04.05.2023 Views

001 - Lucas Comentario - Copia

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Endossos

Comentário do Evangelho Segundo Lucas:

Uma abordagem pastoral, teológica e literária ao evangelho dos marginalizados – Lucas 1.1–9.50

Abreviações

AT

NT

BDAG

DTNT

Sumário

Prefácio (escolher alguém)


Lucas 1.1-4 – Prefácio: Lucas informa o contexto, o método, o destinatário e o

objetivo de sua obra.

Tradução Literal

1 Visto que muitos se propuseram a colocar em ordem uma narrativa 1 acerca das coisas que foram

cumpridas e cujos efeitos se fazem presentes 2 (Particípio Passivo Perfeito, uso atributivo) entre nós,

2 conforme confiaram 3 a nós “aqueles que desde o princípio [foram] testemunhas oculares 4 e

ministros se tornaram da palavra” 5 , 3 pareceu bem também a mim – seguindo o curso de eventos

atentamente 6 desde o começo, de tudo, acuradamente, em ordem – a ti escrever, nobilíssimo

Teófilo, 4 a fim de que reconheças 7 daquilo que foste instruído das palavras, a certeza.

Ideia Exegética

Lucas apresenta a sua obra para uma audiência gentílica educada com o objetivo de dar

certeza da veracidade dos fatos que envolvem a Pessoa que ele apresenta.

1

O dicionário BDAG apresenta a seguinte definição para διήγησιν “uma descrição organizada dos fatos, eventos, ações

ou palavras”

2

Essa tradução um tanto estranha reflete o uso atributivo do Particípio Passivo Perfeito: πεπληροφορημένων

3

O verbo indicativo aoristo ativo παρέδοσαν de παραδίδωμι tem, em diversas ocorrências, um significado semitécnico,

apontando para a tradição (“παράδοσις”) apostólica transmitida de uma geração para a outra (1Co 11.2, 23;

15.3; 2Pe 2.21; Jd 3)

4

“Deveríamos notar que o termo grego usado no v. 2 para ‘testemunhas oculares’ (autoptai) não tem significado

forense e, nesse sentido, a palavra ‘testemunhas oculares’, com sua conotação de uma metáfora de tribunais, é um

pouco desnorteante. Os autoptai são simplesmente observadores de primeira mão dos acontecimentos”. Richard

Bauckham. Jesus e as Testemunhas Oculares: Os Evangelhos como testemunhos de testemunhas oculares. São Paulo:

Paulus, 2011, p. 154.

5

A expressão grega “οἱ ἀπʼ ἀρχῆς αὐτόπται καὶ ὑπηρέται γενόμενοι τοῦ λόγου” aponta para um mesmo grupo de

pessoas.

6

A expressão “seguir o curso de eventos atentamente” aqui traduz o Particípio Perfeito Ativo παρηκολουθηκότι. Esse

verbo têm diversas acepções: “(1) estar associado com alguém que é visto como uma figura de autoridade, seguir” [...];

(2) auxiliar, seguir, acompanhar, cuidar [...]; (3) conformar-se ‘a crença ou prática de alguém ao prestar atenção

cuidadosa, seguir fielmente, seguir como uma regra [...] e (4) prestar atenção cuidadosa a alguma coisa em um

seguimento de tempo, seguir uma coisa, seguir [...]”. BDAG, 767.

7

Esse aoristo aponta para um reconhecimento completo após o qual não há mais incerteza.


Contexto Literário (Conexões em Lucas-Atos)

O contexto literário do prefácio (ou prólogo) de uma obra é toda a obra, evidentemente. Um

lembrete importante aqui, no entanto, diz respeito ao fato de que a obra é Lucas-Atos. Assim, o

prefácio do evangelho não introduz somente o primeiro volume da obra lucana, mas ambos. 8

Contexto Canônico

A ligação canônica mais evidente deste prólogo encontra-se no prólogo de Atos (At 1.1-2),

que faz referência específica ao livro de Lucas. Considerando que este é um dos textos bíblicos que

melhor aborda o método de escrita do autor, inclusive citando pesquisa em fontes escritas e orais, e

a veracidade do seu escrito, o texto também estabelece uma relação canônica com textos que falam

sobre a inspiração e inerrância das Escrituras. 9

Forma e Estrutura

Esse texto é um prefácio (proêmio, prólogo). Um prefácio é um texto que vem antes do texto

propriamente dito, uma introdução. Charles Talbert afirma que um prefácio greco-romano tem

normalmente sete características: (1) uma fala sobre os escritores que precederam o atual; (2) o

assunto que será tratado; (3) as qualificações do autor; (4) uma afirmação sobre o plano, uma espécie

de índice; (5) um comentário sobre o propósito do escrito; (6) o nome do autor e (7) o destinatário

que receberá o escrito em caráter oficial. 10 De todas essas características, a única não encontrada em

nosso texto é o nome do autor. O estudo da forma do prefácio lucano tem gerado importantes obras

como a de Loveday Alexander. 11

8

Cf., por exemplo, François Bovon and Helmut Koester, Luke 1: A Commentary on the Gospel of Luke 1:1–9:50

(Hermeneia—a Critical and Historical Commentary on the Bible; Minneapolis, MN: Fortress Press, 2002), 17-18. Stein

defende uma posição um pouco diferente: “Como resultado, o prólogo serve primariamente como uma introdução ao

evangelho de Lucas. Ainda assim, quando Lucas escreveu o seu evangelho, ele já tinha em mente a segunda parte de

sua obra: Atos”. Robert H. Stein, Luke (vol. 24; The New American Commentary; Nashville: Broadman & Holman

Publishers, 1992), 62.

9

Para citar apenas alguns, segue uma lista resumida Sl 19; 119; Pv 30.5; Jo 14.26; 21.25; Cl 4.16; 1Ts 2.13; 2Tm 2.2;

3.16-17; 2Pe 1.20-21; 3.15-16.

10

Talbert Charles H. Reading Luke: A Literary and Theological Commentary. Rev. ed Rev. ed. Smyth & Helwys Pub 2002,

p. 7-11.

11

Alexander Loveday. The Preface to Luke's Gospel: Literary Convention and Social Context in Luke 1.1-4 and Acts 1.1.

1st pbk. version ed. Cambridge University Press 2005.


Quanto à estrutura, temos nesse prefácio uma sentença condicional formando um

paralelismo imperfeito escrito com magistral domínio da língua grega, tanto em seu vocabulário,

quanto em sua sintaxe mais rebuscada. Por imperfeito, referimo-nos ao fato de que um dos

elementos encontrados na primeira metade (prótase) não encontra correspondente na segunda

metade (apódose), mas Lucas fez isso de propósito, por querer colocar ênfase nessa informação. 12

Prótase (v. 1-2) Apódose (v. 3-4)

Decisão de escrever 1 Visto que muitos se propuseram 3 pareceu bem também a mim

Método de escrita a colocar em ordem uma narrativa – seguindo o curso de eventos atentamente

desde o começo, de tudo, acuradamente –

Conteúdo

acerca das coisas que foram cumpridas e

cujos efeitos se fazem presentes entre nós,

Audiência 2 conforme confiaram a nós a ti escrever, nobilíssimo Teófilo,

Propósito

“aqueles que desde o princípio [foram] 4 a fim de que reconheças daquilo que foste

testemunhas oculares e ministros se instruído das palavras, a certeza.

tornaram da palavra”,

A qualidade literária desse prefácio é tão grande, que François Bovon e Helmut Koester, talvez

com um pouco de exagero, dizem “É também o caso de que 1.1-4 é quase bem demais para ser

verdade [...] Claramente, essa sentença é o resultado de uma construção deliberada e nenhum outro

autor do Novo Testamento escreveu com tamanha dignidade”. 13

Comentário

O prólogo de Lucas tem o objetivo de assegurar a veracidade de Lucas-Atos para uma

audiência exigente. 14 O texto tem a estrutura de uma sentença condicional e, como vimos na

12

“Do ponto de vista literário, o prefácio de Lucas é construído de uma forma muito polida. É um único período,

harmonioso e balanceado, estruturado com maestria de acordo com as regras da retórica antiga. Não é difícil entender

os elementos constituintes do prefácio: as circunstâncias da obra, seu conteúdo, suas referências ou fontes, a decisão

autorial, a pesquisa empreendida, a escrita em si, a dedicatória e o propósito da obra”. Matteo Crimella. "“That You

May Know”. The Preface to Luke’s Gospel (Lk 1:1–4)." Biblica Et Patristica Thoruniensia 13.4 (2020): 365

13

François Bovon and Helmut Koester, Luke 1: A Commentary on the Gospel of Luke 1:1–9:50 (Hermeneia—a Critical

and Historical Commentary on the Bible; Minneapolis, MN: Fortress Press, 2002), 17.

14

Edwards aponta outra característica interessante do prólogo: “Diferente dos outros, Lucas começa não com o

evangelho, mas com uma descrição da tarefa hermenêutica diante dele. Seu evangelho é enraizado em testemunho de

testemunhas oculares e fontes escritas prévias, e ele identifica o recipiente do evangelho por nome “excelentíssimo


estrutura, funciona como um paralelismo quase perfeito. Na primeira metade, versículos 1-2, Lucas

fala sobre a decisão que outros tiveram de escrever a história de Jesus. Na segunda metade, ele fala

sobre a sua própria decisão de escrever a sua obra. O prólogo introduz tanto o evangelho quanto o

livro de Atos dos Apóstolos, mas, de maneira mais direta o evangelho.

Levando em consideração a forma, o vocabulário e o estilo semelhante com outras obras

clássicas, esse prólogo do evangelho de Lucas tem sido considerado uma das porções mais bem

escritas do Novo Testamento. Nas palavras de Marshall, “O prefácio é escrito em excelente grego,

com uma estrutura de frase altamente elaborada, e apresenta-se em contraste com o estilo adotado

na narrativa seguinte. Ele reivindica um lugar para o evangelho como obra de literatura, digna de

uma audiência instruída”. 15 Marshall vai adiante ao dizer que esse tipo de escrita faz com que Lucas

coloque o Cristianismo no palco da história mundial. Lucas quer ser ouvido pelo mundo não cristão. 16

1 Ἐπειδήπερ πολλοὶ ἐπεχείρησαν ἀνατάξασθαι διήγησιν περὶ τῶν πεπληροφορημένων ἐν ἡμῖν

πραγμάτων (1 Visto que muitos se propuseram a colocar em ordem uma narrativa acerca das coisas

que foram cumpridas e cujos efeitos se fazem presentes entre nós):

Lucas começa a sua obra com uma palavra incomum que aparece somente aqui tanto no NT

quanto na LXX. Ἐπειδήπερ é uma forma intensificada da expressão ἐπειδή (Lc 7.1; 11.6; At 13.46;

14.12; 15.24; 1Co 1.21-22; 14.16; 15.21; Fp 2.26) e é uma marca de causa ou razão, ‘assim como,

Teófilo” (v. 3). Toda proclamação significativa do evangelho exige um intérprete, e Lucas funciona como uma ponte

hermenêutica entre suas fontes e sua audiência”. James R. Edwards, The Gospel according to Luke (ed. D. A. Carson;

The Pillar New Testament Commentary; Grand Rapids, MI; Cambridge, U.K.; Nottingham, England: William B. Eerdmans

Publishing Company; Apollos, 2015), 23. Outro autor, abordando a razão de ser do prólogo, afirma: “Mediante o

prólogo, Lucas formula o seu projeto literário e informa sua ética e técnica de historiador”. Andrés García Serrano, “Del

relato a la historia en los cuatro primeros capítulos de Lucas,” Estudios Bíblicos 78.1 (2020), p. 67-98, p. 75.

15

I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: A Commentary on the Greek Text (New International Greek Testament

Commentary; Exeter: Paternoster Press, 1978), 39–40. Marshall continua essa citação dizendo que “Embora o livro seja

endereçado para um leitor, Teófilo, ele é evidentemente o patrono literário de Lucas, e embora deva permanecer

duvidoso se um livro foi escrito para o mercado literário, ele foi feito para circular de maneira ampla. Lucas adotou as

convenções literárias do seu tempo, mas a obra resultante é uma expressão de sua própria personalidade e propósito.

Nós não devemos, portanto, interpretar suas afirmações de uma maneira muito convencional, como se o que ele disse

tenha sido ditado puramente por estilo e vocabulário de seus modelos literários. Ele está mais preocupado em

transmitir uma tradição do que em seu um littérateur”.

16

I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: A Commentary on the Greek Text (New International Greek Testament

Commentary; Exeter: Paternoster Press, 1978), 40. Sobre isso, Fitzmyer comenta: “O terceiro evangelho desde o início

demonstra a intenção do autor de relacionar a sua obra conscientemente à literatura contemporânea do mundo Greco-

Romano”. Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX: Introduction, Translation, and Notes (vol. 28; Anchor

Yale Bible; New Haven; London: Yale University Press, 2008), 287.


visto que’ (BDAG, 360). Aqui, a palavra é usada de maneira causal, não como uma concessão. 17 Ou

seja, o fato de que muitos escreveram sobre a história de Jesus, motivou e deu condições a Lucas de

também escrever uma biografia bastante precisa e abrangente.

Lucas diz que “muitos se propuseram a colocar em ordem uma narrativa”. A palavra que

traduzimos como “se propuseram” é ἐπεχείρησαν (At 9.29; 19.13) que literalmente significa colocar

a mão [para fazer] e que tem tanto a acepção de empreender quanto de tentar. A discussão que se

esconde atrás da escolha da acepção que Lucas pretendeu, diz respeito à visão que Lucas tinha da

obra que esses muitos (πολλοὶ) produziram. Será que para Lucas eles tentaram produzir um relato,

mas sem tanto sucesso e por isso ele viu a necessidade de escrever um novo relato? 18 Ou

simplesmente Lucas considera que eles empreenderam suas obras e que ele está, em certo sentido,

seguindo os passos de seus antecessores literários nessa difícil tarefa? 19 Creio que a segunda opção

é a melhor, ainda que devamos entender que Lucas defende a utilidade e necessidade de sua própria

produção. Bock também aponta para o fato de que Lucas não julga os demais escritos como sem

qualidade, mas a própria abrangência de sua obra incluindo Atos, a candidata como única. 20

A palavra ἀνατάξασθαι é uma hápax legómenon. Ela significa organizar em série, compilar,

arranjar e, aqui, “implica o uso de material tradicional e, como o contexto indica, com ênfase em uma

sequência organizada” (BDAG, 73). Qual foi o resultado desse trabalho que muitos tiveram de colocar

fatos em ordem? O nosso autor define as obras anteriores como sendo διήγησιν. Também uma hápax

no NT, essa palavra significa “uma descrição organizada de fatos, eventos, ações ou palavras,

narrativa, relato” (BDAG, 245). Ao usar essas duas palavras para se referir aos relatos que o

antecederam, Lucas atribui a eles a qualidade de organização e escrita responsável.

A próxima expressão, não encontra paralelo na segunda parte, na qual Lucas fala de sua

decisão e método de escrita. Dessa forma, podemos considerar que essa expressão é transportada

17

I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: A Commentary on the Greek Text (New International Greek Testament

Commentary; Exeter: Paternoster Press, 1978), 40–41.

18

“Por implicação, ele terá sucesso, onde outros somente tentaram (e, portanto, falharam)”. John T. Carroll, Luke: A

Commentary (ed. C. Clifton Black and M. Eugene Boring; First Edition.; The New Testament Library; Louisville, KY:

Westminster John Knox Press, 2012), 19. Outros representantes dessa posição são Joseph A. Fitzmyer, The Gospel

according to Luke I–IX: Introduction, Translation, and Notes (vol. 28; Anchor Yale Bible; New Haven; London: Yale

University Press, 2008), 291–292; François Bovon and Helmut Koester, Luke 1: A Commentary on the Gospel of Luke

1:1–9:50 (Hermeneia—a Critical and Historical Commentary on the Bible; Minneapolis, MN: Fortress Press, 2002), 17–

19.

19

I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: A Commentary on the Greek Text (New International Greek Testament

Commentary; Exeter: Paternoster Press, 1978), 41.

20

Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Baker

Academic, 1994), 55–56.


para a segunda parte do texto, como uma espécie de zeugma. 21 Isso faz com essa construção seja a

mais importante de todo esse texto. Ela se refere ao conteúdo do que outros escreveram

cuidadosamente e daquilo que Lucas também decidiu escrever. Este conteúdo são “as coisas que

foram cumpridas e cujos efeitos se fazem presentes entre nós” (πεπληροφορημένων). Essa palavra

está em uma forma verbal (particípio perfeito passivo) que implica em algo ocorrido anteriormente,

mas cujos resultados ainda se fazem presentes. Além disso, sendo um tempo verbal mais incomum,

Lucas está atraindo ênfase à palavra, que, aliás, é um termo importantíssimo em Lucas-Atos.

As palavras da raiz “πληροω” (pleróo) tem um status semi-técnico em Lucas-Atos. As palavras

desta raiz aparecem 31 vezes em Atos dos Apóstolos e 30 vezes em Lucas, sendo os dois livros

neotestamentários com mais ocorrências das mesmas. O uso dessa expressão é um dos aspectos que

torna Lucas o evangelista mais consciente da história da redenção como um todo incluindo uma vinda

não-iminente. Assim, as palavras da raiz “πληροω” (pleróo) em Lucas tem em diversas ocorrências a

ideia de que algo anteriormente revelado do plano de Deus agora está se cumprindo (Lc 1.20; 4.21;

7.1; 9.31; 9.51; 21.24; 22.16; 24.44; At 1.16; 2.1; 3.18; 7.30; 12.25; 13.27, 33; 19.21 e 21.26). 22

A palavra que traduzimos por “coisas” (πραγμάτων) é a última palavra deste versículo em

grego. É a palavra πρᾶγμα (pragma). As acepções dessa palavra são “1. Aquilo que é feito ou

acontece, feito, coisa, evento, ocorrência, assunto [...]; 2. Aquilo que deve ser feito,

empreendimento, ocupação, tarefa [...]; 3. Questão ou preocupação de qualquer tipo, coisa, assunto,

caso [...]; 4. Uma questão de discussão, disputa ou processo jurídico [...]” (BDAG, 858-859). Optamos

em nossa tradução por uma acepção mais simples.

