֶלְיֹון אֵ ל ), importante especialmente em Gênesis 14. É
possível que o gosto de Lucas por este nome de Deus esteja relacionado com o importante ponto
teológico de Lucas de Deus como Senhor não somente de Israel, mas também dos demais povos. 116
No paralelismo de Gabriel para Maria, o “Espírito Santo” da primeira linha está em paralelo
com o “poder do Altíssimo” da segunda linha e os conceitos de “vir sobre” e “cobrir com sombra”
também são apresentados em paralelo. Bovon e Koester observam bem que a junção do Espírito
Santo com o poder de Deus é um tema importante em Atos. 117
O resultado dessa visitação especial do Espírito Santo e do poder de Deus sobre Maria é que
o Filho que ela terá será santo e será chamado Filho de Deus (Lc 1.35). Esta é a primeira vez que o
importantíssimo título “Filho de Deus” aparece no texto (embora “Filho do Altíssimo” já tivesse
aparecido em Lc 1.32). Há grande discussão sobre as cristologias presentes nos títulos e nomes de
Jesus em sua época; no desenvolvimento histórico desses termos, nos antecedentes históricos e
escriturísticos e no uso dos termos nos livros do Novo Testamento. 118 Aqui é evidente que o texto
está indo além da afirmação de que Jesus será Filho de Deus no sentido de que os reis de Israel eram
adotados vistos algumas vezes como filhos de Elohim (cf. 2Sm 7.14). 119 O homem-Deus Jesus Cristo,
115
Também existem suas referências em Lucas para glórias que são dadas a Deus nas maiores alturas (δόξα ἐν ὑψίστοις
θεῷ; Lc 2.14; 19.38). As demais referências ao vocábulo no NT estão em Mt 21.9; Mc 5.7; 11.10 e Hb 7.1. Fica clara,
portanto, uma preferência de Lucas sobre esse termo não tão utilizado pelos demais autores do NT.
116
“O uso de El Elion pode ser mais um nome do que um epíteto, refletindo o uso de El para o grande deus da religião
cananéia. Gênesis 14 é o único texto no qual essas duas palavras são unidas, embora estejam muitas vezes em par. (p.
ex., Sl 73.11; 107.11). Em textos poéticos, Elion está normalmente em par. com Javé. Em Deuteronômio 32.8–9, Javé é
apresentado em relação a Israel e o Altíssimo em relação a todos os outros povos. A relação de El Elion com a criação e
com o reinado davídico é evidente em Gênesis 14 e em textos tais como 2 Samuel 22.14 (cf. 1Sm 2.10; Sl 47.2). Isso
sugere um uso desse nome esp. quando afirmações mais universais estão sendo feitas com relação ao Deus de Israel”.
Terence E. Fretheim, ל“ ,”אֵ org. Willem A. VanGemeren, Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo
Testamento (São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2011), 391.
117
François Bovon e Helmut Koester, Luke 1: a commentary on the Gospel of Luke 1:1–9:50 (Hermeneia—a Critical and Historical Commentary on the
Bible; Minneapolis, MN: Fortress Press, 2002), 52.
118
Para uma introdução ao assunto, veja Sigurd Grindheim. Christology in the Synoptic Gospels: God or God’s Servant?
London: T&T Clark, 2012.
119
“Certamente, Lc 1.35 indica que o título Filho de Deus pertence a Jesus à luz de sua concepção maravilhosa, um
tema que vai além da ideia do Antigo Testamento do rei como filho de Deus. No entanto, isso não significa que o
Messias real tradicional está sendo substituído por um tipo diferente de Filho de Deus. Jesus como Messias davídico e
filho de Maria, é chamado de Filho de Deus em Lc 1.35 por causa de sua concepção especial por parte
do Espírito de Deus e do poder do Altíssimo agindo sobre Maria e como resultado ele é um “nascido
santo” (τὸ γεννώμενον ἅγιον). Aliás, essa característica de nascer santo distingue Jesus Cristo de
todos os demais seres humanos, que nascem em pecado. “Deve-se notar que ele [Gabriel] não diz
que por meio de Sua concepção pelo Espírito Santo, Jesus vai se tornar o Filho de Deus. Não; como
um resultado de sua concepção sobrenatural Ele vai, em Sua humanidade, revelar a Si mesmo como
um Ser divino; e por esta razão, também, ele será reconhecido como tal e será chamado Filho de
Deus”. 120
36 καὶ ἰδοὺ Ἐλισάβετ ἡ συγγενίς σου καὶ αὐτὴ συνείληφεν υἱὸν ἐν γήρει αὐτῆς καὶ οὗτος μὴν
ἕκτος ἐστὶν αὐτῇ τῇ καλουμένῃ στείρᾳ· 37 ὅτι οὐκ ἀδυνατήσει παρὰ τοῦ θεοῦ πᾶν ῥῆμα.
36 E veja: Elizabete (Isabel) a parente sua também ela concebeu um filho na velhice dela e este
mês sexto é para ela, a chamada estéril, 37 pois toda palavra não será impossível para Deus.
38 εἶπεν δὲ Μαριάμ· ἰδοὺ ἡ δούλη κυρίου· γένοιτό μοι κατὰ τὸ ῥῆμά σου. Καὶ ἀπῆλθεν ἀπʼ αὐτῆς
ὁ ἄγγελος.38 E disse Maria: "Veja a serva do Senhor. Aconteça em mim segundo a palavra tua". E
partiu dela o anjo.
• Luke, in affirming that Jesus was Son of God, not only at his conception, but through his conception, is
representative of early Christians among whom such an awareness was achieved. Still later, in the Johannine
community, the awareness will grow into the idea of incarnation—a notion foreign to Luke (as to Matthew). 121
• Luke contrasts the greatness of the setting of the announcement about John with the simplicity of the
announcement about Jesus. 122
comprimento da esperança de Israel por um rei messiânico tem uma importância contínua maior em Lucas-Atos do que
o nascimento virginal. Para o autor, o nascimento virginal é uma indicação do propósito e poder de Deus no início da
vida de Jesus, e esse começo maravilhoso não entra em competição com a visão de que ele é Filho de Deus como rei
davídico, mas atribui seu reinado a uma ação divina preveniente”. Robert C. Tannehill, The Narrative Unity of Luke-Acts:
A Literary Interpretation: The Gospel according to Luke (vol. 1; Philadelphia: Fortress Press, 1991), 25.
120
Norval Geldenhuys, Commentary on the Gospel of Luke: The English Text with Introduction, Exposition and Notes
(The New International Commentary on the Old and New Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing
Co., 1952), 76–77.
121
Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX: introduction, translation, and notes (vol. 28; Anchor Yale Bible; New Haven; London: Yale
University Press, 2008), 340.
122
Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Baker Academic, 1994), 107.
• holy. The function of the adj. hagion is not easily determined. I have taken it as the predicate of a verbless
clause preceding the naming clause, “will be holy; he will be called Son of God.” But it could also be rendered,
“will be called holy, Son of God” (as predicate of the verb klēthēsetai), or even substantially, “the Holy One to
be born will be called Son of God” (as the subj. of the verb klēthēsetai). But, as C. F. D. Moule (An Idiom-book
of New Testament Greek [Cambridge University Press, 1953], 107) notes, this last is a distinctly irregular usage.
In the first possibility, one could understand the fut. verb estai, “the child to be born will be holy,” i.e. set
apart, consecrated to the service of Yahweh. The sense of the expression can be seen in Luke 2:23; cf. Isa
4:3. 123
• The syntax of τὸ γεννώμενον ἅγιον κληθήσεται υἱὸς θεοῦ (to gennōmenon hagion klēthēsetai huios theou,
“the holy one to be born will be called the Son of God”) is difficult. The alternate possibilities can be visualized
as follows: NIV: The holy one to be born; RSV: The child to be born; NIV: … will be called the Son of God; RSV: …
will be called holy, the Son of God. 124
• Second, though Luke is not working with Johannine or later trinitarian categories, he is nonetheless moving
toward a more ontological (and not only functional) understanding of Jesus’ sonship. 125
• The description of Elizabeth as “your relative” 43 serves three functions. Most obviously, it is one more way in
which the stories of John and Jesus are interwoven. Second, it serves as a bridge back to the story of Elizabeth,
preparing for the encounter between Elizabeth and Mary (vv 39–56) and John’s birth (v 57). Finally, it is a
further indication of how carefully Luke has staged his characterization of Mary 126
• She unreservedly embraces the purpose of God, without regard to its cost to her personally. Her response is
exemplary, demonstrating how all Israel ought to respond to God’s favor. 127
• In his characterization of Mary as “slave of the Lord,” Luke has begun to undercut the competitive
maneuvering for positions of status prevalent in the first-century Mediterranean world. Mary, who seemed to
measure low in any ranking—age, family heritage, gender, and so on—turns out to be the one favored by God,
the one who finds her status and identity in her obedience to God and participation in his salvific will. 128
• Consistent methodology does not allow one to overlook those virgins who are positively In Judaism a girl
reached a decisive phase in her life at twelve years of age. Between twelve and twelve and a half, according to
the rabbinic tradition, she was called a נַעֲרָ ה (“little girl, marriageable girl”): she was still under her father’s
authority but was already considered responsible. At this age she could be promised in marriage. Later, she
adj. adjective
fut. future
123
Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX: introduction, translation, and notes (vol. 28; Anchor Yale Bible; New Haven; London: Yale
University Press, 2008), 351–352.
NIV The New International Version
RSV Revised Standard Version
NIV The New International Version
RSV Revised Standard Version
124
Walter L. Liefeld, “Luke”, in The Expositor’s Bible Commentary: Matthew, Mark, Luke (org. Frank E. Gaebelein; vol. 8; Grand Rapids, MI: Zondervan
Publishing House, 1984), 8833.
125
Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co.,
1997), 91.
43
Συγγενίς appears only here in the NT and connotes nothing more specific than “kinswoman.”
126
Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co.,
1997), 91.
127
Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co.,
1997), 92.
128
Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co.,
1997), 92.
was called בֹּגֶׁרֶׁ ת ַ(“a girl who has come of age”). Παρθένος presupposes that Mary was the age of a נַעֲרָ ה and
was engaged to Joseph. 55 Engagement was a significant legal act. “At this point, the bride price, the
compensation (mohar) that the fiancé was obliged to pay his father-in-law was discharged completely or in
part. Through engagement, the fiancé was purchasing the proprietary right to the girl.” 56129 evaluated in the
New Testament. 54130
• Is χαῖρε (“greetings!”) the angel’s greeting, 59 a simple “good morning,” 60 or a genuine invitation to rejoice?
Catholic exegetes have connected Mary with the daughter of Zion and understand the greeting as a call to
eschatological joy. 61 Certainly the far-fetched vocative κεχαριτωμένη (“favored one”) is a play on words; but v.
29* does understand v. 28* as a greeting. Thus, with Strobel, I would hold to the profane meaning, which, of
course, could occasionally attain the original, more vivid sense of a call of joy. This is the case when the
greeting, as here, is accompanied by further clauses. 131
• The title Son of the Most High is clearly attested at Qumran in an Aramaic document that has several phrases
parallel to Luke 1:31–35. A Qumran fragment (formerly 4Q243, now 4Q246 [= 4QpsDan ar a = 4QpsDan A a ] 2.1)
contains an interesting parallel. However, the passage is enigmatic because it is a fragmentary text containing
only a few intriguing lines. The Qumran data clearly show the title in Luke to be a natural one for a Jewish
setting (Schweizer, TDNT 8:381 n. 346). What is minimally present in Qumran’s use of this title is the
description of a regal figure (Fitzmyer 1973–74: 391–94; Marshall 1978: 67). The contemporary use of this
phrase for a king is significant in revealing the regal context in which the term operates. 25 A king is about to be
born. 132
55
As a rule, engaged couples had no sexual relations during their engagement. Ἐμνηστευμένη and μεμνηστευμένη are two variants of the perfect
passive participle of μνηστεύω (“to court; to promise in marriage,” BDF §68) and usually designate “fiancée” or, exceptionally, “wife.” See Pierre
Benoit, “L’annonciation,” AsSeign 6 (1965) 40–57, reprinted in idem, Exégèse 3.197–215, esp. 203. On the various types of rape of engaged girls and
virgins, see Deut 22:23–29*.
56
Stig Hanson (“Verlobung,” BHH 3 [1966] 2091) lucidly outlines the significance of engagement in Israel. See also Angelo Tosato, Il matrimonio
israelitico: Una teoria generale (AnBib 100; Rome: Biblical Institute Press, 1982).
129
François Bovon e Helmut Koester, Luke 1: a commentary on the Gospel of Luke 1:1–9:50 (Hermeneia—a Critical and Historical Commentary on the
Bible; Minneapolis, MN: Fortress Press, 2002), 49.
54
Cf. Acts 21:9*; 1 Cor 7:25*; Rev 14:4*; also 2 Cor 11:1*.
130
François Bovon e Helmut Koester, Luke 1: a commentary on the Gospel of Luke 1:1–9:50 (Hermeneia—a Critical and Historical Commentary on the
Bible; Minneapolis, MN: Fortress Press, 2002), 49.
59
See esp. August Strobel,”Der Gruss an Maria (Lc 1, 28): Eine philologische Betrachtung zu seinem Sinngehalt,” ZNW 53 (1962) 86–110.
60
Cf. Matt 26:49*; 27:29*; 28:9*. In addition to χαῖρε, one finds the elliptical χαίρειν and the distinguished χαίροις. Strobel vociferously advocates its
meaning here as a simple greeting. As with every formula, the sense of χαῖρε could have faded, but could also return to its original meaning (a
morning greeting to the light). Strobel believes that χαῖρε is employed here in this original sense (he sees a connection with the advent of the king, v.
32*), but the sense is more Greek (a greeting) than Jewish (rejoicing).
61
See S. Lyonnet, “Χαῖρε κεχαριτωμένη,” Bib 20 (1939) 131–41. He relies on four LXX texts: Zeph 3:14*; Joel 2:21*; Zech 9:9*; Lam 4:21* (a special
case). See also Laurentin, Structure 64–65; and Klemens Stock, “Die Berufung Marias (Lk 1, 26–38),” Bib 61 (1980) 457–91, esp. 468–71.
* 29 But she was much perplexed by his words and pondered what sort of greeting this might be.
Luke 1:29 (NRSV)
* 28 And he came to her and said, “Greetings, favored one! The Lord is with you.”
Luke 1:28 (NRSV)
131
François Bovon e Helmut Koester, Luke 1: a commentary on the Gospel of Luke 1:1–9:50 (Hermeneia—a Critical and Historical Commentary on the
Bible; Minneapolis, MN: Fortress Press, 2002), 50.
4Q246 4QpsDan ar a (formerly 4QpsDan A a or 4Q243)
TDNT Theological Dictionary of the New Testament, edited by G. Kittel and G. Friedrich; translated and edited by G. W. Bromiley (10 vols.; Grand
Rapids: Eerdmans, 1964–76)
25
For a brief discussion of the Qumran texts and an evaluation of Fitzmyer’s 1973–74 article, see Bock 1987: 65, 298 n. 51 and Collins 1993 (who
challenges Fitzmyer’s claim that Son of God lacks a messianic nuance).
132
Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Baker Academic, 1994), 113–114.
• The angel cannot close his speech with so matter-of-fact a statement. Verse 37* rounds out the message
theologically and piously with a citation from Gen 18:14*. It is a Hebrew Bible credo that, for God, nothing is
impossible. 92133
• Time and space become the property of the Son of God. In order to realize his plan, God chooses the humanly
limited and overlooked, this time a girl of about twelve years (1:27*), and long ago the young man Gideon
(Judg 6:15*). The impossible, which for God is possible (Luke 1:37*), becomes evident by a comparison of the
feeble means with the greatness of the result. But the feebleness is not weakness, for Mary possesses inner
strength and trusting faith. 96 The first step over the threshold into God’s future has been taken. 134
• Far removed from the temple and Jerusalem, Gabriel will make a second appearance, this time to a young girl
who lacks pedigree. Even grander promises and hopes inspired by the Scriptures are about to be realized. As
with King David long before, a young man will step from Israel’s social margins to claim the throne. His reign,
though, will never end. Faced with this astounding revelation, the young girl—who will by God’s direct
intervention become mother of the king—models a trusting, faithful response to divine promise. 135
• BASIL. (Lib. de Spirit. Sanct. c. v.) Hence also, St. Paul says, God sent forth his Son, born not (through a woman)
but of a woman. For the words through a woman might convey only a notion of birth as a passing through, but
when it is said, of a woman, (Gal. 4:4.) there is openly declared a communion of nature between the son and
the parent. 136
• Contrast with the preceding account sets the announcement’s tone. The previous announcement about John
came to a priest in the midst of a public worship service at the high holy place of Israel’s capital. The
announcement about Jesus comes privately to a humble woman in a little rural village. Luke contrasts the
greatness of the setting of the announcement about John with the simplicity of the announcement about
* 37 For nothing will be impossible with God.”