Falando em termos teológicos, a informação desse primeiro versículo é que Deus (o agente

da passiva de πεπληροφορημένων) providenciou que os eventos relacionados a Jesus acontecessem

em cumprimento às antigas promessas e ao plano que o próprio Deus estabeleceu na eternidade e

muitos escritores escreveram relatos organizados sobre tais eventos.

2 καθὼς παρέδοσαν ἡμῖν οἱ ἀπʼ ἀρχῆς αὐτόπται καὶ ὑπηρέται γενόμενοι τοῦ λόγου, (2 conforme

confiaram a nós aqueles que desde o princípio [foram] testemunhas oculares e ministros se tornaram

da palavra,)

21

Figura de linguagem sintática semelhante à elipse, em que uma ideia já referida no contexto é subentendida.

22

Cf. por exemplo Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand

Rapids, MI: Baker Academic, 1994), 56–57.


Lucas não foi uma testemunha ocular dos eventos registrados no evangelho. Ele é um cristão

de segunda geração que leu relatos sobre Jesus e ouviu cristãos da primeira geração falarem sobre

Jesus. Neste versículo, Lucas mostra que esse processo de transmissão das verdades acerca de Jesus

foi bastante cuidadoso. O verbo παρέδοσαν (parédosan) de παραδίδωμι (paradídomi) tem no Novo

Testamento um significado semi-técnico de transmissão do ensino apostólico (por vezes chamado de

tradições [παράδοσις]). 23 Ela significa “transmitir algo em que uma pessoa tem um forte interesse

pessoal, entregar, dar, confiar” (BDAG, p. 761).

A quem Lucas se refere quando fala daqueles “que desde o princípio foram deles testemunhas

oculares e ministros da palavra”? Ele está falando somente de um grupo (as testemunhas oculares

que tornarem-se ministros posteriormente) ou de dois (o grupo de testemunhas oculares e o grupo

de ministros da palavra)? 24 O fato de que no grego temos somente um artigo definido (οἱ) para

qualificar as duas expressões, testemunhas oculares (αὐτόπται) e ministros (καὶ ὑπηρέται) sugere

que Lucas está se referindo a um grupo de pessoas.

Este grupo ao qual Lucas se refere é composto especificamente dos apóstolos ou refere-se a

um grupo maior do que o colégio apostólico? Em sua ótima obra Jesus e as testemunhas oculares,

Richard Bauckham defende que estes não eram somente os doze, mas um grupo específico de

testemunhas, com os doze como principais fontes, que garantia a confiabilidade da tradição a

respeito de Jesus:

De importância crucial para toda a tese deste livro é o papel de autores e transmissores individuais

das tradições de Jesus. Propusemos que as tradições originaram-se de e foram formuladas por

testemunhas oculares nominadas, em cujo nome elas eram transmitidas, e que permaneceram os

garantes vivos e ativos das tradições. Nas comunidades cristãs locais que não incluíam testemunhas

oculares entre seus membros, provavelmente seriam reconhecidos mestres que funcionavam como

transmissores autorizados das tradições que eles haviam recebido das testemunhas oculares, seja

diretamente, seja mediante muito poucos intermediários (autorizados). 25

23

Alguns desses usos mais técnicos de παραδίδωμι podem ser conferidos em At 16.4; Rm 6.17; 1Co 11.2, 23; 15.3.

24

Veja boa apresentação dessa discussão em Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX: Introduction,

Translation, and Notes (vol. 28; Anchor Yale Bible; New Haven; London: Yale University Press, 2008), 294.

25

Richard Bauckham. Jesus e as Testemunhas Oculares: Os Evangelhos como testemunhos de testemunhas oculares.

São Paulo: Paulus, 2011, p. 371. Sobre esse grupo, Bock diz: “Um grupo é referido à medida em que funcionaram em

dois estágios na história da Igreja: eles viram e, então, eles reportaram”. Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker

Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Baker Academic, 1994), 58.


Assim, Lucas deixa claro nesse versículo que as informações contidas em seu evangelho são

totalmente confiáveis, baseadas nos princípios mais seguros tanto de senso comum quanto

historiográficos. As fontes de Lucas são apropriadas e oficiais: pessoas que participaram daqueles

eventos desde o princípio e que foram reconhecidas pela igreja como canais oficiais para transmissão

da tradição a respeito de Jesus. 26 Por meio dessa pesquisa séria e criteriosa é que Lucas quer

convencer Teófilo da certeza dos fatos registrados em sua obra. É digno de nota também, como

comentam Bovon e Koester, que Lucas faz isso sem se utilizar de linguagem declaradamente religiosa,

de forma a não “assustar” a sua audiência. 27

3 ἔδοξεν κἀμοὶ παρηκολουθηκότι ἄνωθεν πᾶσιν ἀκριβῶς καθεξῆς σοι γράψαι, κράτιστε Θεόφιλε,

(3 pareceu bem também a mim – seguindo o curso de eventos atentamente 28 desde o começo, de

tudo, acuradamente, em ordem – a ti escrever, nobilíssimo Teófilo,).

Assim como outros tomaram a decisão de registrar da melhor maneira que conseguiram

eventos e palavras relacionados a Jesus, Lucas também tomou a mesma decisão. O escrito de Lucas,

no entanto, é marcado por algumas características peculiares: (1) No versículo anterior, Lucas deixou

claro que as fontes do seu evangelho são testemunhas oculares e pessoas reconhecidas como fontes

autorizadas e confiáveis de informações a respeito de Jesus. (2) No versículo 1, Lucas também havia

deixado claro que conhecia diversas outras obras escritas com o mesmo objetivo que o seu. Neste

26

“A noção de que as principais testemunhas dos acontecimentos da vida, morte e ressurreição de Jesus deviam ser os

que haviam estado com ele ‘desde o princípio’ – uma ideia que vimos ser comum a Lucas [Lc 3.23; 23.5; At 1.1; 21-22;

10.36-42] e a João [2.11; 10.37; 15.26-27] e, portanto, provavelmente, remontar à tradição cristã primitiva por trás desses

dois autores – era, presumivelmente, em primeiro lugar, uma concepção de senso comum, e não uma noção

historiográfica precisa. Contudo, Lucas certamente, apreciava o modo como tal ideia coincidia com o princípio

historiográfico de escolher o ponto de partida apropriado para uma história e também com a importância da “autopsia”,

o testemunho daqueles que podiam falar a partir da experiência de primeira mão dos acontecimentos. As principais

fontes de testemunhas oculares de sua obra estavam aptas para oferecer um relato abrangente doa acontecimentos

‘desde o princípio’”. Richard Bauckham. Jesus e as Testemunhas Oculares: Os Evangelhos como testemunhos de

testemunhas oculares. São Paulo: Paulus, 2011, p. 161.

27

“Assim como Lucas aludiu aos eventos salvíficos no v. 1 sem nomear Deus e Cristo, ele se refere aqui aos apóstolos e

testemunhas sem usar os seus respectivos termos, provavelmente para evitar alienar leitores não cristãos e

desencorajá-los com linguagem sectária”. François Bovon and Helmut Koester, Luke 1: A Commentary on the Gospel of

Luke 1:1–9:50 (Hermeneia—a Critical and Historical Commentary on the Bible; Minneapolis, MN: Fortress Press, 2002),

21.

28

A expressão “seguir o curso de eventos atentamente” aqui traduz o Particípio Perfeito Ativo παρηκολουθηκότι. Esse

verbo têm diversas acepções: “(1) estar associado com alguém que é visto como uma figura de autoridade, seguir” [...];

(2) auxiliar, seguir, acompanhar, cuidar [...]; (3) conformar-se ‘a crença ou prática de alguém ao prestar atenção

cuidadosa, seguir fielmente, seguir como uma regra [...] e (4) prestar atenção cuidadosa a alguma coisa em um

seguimento de tempo, seguir uma coisa, seguir [...]”. BDAG, 767.


versículo, Lucas defende a qualidade de sua obra ao afirmar que (3) fez um trabalho sério de seguir

cuidadosamente o curso de eventos (παρηκολουθηκότι) desde o começo (ἄνωθεν) e de tudo (πᾶσιν),

ou seja, o evangelho escrito por Lucas foi criteriosamente pesquisado e é abrangente em sua

abordagem desde os primórdios da história de Jesus até seus resultados. Sobre essa abrangência,

Bock diz: “De fato, o relato começa no início e é abrangente. A contribuição de Lucas não é

significativa apenas por causa do seu trabalho cuidadoso, mas também porque somente ele escreve

uma sequência, Atos, ligando o cumprimento em Jesus à Igreja”. 29

Outra característica da obra lucana é (4) que ele escreveu cuidadosamente (ἀκριβῶς). A

palavra utilizada por Lucas aqui significa “em estrita conformidade com o padrão ou a norma, com

foco em uma atenção cuidadosa; acuradamente, cuidadosamente, bem” (BDAG, p. 39). Uma última

característica da escrita de Lucas é que ele (5) compôs um relato em ordem. A palavra escolhida por

Lucas foi καθεξῆς, que aponta para “estar em sequência em tempo, espaço ou lógica, um depois do

outro” (BDAG, p. 490). Note que palavra, que também aparece em Lc 8.1; At 3.24; 11.4 e 18.23,

simplesmente aponta para ordem, sem se referir necessariamente a ordem cronológica. 30 Assim

como era comum na historiografia greco-romana, é provável que Lucas esteja implicando uma ordem

lógica, ou seja, a ordem que melhor se adequaria aos seus objetivos para apresentação biográfica de

Jesus, do que para uma ordem estritamente cronológica. Em suma, a obra escrita por Lucas é

confiável, bem pesquisada, abrangente, cuidadosamente escrita e organizada. 31

29

Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Baker

Academic, 1994), 53–54.

30

Sobre isso Liefeld comenta: “Não é possível determinar a partir desse prefácio somente se Lucas está se referindo a

ordem cronológica ou a uma ordem temática. Ele não reivindica especificamente ter almejado uma sequência

cronológica. Talvez, ele tenha seguido uma ordem encontrada em suas fontes. [...] Ou pode ter reorganizado suas

fontes de acordo com outro padrão. Analisado sozinho, o prólogo não é conclusivo quanto essas possibilidades. De

qualquer forma, Lucas pretendeu reivindicar ter trabalhado de uma forma organizada de maneira a inspirar confiança

em seus ouvintes. Walter L. Liefeld, “Luke,” in The Expositor’s Bible Commentary: Matthew, Mark, Luke (ed. Frank E.

Gaebelein; vol. 8; Grand Rapids, MI: Zondervan Publishing House, 1984), 8822.

31

Fitzmyer apresenta uma abordagem um pouco diferente: Três qualidades são reivindicadas para a sua investigação:

completitude, acuidade e meticulosidade (“desde o início”); e outra para a sua composição: ordem (“sistematicamente”).

Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX: Introduction, Translation, and Notes (vol. 28; Anchor Yale Bible;

New Haven; London: Yale University Press, 2008), 289. Joel Green, erradamente, em uma clássica dicotomia causada por

métodos críticos, afirma que Lucas não está tão interessado em convencer Teófilo da veracidade histórica dos eventos,

mas está interessado em apresentar o significado e significância dos eventos a fim de encorajar fé ativa. Joel B. Green,

The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans

Publishing Co., 1997), 36. Bem contrário a essa posição assumida por Green, Edwards diz: “O evangelho de Lucas não é

um testemunho de suas ideias, nem mesmo de sua fé. Ele narra eventos que se cumpriram entre nós, isto é, os atos

concretos e salvíficos de Deus que foram cumpridos em Jesus Cristo”. James R. Edwards, The Gospel according to Luke

(ed. D. A. Carson; The Pillar New Testament Commentary; Grand Rapids, MI; Cambridge, U.K.; Nottingham, England:

William B. Eerdmans Publishing Company; Apollos, 2015), 24. Craig Evans, a partir da ênfase histórica de Lucas, deduz:

“A ênfase histórica no prefácio de Lucas pode ter sido projetada como uma polêmica contra uma tendência gnóstica de


Antes de passar para a última parte de seu prefácio, onde Lucas mostra o objetivo de sua

obra, o evangelista cita o nome do destinatário primário dessa obra e possivelmente o homem

responsável por financiar a sua publicação: nobilíssimo Teófilo (κράτιστε Θεόφιλε). A palavra

utilizada por Lucas para qualificar Teófilo é “uma forma de tratamento honorária fortemente

afirmativa, nobilíssimo, excelentíssimo” (BDAG, p. 565). É uma forma de tratamento utilizada

especialmente para pessoas em posição de governo (cf. At 23.26; 24.2-3; 26.25). Assim, embora o

nome Teófilo signifique “amigo de Deus”, tudo indica que Lucas realmente endereçou o seu

evangelho para uma pessoa específica, que detinha posição de governo e, portanto, honra e

condições financeiras, e que poderia, por meio de investimento, ajudar Lucas a tornar a obra

acessível para mais pessoas. Mas também havia um objetivo específico para a obra em relação a

Teófilo, exposto no próximo versículo.

4 ἵνα ἐπιγνῷς περὶ ὧν κατηχήθης λόγων τὴν ἀσφάλειαν. (4 a fim de que reconheças daquilo que

foste instruído das palavras, a certeza.)

Na última parte do prefácio de Lucas temos uma declaração do objetivo de seu evangelho. De

alguma forma que não podemos precisar, Teófilo havia sido exposto às verdades da fé cristã, ele fora

instruído (κατηχήθης). A palavra grega utilizada por Lucas é a mesma de onde vem o conceito de

catequese, ensino religioso. Não dá para ter certeza de Lucas está utilizando termo em sua acepção

comum de informação, relatório, ensino, instrução ou se ele está fazendo o use técnico que

posteriormente ficou tão comum na igreja. 32 Teófilo ficou sabendo sobre o cristianismo de maneira

fortuita ou foi instruído como um catecúmeno, mas ainda estava sem certeza a respeito das verdades

do evangelho? Não é possível responder essa pergunta com certeza e é possível que a verdade esteja

em algum lugar entre essas duas posições. O fato, no entanto, é que Teófilo tivera algum tipo de

contato com as verdades acerca de Cristo, mas por algum motivo não estava totalmente seguro a

respeito delas e Lucas escreve para prover a Teófilo evidências a fim de que ele reconheça (ἐπιγνῷς)

a certeza e veracidade (ἀσφάλειαν) daqueles fatos e de seu significado.

minimizar a importância do Jesus real, histórico, terreno. Craig A. Evans, Luke (Understanding the Bible Commentary

Series; Grand Rapids, MI: Baker Books, 1990), 19.

32

Baseado em Atos 11.4 e na obra de Martin Völkel, Tannehill acredita que a palavra καθεξῆς é utilizada com o

significado de apresentar uma narrativa persuasiva a fim de convencer a audiência de algo.


Teologia da Passagem

Teologia Sistemática: Prolegômenos à Teologia. Humanidade da Bíblia.

Teologia Bíblica: revelação acontece na história e nós a acessamos por meio da revelação escrita. O

que vale para nós, portanto, como lócus da revelação é a palavra escrita e não o evento histórico. A

manipulação do autor do evento histórico atinge seus objetivos com relação àquele escrito. Ainda

assim, devemos afirmar que este autor (e os demais) nunca burlam a história a fim de atingir seus

objetivos. Revelação como progressiva, histórica, orgânica e adaptável. 33

Teologia Prática: devemos crer na Bíblia como documento histórico confiável (além de ser palavra de

Deus)

Aplicações Práticas

Regra de fé: os eventos relatados no evangelho são comprováveis; o método de escrita do evangelho

é histórico e confiável.

Regra de prática: ter certeza das verdades bíblicas; anunciar o evangelho assim como Lucas e

discipular aqueles que precisam de certeza do que aprenderam.

Transformando em Sermão

Darrell Bock sugere que o esboço exegético básico de Lucas 1.1-4 pode ser descrito assim: 34

(1) Os precedentes (1.1-2)

(a) A existência de outros relatos (1.1)

(b) A fonte dos relatos: testemunhas oculares apostólicas (1.2)

(2) A Contribuição de Lucas (1.3-4)

(a) O método de composição de Lucas (1.3)

33

VOS, Geerhardus. Biblical Theology: Old and New Testaments. Eugene: Wipf and Stock, 2003, p. 5 et seq. Disponível

em: < https://books.google.com.br/books?id=dHevCwAAQBAJ> GRONINGEN, Gerard Van. Revelação messiânica no

Antigo Testamento. Campinas: LPC, 1995, p. 59-60.

34

Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Baker

Academic, 1994), 54.


(b) O propósito da composição de Lucas (1.4)

Evidentemente, o esboço acima pode ser transformado em um esboço de sermão colocando

títulos mais acessíveis para cada sessão. Ainda assim, creio que podemos fazer uma abordagem mais

expositivo-temática que possivelmente seja mais agradável aos ouvintes. Segue uma sugestão:

(1) O Cristianismo é baseado em história: relatos, testemunhas oculares confiáveis

(2) O Cristianismo é baseado no cumprimento das profecias

(3) O Cristianismo não tem que temer pessoas cultas e ricas: qualidade estilística do prefácio,

Teófilo

(4) O Cristianismo não é uma questão de mera opinião: plena certeza

(5) O Cristianismo deve ser propagado: O que Lucas está fazendo ao escrever


Primeiro Ato

O Arauto e o Rei (Lucas 1.5—4.14): A Narrativa da Infância e a

Preparação Para o Ministério

O Dicionário Cambridge define um arauto como “um sinal de que algo está para acontecer,

mudar, etc. e, no passado, uma pessoa que levava mensagens importantes e fazia anúncios”. 35 Entre

outras funções, um arauto na antiguidade, anunciava que um rei estava para visitar determinada

região. É nesse sentido que João Batista se encaixa perfeitamente nessa posição. Ele foi profetizado,

escolhido e apontado como aquele que anunciaria a vinda do Messias Jesus, a voz que clama no

deserto conclamando que os caminhos pelos quais o rei passaria fossem preparados para a sua

gloriosa vinda. Junto com João, Lucas é o evangelista que mais destaca o ministério de João Batista,

criando um belíssimo paralelismo entre ele e Jesus Cristo nos primeiros quatro capítulos do seu

evangelho.