Luke 1:37 (NRSV)
* 14 Is anything too wonderful for the Lord? At the set time I will return to you, in due season, and Sarah shall have a son.”
Genesis 18:14 (NRSV)
92
In addition to Gen 18:14*, cf. also Job 10:13* (LXX); 42:2*; Zech 8:6* (LXX); 2 Chr 14:10*; Jer 32:17* (39:17*, Aquila and Symmachus); in the NT,
Luke 18:27* par. and Mark 14:36*.
133
François Bovon e Helmut Koester, Luke 1: a commentary on the Gospel of Luke 1:1–9:50 (Hermeneia—a Critical and Historical Commentary on the
Bible; Minneapolis, MN: Fortress Press, 2002), 53.
* 27 to a virgin engaged to a man whose name was Joseph, of the house of David. The virgin’s name was Mary.
Luke 1:27 (NRSV)
* 15 He responded, “But sir, how can I deliver Israel? My clan is the weakest in Manasseh, and I am the least in my family.”
Judges 6:15 (NRSV)
* 37 For nothing will be impossible with God.”
Luke 1:37 (NRSV)
96
In none of the HB parallels does one find such an explicitly formulated assent as in this passage. See Lyonnet, “Annonciation” 62.
134
François Bovon e Helmut Koester, Luke 1: a commentary on the Gospel of Luke 1:1–9:50 (Hermeneia—a Critical and Historical Commentary on the
Bible; Minneapolis, MN: Fortress Press, 2002), 53.
135
John T. Carroll, Luke: A Commentary (org. C. Clifton Black e M. Eugene Boring; First Edition.; The New Testament Library; Louisville, KY:
Westminster John Knox Press, 2012), 37.
BASIL S. Basil, Archbishop of Caesarea, A.D. 370
136
Thomas Aquinas, Catena Aurea: Commentary on the Four Gospels, Collected out of the Works of
the Fathers: St. Luke (org. John Henry Newman; vol. 3; Oxford: John Henry Parker, 1843), 34.
Jesus. The tone of the setting of Jesus’ birth matches the tone of his ministry. The great God of heaven sends
the gift of salvation to humans in a serene unadorned package of simplicity. 137
Teologia da Passagem
• Several themes are intertwined in this passage: (1) the divine sonship of Jesus (vv. 32, 35); (2) his
messianic role and reign over the kingdom (vv. 32–33); (3) God as the “Most High” (vv. 32, 35; cf. v.
76); (4) the power of the Holy Spirit (v. 35); and (5) the grace of God (vv. 29–30, 34–35, 38). 138
Aplicações Práticas
Aplicação: Regra de fé: quem é Jesus, nascimento virginal; Deus cumpre a sua palavra; existência
de anjos; é a graça de Deus que nos torna especiais, não há impossíveis para Deus. Regra de
prática: Deus usa pessoas comuns e limitadas para realizar seus propósitos maravilhosos,
prontidão, humildade, confiança, adolescentes também creem.
Transformando em Sermão
O Anjo Gabriel é enviado por Deus a Maria
• Mês sexto de que? Da gravidez de Elizabete (Isabel). O tempo começou a ser contado
novamente?
• Gabriel, o que sabemos sobre ele?
• Nazaré da Galiléia, o que sabemos sobre esta cidade (no AT)?
• Como funciona exatamente esse compromisso (ἐμνηστευμένην) de Maria com José?
137
Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI:
Baker Academic, 1994), 107.
138
Walter L. Liefeld, “Luke”, in The Expositor’s Bible Commentary: Matthew, Mark, Luke (org. Frank
E. Gaebelein; vol. 8; Grand Rapids, MI: Zondervan Publishing House, 1984), 8829.
• José era da casa de Davi.
O Diálogo entre Maria e o anjo Gabriel
• Maria é chamada de “κεχαριτωμένη” (PART Perf) e o anjo lhe diz que ela “εὗρες γὰρ
χάριν παρὰ τῷ θεῷ”. O que a distingue é a graça de Deus constantemente sobre ela e o fato
de que “ὁ κύριος μετὰ σοῦ”. Esta última era uma saudação comum?
• Reação primária de Maria: confusa e considerando (διελογίζετο) sobre tal saudação.
Ver Lucas 2.19, onde Maria novamente fica pensando sobre o que se fala sobre Jesus.
• Ao mostrar a reação desesperada de Zacarias e a calma reação de Maria (o anjo dia
não temas) ao ver o anjo, Lucas está querendo mostrar algo? Esta distinção continua na
maneira que ambos receberam a mensagem: ele com incredulidade e ela com fé e
prontidão.
• Três atos de Maria: conceberás, darás a luz, darás o nome de Jesus
• Descrição de Jesus por Gabriel: nome: Jesus; será grande, será chamado filho do
Altíssimo, o senhor dará a ele o trono de seu pai Davi, ele reinará para sempre sobre a casa
de Jacó, o reino dele não terá fim, “ente” santo, Filho de Deus, visto que o Espírito Santo
virá sobre você e o poder do altíssimo te envolverá com sua sombra.
• Maria quer entender melhor a situação: como vou conceber se não tenho relação
sexual com nenhum homem?
• Resposta: o Espírito Santo vira sobre você e o poder do Altíssimo te cobrirá com
sombra. Pesquisar ἐπισκιάσει. Usado nas vezes que Deus apareceu no tem da
transfiguração.
• Por que o anjo usou o caso de Elizabete (Isabel) para argumentar com Maria? Parece
que foi com o objetivo de que ela cresse: “ὅτι οὐκ ἀδυνατήσει παρὰ τοῦ θεοῦ πᾶν ῥῆμα.”
• A atitude de Maria (contraste com Zacarias) foi de prontidão: “Ἰδοὺ ἡ δούλη κυρίου·
γένοιτό μοι κατὰ τὸ ῥῆμά σου.”
Quem é Maria?
• Nazaré
• virgem ( 34 Então Maria disse ao anjo: — Como será isto, se eu nunca tive relações
com homem algum?)
• comprometida a casar com um homem da casa de Davi, cujo nome era José.
• A virgem se chamava Maria.
• Salve, agraciada! O Senhor está com você.
• perturbou-se muito e pôs-se a pensar no que poderia significar esta saudação.
• Não tenha medo, Maria; porque você foi abençoada por Deus.
• Você ficará grávida e dará à luz um filho, a quem chamará pelo nome de Jesus.
• — O Espírito Santo virá sobre você, e o poder do Altíssimo a envolverá com a sua
sombra;
• por isso, também o ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus.
• 36 E Isabel, sua parenta, igualmente está grávida, apesar de sua idade avançada,
sendo este já o sexto mês de gestação para aquela que diziam ser estéril.
•
37
Porque para Deus não há nada impossível.
• 38 Então Maria disse: — Aqui está a serva do Senhor; que aconteça comigo o que você
falou.
Quem é Jesus?
•
31
Você ficará grávida e dará à luz um filho, a quem chamará pelo nome de Jesus.
• Este será grande
• e será chamado Filho do Altíssimo.
• Deus, o Senhor, lhe dará o trono de Davi, seu pai.
• Ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reinado não terá fim.
• — O Espírito Santo virá sobre você, e o poder do Altíssimo a envolverá com a sua
sombra;
• por isso, também o ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus.
Lucas 1.39-45 – O Encontro de Maria e Isabel
Story in a Nutshell: A Girl versus a Priest, and the Matter of Proper Listening 139
Luke begins his story with a striking contrast between a young girl and an older priest. After hearing
word of unexpected and unnatural birth, each asks the same visiting angel a question with nearly
the same words, though on closer inspection the respective questions reveal one subtle difference
that suggests entirely opposing motives. The priest is punished, the young girl praised. Luke
launches his story by providing a glimpse of the whole story to follow, brilliantly expanded in the
respective poems of maiden and priest. 140
A crucial note for the two-part story ahead is being sounded early, and will echo with interesting
variations throughout the entire story, culminating in the very last scene of Acts. Much depends on
listening well to the word from God, especially as taught by Jesus. 141
Teologia da Passagem
Aplicações Práticas
Transformando em Sermão
Ideia Exegética: Maria vai visitar Isabel, Isabel e seu bebê honram Maria e Jesus.
Contexto Literário:
1.5-4.14 – Introdução: João e Jesus em paralelo
1.5-25) Antecedentes do nascimento de João
1.26-56) Antecedentes do nascimento de Jesus
1.57-80) O nascimento de João
2.1-52) O nascimento e a infância de Jesus
139
Paul Borgman, The Way according to Luke: Hearing the Whole Story of Luke-Acts (Grand Rapids,
MI; Cambridge, U.K.: William B. Eerdmans Publishing Company, 2006), 19.
140
Paul Borgman, The Way according to Luke: Hearing the Whole Story of Luke-Acts (Grand Rapids,
MI; Cambridge, U.K.: William B. Eerdmans Publishing Company, 2006), 19.
141
Paul Borgman, The Way according to Luke: Hearing the Whole Story of Luke-Acts (Grand Rapids,
MI; Cambridge, U.K.: William B. Eerdmans Publishing Company, 2006), 20.
3.1-20) Início do ministério de João batista
3.21-4.13) Preparação de Jesus para o ministério
Aplicação: Regra de fé: humanidade de Cristo, Jesus é Senhor; Deus cumpre a sua palavra;
importância da fé, resultados da fé: abençoada e bem aventurada, João Batista como o precursor
de Jesus – quem diria que ele teria dúvidas ao final?. Regra de prática: devemos ser cheios do
Espírito Santo como Isabel.
Esboço:
Lc 1.39 E levantando-se Maria em os dias aqueles,
foi
para a região montanhosa com pressa,
para a uma cidade de Judá,
40 e entrou na casa de Zacarias
e cumprimentou Elizabete (Isabel).
41 E aconteceu que quando ouviu a saudação de Maria a Elizabete (Isabel),
mexeu com força o bebê no ventre dela,
e foi enchida de Espírito Santo Elizabete (Isabel),
42 e gritou com grito alto e disse:
“Abençoada (Perf) és tu entre mulheres
e abençoado o fruto do ventre teu.”
43 E “por que a mim isto a fim de que venha a mãe do Senhor meu até mim?
44 Pois veja, assim que veio a voz da saudação tua para o ouvido meu,
mexeu muito em exultação o bebê no ventre meu.”
45 E “bem aventurada a que creu,
pois será cumprimento das [palavras] ditas (Perf) a ela pelo
Senhor".
Comentário
• 1.39-40 – Naqueles dias, Maria foi visitar Isabel.
• Neste interregno aconteceu o cumprimento das palavras do anjo Gabriel a Maria. O
poder de Deus e a sombra do Espírito Santo já haviam vindo sobre e Maria e feito ela
conceber o Senhor Jesus.
• 1.41 – João Batista, ainda no ventre de sua mãe, mexe com força quando sente a
presença de Jesus no ventre de Maria.
• Isabel foi enchida pelo Espírito Santo (tônica de Lucas)
• Isabel, cheia do Espírito, “καὶ ἀνεφώνησεν κραυγῇ μεγάλῃ” (gritou com grito alto):
(1) abençoada és tu entre as mulheres – é a terceira vez que esta palavra é ligada à Maria.
(2) abençoado é o fruto do teu ventre – não é louvor, mas constatação. (3) por que a mim
isto a fim de que venha a mãe do meu Senhor até mim – Isabel se sentiu honrada em
receber a mãe do seu Senhor. Note que Isabel entendeu (pelo Espírito Santo) que aquela
criança que estava no ventre de Maria era o seu Senhor. “Jesus é Senhor”. Prova de
conversão. (4) Assim que você falou a criança mexeu dentro de mim. (5) bem aventurada
(muito feliz) a que creu (tônica de Lucas), pois serão cumpridas as palavras ditas a ela pelo
Senhor.
Lucas 1.46-56 – Magnificat: O Cântico de Maria
• Ideia exegética
• Contexto literário
• Contexto canônico
• Introdução
• Forma e Estrutura
• Comentário por sessão (parágrafo; estrofe) e não por cláusula
• Teologia da Passagem
• Aplicações práticas
• Idéia homilética
• Questões textuais, gramaticais/sintáticas, bílico-teológicas mais avançadas em nota
de rodapé.
• Artigos específicos espalhados pelo comentário
Ideia Exegética
Maria louva o Deus que exalta os humildes por suas misericórdias para com ela e por suas
misericórdias para com Israel
Contexto Literário
1.5-4.14 – Introdução: O precursor e o Rei
1.5-25 Antecedentes do nascimento de João
1.26-56 Antecedentes do nascimento de Jesus
1.26-38 O diálogo de Maria com o Anjo
1.39-45 O encontro de Maria e Isabel
1.46-56 Magnificat: O Cântico de Maria
1.57-80 O nascimento de João
1.57-66: Ele será chamado João
1.67-80: Benedictus: O Cântico de Zacarias
2.1-52 O nascimento e a infância de Jesus
2.1-7: Jesus nasce em um contexto de opressão
2.8-20: Os anjos anunciam aos pastores o nascimento de Jesus e todos louvam
2.21: A circuncisão de Jesus
2.22-24: Jesus é apresentado no templo
2.25-35: Simeão profetiza a respeito de Jesus
2.36-38: Ana fala sobre Jesus
2.39-40: Ainda bebê, Jesus cumpre toda a lei
2.41-52: Jesus vai ao templo com doze anos
3.1-20 Início do ministério de João Batista
3.21-4.13 Preparação de Jesus para o ministério
Contexto canônico
O paralelo mais próximo desse texto no Antigo Testamento, aliás, possivelmente o salmo
que serviu de inspiração para Maria escrever o seu, é o chamado cântico de Ana, encontrado em 1
Samuel 2.1-10. Vários dos temas de nossa passagem são encontrados naquela passagem também:
exaltação e alegria por parte daquela que canta; gratidão por Deus ter exaltado alguém que era
humilde; a santidade de Deus; reconhecimento de que é Deus quem exalta ou humilha e uma
teologia da reversão na qual os humilhados serão exaltados e aqueles que se exaltam serão
humilhados por Deus. Além disso, ambos os textos envolvem o nascimento de uma criança
importante nos planos de Deus e em ambos os contextos mulheres concebem filhos de maneira
milagrosa.
Forma e Estrutura
É evidente que o evangelho de Lucas tem um gênero literário narrativo. Algumas vezes, no entanto,
como bom escritor que é, Lucas usa outras formas literárias em seu escrito. Este é o caso do nosso
texto que pode ser definido como um salmo e um tipo específico de salmo chamado hino. Hermann
Gunkel, estudioso que primeiro descreveu as distintas formas dos salmos, afirma que um hino é
composto de uma introdução com um chamado ao louvor, o corpo que apresenta as razões pela
qual Deus merece louvor e uma conclusão. O personagem principal de um hino, segundo Gunkel, é
o próprio Deus que, normalmente é referido em terceira pessoa. 142 Outro estudioso da forma dos
salmos, Claus Westermann, afirma que os Salmos de Louvor Declarativo (nome que ele dá aos
hinos), podem ser individuais ou comunitários e pode ter as seguintes partes em sua estrutura:
proclamação, sumário dos atos de Deus; lembrança da necessidade; livramento; voto de louvor e
louvor descritivo. 143 Outras características comuns da poesia hebraica também são encontradas
nesse texto: métrica; paralelismos, quiasmos. Assim, o “cântico de Maria” encaixa-se perfeitamente
em um salmo, um hino de louvor do indivíduo com as partes abaixo apresentadas. 144
Estrutura V. Tradução Literal e Estrutura do texto
1.46a: Introdução
narrativa
46 E disse Maria:
1.46b-47: Introdução ou
proclamação
• Paralelismo
47
Está engrandecendo a alma minha ao Senhor
E exultou o espírito meu em Deus, o Salvador meu,
1.48-50: Razões
individuais para louvor: a
misericórdia de Deus
para com Maria
• Quiasmo
48
49
pois olhou sobre a pequenez da escrava dele.