Andrés García Serrano, depois de apresentar uma tabela com os paralelos específicos entre

João Batista e Jesus, demonstra como o paralelo, ou repetição, ou seja, a justaposição de dois

personagens com o fim de compará-los entre si, era uma marca da historiografia da época, conforme

visto em Plutarco e Flávio Josefo, por exemplo. 36

Outra marca dessa sessão que estamos nomeando de “O Arauto e o Rei” (Lucas 1.5—4.14),

são as introduções históricas de Lucas em 1.5; 2.1-3 e 3.1-2 (cf. tb. 3.18-20). Em cada uma dessas

aberturas, Lucas ambienta a história que está narrando no contexto político de sua época. Ao fazêlo,

Lucas demonstra que a história que ele está narrando aconteceu no cenário da história mundial,

é um evento de suma importância e, ao apresentar certa semelhança com as aberturas dos livros

proféticos do Antigo Testamento, reivindica autoridade divina para João Batista e para Jesus, e

autoridade de Escritura para o evangelho de Lucas.

35

https://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles/herald

36

Andrés García Serrano, “Del relato a la historia en los cuatro primeros capítulos de Lucas,” Estudios Bíblicos 78.1

(2020), p. 67-98, p. 76-77. Sobre essa grande sessão, o autor diz: “De fato, a sequencia de Lucas 1—4, que termina o

paralelismo entre João Batista e Jesus com o começo da pregação de João Batista (Lc 3) e o começo da pregação de

Jesus (Lc 4) constitui a primeira sequencia da obra lucana”. (p. 69).


Assim, levando em consideração essa comparação paralelística, mas também a clara intenção

de Lucas de mostrar João Batista como um grande homem e Jesus como o Messias incomparável,

cremos que esse primeiro ato da história de Lucas pode ser organizado da seguinte forma, a partir

da qual os próximos trechos serão trabalhados:

Primeiro Ato: O Arauto e o Rei (Lucas 1.5—4.14)

1.5—2.52) Narrativa da Infância

1.5-25) Antecedentes do nascimento de João

1.26-56) Antecedentes do nascimento de Jesus

1.57-80) O nascimento de João

2.1-52) O nascimento e a infância de Jesus

3.1—4.13) Preparação para o ministério de Jesus

3.1-20) Ministério de João Batista

3.21-4.13) Preparação de Jesus para o ministério

Reparando na estrutura acima, percebe-se que ela tem uma subdivisão em “A Narrativa da

Infância” e a “Preparação de Jesus para o Ministério”. A Narrativa da Infância é uma sessão bastante

reconhecida e estudada. James Boyce a chama de “uma das mais longas e mais lindas narrativas do

Novo Testamento”. 37

Algumas das características dessa sessão em Lucas são o já mencionado paralelo entre João

Batista e Jesus; uma espécie de paralelo antitético entre Zacarias e Maria, ainda que não seja

totalmente antitético; ecos com histórias semelhantes do Antigo Testamento; uso das Escrituras do

37

James L. Boyce. “For You Today a Savior: The Lukan Infancy Narrative,” Word & World Volume 27, Number 4 Fall

2007, p. 371-380, p. 372.


AT; aparições de anjos; “cânticos”, piedade judaica e discursos diretos. 38 Bock faz o seguinte

comentário sobre essa sessão:

O maior objetivo da narrativa [da infância] é dar uma visão geral do plano de Deus ao mostrar

o relacionamento entre Jesus e João. João é o precursor que anuncia a chegada do

cumprimento, mas Jesus é o cumprimento. Jesus é superior a João em tudo. João nasce de

uma situação de esterilidade; Jesus nasce de uma virgem. João é o grande profeta diante do

Senhor; Jesus é o grande e prometido governante dravídico. João pavimenta o caminho; Jesus

é o caminho. 39

Levando em consideração uma abordagem mais semântica, os seguintes conceitos se

mostram bastante importantes na narrativa da infância, emprestando a ela coerência e unidade por

meio de sua repetição: louvor, Espírito Santo 40 , coração, alegria, salvação, poder, santidade, templo,

Jerusalém. 41 Kuhn fala da importância da narrativa de infância dentro do seu contexto literário grecoromano

e sintetiza diversas observações que fizemos até aqui:

Na biografia Greco-romana, era comum os escritores aludirem a histórias do personagem

principal em seu nascimento e primeiros anos, focando nos eventos e discursos que

revelavam o caráter, habilidades especiais e vocação do sujeito. Incorporando essa forma ao

38

Bock faz a seguinte lista de característica: “A narrativa da infância é uma sessão fundamental do seu evangelho, visto

que ela introduz os temas principais. A narrativa bíblica usa uma variedade de meios para apresentar o seu ponto de

vista: (1) recapitular ou prever eventos; (2) usar a Escritura para revelar o propósito de Deus; (3) revelar os propósitos

de Deus por meio de agentes comissionados; e (4) dar testemunho por meio de personagens confiáveis dentro do

relato (Tannehill 1986: 21–22). O material de infância de Lucas utiliza todos esses: (1) o relato é obviamente uma

previsão do evangelho de Lucas; (2) alusões ao Antigo Testamento dominam os dois capítulos; (3) dois agentes chave

são revelados e comissionados: João Batista e Jesus (o papel de cada um emerge no anúncios de Gabriel, o arcanjo e

por meio dos hinos de Maria e Zacarias); (4) testemunho adicional vem de Simeão e Ana, profetas de piedade judaica”.

Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Baker

Academic, 1994), 68.

39

Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Baker

Academic, 1994), 68.

40

Sobre o papel do Espírito Santo na narrativa da infância, veja Roger Stronstad, The Charismatic Theology of St. Luke:

Trajectories from the Old Testament to Luke-Acts (Second Edition.; Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2012), 40-3.

41

Note como este relato introduz não somente o evangelho, mas também o livro de Atos: “A história do nascimento

narrada por Lucas contém a maioria dos temas teológicos que serão importantes no restante do evangelho, bem como

alguns temas que antecipam aspectos da narrativa que o leitor não encontrará completamente até Atos. Por exemplo,

em Lucas 2.25-35, Simeão declara que a salvação que Jesus traz será uma “luz para revelação aos gentios” (Lc 2.32), um

tema completamente realizado na narrativa somente com a missão aos gentios em Atos. A história do nascimento não é

meramente um pensamento posterior, entretanto, adicionado como introdução, em vez disso, ela é o ‘evangelho

completo’, mostrando que a história da salvação está tomando forma concreta no aqui e agora”. S. Young, “Birth of

Jesus,” ed. Joel B. Green, Jeannine K. Brown, and Nicholas Perrin, Dictionary of Jesus and the Gospels, Second Edition

(Downers Grove, IL; Nottingham, England: IVP Academic; IVP, 2013), 76.


seu relato histórico, Lucas modifica significativamente a convenção ao expandir o seu foco e

função. Ele usa a sua narrativa de infância (veja Lucas 1—2) para introduzir a nós tanto João

quanto Jesus. Na verdade, Lucas interconecta os relatos do anúncio de seus nascimentos (veja

Lucas 1.5-25, 26-38) para compor um ‘paralelismo escalonado’ entre os dois personagens.

Além disso, a narrativa da infância inclui diversos outros personagens proeminentes e é

principalmente por meio dos discursos desses personagens que aprendemos os contornos

mais amplos da salvação há muito esperada que Lucas anuncia e descreve nas páginas que se

seguem. Assim, Lucas amplifica a intenção típica de uma narrativa de infância, usando-a não

somente para formar nosso entendimento de um único personagem, mas também para servir

como uma introdução rica e convincente ao plano de Deus de redenção retratado em Lucas-

Atos como um todo, enfatizando os principais temas que aparecem ao longo do restante

dessa obra em dois volumes. 42

A segunda parte dessa sessão, “a preparação para o ministério de Jesus” (3.1—4.13) tem

recebido menor atenção por parte dos estudiosos. Duas das ideias fundamentais desse trecho são o

batismo (3.3, 7, 12, 16,21) – um tema que começa a ser desenvolvido aqui e torna-se de fundamental

importância ao longo de Lucas-Atos – o conceito de filiação (3.2, 22, 23; 4.3, 9), outro tema

fundamental ao longo do evangelho.

Mais temas?

O que dá maior coerência a essa divisão, no entanto, é a sua distinção em relação aos trechos

posteriores. Tudo o que antecede Lucas 4.14 é nitidamente material introdutório e preparatório para

o que se segue. A partir de Lucas 4.14 temos a descrição do ministério de Jesus de fazer e ensinar,

antes disso temos as mais diversas informações e eventos que preparam Jesus e o palco do mundo

para os eventos mais importantes da história universal.

42

Karl Allen Kuhn, The Kingdom according to Luke and Acts: A Social, Literary, and Theological Introduction (Grand

Rapids, MI: Baker Academic, 2015), 79–80.


Lucas 1.5-25: O Anúncio do Nascimento de João Batista

Tradução Literal

5 Aconteceu 43 nos dias de Herodes, rei da Judéia, que certo sacerdote de nome Zacarias, da divisão

de Abias, e a mulher com ele das filhas de Arão, e o nome dela Isabel. 6 Eles eram 44 justos, os dois,

diante de Deus, andando em todos os mandamentos e estatutos do Senhor, sendo irrepreensíveis. 7

E não havia neles filho, pois era Elizabete estéril, e ambos avançados 45 nos dias deles eram.

8 E aconteceu que no serviço sacerdotal estava ele, na ordem da sua divisão diante de Deus, 9

segundo o costume do sacerdócio, ele foi escolhido por sorte para queimar incenso, entrando no

santuário do Senhor, 10 e toda a multidão de povo estava orando do lado de fora na hora da oferta

de incenso. 11 e apareceu a ele um anjo do Senhor, estando em pé, à direita do altar de incenso. 12

E ficou terrificado Zacarias ao ver e temor caiu sobre ele.

13 Disse a ele o anjo:

“Não temas, Zacarias, porque foi ouvida a oração tua, e a mulher tua, Isabel, dará à luz um

filho para ti e tu chamarás o nome dele João. 14 E ele será alegria tua e exultação e muitos no

nascimento dele se alegrarão. 15 Pois ele será grande diante do Senhor, e vinho e cerveja de

modo algum beberá, e de Espírito Santo será enchido ainda do ventre da mãe dele. 16 E muitos

dos filhos de Israel ele voltará ao Senhor, o Deus deles. 17 E ele irá adiante diante dele, no

Espírito e poder de Elias, para voltar corações dos pais para os filhos e desobedientes na

prudência dos justos, para preparar ao Senhor um povo pronto”.

18 E disse Zacarias ao anjo:

43

Lucas frequentemente usa καὶ ἐγένετο e ἐγένετο δέ para marcar transições na narrativa”. Martin M. Culy, Mikeal C.

Parsons, e Joshua J. Stigall, Luke: A Handbook on the Greek Text (Baylor Handbook on the Greek New Testament; Waco,

TX: Baylor University Press, 2010), 10.

44

Ao usar o tempo imperfeito aqui, passa-se a ideia de que essa era a maneira habitual de Zacarias e Isabel viverem.

45

O particípio perfeito (προβεβηκότες) utilizado aqui traz uma ênfase sobre a idade avançada do casal.


“De que modo realmente saberei 46 isto? Porque eu sou velho e a mulher minha velha nos dias

dela”.

19 E respondendo o anjo disse-lhe:

“Eu mesmo sou Gabriel, aquele que fica de pé diante de Deus e fui enviado para falar a você

e para evangelizar a você estas coisas. 20 E veja: Ficarás 47 mudo e não podendo falar até este

dia em que acontecerão estas coisas, em retorno de que não acreditastes as palavras minhas,

as quais se cumprirão para o tempo delas”.

21 E estava o povo esperando Zacarias e maravilhado pelo demorar no santuário dele. 22 E saindo,

ele não conseguia falar a eles, e entenderam que uma visão ele vira no santuário. E ele mesmo estava

fazendo sinais a eles enquanto permanecia mudo. 23 E aconteceu, quando se completaram os dias

do serviço dele, foi para a casa dele. 24 Depois daqueles dias, concebeu Isabel, a mulher dele, e se

escondeu até o quinto mês, dizendo:

25 “Isso a mim fez o Senhor nos dias nos quais preocupou-se em tirar a desgraça (reprovação)

de mim entre os homens.

Ideia Exegética

O sumo sacerdote Zacarias vai ofertar incenso no templo e recebe de um anjo a mensagem de que

ele e Isabel, sua esposa estéril, apesar da idade avançada de ambos, terão um filho que preparará o

caminho para o Senhor e, dessa forma, a promessa de Deus se cumpre.

Contexto Literário

46

O uso da voz média aqui em γνώσομαι intensifica a incredulidade de Zacarias. Por isso usei o “realmente” na

tradução.

47

A voz média aqui acrescenta ênfase.


O fino estilo grego do prefácio dá lugar a um texto que tanto na forma quanto no conteúdo

relembra muito a LXX. 48

Primeiro Ato: O Arauto e o Rei (Lucas 1.5—4.14)

1.5—2.52) Narrativa da Infância

1.5-25) Antecedentes do nascimento de João

1.26-56) Antecedentes do nascimento de Jesus

1.57-80) O nascimento de João

2.1-52) O nascimento e a infância de Jesus

3.1—4.13) Preparação para o ministério de Jesus

3.1-20) Ministério de João Batista

3.21-4.13) Preparação de Jesus para o ministério

Contexto Canônico

Uma das primeiras promessas da Bíblia está relacionada ao nascimento do filho da mulher

que pisaria a cabeça da serpente (Gn 3.15). Assim, desde Eva, cada mulher em Israel nutria a

esperança de ser aquela que geraria o prometido. Também havia a promessa de Deus para Abraão

de fazê-lo extremamente fecundo com uma descendência que seria uma grande nação (Gn 12.2),

numerosa como as estrelas (Gn 15.5) e como a areia (Gn 22.16). Assim, se a fecundidade era uma

das maiores bênçãos de Deus (Gn 1.28; Êx 23.26; Dt 7.14; Sl 127.3; 128.3; Is 54.1), a infertilidade era

considerada uma das maiores maldições (Gn 20.17-18; Lv 20.20-21; Pv 30.15-16). Deus, no entanto,

fez questão de escrever a sua história por meio de mulheres “estéreis”. Este foi o caso das matriarcas

Sara (Gn 11.30; 16.2; 17.15-16; 21.1-3; Hb 11.11), Rebeca (Gn 25.21) e Raquel (Gn 29.31; 30.22-23).

Também foi o caso da mãe de Sansão (Jz 13.13) e de Ana, mãe de Samuel (1Sm 1.2-11). Assim, ao

longo da história bíblica, Deus fez questão de ser conhecido dessa forma: “O SENHOR faz com que a

mulher estéril viva em família e seja alegre mãe de filhos. Aleluia!” (Salmo 113.9). Assim, a história

de Zacarias e Isabel, que traz diversos ecos da história de Abraão (idade avançada, orações, piedade)

e de outras dessas histórias de nascimentos milagrosos (anúncio de anjos, o filho como um libertador)

48

Cf. I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: a commentary on the Greek text (New International Greek Testament

Commentary; Exeter: Paternoster Press, 1978), 51. Sobre isso, Bovon comenta que essa semelhança “indica que o autor

pretende ser contado entre os sucessores legítimos das Escrituras”. François Bovon e Helmut Koester, Luke 1: a

commentary on the Gospel of Luke 1:1–9:50 (Hermeneia—a Critical and Historical Commentary on the Bible;

Minneapolis, MN: Fortress Press, 2002), 30.


desperta a tenção do leitor para esse menino que está nascendo e prepara o caminho para o

nascimento mais milagroso de todos que será narrado a seguir.

Forma e Estrutura

Lucas 1.5-7: Apresentação de Zacarias e Isabel

Lucas 1.8-12: Durante a oferta de incenso, um anjo aparece a Zacarias e ele teme

Lucas 1.13-20: O Diálogo entre o anjo e Zacarias

Lucas 1.21-23: Mudo, Zacarias sai do santuário ao encontro do povo

Lucas 1.24-25: Isabel fica grávida!

Comentário

Lucas 1.5-7: Apresentação de Zacarias e Isabel

5 Ἐγένετο ἐν ταῖς ἡμέραις Ἡρῴδου βασιλέως τῆς Ἰουδαίας (Aconteceu nos dias de Herodes, rei da

Judéia,): Logos após o prólogo, a primeira informação que temos de Lucas é que os fatos com os

quais ele começa a sua história deram-se nos na época em que Herodes (ca. 73 a.C. a 4 d.C.) era o rei

da Judéia. Foi nessa época que João e Jesus nasceram, entre 37 a.C. e 4 d.C. Chamado de “Herodes,

o Grande” por Josefo, este é o governante que dá nome a uma dinastia. Herodes foi tão poderoso

que o nome dele passou a valer como se fosse um título de nobreza. Herodes, o Grande é conhecido

na história bíblica como aquele que mandou exterminar os meninos de Belém que tivessem menos

de dois anos a fim de tentar exterminar o Rei dos Judeus, cujo nascimento os magos haviam

anunciado (Mt 2). Nesse mesmo capítulo de Mateus, ficamos sabendo que Herodes, o grande morreu

quando Jesus ainda era uma criança. Herodes era muito poderoso por pertencer a uma família que

gozava de grande prestígio junto aos imperadores romanos, a família de Antipáter. Essa família tinha

origem idumeia (dos antigos edomitas, descendentes de Esaú) e não era apreciado pelos judeus mais

ortodoxos como os fariseus. Ao se casar com Mariana, Herodes passou a fazer parte da família dos

hasmoneus e, assim, tornou-se um postulante ao trono de Israel. Administrador e construtor

competente, Herodes construiu fortalezas, aquedutos, teatros, cidades e o templo de Israel. Ele


também era um bom estrategista político; centralizador em relação ao templo e ao sacerdócio;

violento ao ponto de matar todos os seus adversários, as pessoas mais ricas de Israel para confiscar

o dinheiro delas e até mesmo a própria esposa Mariana e os dois filhos. Assim, Herodes entrou para

a história como um dos homens mais brilhantes e cruéis que existiram. “O contexto dos eventos na

narrativa de nascimento de Lucas, portanto, é um de luta durante o processo de consolidação dos

judeus sob o domínio romano e nas mãos de um rei conhecido por sua tirania”. 49 Lucas quer que

saibamos que foi na época desse governante que foi anunciado e nasceu o filho de Zacarias, João, o

qual seria grande diante do Senhor (Lc 1.15).

ἱερεύς τις ὀνόματι Ζαχαρίας ἐξ ἐφημερίας Ἀβιά, (que certo sacerdote de nome Zacarias, da divisão

de Abias,): Essa cláusula introduz o objeto do verbo que inicia o parágrafo. Em resumo o texto diz:

“Era uma vez... um sacerdote... e sua esposa...”. Assim como o trecho anterior nos apresentou o

tempo narrativo, essa e a próxima nos apresentarão dois dos personagens principais dessa narrativa.

Note como Lucas os qualifica. O nome do sacerdote é Zacarias, cujo significado é “Deus se lembrou”,

o que já é um indicativo do que vai acontecer no texto. Zacarias era um sacerdote do turno de Abias.

Na época de Davi, os sacerdotes foram divididos em vinte e quatro famílias específicas (todos

evidentemente da linhagem de Arão) que serviriam por turnos. Em 1 Crônicas 24 lemos sobre essas

divisões e sobre como a oitava sorte caiu sobre a família de Abias (1Cr 24.10; cf. tb. 1Cr 23.6; 28.11-

14).

Na época do Novo Testamento havia em torno de dezoito mil sacerdotes, ainda organizados

de acordo com aquelas vinte e quatro famílias e, portanto, em vinte e quatro turnos, cada grupo

servia em torno de duas semanas separadas por ano. 50 Dentre as centenas de sacerdotes de cada

divisão, definia-se quem desempenharia as responsabilidades mais importantes por meio de sortes.

No restante do tempo os sacerdotes funcionavam como guardiões de religião judaica e responsáveis

49

Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI:

Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 64. Carroll neste ponto, lança uma pergunta interessante: “Esses eventos vão

se desenvolver contra um pano de fundo de poder; será somente um pano de fundo, ou será que a narrativa postará

um desafio fundamental para tal poder? John T. Carroll, Luke: A Commentary (org. C. Clifton Black e M. Eugene Boring;

First Edition.; The New Testament Library; Louisville, KY: Westminster John Knox Press, 2012), 25.

50

“A divisão do sacerdócio em vinte e quatro turnos, com cada qual servindo por uma semana em Jerusalém, de

sábado a sábado – razão pela qual eram chamados de turnos semanais – era o sistema prevalente na época de Jesus”.

Joachim Jeremias. Jerusalem in the Times of Jesus: An Investigation into Economic and Social Conditions during the

New Testament Period. Philadelphia: Fortress, 1969, p. 199.


por ensinar nas sinagogas, fazer trabalhos de escribas e exercer liderança local e às vezes nacional. 51

Zacarias estava diante de uma grande oportunidade, talvez o ponto mais alto de sua carreira

sacerdotal. Um sacerdote somente teria a oportunidade de oferecer incenso uma vez durante toda

a sua vida. 52 Do ponto de vista de Herodes e do poderio romano, Zacarias é alguém sem importância

e que não faz grande diferença na história. Da perspectiva de Deus, Zacarias tem um papel

fundamental na história que verdadeiramente importa, a história da redenção.

καὶ γυνὴ αὐτῷ ἐκ τῶν θυγατέρων Ἀαρὼν καὶ τὸ ὄνομα αὐτῆς Ἐλισάβετ (e a mulher com ele [era]

de entre as filhas de Arão, e o nome dela [era] Isabel): Agora Lucas apresenta uma segunda

אֱלִ‏ ישֶׁ‏ בַ‏ ע personagem importante no texto. O nome Ἐλισάβετ (Elizabete) vem do original hebraico

(Elisheba) e significa “O meu Deus é um juramento (aquele por quem eu juro)”. 53 Em várias línguas

latinas esse nome foi transliterado como “Isabel” em vez de Elizabete e por isso encontramos essa

dubiedade. Em Êx 6.23 aprendemos que “Elisheba” era o nome da esposa do primeiro sumosacerdote,

Arão. Além de ter o nome da esposa de Arão, Lucas nos informa que ela realmente era

uma das filhas de Arão, ou seja, ela também tinha linhagem sacerdotal, o que era uma situação ideal

para a esposa de um sacerdote. 54

6 ἦσαν δὲ δίκαιοι ἀμφότεροι ἐναντίον τοῦ θεοῦ, πορευόμενοι ἐν πάσαις ταῖς ἐντολαῖς καὶ

δικαιώμασιν τοῦ κυρίου ἄμεμπτοι (e a mulher com ele das filhas de Arão, e o nome dela Isabel. 6

Eles eram justos, os dois, diante de Deus, andando em todos os mandamentos e estatutos do

Senhor, sendo irrepreensíveis.) Lucas continua caracterizando Zacarias e Isabel e agora ele diz que

eles eram “justos diante de Deus”. As palavras da raiz “δικη” são muito importantes em Lucas,

aparecendo 64 vezes. É também uma das palavras mais importantes da piedade do Antigo

51

Cf. “Priesthood in the First Century AD” em C. Fletcher-Louis, “Priests and Priesthood”, org. Joel B. Green, Jeannine K.

Brown, e Nicholas Perrin, Dictionary of Jesus and the Gospels, Second Edition (Downers Grove, IL; Nottingham, England:

IVP Academic; IVP, 2013), 700.

52

No Mishnah Tamid 5:2, lê-se: “O sacerdote escolhido dirá a eles: Que somente aqueles sacerdotes que são novos no

queimar incenso venham e participem nas sortes para o incenso. Quem ganhar nesse lançamento de sortes ganharão

privilégio de queimar o incenso”. Disponível em https://www.sefaria.org/Mishnah_Tamid.5.2.

53

Francis Brown, Samuel Rolles Driver, and Charles Augustus Briggs, Enhanced Brown-Driver-Briggs Hebrew and English

Lexicon (Oxford: Clarendon Press, 1977), 45.

54

“Era muito comum para um sacerdote judeu ter uma esposa do mesmo background e tal união era considerada um

privilégio especial. A menção da linhagem de Isabel enfatiza suas origens piedosas e fortalece o pedigree de João

Batista.” Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI:

Baker Academic, 1994), 76.


Testamento. Ser um justo significa viver da maneira que Deus ordena, ainda que não de maneira

perfeita, mas tendo íntima comunhão com Deus. O conceito passará por desenvolvimentos ao longo

de Lucas-Atos. Marshall afirma que essa palavra “implica em um caráter religioso em vez de

puramente ético, visto na obediência aos mandamentos de Deus e indo além de justiça meramente

externa e legal”. 55 A preposição “ἐναντίον” é exclusiva de Lucas no Novo Testamento, mas comum

na Septuaginta (LXX). 56 A primeira vez que ela aparece na LXX é para falar que Noé encontrou graça

“diante do” Senhor (Gn 6.8) e alguns capítulos adiante Deus afirma que Noé também era justo

“diante de” o próprio Deus (Gn 7.1). Alguém ser algo “diante de Deus” aponta para a autenticidade

e realidade do que está sendo dito. Mesmo aos olhos de Deus, mesmo considerando o crivo de Deus,

Zacarias e Isabel eram justos e, como Lucas usa o imperfeito ἦσαν, ele aponta que esse era o padrão

de vida deles. Essa expressão “diante de Deus” tem sido usada especialmente em latim, “coram Deo”,

para expressar uma vida consciente de que sempre se está na presença de Deus e assim devemos

temer e nos preocupar em agradar a ele em vez de aos homens. Todos nós somos chamados a viver

coram Deo.

A segunda parte do texto que no grego começa com o particípio πορευόμενοι (andando), está

exemplificando e qualificando como o casal realmente era justo diante de Deus. O pedigree

apresentado por Lucas até aqui é o melhor possível: função, ascendência, nomes e piedade diante

de Deus e dos homens. Ainda existe gente muito séria em Israel, mesmo na época de Herodes, na

qual também existe muita corrupção no sacerdócio. “Andar com Deus” é uma das metáforas bíblicas

importantíssimas para expressar o nosso relacionamento com Deus e também nos remete aos

patriarcas que andaram com Deus. 57 No caso de Zacarias e Isabel, eles andavam, ou seja, tinham

como hábito de vida, guardar os mandamentos e estatutos 58 do Senhor e nisso eles eram

irrepreensíveis!

55

I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: a commentary on the Greek text (New International Greek Testament

Commentary; Exeter: Paternoster Press, 1978), 52.

56

Em Lucas a preposição ἐναντίον/ἔναντι aparece em Lc 1.6, 8; 20.26; 24.19; At 7.10; 8.21, 32; 28.17.

57

Veja mais sobre isso em João Paulo Thomaz de Aquino. União com Cristo: Uma abordagem bíblica, teológica, histórica,

prática e atualizada da mais importante das doutrinas. Brasília: Monergismo, 2023, p. 157-164.

58

É muito comum no AT que os mandamentos de Deus sejam referidos com mais uma palavra: mandamentos e leis (Êx

16.28); mandamentos e juízos (Nm 36.13; Dt 26.17; Dn 9.5); mandamentos e estatutos (Dt 27.10; 28.15,45; 30.10; 1Rs

9.6; 11.34); mandamentos e lei (Sl 99.7); mandamentos e testemunhos (Ne 9.34). A lista aqui não é exaustiva. Devo essa

observação a Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand

Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 65.


7 καὶ οὐκ ἦν αὐτοῖς τέκνον,* καθότι ἦν °ἡ Ἐλισάβετ στεῖρα, καὶ ἀμφότεροι προβεβηκότες ἐν ταῖς

ἡμέραις αὐτῶν ἦσαν. (7 E não havia neles filho, pois era Elizabete estéril, e ambos avançados 59 nos

dias deles eram). Esse versículo apresenta um grande problema. Após uma caracterização

cuidadosamente elaborada para enfatizar a piedade do casal, ficamos sabendo que eles não tinham

filhos. Edwards chega a dizer que “A piedade exemplar e integridade do casal, em outras palavras,

não foram recompensadas”. 60 O leitor conhecedor das Escrituras, no entanto, sabe que esterilidade

e piedade são elementos comuns nas histórias do Antigo Testamento, especialmente quando Deus

quer trazer ao cenário da história um personagem especial. Bock salienta esse aspecto:

A ausência de crianças era vista geralmente como uma reprovação no Judaísmo e no AT. Mas

a justiça do casal (1.6) mostra que sua infertilidade não era resultado de julgamento ou

pecado. Em vez disso, Deus tinha algo especial em mente, como ele teve com muitos dos

grandes santos do At que nasceram sob condições semelhantes. 61

Assim, a caracterização de Zacarias e Isabel termina com essa nota triste, mas que ao mesmo

tempo, em contexto, desperta esperança pela intervenção de Deus na história. Considerando que

tanto tempo havia se passado desde a última revelação escrita por parte de Deus, esse tipo de

situação tão semelhante a diversas histórias do AT preparam o leitor para um novo grande momento

na história do povo de Deus. Como Carroll diz, “À medida em que a narrativa começa, os leitores de

Lucas encontram-se já no meio da história – a história de Israel”. 62 A história dos grandes atos de

Deus na história está continuando e apresentará seu momento mais decisivo.

59

O particípio perfeito (προβεβηκότες) utilizado aqui traz uma ênfase sobre a idade avançada do casal.

60

James R. Edwards, The Gospel according to Luke (org. D. A. Carson; The Pillar New Testament Commentary; Grand

Rapids, MI; Cambridge, U.K.; Nottingham, England: William B. Eerdmans Publishing Company; Apollos, 2015), 34.

61

Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Baker

Academic, 1994), 78.

62

John T. Carroll, Luke: A Commentary (org. C. Clifton Black e M. Eugene Boring; First Edition.; The New Testament

Library; Louisville, KY: Westminster John Knox Press, 2012), 24.


Lucas 1.8-12: Durante a oferta de incenso, um anjo aparece a Zacarias e ele teme

8 Ἐγένετο δὲ ἐν τῷ ἱερατεύειν αὐτὸν ἐν τῇ τάξει τῆς ἐφημερίας αὐτοῦ ἔναντι τοῦ θεοῦ, 9 κατὰ τὸ

ἔθος τῆς ἱερατείας ἔλαχεν τοῦ θυμιᾶσαι εἰσελθὼν εἰς τὸν ναὸν τοῦ κυρίου, (8 E aconteceu que no

serviço sacerdotal estava ele, na ordem da sua divisão diante de Deus, 9 segundo o costume do

sacerdócio, ele foi escolhido por sorte para queimar incenso, entrando no santuário do Senhor,) A

construção Ἐγένετο δὲ deixa claro que há uma pequena quebra na perícope. Assim como Zacarias

vivia de maneira justa diante do Senhor, agora ele está cumprindo seu sacerdócio diante de Deus

(ἔναντι τοῦ θεοῦ). A expressão aqui pode apontar para a maneira piedosa que Zacarias

desempenhava sua função sacerdotal, ou pode apontar para a presença de Deus no templo. É difícil

definir qual dessas possibilidades Lucas tem em mente. O serviço específico que Zacarias está

performando é a apresentação do incenso. Esse altar do incenso era o utensílio que ficava mais

próximo da arca da aliança (Hb 9.1-5). Ele era alimentado com incenso aceso duas vezes por dia, de

manhã e no final da tarde (Êx 30.1-10; 37.25-28; 40.27; 2Cr 13.11) pelos sacerdotes (1Cr 23.12-13) e

o incenso oferecido sobre ele era uma fórmula exclusiva elaborada pelo próprio Deus (Êx 30.34-38;

37.29). Era uma das práticas mais importantes da religiosidade de Israel (2Cr 2.4-6; 29.1-11; Is 1.13).

Foi durante essa atividade que Nadabe e Abiú morreram diante do Senhor (Lv 10.1-7) e que o rei

Uzias (também chamado de Azarias) foi atacado de lepra (2Cr 26.16-21). Outra vez que oferta de

incenso (neste caso, fora do templo) causou morte foi quando Corá, Datã e Abirão e duzentos e

cinquenta outros homens, confrontando a liderança de Moisés e Arão, ofereceram incenso e foram

destruídos pelo Senhor (Nm 16). O altar do incenso era especialmente importante no Dia da Expiação,

pois ele provia uma nuvem quando o sumo-sacerdote entrasse no Santo dos Santos e essa nuvem

iria proteger o sumo-sacerdote da morte (Lv 16.11-14). Ofertas de incenso continuam sendo um

desafio durante a história bíblica, pois um dos pecados mais comuns do povo era “apresentar incenso

nos altos”, ou seja, era uma forma de misturar a adoração a Yahweh com a adoração pagã em locais

que não aprovados pelo Senhor (várias vezes em 1 e 2 Reis e outros lugares) e apresentar incenso

para outros deuses (2Rs 18.4; 22.17; 2Cr 25.14; Jr 1.16; 7.9; 44.17). Diante de tudo isso, é

impressionante que Jesus tenha recebido incenso como oferta em Mateus 2.11! Também existe uma

ligação entre o incenso e a oração, ligação esta que vai se tornando mais explícita ao longo da

revelação de Deus (Sl 141.1-2; Ap 5.8; 8.3-4). Essa ligação entre o incenso e a oração aparece também

em nosso texto. No Talmude, no tratado Mishná Tamid 6.3, lê-se mais detalhes sobre o que acontecia

nesse momento:


O sacerdote que ganhou o direito de trazer a panela de carvão cheia de carvão para o altar

interno do incenso, primeiro empilhará o carvão no altar interno e então achatará os carvões,

distribuindo-os de maneira uniforme sobre o altar com a parte de baixo da panela de carvão.

E quando ele terminar de distribuir os carvões, ele se prostrará e emergirá do santuário. 63

Essa era a atividade fundamental de queimar incenso que Zacarias estava tendo o privilégio

de fazer na presença de Deus, bem perto do Santo dos Santos e da arca da aliança. 64

10 καὶ πᾶν τὸ πλῆθος ἦν τοῦ λαοῦ προσευχόμενον ἔξω τῇ ὥρᾳ τοῦ θυμιάματος. 11 ὤφθη δὲ αὐτῷ

ἄγγελος κυρίου ἑστὼς ἐκ δεξιῶν τοῦ θυσιαστηρίου τοῦ θυμιάματος. 12 καὶ ἐταράχθη Ζαχαρίας

ἰδὼν καὶ φόβος ἐπέπεσεν ἐπʼ αὐτόν. (10 e toda a multidão de povo estava orando do lado de fora

na hora da oferta de incenso. 11 e apareceu a ele um anjo do Senhor, estando em pé, à direita do

altar de incenso. 12 E ficou terrificado Zacarias ao ver e temor caiu sobre ele.) De maneira um tanto

inesperada, Lucas mostra a piedade do povo de Israel, pois afirma que toda a multidão (πᾶν τὸ

πλῆθος) estava orando enquanto Zacarias performava a sua tarefa. Assim, nesse contexto de grande

piedade por parte de Zacarias, de sua esposa e de uma multidão do povo, um anjo do Senhor

apareceu ao sacerdote Zacarias e ficou parado em pé à direita do altar do incenso! Edwards comenta

esse momento com grande propriedade:

Uma criatura celestial santa aparece para um sacerdote santo que está no santo lugar e

performando um sacrifício santo. A santidade aparece como um pré-requisito para um

encontro com o inefável, talvez até sugerindo que a visão angélica de Zacarias é uma

recompensa. Apesar das propriedades cúlticas, Zacarias não tem uma das qualidades mais

importantes de um discípulo: a fé (v. 20). O anjo (grego: angelos, “mensageiro celestial”) está

de pé não à direita de Zacarias, mas do altar de incenso. O altar simboliza a presença de Deus

e o lado direito é a posição totalmente importante de autoridade e exaltação. 65

63

Traduzido do inglês, disponível em https://www.sefaria.org/Mishnah_Tamid.6.2

64

“A oferta do incenso, portanto, traria Zacarias tão próximo da presença de Deus quanto possível para qualquer pessoa

além do sumo-sacerdote. Muitos sacerdotes nunca experimentariam tal honra e ela estava para sempre longe do alcance

de não-sacerdotes”. Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand

Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 70.