Por que, veja, a partir de agora considerarão bem-aventurada a
mim todas as gerações,
Pois fez em mim grandes coisas
o Poderoso;
50
e Santo é o nome dele,
142
CITAR DIREITO A OBRA DE GUNKELL Hermann Gunkel, The Psalms: A Form-Critical Introduction (Fortress
Press, 1967
143
Citar Claus Westermann
144
Cântico extemporâneo e composto anteriormente? O cântico de Maria assemelha-se em muito ao cântico de Ana
quando teve seu bebê (1Sm 2.1-10). Naquela cântico a exaltação dos humildes também é central.
e a misericórdia dele para gerações e gerações para os que
temem a ele.
1.51-55: Razões
comunitárias para o
louvor: a misericórdia de
Deus para com Israel
51
52
Ele fez coisas poderosas com o braço dele:
espalhou os arrogantes com disposição de coração dele
derrubou os governantes do trono
• 2
Paralelismos
sintéticos e 1
antitético
53
e exaltou os de classe social mais baixa
Os que têm fome ele satisfez de bem
e os que são ricos ele despediu sem nada
54
ele ajudou a Israel, seu servo,
a fim de lembrar-se de misericórdia
55
conforme falou para os pais de nós,
a Abraão e a semente dele para sempre.
1.56: Conclusão
narrativa
56 Permaneceu Maria com ela aproximadamente três meses,
e retornou para a casa dela.
Comentário
1.46a: Introdução narrativa
46 Καὶ εἶπεν Μαριάμ (E disse Maria): Aqui temos uma introdução de discurso direto que marca o
início dessa nova perícope, apresentando a resposta de Maria àquilo que Isabel falou (Lc 1.42-
45). 145 Assim, enquanto a perícope anterior mostrou que Maria foi visitar Isabel e a reação de Isabel
e seu bebê à presença de Maria, o presente texto mostra a reação de Maria na mesma ocasião:
adoração a Deus.
1.46b-47: Introdução do Hino: Exaltação e exultação no Deus Salvador
Acredito que a primeira característica dessa introdução vista como um todo que salta aos
olhos é o belo paralelismo que temos no texto:
A
Está engrandecendo a alma minha ao Senhor
47
A
E exultou o espírito meu em Deus, o Salvador
meu,
O paralelismo é uma estrutura da poesia hebraica na qual a próxima linha de uma poesia repete as
mesmas ideias da linha anterior usando para isso palavras diferentes. Há paralelismos em que a
idéia da segunda linha é antitética (nega o contrário da idéia anterior, confirmando-a, assim) e
outros que acrescentam algo a idéia anterior. Parece que o tipo de paralelismo que encontramos
aqui é este último, visto que Maria acrescenta na segunda linha uma definição para Deus como “o
Salvador meu”. Mas analisemos cada uma das ideias desse paralelismo.
No texto grego, seguindo o padrão da poesia hebraica, as duas linhas começam com o
verbo. Vejam que no sentido mais “piperiano” possível, Maria iguala engrandecer ao Senhor com
alegrar-se nele! Brinco que essa é uma ideia “piperiana” pela ênfase do pregador americano John
145
Alguns poucos manuscritos em Latim, em vez do nome de Maria, colocam as palavras a seguir na boca de Isabel,
assim como o fazem alguns dos pais da Igreja também. A atestação para Maria como aquela que proferiu essas palavras é
muito maior. Considerando que esse hino se assemelha às palavras de Ana (1Sm 2.1-10), é fácil compreender o porque
alguns tenderiam a ver essas palavras na boca de Isabel em vez de Maria.
Piper em sempre dizer, trabalhando as ideias encontradas na primeira resposta dos catecismos de
Westminster, “Deus é mais glorificado em nós quanto mais satisfeitos estamos nele”. 146 Para Maria,
engrandecer (exaltar, glorificar, magnificar) a Deus é sinônimo de exultar (alegrar-se grandemente)
nele. 147 Você, nesse exato momento, tem a sua alegria no Senhor? Aliás, alegria é um dos
importantes temas que Lucas desenvolve em seus escritos. 148 Alegria, para Lucas, é uma das marcas
do verdadeiro cristão.
No segundo termo em paralelo, Maria, contrariando aquilo que os tricotomistas pensam,
iguala alma e espírito. Ambos apontam para a parte imaterial do ser humano e funcionam aqui
como uma sinédoque, aquela figura de linguagem que usa a parte para se referir ao todo. 149 Ou
seja, Maria está expressando que ela como um todo exalta ao e exulta no Senhor, mas ela o faz
falando de sua parte imaterial, ou seja, da sede de suas emoções e de todo o seu ser.
Finalmente, os últimos termos do paralelismo apresentam quem é o merecedor de
exaltação e quem é o motivo da exultação. Na primeira linha Maria exalta o Senhor (κύριον) e na
segunda linha ela exulta em “Deus, meu Salvador” (τῷ θεῷ τῷ σωτῆρί μου). Ao qualificar Deus
como “meu Salvador”, Maria faz uma quebra na métrica do paralelismo, o que faz com que essa
expressão “meu Salvador” fique em evidência. 150
Nessa primeira parte do Salmo, então, Maria testemunha de sua adoração e alegria ao
Senhor Deus, o seu Salvador. A nossa adoração também deve ser marcada por alegria e pela
consciência grata de que a nossa salvação vem totalmente de Deus para nós.
1.48-50: Razões individuais para exaltação e exultação: A misericórdia de Deus para com Maria
146
Citar John Piper
147
Ao afirmar que sua alma “μεγαλύνει” (engrandece) ao Senhor, é evidente que não existe nenhum aspecto aqui de
Maria estar atribuindo a Deus alguma grandeza que ele ainda não possuía, mas ela está reconhecendo de coração a
grandeza que caracteriza o Senhor Deus. Das 8 vezes que o verbo μεγαλύνω é utilizado no Novo Testamento, Lucas é
responsável por 5 (1.46, 58; At 5.13; 10.46; 19.17). O termo é comum na LXX, incluindo 17 ocorrências no livro de
Salmos, ou seja, é linguagem apropriada de louvor a Deus.
148
Veja artigo “Alegria em Lucas-Atos”.
149
Martin M. Culy, Mikeal C. Parsons, and Joshua J. Stigall, Luke: A Handbook on the Greek Text (Baylor Handbook on
the Greek New Testament; Waco, TX: Baylor University Press, 2010), 42.
150
Veja o artigo Salvação em Lucas-Atos”.
48 A pois olhou sobre a pequenez da escrava dele.
B
Por que, veja, a partir de agora considerarão bem-aventurada a mim todas
as gerações,
49 A Pois fez a mim grandes coisas
o Poderoso;
e Santo é o nome dele,
50 e a misericórdia dele para gerações e gerações para os que temem a ele.
A partir do versículo 48, o salmo de Maria apresenta as razões pessoais pelas quais ela
exalta e exulta no Senhor. A estrutura do texto também é muito interessante. Ela apresenta três
razões seguidas de três qualificações de Deus. As razões aparecem em forma de quiasmo. Também
chamado de estrutura sanduíche, um quiasmo acontece quando um autor bíblico usa uma
estrutura do tipo A B A, ou seja, ele fala X (assunto qualquer), desenvolve para Y (outro assunto) e
volta para X, de forma que os assuntos têm que ser lidos um a luz do outro. Maria faz isso de duas
formas, usando a mesma preposição grega nas linhas que estamos chamando de A (ὅτι, pois) e
começando a linha B com a expressão enfática “ἰδοὺ γὰρ” (veja, porque).
O primeiro motivo pelo qual Maria exalta e exulta no Senhor é porque Deus ἐπέβλεψεν, lit.
olhou sobre, contemplou (ARA), atentou (NAA e NVI) para a pequenez da escrava dele. Muitas
vezes na cultura bíblica, quando um superior olha para o subalterno, ele está demonstrando graça e
favor para alguém que não tem mérito intrínseco (Gn 16.13; Nm 6.24-26; Es 5.2; Sl 33.18; 34.15;
1Pe 3.12). Por outro lado, quando Deus esconde o rosto de alguém, essa pessoa está em apuros (Sl
44.24; Is 8.17). A ideia aqui é que Deus prestou atenção no fato de que Maria era humilde, pequena
e atuou em seu favor. Aliás, como veremos, essa é uma das tônicas de todo o evangelho de Lucas, o
fato de que Deus atua em prol dos pobres, humildes e marginalizados. Assim, Maria está
reconhecendo sua falta de mérito na presença de Deus, o que fica também claro pela maneira que
ela se define. A palavra ταπείνωσιν (pequenez) significa humilhação, despretensão, humildade,
condição humilde e/ou auto-humilhação (cf. BDAG, 990). Além de definir a sua condição dessa
forma, Maria chama a si mesmo novamente de escrava (cf. Lc 1.38). Ou seja, a despeito de Maria
ser uma pessoa sem importância e uma simples escrava de Deus, ele a tratou com grande graça ao
olhar para a sua situação humilde. 151
O segundo motivo que Maria apresenta para a sua exaltação de Deus e alegria nele é que a
partir de agora, por causa do que Deus fez a ela, ela passaria a ser reconhecida de geração em
geração como alguém que foi especialmente abençoada por Deus. 152
Deus tomou uma adolescente pobre e desconhecida e a transformou na mãe do Messias! Isso era
realmente um grande privilégio e uma bênção sem medida pela qual Maria exalta o Senhor. A
palavra “bem-aventurada” (μακαριοῦσίν), escolhida por Maria para dizer como as gerações a
considerarão, carrega em si as ideias de abençoada, agraciada e alegre por causa das bênçãos de
Deus e confirma aquilo que outros já haviam afirmado a respeito de Maria (1.28; 30, 42, 45): ela é
uma pessoa especial pois recebeu uma graça especial de Deus e não por algo nela mesma que a
tornasse diferenciada.
O terceiro motivo da exaltação de Maria é que Deus fez grandes coisas nela. O caso do
pronome μοι comporta diferentes traduções: “em mim”; “através de mim”; “em favor de mim”.
Considerando que a obra de Deus para com Maria envolveu a concepção de Jesus no ventre dela
(Lc 1.35), acredito que “em mim” seja a melhor tradução. 153 Nessa terceira linha, Maria está
exaltando aquele que realmente merece todo o louvor, exaltação e honra, aquele que é o motivo
deste Salmo. Embora Maria seja em si mesma pequena, Deus, o poderoso, fez grandes coisas nela.
Essa sessão do hino de Maria termina com três qualificações para Deus: o poderoso; aquele
cujo nome é santo e aquele cuja misericórdia se estende para várias gerações daqueles que o
151
“She did not expect or assume that she should be the object of such special attention from God, so she is grateful for
the attention. […] Mary is able to praise God her Savior, because he looked upon her low social state and yet in love let
her bear the Messiah. What God did for her is like what he does for others in the same state (1:52)”. Darrell L. Bock,
Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Baker Academic,
1994), 150-151.
152
“The expression from now on (ἀπὸ τοῦ νῦν, apo tou nyn) is an important Lucan phrase. It indicates that a significant
change has taken place in God’s plan, so that “from now on” things will be different (Luke 5:10; 12:52; 22:18, 69; Acts
18:6)”. Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids,
MI: Baker Academic, 1994), 151.
153
As demais opções também são gramática e teologicamente possíveis. Também é possível levantar a hipótese de Lucas
ter usado esse termo visando todos esses sentidos.
temem. Nenhuma dessas qualificações é sem importância. Elas tanto revelam de Deus quanto
fazem parte importante da teologia da Lucas e, evidentemente, da experiência de Maria. Palavras
ligadas a poder aparecem 7 vezes neste primeiro capítulo (1.17, 20, 22, 35, 37, 49, 52). Em uma
dessas vezes, o anjo disse à Maria que o poder do Altíssimo iria envolvê-la (1.35), logo depois
afirmando que nada é impossível para Deus (1.37). Mais à frente nesse mesmo cântico, Maria
afirma que Deus derruba os poderosos dos seus tronos e exalta os humildes (1.52). Assim, Maria
realmente sabia do que estava falando ao chamar Deus de o Poderoso. Maria também exalta a
santidade do nome de Deus.
A segunda carcaterística que Maria destaca em Deus é a santidade do nome dele. A Bíblia
aforma a santidade do nome de Deus muitas vezes. 154 O “nome” de Deus é uma metonímia para o
ser de Deus, tudo aquilo que Deus é em todas as suas perfeições. E a santidade aponta,
evidentemente para o fato de que Deus é totalmente santo e puro. Não há nenhuma mancha moral
ou imperfeição em Deus. Ele é totalmente santo em cada um dos seus atributos, ou seja, o nome
de Deus é santo (Is 6.3; Ap 4.8).
Finalmente, Maria também acrescenta que a misericórdia de Deus recai sobre diversas
gerações daqueles que o temem. O temor de Deus é um tema bastante importante em Lucas. 155 Ao
contrário do que a noção popular que afirma que temor na Bíblia não é medo, mas respeito; uma
análise séria do tema mostra que temor na Bíblia é, sim, medo. A expressão aborda tanto o medo
que repele, quanto o medo que atrai e é neste último sentido que a Bíblia fala de temor de Deus. O
temor de Deus é o sentimento que aproxima o cristão de Deus e o afasta do pecado. Ser temente a
Deus é praticamente um sinônimo de ser cristão e ter um relacionamento próximo a Ele. Essa
misericórdia de Deus que é derramada sobre os que o temem e ultrapassa gerações é uma
carcaterística que também aparece em outros lugares nas Escrituras (Êx 20.6; 34.7; Dt 5.10; 7.9; Sl
100.5). Essa é uma carcaterística muito significativa aqui, pois tanto ela expressa a misericórdia de
Deus demonstrada para com Maria, mas também mostra que por meio de Maria Deus estava
cumprindo promessas misericordiosas feitas desde há muitas gerações passadas e que seriam
154
Lv 20.3; 22.2, 32; 1Cr 16.10, 35; 29.16; Sl 30.4; 33.21; 97.12; 99.3; 103.1; 105.3; 106.47; 111.9; 145.21; Is 29.23;
47.4; 54.5; 57.15; 60.9; Ez 20.39; 36.20, 21, 22; 39.7, 25; 47.3; 43.8; Am 2.7; Lc 1.49; Jo 17.11; Ap 15.4.
155
Veja artigo Temor de Deus em Lucas-Atos.
usufruídas também pelas gerações futuras. E assim, essa expressão se torna uma transição perfeita
para a próxima parte do salmo de Maria.
1.50-55 – Razões comunitárias para exaltação e exultação: A misericórdia de Deus para com Israel
51
Ele fez coisas poderosas com o braço dele:
A
espalhou os arrogantes com disposição de coração deles
A
52
derrubou os governantes do trono
B
e exaltou os de classe social mais baixa
B
53
Os que têm fome ele satisfez de bem
A
e os que são ricos ele despediu sem nada
B
54
ele ajudou a Israel, seu servo,
C
a fim de lembrar-se de misericórdia
D
55
conforme falou para os pais de nós,
E
a Abraão e a semente dele para sempre.
Na primeira parte do cântico o foco de Maria foi o significado da vinda de Jesus para ela mesma, ou
seja, o quanto o fato de, apesar de sua humildade, ser escolhida como mãe do Salvador foi um ato
de Deus que a deixou feliz e agradecida ao Senhor para a sua própria bênção. Agora, na segunda
parte deste salmo, Maria enfoca a bondade de Deus para com a nação de Israel. O foco muda de
louvor a Deus por motivos pessoais de Maria para louvor a Deus por aquilo que Deus normalmente
faz em defesa dos fracos e aquilo que ele faz por Israel.
A primeira linha dessa nova estrofe introduz o novo assunto: “Agiu com o seu braço
valorosamente” (Ἐποίησεν κράτος ἐν βραχίονι αὐτοῦ). Literalmente, o texto diz: “Ele fez coisas
poderosas com o braço dele”. É evidente que o sujeito dessa frase é o Deus poderoso, santo e cuja
misericórdia dura de geração em geração. Falar sobre o braço forte de Deus que realiza grandes
coisas é um antropomorfismo muito comum na Bíblia. 156 O braço de Deus é uma metáfora para a
força incomparável do Senhor que age especialmente para libertar o seu povo da opressão, assim
como no Egito e na libertação do exílio.