65

James R. Edwards, The Gospel according to Luke (org. D. A. Carson; The Pillar New Testament Commentary; Grand

Rapids, MI; Cambridge, U.K.; Nottingham, England: William B. Eerdmans Publishing Company; Apollos, 2015), 35.


Ao ver o anjo, talvez ainda prostrado no chão, Zacarias tem uma reação que é totalmente

previsível para quem conhece as Escrituras: ele ficou apavorado. Marshall chama a atenção para dois

paralelos extra-bíblicos de anjos aparecendo a pessoas no templo: um anjo aparecendo ao sumo

sacerdote Hircano enquanto ele oferecia incenso (Josefo, Antiguidades 13.282) e um cavaleiro

aparecendo a Heliodoro (2 Macabeus 3.22-28). 66 Até aqui, o texto está absolutamente repleto de

referências à piedade judaica: templo, sacerdócio, família sacerdotal andando diante de Deus apesar

da infertilidade, oferta de incenso no altar, oração e aparição de anjo. Ainda que, como o evangelho

demonstrará, muitos estejam vivendo distantes de Deus, a religiosidade e rituais da velha aliança não

são apresentados como vazios e inúteis, mas como o meio que Deus usou para preparar a trazer o

Messias e a nova aliança.

Lucas 1.13-20: O Diálogo entre o anjo e Zacarias

13 εἶπεν δὲ πρὸς αὐτὸν ὁ ἄγγελος· μὴ φοβοῦ, Ζαχαρία, διότι εἰσηκούσθη ἡ δέησίς σου, καὶ ἡ γυνή

σου Ἐλισάβετ γεννήσει υἱόν σοι καὶ καλέσεις τὸ ὄνομα αὐτοῦ Ἰωάννην. (13 Disse a ele o anjo: “Não

temas, Zacarias, porque foi ouvida a oração tua, e a mulher tua, Isabel, dará à luz um filho para ti

e tu chamarás o nome dele João.) Essa é uma cena que se repete nas Escrituras, um anjo aparece a

uma pessoa e fala algo relacionado ao medo, normalmente: “Não temas” (Gn 21.17; 2Rs 1.15; Mt

1.20; 28.5; Lc 1.30; 2.9-10). Em todas as vezes que isso acontece em Lucas, a ideia é que a aparição

do anjo seria motivo de grande medo e por isso o mensageiro de Deus chega anunciando para que

aqueles que o estão vendo não fiquem com medo. A ordem para não ficar com medo aparece mais

de 100 vezes nas Escrituras, mostrando a frequência que esse sentimento toma conta de nós. O anjo

continua falando com Zacarias e lhe apresenta como razão para que ele não fique com medo o fato

de que a oração dele foi ouvida e, como resultado, a sua esposa dará à luz um filho que eles deverão

chamar de João. Assim, fica claro para Zacarias que o anjo não estava ali para puni-lo por algum

motivo, mas sim para trazer a ele ótimas notícias em resposta às suas orações. Qual era o assunto da

oração de Zacarias? Não é possível saber se Zacarias orou especificamente pelo nascimento de um

filho durante oferta de incenso, embora esse deve ter sido o assunto de muitas das orações daquele

sacerdote. Marshall propõe que o sacerdote Zacarias, logo antes do sacrifício vespertino (cf. Dn 9.20),

66

Cf. I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: a commentary on the Greek text (New International Greek Testament

Commentary; Exeter: Paternoster Press, 1978), 55.


estava orando pela vinda do Messias e salvação de Israel. Green afirma que o nascimento do filho e

a salvação de Israel estavam tão interligadas (inclusive na história de Abraão) que não dá para separar

esses pedidos um do outro. 67 O fato é que a oração foi respondida e o filho de Zacarias seria parte

fundamental nos sublimes eventos de salvação que se seguirão. 68 O anjo também diz qual seria o

nome do filho: “João”. O fato de o próprio Deus dar um nome para a criança aponta para a escolha

de Deus deste menino como um servo de Deus e importante na história da salvação. 69 No AT esse

nome aparece algumas vezes como Joanã ‏,(יֹוחָ‏ נָן)‏ (2Rs 25.23; Jr 40.8, 1Cr 3.15; Ed 8.12; Ne 12.22). No

hebraico, o nome é a contração de Yahweh e o verbo נַן“‏ ‏”חָ‏ (favorecer, agraciar, compadecer). Dessa

forma, Joanã significa: “Yahweh mostra graça” ou “Yahweh é gracioso”. 70 A versão grega de Joanã

virou Ἰωάννης (Joánnes). Em suma, o nome de João é mais um dos sinais de que Deus está dando

início ao cumprimento de suas promessas feitas desde há muito. Deus está mostrando grande graça

para com o seu povo e com o mundo inteiro. 71

14 καὶ ἔσται χαρά σοι καὶ ἀγαλλίασις καὶ πολλοὶ ἐπὶ τῇ γενέσει αὐτοῦ χαρήσονται. 15 ἔσται γὰρ

μέγας ἐνώπιον [τοῦ] κυρίου, καὶ οἶνον καὶ σίκερα οὐ μὴ πίῃ, καὶ πνεύματος ἁγίου πλησθήσεται

ἔτι ἐκ κοιλίας μητρὸς αὐτοῦ, 16 καὶ πολλοὺς τῶν υἱῶν Ἰσραὴλ ἐπιστρέψει ἐπὶ κύριον τὸν θεὸν

αὐτῶν. 17 καὶ αὐτὸς προελεύσεται ἐνώπιον αὐτοῦ ἐν πνεύματι καὶ δυνάμει Ἠλίου, ἐπιστρέψαι

καρδίας πατέρων ἐπὶ τέκνα καὶ ἀπειθεῖς ἐν φρονήσει δικαίων, ἑτοιμάσαι κυρίῳ λαὸν

κατεσκευασμένον. (14 E ele será alegria tua e exultação e muitos no nascimento dele se alegrarão.

15 Pois ele será grande diante do Senhor, e vinho e cerveja de modo algum beberá, e de Espírito

Santo será enchido ainda do ventre da mãe dele. 16 E muitos dos filhos de Israel ele voltará ao

Senhor, o Deus deles. 17 E ele irá adiante diante dele, no Espírito e poder de Elias, para voltar

corações dos pais para os filhos e desobedientes na prudência dos justos, para preparar ao Senhor

67

Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI:

Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 73–74.

68

I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: a commentary on the Greek text (New International Greek Testament

Commentary; Exeter: Paternoster Press, 1978), 56.

69

Cf. Walter L. Liefeld, “Luke”, in The Expositor’s Bible Commentary: Matthew, Mark, Luke (org. Frank E. Gaebelein; vol.

8; Grand Rapids, MI: Zondervan Publishing House, 1984), 8826; Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New

International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 74..

70

O nome significa que a falta de filhos e fraqueza do casal idoso foi aliviada não por sua própria piedade ou mérito, mas

por graça divina. James R. Edwards, The Gospel according to Luke (org. D. A. Carson; The Pillar New Testament

Commentary; Grand Rapids, MI; Cambridge, U.K.; Nottingham, England: William B. Eerdmans Publishing Company;

Apollos, 2015), 36.

71

Cf. John Calvin e William Pringle, Commentary on a Harmony of the Evangelists Matthew, Mark, and Luke (vol. 1;

Bellingham, WA: Logos Bible Software, 2010), 15.


um povo pronto”.) Após dar a notícia do nascimento para Zacarias, o anjo, que mais à frente é

identificado como Gabriel, passa a descrever o ministério do filho que Zacarias em dez pontos.

Primeiro, o filho de Zacarias traria e este grande alegria e exultação. Aparentemente aqui existe uma

garantia de que esse filho não seria rebelde, não traria tristeza, mas seria um filho piedoso que traria

grande alegria para pais piedosos. Alegria é um dos temas fundamentais da narrativa da infância em

particular e de Lucas-Atos como um todo e o mesmo começa a ser desenvolvido nesta passagem.

Nas palavras de Bock, “Zacarias vai se alegrar não somente porque ele será pai, mas também por

causa da missão do que a missão dessa criança significa para o seu povo. A chegada de João significa

que a salvação se aproxima. O tema lucano fundamental da obra divina de salvação emerge”. 72

Segundo, o nascimento dele traria alegria não somente para Zacarias, mas também para muitas

outras pessoas. O fato de que o filho de Zacarias entraria no mundo seria fonte de alegria para muitas

pessoas. Terceiro, o anjo diz a Zacarias que de alguma forma o seu filho seria especial em comparação

a outras pessoas, pois seria “grande diante do Senhor”. Além de uma promessa de piedade, existe

aqui uma promessa de que o filho de Zacarias teria uma atuação grandiosa no povo de Deus e seria

fiel e, portanto, grande aos olhos de Deus. O próprio Jesus, que é descrito de maneira absoluta como

“grande” (Lc 1.32), confirma a grandiosidade de João em Lucas 7.28. 73 Quarto, o filho de Zacarias não

consumiria bebida fermentada, o que possivelmente aponta para alguém que estaria sob um

nazireado vitalício, assim como Sansão e Samuel (Nm 6.1-21; Jz 13; 1Sm 1.11 [cf. LXX]; Am 2.11-12). 74

Como não há uma proibição quanto a cortar o cabelo, não podemos ter certeza de que o que se tem

em vista é um voto de nazireu ou somente um requisito de consagração para o serviço a Deus.

Quinto, o filho de Zacarias seria cheio do Espírito Santo já desde o ventre de sua mãe. Essa não é a

única vez que vinho e Espírito são contrastados no Novo Testamento (Cf. At 2.15; Ef 5.18). O conceito

72

Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Baker

Academic, 1994), 83.

73

“A grandeza de João (7.28) é devida à sua dedicação pessoal e capacitação divina para a tarefa dele”. I. Howard

Marshall, The Gospel of Luke: a commentary on the Greek text (New International Greek Testament Commentary;

Exeter: Paternoster Press, 1978), 57.

74

Veja mais detalhes sobre isso em Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX: introduction, translation, and

notes (vol. 28; Anchor Yale Bible; New Haven; London: Yale University Press, 2008), 325–326. Vale a pena registrar aqui

o comentário de Green: A abstinência completa de vinho e outras bebidas alcoólicas é extraordinária no mundo bíblico,

assim a exigência de que João adotasse tal comportamento ascético requer explicação. Durante o período de serviço no

templo, os sacerdotes deviam se abster de bebidas alcoólicas (Lv 10.8–9; Ez 44.21). A abstinência também era essencial

para aqueles que haviam feito voto de nazireu (Nm 6:1–21). Isso sugere que a recusa de beber vinho e cerveja estava

associada à separação da vida normal para uma tarefa divina, seja por um período temporário e específico (sacerdotes

de plantão, nazireus) ou, como no caso de Sansão, por toda a vida (Jz 13: 7). Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New

International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 75. Na

LXX de 1 Samuel 1.11, acrescenta-se ao texto hebraico uma informação bastante semelhante à que temos aqui: “καὶ

οἶνον καὶ μέθυσμα οὐ πίεται” (“E vinho e cerveja não beberá”).


de ser cheio do Espírito Santo não é comum no Antigo Testamento. Bezalel, o principal responsável

pela construção do tabernáculo, foi enchido de Espírito (Êx 31.3) e o Espírito visitou Sansão de

maneira diferente do que fazia com outras pessoas (Jz 14.6, 19; 5.14). A Bíblia fala sobre outros que

também foram habitados pelo Espírito (Gn 41.38; Nm 11.17, 25-26; 24.2; 27.18; Jz 3.10; 6.34; 11.29;

13.5; 1Sm 10.6, 9-10; 11.6; 16.13-14; 19.20-23; 1Cr 12.18; 2Cr 15.1; 20.14; 24.20; Ed 5.1; Ne 9.20; Sl

51.11; Is 11.2; 42.1; 61.1; 63.11; Ez 2.2; 3.24; 11.5; Mq 3.8). Além de ter uma relação bastante

próxima com o nascimento de Sansão, esses versículos também lembram do profeta Jeremias que

foi escolhido para ser profeta desde antes do seu nascimento (Jr 1.4-5). Esse versículo, juntamente

com outros que mostram algum tipo de relacionamento de fetos com Deus (Lc 1.41-44; Sl 139.13; Is

49.1; Jr 1.5; Gl 1.15), é potente em sua aplicação antiaborto. Sexto, o ministério do filho de Zacarias

teria sucesso como profeta, pois ele conseguiria fazer com que muitos de Israel se voltasse para o

Senhor. Esse versículo deixa claro que, da perspectiva de Deus, muitos de Israel estavam vivendo

afastados de Deus e seria necessário um ministério de reaproximação e esse ministério seria

desempenhado pelo filho do sacerdote Zacarias. Essa expressão de retornar ao Senhor também

aparece em outros contextos na Escritura: Dt 4.30; 1Sm 7.3; Ne 1.9; Sl 51.13; Is 10.21; 31.6; 55.7; Jr

3.12-22; 4.1; 15.19; 24.7; Lm 3.40; Ez 18.30; Ho 12.6; 14.1-2; Jl 2.13; Zc 1.3. Embora chamar o povo

de Deus para se voltar ao Senhor não fosse uma atividade incomum entre os profetas, o que é

impressionante no ministério anunciado pelo anjo para o filho de Zacarias é que ele teria sucesso em

fazer isso. Sétimo, após ter citado “o Senhor, o Deus deles” no versículo anterior, o anjo diz a Zacarias

que o filho dele iria adiante do Senhor. A expressão grega aqui é αὐτὸς προελεύσεται ἐνώπιον αὐτοῦ.

O verbo usado aqui é o προέρχομαι que significa ir adiante, às vezes até no sentido de ser o líder de

pessoas que seguem atrás (BDAG, 868-869). É evidente que aqui o sentido não pode ser que o filho

de Zacarias seria o líder de Deus, mas que ele andaria adiante de Deus, o que é um pensamento muito

estranho. Como pode alguém ir para algum lugar antes de Deus, talvez Zacarias tenha pensado. A

história do evangelho explica aquilo que aqui não é falado. A encarnação do Filho de Deus

possibilitará isso. A maneira de expressar alguém que anda adiante do Senhor evoca o texto de

Malaquias 3.1: “Eis que eu envio o meu mensageiro, que preparará o caminho diante de mim. De

repente, o Senhor, a quem vocês buscam, virá ao seu templo; e o mensageiro da aliança, a quem

vocês desejam, eis que ele vem, diz o SENHOR dos Exércitos”. Além disso, esse andar adiante de Deus

aconteceria “no Espírito e poder de Elias”. O mesmo Espírito Santo que atuou em Elias e deu poder

a um dos profetas mais importantes da história de Israel atuaria sobre este filho mais do que especial.

Talvez aqui, Zacarias, se é que ele estava conseguindo processar todas as informações do anjo, tenha


se lembrado do texto bíblico: “ 5 — Eis que eu lhes enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande

e terrível Dia do SENHOR. 6 Ele converterá o coração dos pais aos seus filhos e o coração dos filhos aos

seus pais, para que eu não venha e castigue a terra com maldição” (Malaquias 4.5-6). Se ele se

lembrou, isso somente se confirmou à medida em que o anjo continuou falando. Oitavo, assim como

diz Malaquias 4.5-6 sobre o profeta Elias que viria no futuro, o anjo diz a Zacarias que seu filho João

faria voltar o coração dos pais aos seus filhos. Uma restauração da harmonia familiar que deveria

caracterizar a família da aliança que é o que o ministério deste profeta prometido vai realizar. 75 Nono,

aquilo que em Malaquias aparece como voltar o coração dos filhos aos pais, é retrabalhado pelo anjo

como voltar “os desobedientes na prudência dos justos”. Assim, essa restauração da harmonia

familiar seria baseada não em utilitarismo, mas em uma transformação profunda de caráter, marcada

pela presença da sabedoria bíblica. Em décimo lugar, o ministério do filho do sacerdote também faria

com que ficasse pronto para o Senhor um povo “preparado”. A palavra grega aqui é

κατεσκευασμένον (kateskeuasménon), que significa: tornar algo pronto para algum propósito, tornar

pronto, preparar, construir, erigir, equipar (BDAG, 526-527). Pronto para que, alguém poderia

perguntar. Creio que o texto responde, pronto para a vinda do Senhor! Assim como no Êxodo (19.10-

11) e em algumas outras ocasiões o povo era convocado para se purificar e preparar porque Deus

faria uma reunião com eles, assim o filho de Zacarias e Isabel será o responsável por convocar o povo

para se encontrar com Deus e ele vai conseguir fazer isso com algum nível de sucesso. As palavras de

Green cabem bem aqui:

Ainda não há nenhuma noção de um Messias em vista na narrativa, mesmo que a atmosfera

esteja carregada de antecipação escatológica. Por ora, a promessa gira em torno da

intervenção direta do próprio Senhor Deus, cuja vinda inauguraria o tão esperado domínio de

Deus, shalom, paz com justiça (cf. Is 40). O anúncio do nascimento de João forneceu, assim, a

ocasião para uma proclamação ainda mais surpreendente. O período de espera está

75

Geldenhuys apresenta uma interpretação bem diferente aqui, que nos relembra que a expressão pais pode ser usada

para apontar para a geração anterior. “Com Greydanus, imaginamos que o caso seja o seguinte. Por “pais” entende-se

os ancestrais piedosos de Israel. Eles estão, por assim dizer, cheios de aversão por seus descendentes que caíram na

impiedade. Agora, João, pelo poder do Espírito Santo, fará com que muitos desses descendentes se convertam a Deus e

assim abandonem seus caminhos pecaminosos. E dessa maneira eles reconquistarão a afeição de seus piedosos

ancestrais. O significado é, portanto, que João trará a atual geração rebelde à harmonia religiosa com os retos dos

tempos anteriores. Será sua tarefa reunir e consolidar Israel com base na devoção dos antepassados”. Norval

Geldenhuys, Commentary on the Gospel of Luke: The English Text with Introduction, Exposition and Notes (The New

International Commentary on the Old and New Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1952),

66. Para Carroll, por outro lado, como o texto diz que os pais é que devem se voltar para os filhos, o erro está com os

pais e que o ministério de Jesus vai, na verdade, separar pais e filhos, por causa da dureza dos primeiros. Cf. John T.