Depois dessa introdução do novo assunto, Maria alista em forma de paralelismos 6 atos poderosos
(κράτος) realizados pelo braço de Deus em prol de seu povo: (1) espalhou os arrogantes; (2)
derrubou os governantes; (3) exaltou os humildes; (4) satisfez os famintos; (5) despediu os ricos
sem nada e (6) ajudou a Israel. Todos esses atos de Deus, portanto, foram o meio através do qual
ele está se lembrando de seu povo e atuando em prol dele, são a maneira de Deus cumprir as suas
promessas da aliança a Abraão.
Explicar cada uma
1.56 – Maria fica com Isabel mais três meses e volta para casa
Será que José havia ido com Maria para a casa de Isabel?
• Verificar textos sobre o braço de Deus.
• Verificar expressão “lembrar” da misericórdia.
156
Veja Êx 6.6; 15.16; Dt 4.34; 5.15; 7.19; 9.29; 11.2; 26.8; 1Rs 8.42; 2Rs 17.36; 2Cr 6.32; 32.8; Jó 40.9; Jó 44.3; 77.15;
89.10, 13, 21; 98.1; 136.12; Is 30.30; 33.2; 40.10; 48.14; 51.5, 9; 52.10; 53.1; 59.16; 62.8; 63.5, 12; Jr 21.5; 27.5; 32.17,
21; Ez 20.33, 34; Zc 11.17; Lc 1.51; Jo 12.38; At 13.17.
Teologia da Passagem
Teologia Sistemática: Essa passagem ensina muito a respeito a Deus (Teontologia). Primeiro, temos
diversos nomes e atributos de Deus sendo apresentados por Maria: “Senhor” (v. 46), “Deus, meu
Salvador” (v. 47), “o Poderoso” e “Santo” (1.49) e o Deus cheio de misericórdia (1.50, 54). Além
disso, Deus é apresentado como aquele que abate os orgulhosos e exalta os humildes, bem como
aquele que se lembra de sua aliança. Por tudo isso, Deus é digo de louvor.
Teologia Bíblica: Tudo o que está acontecendo diz respeito a Deus se lembrando de promessas
feitas a Abraão (promessa e cumprimento). Nesse trecho, estamos diante de um momento
fundamental da história da redenção. Outro aspecto bastante claro nesse texto, é a ênfase da
teologia lucana relacionada aos marginalizados.
“Thus God is beginning his eschatological exaltation of the lowly, for from now on the name of
Mary will be known to all generations and they will speak of her rich blessing by God”. 157
Mary uses the language of the faithful. She trusts God’s just vindication in the approaching
messianic reign. Hendriksen (1978: 108) makes reference to how the humble were lifted up in the
past, but this shows only that what God will do is like what he has done. However, Mary is looking
to the future, not the past. She is anticipating, in the child she bears, total vindication. The way God
will accomplish this vindication has some other intermediate requirements of which she is not
aware, namely Messiah’s suffering. 158
Teologia Prática: Como a história da Igreja demostra, esse texto tem um grande valor litúrgico. A
relação entre exaltação e exultação também pode ser util em contextos de aconselhamento e afins.
157
I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: A Commentary on the Greek Text (New International Greek Testament
Commentary; Exeter: Paternoster Press, 1978), 82.
158
Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI:
Baker Academic, 1994), 157.
Aplicações práticas
Regra de fé: Deus exalta os humildes e abate os que se exaltam. Jesus Cristo é o significado e centro
desse cântico: tudo o que é dito é em virtude do nascimento dele. Todos os nomes e atributos de
Deus devem ser cridos.
Regra de prática: Como Maria, devemos louvar a Deus e descansar e confiar no Deus que exalta os
humildes. Evidentemente, somos tamém chamados a ser humildes.
Idéia e sugestão homilética
As misericórdias de Deus devem ser causa de exaltação e exultação.
Quando eu preguei nesse texto, usei exatamente os títulos que apresentei acima (1) Exaltação e
exultação no Deus Salvador (1.46-47); (2) Razões individuais para exaltação e exultação: A
misericórdia de Deus para com Maria (1.48-50) e (3) Razões comunitárias para exaltação e
exultação: A misericórdia de Deus para com Israel (1.50-55). O objetivo foi conduzir a Igreja à
exaltação alegre por meio da imitação do exemplo humilde de Maria.
The hymn’s major burden shows that Mary trusts in the fulfillment of God’s promises, especially
those to Abraham. They will come to pass. The reader is to identify with Mary’s confidence, her
faith, and her sense of joy. 159
159
Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI:
Baker Academic, 1994), 161.
It would be easy to over-spiritualise the meaning of these verses and ignore their literal
interpretation. Schürmann, I, 76, rightly notes how the coming of the kingdom of God should bring
about a political and social revolution, bringing the ordinary life of mankind into line with the will of
God. 160
Esboço:
46 Καὶ εἶπεν Μαριάμ,
Μεγαλύνει ἡ ψυχή μου τὸν κύριον,
47 καὶ ἠγαλλίασεν τὸ πνεῦμά μου ἐπὶ τῷ θεῷ τῷ σωτῆρί μου,
48 ὅτι ἐπέβλεψεν ἐπὶ τὴν ταπείνωσιν τῆς δούλης αὐτοῦ.
ἰδοὺ γὰρ ἀπὸ τοῦ νῦν μακαριοῦσίν με πᾶσαι αἱ γενεαί,
49 ὅτι ἐποίησέν μοι μεγάλα ὁ δυνατός.
καὶ ἅγιον τὸ ὄνομα αὐτοῦ,
50 καὶ τὸ ἔλεος αὐτοῦ εἰς γενεὰς καὶ γενεὰς τοῖς φοβουμένοις αὐτόν.
51 Ἐποίησεν κράτος ἐν βραχίονι αὐτοῦ,
διεσκόρπισεν ὑπερηφάνους διανοίᾳ καρδίας αὐτῶν·
52 καθεῖλεν δυνάστας ἀπὸ θρόνων
καὶ ὕψωσεν ταπεινούς,
53 πεινῶντας ἐνέπλησεν ἀγαθῶν
καὶ πλουτοῦντας ἐξαπέστειλεν κενούς.
54 ἀντελάβετο Ἰσραὴλ παιδὸς αὐτοῦ,
μνησθῆναι ἐλέους,
55 καθὼς ἐλάλησεν πρὸς τοὺς πατέρας ἡμῶν,
τῷ Ἀβραὰμ καὶ τῷ σπέρματι αὐτοῦ εἰς τὸν αἰῶνα.
56 Ἔμεινεν δὲ Μαριὰμ σὺν αὐτῇ ὡς μῆνας τρεῖς,
καὶ ὑπέστρεψεν εἰς τὸν οἶκον αὐτῆς.
160
I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: A Commentary on the Greek Text (New International Greek Testament
Commentary; Exeter: Paternoster Press, 1978), 85.
Lucas 1.57-66: Ele será chamado João / O Nascimento de João Batista / Escolher o nome é sempre
difícil
57 Quando chegou o tempo de Isabel dar à luz, ela teve um filho. 58 Os vizinhos e parentes ouviram
que o Senhor tinha usado de grande misericórdia para com Isabel e se alegraram com ela.
59
Aconteceu que, no oitavo dia, foram circuncidar o menino e queriam dar-lhe o nome de seu pai,
Zacarias. 60 Mas a mãe do menino disse:
— De modo nenhum! Ele será chamado João.
61
Disseram-lhe:
— Mas você não tem nenhum parente com esse nome!
62 Fizeram sinais, perguntando ao pai do menino que nome queria que lhe dessem. 63 Então, pedindo
uma tabuinha, ele escreveu:
— O nome dele é João
E todos se admiraram. 64 Imediatamente a boca de Zacarias se abriu e a língua se soltou. Então
começou a falar, louvando a Deus. 65 Todos os vizinhos deles ficaram possuídos de temor, e essas
coisas foram divulgadas por toda a região montanhosa da Judeia. 66 Todos os que as ouviram
guardavam-nas no coração, dizendo:
— O que virá a ser este menino?
E a mão do Senhor estava com ele.