Carroll, Luke: A Commentary (org. C. Clifton Black e M. Eugene Boring; First Edition.; The New Testament Library;

Louisville, KY: Westminster John Knox Press, 2012), 32–33.


chegando ao fim. Deus está agindo. Os preparativos finais são necessários, e João terá o papel

profético central na proclamação do iminente advento do Senhor. 76

18 καὶ εἶπεν Ζαχαρίας πρὸς τὸν ἄγγελον· κατὰ τί γνώσομαι τοῦτο; ἐγὼ γάρ εἰμι πρεσβύτης καὶ ἡ

γυνή μου προβεβηκυῖα ἐν ταῖς ἡμέραις αὐτῆς. 18 E disse Zacarias ao anjo: “De que modo

realmente saberei isto? Porque eu sou velho e a mulher minha velha nos dias dela”. Sabe aquele

momento em que você deveria ter ficado quieto, mas falou o que não devia? Pois é, com Zacarias

aconteceu mais ou menos assim. Quando a mãe de Sansão recebeu uma visita de um anjo ela não

pediu nenhuma confirmação, apenas foi contar ao seu marido a novidade maravilhosa (Jz 13). Daniel

também não duvidou das palavras recebidas por meio de anjos (Dn 9—12). Nem mesmo Balaão

questionou o anjo que lhe foi enviado (Nm 22.21-41). Abraão creu quando o anjo lhe anunciou o

nascimento de um filho na sua velhice, Sara se riu e foi levemente repreendida pelo anjo (Gn 18.1-

15). Gideão teve dificuldades de acreditar nas palavras do Anjo do Senhor e o mesmo proveu a ele

sinais para fortalecer a sua fé (Jz 6.11-40). Maria ao receber a visita do mesmo anjo, creu e pediu

maiores explicações de como funcionaria aquilo que o anjo estava lhe anunciando (Lc 1.26-38).

Assim, Deus tem uma maneira específica de lidar com cada um, levando em consideração quem é a

pessoa que está recebendo instrução por parte do anjo. Baseado em toda a história da redenção, no

ritual que ele estava performando e na evidência da presença e palavra angelicais, Zacarias deveria

ter crido. 77 Mas ele não creu e questionou como poderia realmente ter certeza de que aquilo tudo

iria acontecer, especialmente considerando que ele e sua esposa já estavam velhos demais.

19 καὶ ἀποκριθεὶς ὁ ἄγγελος εἶπεν αὐτῷ· ἐγώ εἰμι Γαβριὴλ ὁ παρεστηκὼς ἐνώπιον τοῦ θεοῦ καὶ

ἀπεστάλην λαλῆσαι πρὸς σὲ καὶ εὐαγγελίσασθαί σοι ταῦτα· 20 καὶ ἰδοὺ ἔσῃ σιωπῶν καὶ μὴ

δυνάμενος λαλῆσαι ἄχρι ἧς ἡμέρας γένηται ταῦτα, ἀνθʼ ὧν οὐκ ἐπίστευσας τοῖς λόγοις μου,

οἵτινες πληρωθήσονται εἰς τὸν καιρὸν αὐτῶν. (19 E respondendo o anjo disse-lhe: “Eu mesmo sou

Gabriel, aquele que fica de pé diante de Deus e fui enviado para falar a você e para evangelizar a

76

Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI:

Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 78.

77

“A pergunta de Zacarias (v. 18) parece inocente, mas o v. 20 revela que foi feita em dúvida. Em contraste, a pergunta

de Maria: “Como pode isso ser”? (v. 34), é feita a partir da fé (v. 45). Maria simplesmente perguntou a forma como

tudo aquilo iria acontecer; Zacarias questionou a veracidade da revelação”. Walter L. Liefeld, “Luke”, in The Expositor’s

Bible Commentary: Matthew, Mark, Luke (org. Frank E. Gaebelein; vol. 8; Grand Rapids, MI: Zondervan Publishing

House, 1984), 8828. Green também diz: “Em Lucas, Deus pode por sua propria iniciativa dar um dinal (1.36; 2.12), mas

pedidos por sinais são interpretados negativamente de forma consistente (11.16, 29–30; 23.8)”. Joel B. Green, The

Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans

Publishing Co., 1997), 79.


você estas coisas. 20 E veja: Ficarás mudo e não podendo falar até este dia em que acontecerão

estas coisas, em retorno de que não acreditastes as palavras minhas, as quais se cumprirão para o

tempo delas”). Então, em um movimento irônico na narrativa, o anjo decide fazer algumas coisas ao

mesmo tempo: repreender Zacarias afirmando a sua identidade angelical, dar-lhe um castigo leve

(mudez temporária), reafirmar a certeza de suas palavras (as quais se cumprirão) e prover o sinal

(mudez) pedido por Zacarias a fim de aumentar a sua fé. O anjo se identifica como Gabriel (Γαβριὴλ).

Este é o mesmo anjo que apareceu para Daniel em Dn 8.15; 9.21 רִ‏ יאֵ֡‏ ל)‏ ‏.(גַבְ‏ O nome Gabriel é a junção

das palavras hebraicas גְבֶׁ‏ ר (gever, homem forte) e אֵ‏ ל (El, Deus), ou seja, “homem [forte] de Deus”.

Gabriel apresenta-se como o anjo “que fica em pé diante de Deus” (veja Ap 8.2). 78 Essa expressão

comunica tanto o fato de que Gabriel é uma espécie de atendente direto de Deus, quanto a grandeza

de alguém que consegue ficar de pé na presença do Todo-Poderoso.

Lucas 1.21-23: Mudo, Zacarias sai do santuário ao encontro do povo

21 Καὶ ἦν ὁ λαὸς προσδοκῶν τὸν Ζαχαρίαν καὶ ἐθαύμαζον ἐν τῷ χρονίζειν ἐν τῷ ναῷ αὐτόν.

22 ἐξελθὼν δὲ οὐκ ἐδύνατο λαλῆσαι αὐτοῖς, καὶ ἐπέγνωσαν ὅτι ὀπτασίαν ἑώρακεν ἐν τῷ ναῷ· καὶ

αὐτὸς ἦν διανεύων αὐτοῖς καὶ διέμενεν κωφός. 23 καὶ ἐγένετο ὡς ἐπλήσθησαν αἱ ἡμέραι τῆς

λειτουργίας αὐτοῦ, ἀπῆλθεν εἰς τὸν οἶκον αὐτοῦ. (21 E estava o povo esperando Zacarias e

maravilhado pelo demorar no santuário dele. 22 E saindo, ele não conseguia falar a eles, e

entenderam que uma visão ele vira no santuário. E ele mesmo estava fazendo sinais a eles

enquanto permanecia mudo. 23 E aconteceu, quando se completaram os dias do serviço dele, foi

para a casa dele.) Uma das maneiras que os evangelhos mostram que o tempo que relatam é um

tempo todo especial é por meio do uso de expressões que demonstram maravilhamento por parte

do povo. Não sabemos quanto tempo normalmente demorava o processo de acender o incenso

diante de Deus, mas neste dia demorou bem mais do que o normal, ao ponto de o povo ficar

maravilhado. É até mesmo possível que alguns haviam começado a considerar a possibilidade de

Zacarias ter morrido dentro do templo. 79 Finalmente, no entanto, Zacarias saiu. É provável que nessa

78

Veja essa outra possibilidade de interpretação do nome Gabriel: “Gabrî-ʾēl não significa ‘Homem de Deus’, nem ‘Deus

tem se mostrado forte’, mas ‘Deus é o meu herói/guerreiro’. Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX:

introduction, translation, and notes (vol. 28; Anchor Yale Bible; New Haven; London: Yale University Press, 2008), 328.

79

Marshall chama a atenção para o fato de que o Mishnah Yoma 5.1, após descrever as atividades do sumo-sacerdote

ao queimar incenso, diz: “Ele coloca o incenso sobre as brasas, e toda a câmara seria preenchida com fumaça. Então ele

sai e sai da mesma maneira que entrou. Ele não se vira, mas deixa o Santo dos Santos caminhando de frente para a


hora Zacarias tivesse a responsabilidade de abençoar o povo com a bênção sacerdotal junto com

ouros sacerdotes (Nm 6.24-26). 80 Mas ele não poderia fazer isso, pois não saiu da mesma maneira

que havia entrado. Agora ele estava mudo (e surdo, de acordo com Lc 1.62) e, de alguma forma, o

povo entendeu que o sacerdote idoso tivera uma visão no santuário por parte do Senhor. Assim,

Zacarias começou a se comunicar com o povo por meio de sinais. Assim, acabaram os dias do serviço

de Zacarias. A palavra aqui traduzida como serviço é o grego λειτουργίας (leitourgías), de onde vem

a nossa palavra “liturgia”. A principal conotação do termo grego é de um serviço prestado a Deus,

relacionado ou não ao culto. 81 Ao acabar a “liturgia” de Zacarias, ele foi para a sua casa.

Lucas 1.24-25: Isabel fica grávida!

24 Μετὰ δὲ ταύτας τὰς ἡμέρας συνέλαβεν Ἐλισάβετ ἡ γυνὴ αὐτοῦ καὶ περιέκρυβεν ἑαυτὴν μῆνας

πέντε λέγουσα 25 ὅτι οὕτως μοι πεποίηκεν κύριος ἐν ἡμέραις αἷς ἐπεῖδεν ἀφελεῖν ὄνειδός μου ἐν

ἀνθρώποις. (24 Depois daqueles dias, concebeu Isabel, a mulher dele, e se escondeu até o quinto

mês, dizendo: 25 “Isso a mim fez o Senhor nos dias nos quais preocupou-se em tirar a desgraça de

mim entre os homens.) A Bíblia nunca faz sensacionalismo com o poder sobrenatural de Deus em

ação. Veja, o narrador poderia ter explorado a concepção de Isabel de forma sensacionalista e cheia

de emoção, mas não é assim que ele escreve. O narrador se limita a nos contar três eventos. Primeiro,

Arca. E ele recita uma breve oração na câmara externa, no Santuário. E ele não prolonga sua oração lá para não alarmar

o povo judeu, que caso contrário concluiria que algo aconteceu e que ele morreu no Santo dos Santos.” Texto hebraico

e inglês do Mishná disponível em: https://www.sefaria.org/Mishnah_Yoma.5.1. Cf. I. Howard Marshall, The Gospel of

Luke: a commentary on the Greek text (New International Greek Testament Commentary; Exeter: Paternoster Press,

1978), 61.

80

“Após os sacerdotes saírem do Santuário, eles ficaram de pé nas doze escadas diante do Salão de Entrada. Os cinco

primeiros sacerdotes ficaram ao sul de seus irmãos, os sacerdotes, que levaram os membros da oferta diária até o altar.

E esses cinco sacerdotes tinham cinco vasos em suas mãos: o cesto com as cinzas do altar interno estava nas mãos de um

sacerdote; e o jarro com as cinzas do candelabro estava nas mãos de um sacerdote; e a panela de carvão estava nas mãos

de um sacerdote; e o vaso menor, a tigela que continha o incenso, estava nas mãos de um sacerdote que havia queimado

o incenso; e a colher e sua tampa estavam nas mãos de um sacerdote, o amigo ou parente daquele que queimou o

incenso. Os sacerdotes colocaram seus vasos no chão e então abençoaram o povo, recitando uma bênção. A Bênção

Sacerdotal também era recitada fora do Templo, mas no Templo era recitada de forma diferente, pois no restante do

país os sacerdotes a recitavam como três bênçãos, e os ouvintes respondiam "amém" após cada bênção. Mas no Templo

eles a recitavam como uma única bênção, e os ouvintes não respondiam a cada bênção. Em vez disso, ao final de toda a

Bênção Sacerdotal, eles respondiam: Bendito és Tu, Senhor, Deus de Israel, de eternidade em eternidade.” Talmude,

Mishná Tamid 7.2. Traduzido do inglês, disponível em https://www.sefaria.org/Mishnah_Tamid.7.2. Veja também

Eclesiástico 50.19-21.

81

Sobre liturgia como oferta do dia a dia a Deus, indico o livro: Tish Warren. Liturgia do Ordinário: Práticas Sagradas na

Vida Cotidiana. São Paulo: The Pilgrim, 2019.


Isabel concebeu! Aquela que fora estéril por tantos anos, agora está esperando seu primeiro filho e

um filho especialíssimo, conforme as palavras do anjo (Imagine quantas vezes Zacarias teve que

repetir aquela história para Isabel por meio das tabuinhas que ele usava para escrever?!). Em

segundo lugar, Lucas nos diz que Isabel se escondeu por 5 meses. A explicação que o próprio texto

oferece para a atitude de Isabel de se esconder são as palavras dela: “Isso a mim fez o Senhor nos

dias nos quais preocupou-se em tirar a desgraça de mim entre os homens.” Já vimos que a

esterilidade era vista como uma maldição de Deus. Como resultado, uma mulher estéril era julgada

por muitos como alguém que mereceu ser estéril, uma pecadora. Agora, no entanto, tudo havia

mudado! Isabel estava grávida. Curiosamente, no entanto, em vez de sair por aí “esfregando sua

barriga na cara das pessoas” como forma de mostrar que ela era uma abençoada de Deus, ela se

escondeu. 82 Há autores que interpretam tanto esse esconder de Isabel quanto a mudez de Zacarias

como apontando para o fato de que Deus não queria que aqueles eventos se tornassem totalmente

conhecidos imediatamente. 83 Não consigo ver razão para esta interpretação. Isabel interpretou sua

gravidez de maneira pessoal e teológica. Era uma obra do próprio Deus e era uma obra em seu favor.

É claro que ela deveria saber da grandeza do seu filho para todo o Israel. Para ela, no entanto, o

nascimento do filho era Deus vindicando-a diante dos seus contemporâneos. A palavra que Isabel

usa para falar sobre o que Deus tirou de cima dela é a expressão grega ὄνειδός, que significa “perda

de posição social conectada com fala depreciativa, desgraça, reprovação ou insulto” (BDAG, 711). Ela

também pode significar desgraça, opróbrio, censura e injuria (DTNT, 36). Ou seja, parece que muitas

vezes Isabel foi mal falada pelas pessoas por causa de sua esterilidade. Mas agora, isso faria parte do

passado. Deus havia se lembrado dela. Outro aspecto que o narrador parece estar enfatizando é a

diferença da resposta de Isabel quando comparada à de Zacarias. 84 Ela respondeu em fé, enquanto

seu marido, em incredulidade. Como Israel responderá ao programa de redenção iniciado por Deus?

Como o leitor responderá?

82

Bock apresenta cinco explicações que têm sido dadas por estudiosos para o esconder-se de Isabel: (1) a dor causada

pelos comentários maldosos durante os anos de infertilidade; (2) alusão às setenta semana de Daniel; (3) meses de

louvor a Deus; (4) destacar o encontro de Jesus e João em Lucas 1.39-45; (5) junto com a mudez de Zacarias, manter em

segredo os eventos salvíficos que estão acontecendo até a hora certa. Depois de apresentar as posições, Bock diz que é

impossível saber a razão dessa reclusão de Isabel. Cf. Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical

Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Baker Academic, 1994), 97.

83

Veja, por exemplo, Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX: introduction, translation, and notes (vol.

28; Anchor Yale Bible; New Haven; London: Yale University Press, 2008), 329.

84

Veja ótimas observações sobre isso em Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the

New Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 81.


Teologia da Passagem

Teologia Bíblica

Revelação orgânica (história com ecos de tantas outras no AT), histórica (Herodes,

instituições do judaísmo), progressiva (Cristo está chegando e as instituições do AT

cumprem seu papel apontando e preparando a sua chegada), adaptável (instituições do AT:

sacerdócio, templo, incenso, sinal para Zacarias)

Vinda do Messias

Teologia Sistemática

Revelação de Deus

Soberania de Deus

Espírito Santo

Conversão

Angelologia

Teologia Aplicada

Oração

Incredulidade / Credulidade

Infertilidade

Aborto

Família

Vergonha

Deus usa pessoas de todas as idades, incluindo idosos

Deus dirige o lançar das sortes

Alegria

Aplicações Práticas

Regra de fé: Deus cumpre as suas promessas, fé no Messias visto que como o AT previa

(características de João Batista), houve um mensageiro para preparar o seu caminho. O Messias é o

Senhor. Deus é aquele que tem poder para abrir a madre e fazer coisas impossíveis. Deus é aquele

que dá alegria. Deus agiu em prol de um casal idoso e estéril: ministério, revelação, concepção,

sinal e honra. Deus agiu em prol do seu povo: vinda de João para preparar a vinda do Senhor,

alegria, pregação de João para arrependimento, transformação.

Regra de prática: recomendação da piedade característica de Zacarias e Isabel; Deus ouve a oração

(incenso) dos piedosos; a importância fundamental da oração; repreensão da incredulidade.

Devemos voltar: pais para filhos, desobedientes para sabedoria, ser povo do Senhor.


Transformando em Sermão

Herodes, o Grande e Grande Diante de Deus: Entre Herodes e João

Aprendendo a partir da perspectiva de Deus

1.5-7: Não é porque você é justo que Deus vai dar tudo o que você quer na hora em que

você quer

Moisés não entra na terra

Paulo não teve o espinho da carne retirado

e sim a tua.