Ideia exegética
Após a alegria do nascimento, o nome que seria dado ao bebê gera uma tensão: será que
Zacarias será obediente? Zacarias obedece, sua língua se solta e ele louva a Deus. Todos ficam
admirados pensando o que o menino se tornaria.
Contexto literário
1.5-4.14 – Introdução: O precursor e o Rei
1.5-25 Antecedentes do nascimento de João
1.26-56 Antecedentes do nascimento de Jesus
1.26-38 O diálogo de Maria com o Anjo
1.39-45 O encontro de Maria e Isabel
1.46-56 Magnificat: O Cântico de Maria
1.57-80 O nascimento de João
1.57-66: Ele será chamado João
1.67-80: Benedictus: O Cântico de Zacarias
2.1-52 O nascimento e a infância de Jesus
2.1-7: Jesus nasce em um contexto de opressão
2.8-20: Os anjos anunciam aos pastores o nascimento de Jesus e todos louvam
2.21: A circuncisão de Jesus
2.22-24: Jesus é apresentado no templo
2.25-35: Simeão profetiza a respeito de Jesus
2.36-38: Ana fala sobre Jesus
2.39-40: Ainda bebê, Jesus cumpre toda a lei
2.41-52: Jesus vai ao templo com doze anos
3.1-20 Início do ministério de João Batista
3.21-4.13 Preparação de Jesus para o ministério
Contexto Canônico
Forma e Estrutura
Comentário
É difícil entender a importância dessa história estudando-a isoladamente. Este evento faz parte de
uma série de eventos relatados no início deste evangelho que culminam na encarnação da segunda
pessoa da trindade. Portanto, a maior importância dessa perícope é constatada pelo seu contexto
mais do que pelo texto em si. Assim ao ler ou estudar essa perícope, o leitor da bíblia deve vê-la em
relação ao paralelo entre a história de Jesus e a de João Batista e às outras perícopes que narram os
eventos relacionados ao nascimento de João Batista e a bênção de Zacarias e Isabel. Há também o
aspecto dessa história que relembra outras histórias do cânon, e este também não pode ser
ignorado pelo leitor.
O nascimento de João Batista foi prova de que Deus engrandeceu a sua misericórdia para com
Isabel. Ele foi motivo de alegria para vizinhos e parentes daquela “estranha” família (dois velhinhos
e um bebê).
Quando chegou o dia da circuncisão, o oitavo de vida do bebê, os colegas de Zacarias que serviam
no templo, parentes e outros amigos queriam que o bebê tivesse o mesmo nome que seu pai e
começaram a chamá-lo desta forma. Para eles isso era a coisa mais natural.
Quão comum era dar o nome do pai ao filho?
Isabel, entretanto, lembrou-se que o anjo de Deus havia dito qual seria o nome da criança e
começou a dizer a todos que ele se chamaria João, cujo significado é “pequeno” (conferir).
As pessoas não gostaram da escolha de Isabel, provavelmente acharam-na arbitrária e talvez até
mesm desrespeitosa para com seu marido. Tentaram argumentar com ela: “Ninguém na família de
vocês tem este nome” e, não a conseguindo convencer, decidiram apelar para o pai: “Ei, Zacarias,
como você quer que seja o nome de teu filho, este que foi um presente de Deus em sua velhice e
foi anunciado a você por um anjo? Você quer que o nome dele seja Zacarias, como você, ou João,
um nome que não tem nada a ver com a sua família?
Para espanto de todos, Zacarias simplesmente afirmou: O nome dele é João. Ou seja, sem margem
para decisão ou mudança, o nome dele já está escolhido e não deve ser mais motivo de discussão.
Esta decisão foi motivo de todos ficarem espantados.
Ao escrever o nome de seu filho e confirmar sua obediência e fé nas palavra do anjo, Zacarias teve
sua boca aberta e começou a louvar a Deus com o cântico da próxima perícope. O sue cântico foi
um cântico de louvor (bênção) a Deus.
Lucas termina essa perícope com uma conclusão destacando a reação do povo a tudo aquilo. Note
que ele poderia ter inserido o cântico antes dessas palavras, mas ele realmente quis terminar essa
perícope e colocar o cântico sozinho como outra pequena seção de seu livro.
Zacarias era um sacerdote. Ele era bastante conhecido de todas as pessoas. O que acontecia de
diferente em sua vida, portanto, era motivo de conversas por toda a região. E foi exatamente isso o
que aconteceu. Os fatos relacionados ao nascimento de João Batista passaram a ser discutidos em
todas as rodas. Lembre-se: Deus havia se calado durante muito tempo, seus atos miraculosos
aparentemente havia cessado e, de repente, uma senhora estéril e idosa, esposa do sacerdote, fica
miraculosamente grávida, após seu marido ter tido uma visão no santuário, que, aliás, o deixou
mudo. Depois de tudo isso a criança nasce, o casal coloca um nome que ninguém esperava e a boca
do sacerdote se abre em louvor a Deus.
Tudo isso foi motivo de temor, espanto e consideração por parte do povo: O que virá a ser essa
criança? É possível imaginar que algumas pessoas mais piedosas, por causa do padrão de Deus usar
de maneira especial os filhos concedidos a estéreis, pensaram, já nessa época, que João Batista
seria uma espécie de libertador de Israel, quem sabe o próprio Messias.
Todos perceberam que a criança era especial: a mão do Senhor estava com ele. (procurar esta
expressão em outras partes da Bíblia).
Teologia da Passagem
Teologia Sistemática: misericórdia de Deus, fidelidade de Deus; poder de Deus; Soberania de Deus:
Deus como o Senhor da história; Imanência de Deus: a preocupação com uma família, com seu
povo de Israel e ao mesmo tempo com todo o cosmos.
Teologia Bíblica: promessa e cumprimento (vários níveis e distâncias), a importância de João
Batista, como esta história relembra outras histórias bíblicas. Revelação: Progressiva, Histórica,
Orgânica e Adaptável. Teologia Sinótica: comparação entre os sinóticos. Teologia lucana. Uso
canônico posterior desta história.
Teologia Prática: esterilidade, sofrimento, falta de fé e confiança, louvor como resposta a Deus,
testemunho ao povo.
Aplicações práticas
Regra de fé: Deus faz uma promessa a essa família e cumpriu. Isso deve alimentar a nossa fé. Deus
fez uma promessa de uma voz no deserto e cumpriu. Deus prometeu abrir a boca de Zacarias e
cumpriu. Isabel foi exemplo de fé e Zacarias também. Estes eventos são preparatórios para a vinda
do Messias. Deus é aquele que faz com que a mulher estéril viva em família e seja alegre mãe de
filhos (Sl 113.9).
Regra de prática: Seriedade de Isabel e Zacarias quanto ao nome que Deus mandou colocar no
menino. Louvor de Zacarias.
Idéia homilética
Comentário:
O NASCIMENTO DE JOÃO BATISTA
1.57 Então para Elizabete (Isabel)
completou o tempo de ter ela
e deu a luz um filho.
58 E ouviram os vizinhos e os parentes dela
que o Senhor engrandeceu a misericórdia dele para com ela
e estiveram alegrando-se com ela.
A DECISÃO DO NOME DE JOÃO BATISTA
59 E aconteceu no dia oitavo
que veio circuncidar a criança
e chamaram ele pelo nome do pai dele, Zacarias.
60 E respondeu a mãe dele e disse:
"Não, mas será chamado João".
61 E disseram para ela:
"ninguém há do relacionamento teu o qual chama por este nome".
62 E estavam fazendo sinais para o pai dele como ele queria chamá-lo.
63 E pedido uma tábua de escrever, escreveu dizendo:
"João é o nome dele".
E ficaram maravilhados todos.
A BOCA DE ZACARIAS É ABERTA E ELE LOUVA A DEUS
64 Então foi aberta a boca dele imediatamente e a língua dele,
e falava bendizendo a Deus.
TEMOR E CURSIOSIDADE VIERAM SOBRE O POVO
65 E veio sobre todos eles que estavam na vizinhança temor,
e em toda a região montanhosa da Judéia estavam sendo discutidas as palavras estas,
66 e colocaram todos os que ouviram no coração deles dizendo:
"O que, então, a criança esta será?"
Pois a mão do Senhor estava com ele.