Jesus: se possível passa de mim este cálice, mas não seja conforme a minha vontade

1.8-12: Não há rituais vazios no cristianismo: a realidade sobrenatural está sempre

presente, mesmo quando não a vemos

Daniel ora e o anjo vem (Dn 9.20-22)

Apocalipse 5.8

Ananias e Safira em Atos 5

Nadabe e Abiú

1.13-17: Quem é verdadeiramente grande: Herodes ou João?

Davi em sua casa e diante de Golias

Moisés

Deuteronômio 7.7-8

1 Coríntios 1.26-31

1.18-20: Cuidado com a incredulidade! Punição e Sinal juntos.


A jumenta falando com Balaão

Deus dando sinal para Gideão

Deus perdoando a incredulidade de Sara

Deus não permitindo que Moisés entrasse na terra

1.21-25: O Deus que leva a nossa vergonha.

Sara, mãe de Isaque

Rebeca, mãe de Esaú e Jacó

Raquel, Mae de José e Benjamin

Mãe de Sansão

Ana, Mae de Samuel, de 3 outros meninos e 2 meninas

A mulher Sunamita


Lucas 1.26-38 – O Diálogo de Maria com o Anjo Gabriel

Tradução Literal

26 E em o mês sexto foi enviado o anjo Gabriel por Deus para uma cidade da Galileia, cujo nome era

Nazaré, 27 a uma virgem comprometida a um homem cujo nome era José, da casa de Davi e o nome

da virgem era Maria. 28 E entrando diante dela disse: "Saudações, agraciada, o Senhor está com

você". 29 A (Ela), com a palavra, ficou confusa e considerava de que tipo era a saudação aquela. 30 E

disse o anjo a ela: "não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus. 31 E veja! Tu receberás no

ventre e darás à luz um filho e chamarás o nome dele Jesus. 32 Este será grande e filho do Altíssimo

ele será chamado e dará a ele o Senhor Deus, o trono de Davi, pai dele, 33 e ele reinará sobre a casa

de Jacó para sempre e o reino dele não haverá fim". 34 E disse Maria ao anjo: "Como acontecerá isto,

visto que homem não estou conhecendo?” 35 E respondendo o anjo disse-lhe: "O Espírito Santo virá

sobre você e o poder do Altíssimo cobrirá (com sombra) você. Por esta razão também o nascido santo

será chamado filho de Deus. 36 E veja: Elizabete (Isabel) a parente sua também ela concebeu um

filho na velhice dela e este mês sexto é para ela, a chamada estéril, 37 pois toda palavra não será

impossível para Deus. 38 E disse Maria: "Veja a serva do Senhor. Aconteça em mim segundo a palavra

tua". E partiu dela o anjo.

Ideia Exegética

O anjo Gabriel é enviado a Maria que é informada dos planos de Deus de fazê-la a virgem mãe de

Jesus, o grande Filho de Deus e de Davi, e ela se prontifica.

“Deus fez o impossível, trouxe o filho de Deus ‘a terra em um ventre virgem para se tornar o Filho

de Davi que governa um reino eterno”. 85

Contexto Literário

1.5—4.14 – Introdução: João e Jesus em paralelo

1.5-25) Antecedentes do nascimento de João

1.26-56) Antecedentes do nascimento de Jesus

1.57-80) O nascimento de João

85

Trent C. Butler, Luke (vol. 3; Holman New Testament Commentary; Nashville, TN: Broadman &

Holman Publishers, 2000), 10.


2.1-52) O nascimento e a infância de Jesus

3.1-20) Início do ministério de João Batista

3.21-4.13) Preparação de Jesus para o ministério

Contexto Canônico

Como veremos, existe uma íntima conexão entre a presente passagem e a passagem do

anúncio do anjo Gabriel para Zacarias. Aqui, no entanto, vamos salientar a relação entre a nossa

passagem e outras passagens do cânon. Isaías 7.14 é a promessa específica da qual o nosso texto é

o início de cumprimento O mesmo se aplica a 2 Samuel 7.12-16. Gênesis 3.15 é o primeiro texto em

que se fala sobre a promessa de um filho de mulher que será fundamental na derrota da serpente.

Mateus 1 narra a preparação do nascimento de Jesus, inclusive envolvendo aparição de anjos, mas a

partir de outra perspectiva. Textos que tratam sobre humildade, graça e disposição para o serviço a

Deus também lançam luz sobre e recebem luz do nosso texto.

Forma e Estrutura

1.26-27 – O anjo Gabriel é enviado por Deus a Maria

1.28-38 – O diálogo de Maria com o anjo

Existem diversas maneiras de se estruturar um mesmo texto. Essas estruturas podem ser mais

simples ou mais complexas. A estrutura acima é bastante simples. A estrutura abaixo, por outro lado,

é mais complexa e mostra a semelhança entre a nossa passagem e a perícope anterior.

Lucas 1.5-25 Lucas 1.26-38

Ambientação temporal

5

Nos dias de Herodes, rei da Judeia,

26

No sexto mês

Caracterização dos personagens houve um sacerdote chamado o anjo Gabriel foi enviado por Deus,

• O de Zacarias e Isabel é mais

elaborado

Zacarias, do turno de Abias. A

mulher dele era das filhas de Arão e

27

a uma virgem que estava

comprometida a casar com um

• No relato de Maria não há o

elemento surpresa do

aparecimento do anjo que

caracteriza o relato de

Zacarias e Isabel.

se chamava Isabel. 6 Ambos eram

justos diante de Deus, vivendo de

forma irrepreensível em todos os

preceitos e mandamentos do

Senhor. 7 Eles não tinham filhos,

porque Isabel era estéril, e os dois já

tinham idade avançada.

homem da casa de Davi, cujo nome

era José. A virgem se chamava

Maria.


Ambientação geográfica

• Um acontece no templo e o

outro em uma vila

desprezada chamada Nazaré.

Aparição do anjo Gabriel

Reação de temor

O anjo tranquiliza Zacarias/Maria

Anúncio do nascimento do filho e do

nome

Anúncio da identidade e ministério

do filho de Zacarias/Maria

Pergunta do personagem

apresentando alguma dificuldade

quanto ao cumprimento

Resposta do anjo com um sinal

• Zacarias é tratado como

incrédulo e Maria não.

Conclusão do encontro de

Zacarias/Maria com o anjo

8 E aconteceu que, enquanto

Zacarias exercia o sacerdócio diante

de Deus na ordem do seu turno,

coube-lhe por sorteio, 9 segundo o

costume sacerdotal, entrar no

santuário do Senhor para queimar o

incenso. 10 Durante esse tempo, toda

a multidão do povo permanecia na

parte de fora, orando.

11 E eis que apareceu a Zacarias um

anjo do Senhor, em pé, à direita do

altar do incenso.

12

Ao vê-lo, Zacarias ficou assustado,

e o temor se apoderou dele.

13 O anjo, porém, lhe disse: — Não

tenha medo, Zacarias, porque a sua

oração foi ouvida.

Isabel, sua esposa, dará à luz um

filho, a quem você dará o nome de

João.

14 Você ficará alegre e feliz, e muitos

ficarão contentes com o nascimento

dele. 15 Pois ele será grande diante

do Senhor, não beberá vinho nem

bebida forte, e será cheio do Espírito

Santo, já desde o ventre materno.

16 Ele converterá muitos dos filhos de

Israel ao Senhor, seu Deus. 17 E irá

adiante do Senhor no espírito e

poder de Elias, para converter o

coração dos pais aos filhos,

converter os desobedientes à

prudência dos justos e habilitar para

o Senhor um povo preparado.

18 Então Zacarias perguntou ao anjo:

— Como terei certeza disso? Pois eu

sou velho, e a minha mulher

também já tem idade avançada.

19

O anjo respondeu: — Eu sou

Gabriel, que estou a serviço de

Deus, e fui enviado para falar com

você e lhe trazer esta boa notícia. 20

Todavia, você ficará mudo e não

poderá falar até o dia em que estas

coisas vierem a acontecer, porque

você não acreditou nas minhas

palavras, as quais, no devido tempo,

se cumprirão.

21

O povo estava esperando Zacarias

e admirava-se com a demora dele

a uma cidade da Galileia, chamada

Nazaré

[o anjo Gabriel foi enviado por Deus]

28 E, aproximando-se dela, o anjo

disse:

— Salve, agraciada! O Senhor está

com você.

29

Ela, porém, ao ouvir esta palavra,

perturbou-se muito e pôs-se a

pensar no que poderia significar esta

saudação.

30 Mas o anjo lhe disse: — Não tenha

medo, Maria; porque você foi

abençoada por Deus.

31 Você ficará grávida e dará à luz um

filho, a quem chamará pelo nome de

Jesus.

32 Este será grande e será chamado

Filho do Altíssimo. Deus, o Senhor,

lhe dará o trono de Davi, seu pai. 33

Ele reinará para sempre sobre a casa

de Jacó, e o seu reinado não terá

fim.

34 Então Maria disse ao anjo: —

Como será isto, se eu nunca tive

relações com homem algum?

35

O anjo respondeu: — O Espírito

Santo virá sobre você, e o poder do

Altíssimo a envolverá com a sua

sombra; por isso, também o ente

santo que há de nascer será

chamado Filho de Deus. 36 E Isabel,

sua parenta, igualmente está

grávida, apesar de sua idade

avançada, sendo este já o sexto mês

de gestação para aquela que diziam

ser estéril. 37 Porque para Deus não

há nada impossível.

38

Então Maria disse:


Resultado do encontro com o anjo

no santuário. 22 Quando Zacarias

saiu, não lhes podia falar. Então

entenderam que ele havia tido uma

visão no santuário. E expressava-se

por sinais e permanecia mudo.

23 Aconteceu que, terminados os dias

do seu ministério, Zacarias voltou

para casa.

24 Passados esses dias, Isabel, a

mulher de Zacarias, ficou grávida. E

ela não saiu de casa durante cinco

meses, dizendo: 25 — Foi isto o que o

Senhor me fez, ao contemplar-me,

para acabar com a minha vergonha

diante das pessoas.

— Aqui está a serva do Senhor; que

aconteça comigo o que você falou.

Então o anjo foi embora.

Maria visita Isabel (Lc 1.39-45)

O Cântico de Maria (Lc 1.46-56)

Sobre a relação entre essas cenas, Edwards diz: “Os dois anúncios são narrados de forma

independente um do outro, ainda assim, ambos são governados pelo propósito divino único de

inaugurar o reino escatológico de Deus”. 86

Comentário

1.26-27 – O anjo Gabriel é enviado por Deus a Maria

26 Ἐν δὲ τῷ μηνὶ τῷ ἕκτῳ ἀπεστάλη ὁ ἄγγελος Γαβριὴλ ἀπὸ τοῦ θεοῦ εἰς πόλιν τῆς Γαλιλαίας ᾗ

ὄνομα Ναζαρὲθ 27 πρὸς παρθένον ἐμνηστευμένην ἀνδρὶ ᾧ ὄνομα Ἰωσὴφ ἐξ οἴκου Δαυὶδ καὶ τὸ

ὄνομα τῆς παρθένου Μαριάμ. (26 E em o mês sexto foi enviado o anjo Gabriel por Deus para uma

cidade da Galileia, cujo nome era Nazaré, 27 a uma virgem comprometida a um homem cujo nome

era José, da casa de Davi e o nome da virgem era Maria.) O texto de Lucas 1.24 nos informou que

Isabel ficou cinco meses sem sais de casa depois que concebeu o seu filho. O nosso texto começa

com a seguinte informação cronológica: “No sexto mês”. É claro, portanto, que está sendo

86

James R. Edwards, The Gospel according to Luke (org. D. A. Carson; The Pillar New Testament Commentary; Grand

Rapids, MI; Cambridge, U.K.; Nottingham, England: William B. Eerdmans Publishing Company; Apollos, 2015), 41. A

citação continua da seguinte forma: “Os dois anúncios são, dessa forma, elementos narrativos de uma única história, o

que Lucas aponta pela localização em sequencia e detalhes paralelos. A metanarrativa que as abrange, não as absorve e

dissolve os particulares dos dois anúncios, entretanto, mas acentua os elementos singulares de cada uma nos propósitos

de Deus”. Essa mesma afirmação pode ser feita a respeito dos personagens da narrativa e como uma aplicação para os

leitores contemporâneos.


estabelecida uma conexão entre as duas gravidezes, as duas mães e, especialmente, os dois bebês

apresentados por Lucas. O uso da contagem de meses para relacionar os dois eventos continua

presente à medida em que o relato se desenvolve (Lc 1.24; 26; 36; 56). O segundo elemento de

contato entre as duas passagens é apresentado logo em seguida com a afirmação de que o anjo

Gabriel novamente foi enviado da parte de Deus.

Os relatos, no entanto, não têm apenas continuidades e semelhanças, mas também

contrastes. 87 O anúncio de Gabriel para Zacarias aconteceu dentro do templo, em Jerusalém, na

Judeia. O encontro de Gabriel com Maria, por outro lado, acontece em Nazaré da Galileia. Enquanto

a Judeia era a região mais desenvolvida e importante, comportando Jerusalém que era o centro

religioso, político e financeiro da nação. A Galileia era região interiorana e marcada pela agricultura

de subsistência. Vemos esse desprezo pela Galileia, por exemplo, no evangelho de João, quando os

fariseus deixam claro para Nicodemos que da Galileia não se levanta profeta (Jo 7.52). Sendo a região

limítrofe de Israel, acostumou-se em ser a primeira região atacada pelos inimigos que vinham do

norte (2Rs 15.29) e por isso mesmo era “desprezível” e considerada a “Galileia dos gentios” (Is 9.1).

Nazaré, por sua vez, sendo uma cidade bem pobre e não tão desenvolvida pelos padrões da época,

era uma das cidades mais desprezadas da Galileia, o que fica bem claro no comentário de Natanael

a Filipe no evangelho de João: “De Nazaré pode sair alguma coisa boa?” (Jo 1.46). Assim, do ponto

de vista socioeconômico, o anjo Gabriel agora se encontra em uma região oposta àquela em que se

encontrava na no texto anterior. 88

O segundo contraste que temos entre os dois textos diz respeito à caracterização dos

personagens. Enquanto Zacarias e Isabel são idosos, casados há muitos anos, detém certo status

religioso e são apresentados como exemplos da piedade vétero-testamentária, Maria é apresentada

com apenas quatro peças de informação: (1) ela é uma virgem e, portanto, bem jovem; (2) ela está

prometida em casamento; (3) o homem a quem ela está prometida em casamento é da casa de Davi

87

Veja uma lista desses contrastes em Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the

New Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 84–85.

88

Sobre Gabriel, Green faz o interessante comentário de que é o personagem dele quem estrutura a história: Lucas usa

Gabriel para apresentar o episódio: ele vem até a virgem (v. 26-27), entrega a mensagem e recebe a resposta (v. 28-

38a) e, então, parte (v. 38b). Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New

Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 83.


e (4) o nome dela é Maria. 89 Além disso, Zacarias e Isabel tem status social e Maria, não. 90 Assim,

podemos afirmar que existe uma ligação íntima entre os dois anúncios de nascimento e que essa

ligação é tanto de continuidade quanto de contraste. Analisemos cada uma das informações que o

texto nos dá sobre Maria.

A palavra παρθένον (virgem) é usada duas vezes no v.27 e este é a primeira peça de

informação apresentada a respeito de Maria. Mais à frente, no v, 34, o texto torna ainda mais

explícito o significado da expressão, quando Maria deixa claro que nunca havia tido relação sexual

com nenhum homem. Essa ênfase na virgindade de Maria faz com que o leitor conhecedor do Antigo

Testamento se lembre de Isaías 7.14: “Portanto, o Senhor mesmo lhes dará um sinal: eis que a virgem

conceberá e dará à luz um filho e lhe chamará Emanuel” (NAA). No texto de Isaías, Deus está

anunciando a Acaz, a despeito da incredulidade deste, o nascimento de uma criança especial que

será um libertador para o seu povo (Is 7.10-17). Dessa forma, é possível dizer que o nosso texto cria

propositadamente um eco do texto de Isaías. 91

A segunda informação do nosso texto a respeito de Maria é que ela está “ἐμνηστευμένην”

(emnesteuménen). O verbo μνηστεύω (mnesteúo) significa “noivar, comprometer em casamento”. O

compromisso desse “noivado” era tão sério que se a mulher prometida tivesse relações com outro

homem, ambos seriam mortos (Dt 22.23)! O Talmude explica o costume afirmando que um homem

que deseja “adquirir” uma esposa precisa fazê-lo em três passos. Primeiro, transferência de dinheiro.

Segundo, a produção de documento formal de casamento. Terceiro, a relação sexual. Após essas

explicações, o texto explicita a seriedade legal com que eram vistos os primeiros passos que

antecedem a consumação sexual do casamento:

89

Para comparações que tem sido propostas entre a encarnação de Cristo e mitos pagãos, veja James R. Edwards, The

Gospel according to Luke (org. D. A. Carson; The Pillar New Testament Commentary; Grand Rapids, MI; Cambridge, U.K.;

Nottingham, England: William B. Eerdmans Publishing Company; Apollos, 2015), 41–42.

90

Calvino chama a atenção para as diferenças entre os relatos: “A profecia a respeito de João foi publicada no templo e

tornou-se universalmente conhecida. Cristo é prometido a uma virgem em uma cidade obscura da Judeia e a sua

profecia permanece sepultada no peito de uma jovem mulher”. John Calvin, Commentary on a Harmony of the

Evangelists Matthew, Mark, and Luke (vol. 1; Bellingham, WA: Logos Bible Software, 2010), 31. Carroll, talvez, esteja

lendo demais na situação quando diz: Ironicamente, enquanto ela está esperando para ganhar honra (atribuída) por

meio do casamento em uma família que está na linhagem de Davi, ela aprende do mensageiro divino que sua reversão

de status virá, em vez disso, da identidade do filho dela – e por escolha e iniciativa divina”. John T. Carroll, Luke: A

Commentary (org. C. Clifton Black e M. Eugene Boring; First Edition.; The New Testament Library; Louisville, KY:

Westminster John Knox Press, 2012), 39.

91

Cf. Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI:

Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 85.


Uma vez que esse processo de aquisição tenha sido formalizado e um mulher tenha se

tornado mekudeshet [prometida em casamento, noiva], deve ser considerada casamento,

ainda que o laço do casamento não tenha sido consumado e ela não tenha entrado na casa

de seu marido. Qualquer um, fora o seu esposo, que engajar em relações sexuais com ela é

passível de ser executado pelo tribunal. Se o seu marido quiser se divorciar dela, ele dele

compor um “get” (um documento formal de divórcio). 92

Esse era o estado de Maria. Provavelmente José já havia pagado o dote e um documento de

casamento já havia sido redigido. Na cultura da época, uma menina era considerada adulta a partir

dos doze anos e um rapaz a partir dos treze. 93 A partir dessa idade, uma moça poderia ficar noiva e,

então, teria um ano para se preparar para o casamento. 94 Assim, embora não seja possível afirmar a

idade de Maria com certeza, é relativamente seguro afirmar que ela devia ter algo entre 12 e 19 anos

quando o anjo Gabriel veio falar com ela.

A terceira informação que o texto nos dá sobre Maria diz respeito ao homem de quem ela

está noiva. Duas são as informações sobre ele: seu nome e origem. O nome é José (Ἰωσὴφ, Yosef)

vem do hebraico “ ף ‏”יֹוסֵ‏ e tem uma etimologia complicada significando “ele toma” ou “ele

adicionará”. 95 A segunda informação é mais importante, pois afirma que o noivo da virgem é ἐξ οἴκου

Δαυὶδ (da casa de Davi). A expressão significa da família de Davi (cf. por ex. 1Sm 20.16; 2Sm 3.6; 1Rs

12.20) e no contexto do anúncio de uma gravidez, aponta especialmente para a importantíssimo

texto de 2 Samuel 7.26 (veja tb. 1Rs 13.2; 1Cr 7.24; 2Cr 21.7; Zc 12.8-12), onde Deus promete um

descendente da casa de Davi que reinará para sempre sobre o trono de Israel. A narrativa evoca

diversos textos do Antigo Testamento que afirmam e reafirmam as promessas que Deus fez a Davi

(Sl 89.1-37; Is 9.6-7; 11.1; 55.3-5; Jr 23.5-6; 30.8-10; 33.14-17; Ez 37.22-25; Os 3.4-5; Am 9.11). 96

92

Mishneh Torah 1.3. Disponível em <https://www.sefaria.org/Mishneh_Torah%2C_Marriage.1.3>. Acesso em

09/03/2023. Outro documento com diversos regulamentos a respeito do casamento é o Mishnah Ketubot, disponível

em <https://www.sefaria.org/Mishnah_Ketubot>. Acesso em 09/03/2023.

93

Para referências, veja Mishnah Niddah 5:6 Disponível em <https://www.sefaria.org/Mishnah_Niddah.5.6>. Acesso

em 09/03/2023; Mishnah Yoma 8:4 Disponível em <https://www.sefaria.org/Mishnah_Yoma.8.4>. Acesso em

09/03/2023; Mishnah Kiddushin 4:12 Disponível em <https://www.sefaria.org/Mishnah_Kiddushin.4.12>. Acesso em

09/03/2023 e Berakhot 24a:12 Disponível em <https://www.sefaria.org/Berakhot.24a.12>. Acesso em 09/03/2023.

94

Cf. Mishnah Ketubot 5.2-3. Disponível em <https://www.sefaria.org/Mishnah_Ketubot.5.2>. Acesso em 09/03/2023.

95

Wilhelm Gesenius e Samuel Prideaux Tregelles, Gesenius’ Hebrew and Chaldee lexicon to the Old Testament

Scriptures (Bellingham, WA: Logos Bible Software, 2003), 343. Veja tb. Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke

I–IX: introduction, translation, and notes (vol. 28; Anchor Yale Bible; New Haven; London: Yale University Press, 2008),

344.

96

Devo essa lista de textos a John F. Walwoord. The Kingdom Promised to David. 2008. Disponível em

<https://bible.org/seriespage/5-kingdom-promised-david>. Acesso em 10/03/23.


Curiosamente, a última informação que Lucas nos fornece é o nome da “virgem”: Μαριάμ

(Maríam). Diferente dos demais evangelistas que registram o nome como Μαρίας, Lucas escreve o

nome de Maria da mesma forma que a LXX grafa o nome de Miriã ( רְ‏ יָם ‏,(מִ‏ irmã de Moisés. Existe

grande discussão a respeito da etimologia do nome, mas algumas possibilidades de significado são

exaltada, excelente ou amarga, rebelde. 97 Vimos no texto anterior que o sacerdote reagiu mal à visita

do anjo. Como reagirá a adolescente de Nazaré?

1.28-38 – O diálogo de Maria com o anjo

28 καὶ εἰσελθὼν πρὸς αὐτὴν εἶπεν· χαῖρε, κεχαριτωμένη, ὁ κύριος μετὰ σοῦ. 29 ἡ δὲ ἐπὶ τῷ λόγῳ

διεταράχθη καὶ διελογίζετο ποταπὸς εἴη ὁ ἀσπασμὸς οὗτος. 28 E entrando diante dela disse:

"Saudações, agraciada, o Senhor está com você". 29 A (Ela), com a palavra, ficou confusa e

considerava de que tipo era a saudação aquela. Assim que o anjo entra na presença de Maria, ele

chega saudando-a com “χαῖρε, κεχαριτωμένη, ὁ κύριος μετὰ σοῦ”. A primeira palavra grega é a

saudação padrão dos gregos na época da escrita do texto. Embora a palavra compartilhe da mesma

raiz de palavras significativas como graça (χάρις), ação de graças (εὐχαριστέω) e alegria (χαρά), aqui

ela tem simplesmente o significado de “saudações”, ou “oi”.

A palavra que vem logo a seguir é da mesma raiz. É o verbo χαριτόω, que significa “causar

alguém ser o recipiente de algum benefício, derramar favor sobre, grandemente favorecer,

abençoar” (BDAG, 1081). No caso do nosso texto, o verbo é um particípio perfeito passivo sendo

utilizado de maneira substantivada para Maria. Ou seja, o anjo a define como alguém que foi

agraciada por Deus e por isso está em um estado de agraciamento. Maria é bendita porque recebeu

bênção. Ela é cheia de graça porque recebeu muita graça da parte do Senhor. Ou seja, não há, nessa

saudação, nenhum reconhecimento de alguma característica intrínseca especial em Maria, mas sim

o reconhecimento de que ela foi abençoada de maneira maravilhosa pelo Senhor. 98 Como Marshall

diz, “O particípio indica que Maria foi especialmente favorecida por Deus no sentido de ter sido

escolhida para ser a mãe do Messias (1.30). Não existe nenhuma sugestão de qualquer dignidade

97

I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: a commentary on the Greek text (New International Greek Testament

Commentary; Exeter: Paternoster Press, 1978), 65; Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX: introduction,

translation, and notes (vol. 28; Anchor Yale Bible; New Haven; London: Yale University Press, 2008), 344. Verb tb. Êx

15.23 e Rt 1.20.

98

“A tradução da vulgate como gratia plena (“cheia de graça”) é enganosa, porque a palavra em Lucas aponta para o

favor de Deus, não para a graça que torna alguém santo”. François Bovon e Helmut Koester, Luke 1: a commentary on

the Gospel of Luke 1:1–9:50 (Hermeneia—a Critical and Historical Commentary on the Bible; Minneapolis, MN: Fortress

Press, 2002), 50.


particular por parte da própria Maria”. 99 Green comenta de maneira semelhante: “Deus deu favor

para alguém que não tinha reivindicação de status digno, levantou-a de uma posição de pequenez e

a escolheu para ter um papel central na história da salvação”. 100

A terceira parte da saudação do anjo é uma afirmação de que o Senhor está com Maria: ὁ

κύριος μετὰ σοῦ. É uma cláusula sem verbo, o que torna a afirmação ainda mais contundente e

axiomática. Foi a mesma saudação que o anjo fez para Gideão em Juízes 6.12. Seria possível escrever

um belíssimo livro teológico sobrea presença de Deus com pessoas ao longo da história bíblica!

Normalmente, Deus afirma a sua presença para alguém quando convoca essa pessoa para algum

trabalho, um lugar ou um relacionamento especial com ele. A Bíblia afirma, por exemplo, que Deus

estava com Abraão (Gn 21.22), Isaque (Gn 26.24), Jacó (Gn 28.15), José (Gn 39.2), Moisés (Gn 3.12),

Josué (Js 1.5), Samuel (1Sm 3.19), Davi (1Sm18.14), Salomão (1Cr 28.20), Fineias (1Cr 9.20), Jeremias

(Jr 1.8) e muitos outros, normalmente, no contexto de mostrar Deus encorajando essas pessoas para

o trabalho ou os autores bíblicos confirmando que porque Deus estava com alguém, essa pessoa

conseguiu realizar grandes coisas. Green comenta que a expressão “O Senhor é contigo” é muito

mais do que uma saudação e que “esta linguagem é frequentemente usada no AT com referência a

uma pessoa escolhida por Deus para um propósito especial na história da salvação”, e acrescenta,

“em tais contextos, essa expressão assegura os agentes humanos dos recursos e da proteção

divina”. 101 A frase aqui funciona como uma constatação (não um desejo). 102

Curiosamente, nessa primeira parte do diálogo, o anjo fala, mas Maria não fala nada e volta.

As duas últimas palavras do anjo, de que ela era uma mulher especialmente agraciada e que Deus

era com ela, fizeram com que Maria ficasse confusa: ἡ δὲ ἐπὶ τῷ λόγῳ διεταράχθη καὶ διελογίζετο

ποταπὸς εἴη ὁ ἀσπασμὸς οὗτος. Aliás, o texto aqui atribui duas reações à Maria: perturbação

(διεταράχθη) e ponderação (διελογίζετο). A primeira dessas expressões significa ficar

profundamente perturbado, perplexo ou confuso. Nessa forma (διαταράσσω), o verbo é uma hápax

legomena; a forma intensificada do verbo mais comum, ταράσσω. Além disso, o narrador também

no informa que Maria se pôs a pensar sobre o significado daquela saudação. O verbo διαλογίζομαι

99

I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: a commentary on the Greek text (New International Greek Testament

Commentary; Exeter: Paternoster Press, 1978), 65.

100

Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI:

Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 87.

101

Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI:

Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 87.

102

Cf. Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX: introduction, translation, and notes (vol. 28; Anchor Yale

Bible; New Haven; London: Yale University Press, 2008), 346.


também é uma forma intensificada de λογίζομαι e significa considerar, ponderar, arrazoar, pensar a

seriamente a respeito, distinguir, refletir, discutir. Essa é uma das marcas de Maria neste evangelho.

Ela é uma mulher contemplativa, que pondera naquilo que está acontecendo (Lc 2.19, 51; cf. tb. Lc

1.46-55).

30 Καὶ εἶπεν ὁ ἄγγελος αὐτῇ· μὴ φοβοῦ, Μαριάμ, εὗρες γὰρ χάριν παρὰ τῷ θεῷ. 31 καὶ ἰδοὺ

συλλήμψῃ ἐν γαστρὶ καὶ τέξῃ υἱὸν καὶ καλέσεις τὸ ὄνομα αὐτοῦ Ἰησοῦν. 32 οὗτος ἔσται μέγας καὶ

υἱὸς ὑψίστου κληθήσεται καὶ δώσει αὐτῷ κύριος ὁ θεὸς τὸν θρόνον Δαυὶδ τοῦ πατρὸς αὐτοῦ,

33 καὶ βασιλεύσει ἐπὶ τὸν οἶκον Ἰακὼβ εἰς τοὺς αἰῶνας καὶ τῆς βασιλείας αὐτοῦ οὐκ ἔσται τέλος.

30 E disse o anjo a ela: "não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus. 31 E veja! Tu

receberás no ventre e darás a luz um filho e chamarás o nome dele Jesus. 32 Este será grande e

filho do Altíssimo ele será chamado e dará a ele o Senhor Deus, o trono de Davi, pai dele, 33 e ele

reinará sobre a casa de Jacó para sempre e o reino dele não haverá fim". Vendo a reação sem

palavras de Maria, o anjo continua falando: “μὴ φοβοῦ, Μαριάμ, εὗρες γὰρ χάριν παρὰ τῷ θεῷ”.

Depois de dizer as palavras tradicionais dos anjos, o “não temas”, o anjo explica para Maria o porquê

ela foi chamada de agraciada (κεχαριτωμένη, no v. 28) e a razão é porque ela achou graça diante de

Deus. A expressão “achar graça aos olhos de” ou “encontrar graça diante de” aparece várias vezes

na LXX. A lista daqueles que encontraram graça diante de Deus no AT inclui Noé (Gn 6.8), Abraão (Gn

18.3), Moisés (Êx 33.13, 16, 17; 34.9; Nm 11.11), Gideão (Jz 6.17), Ana (1Sm 1.18) e Davi (2Sm

15.25). 103 Encontrar graça diante de alguém significa que aquela pessoa te fará o bem sem que você

tenha feito nada por merecer aquele bem. Assim, o anjo explica a Maria que Deus quis olhar para ela

com graça.

Essa graça é explicada de forma específica e enfática a partir do v. 31: καὶ ἰδοὺ 104 συλλήμψῃ

ἐν γαστρὶ καὶ τέξῃ υἱὸν. A tradução literal é estranha: “receberás no ventre e darás a luz um filho”,

mas isso é só porque a maneira de falar da época soa estranha para ouvidos contemporâneos. Em

103

Essas outras referências na LXX também dizem respeito a encontrar graça diante de Deus: Pv 3.3; 12.2; 18.22. A

mesma expressão é usada nos relacionamentos inter-humanos na LXX: Gn 30.27; 32.6; 33.8, 10, 15; 34.11; 39.4; 47.25,

29; 50.4; Nm 32.5; Dt 24.1; Rt 2.2, 10, 13; 1Sm 16.22; 20.3, 29; 25.8; 27.5; 2Sm 14.22; 16.4; 1Rs 11.19; Et 2.9, 15, 17;

5.8; 7.3; 8.5; Pv 3.3. Veja também Esdras A 8.4; 1 Macabeus 6.13, 24; 10.60; 11.24; Eclesiástico 3.18; 21.16; 41.27; 45.1;

Baruque 1.12.

104

Steven E. Runge chama expressões semelhantes ao ἰδού de “chamadores de atenção” e diz que eles funcionam

como dispositivos que apontam para frente. Eles são “elementos opcionais que poderiam ter sido omitidos sem alterar

significativamente o conteúdo proposicional”. Runge continua dizendo que eles criam uma quebra da fluência do

discurso com fins de ênfase e “criar alguma medida de suspense”. Steven E. Runge, Discourse Grammar of the Greek

New Testament: A Practical Introduction for Teaching and Exegesis (Bellingham, WA: Lexham Press, 2010), 122–123.


suma, a graça que Maria está recebendo é a chegada de um filho. Ela ficará grávida! A partir daí, o

anjo faz uma apresentação relativamente detalhada deste filho maravilhoso que Maria terá. O que

chamará a atenção de Maria, no entanto, no v. 34, não é a descrição do filho, mas realmente o fato

de que ela ficará grávida. Mas antes de chegarmos lá, vejamos a descrição maravilhosa que o anjo

faz do filho de Maria.

Nos versículos 31-33, o anjo Gabriel apresenta sete informações sobre a identidade de Jesus.

Curiosamente essas informações, que são centrais na estrutura do texto, não são desenvolvidas em

forma de diálogos pelos próprios personagens. A gravidez em si é o assunto que forma uma inclusio

em torno dessas sete características. Vejamos cada informação do anjo sobre o bebê de Maria. (1)

em primeiro lugar ele evidentemente será filho de Maria, o que será desenvolvido de maneira mais

clara mais à frente no texto. (2) A segunda informação é que o nome que deve ser dado ao filho de

Maria é Jesus (Ἰησοῦς). O nome vem das formas hebraicas de Josué ( יְהֹושּועַ‏ e שּועַ‏ ‏(י e tem relação

também com o nome Oseias ( עַ‏ ‏.(הֹוש O nome em sua forma hebraica completa significa “Yahweh é

salvação” ou “Aquele cuja salvação é Yahweh”. 105 Essa explicação do nome de Jesus aparece

claramente em Mateus, quando o anjo fala com José e lhe explica: “Ela dará à luz um filho e você

porá nele o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles” (Mt 1.21). (3) A terceira

informação sobre Jesus é que ele será grande (μέγας). Enquanto foi dito sobre João Batista que ele

seria “grande diante do Senhor” (Lc 1.15), sobre Jesus é dito de forma mais absoluta que ele será

grande, o que é explicado na próxima característica. (4) O quarto aspecto da identidade de Jesus é

que ele será chamado Filho do Altíssimo, ou seja, ele será de fato e será reconhecido como tal.

Altíssimo é um dos nomes de Deus nas Escrituras. Deus se revela várias vezes a Abraão como El Elyon

em Gênesis 14 e, assim, “Deus Altíssimo”, “SENHOR Altíssimo” ou somente “Altíssimo” passa ‏(א לַעֶׁלְ‏ יֹון)‏

a ser usado nas Escrituras, mais de 50 vezes. O nome Altíssimo (ὑψίστου) não é muito usado no Novo

105

Wilhelm Gesenius e Samuel Prideaux Tregelles, Gesenius’ Hebrew and Chaldee lexicon to the Old Testament

Scriptures (Bellingham, WA: Logos Bible Software, 2003), 339. Veja também W. Foerster, “Iēsoús”, org. Gerhard Kittel,

Gerhard Friedrich, e Geoffrey W. Bromiley, trad. Thaís Pereira Gomes, Dicionário Teológico do Novo Testamento (São

Paulo: Editora Cultura Cristã, 2013), 399–400. Fitzmyer apresenta uma possibilidade interessante: “O nome Iēsous é

uma forma grega do desenvolvimento posterior do nome hebraico de Josué. Em hebraico, a forma anterior é Yĕhôšûaʿ

(Js 1.1), um nome teofórico, cujo primeiro element é uma forma de Yāhû (= Yahweh) e a parte final é o imperativo de

šwʿ, “Socorre.” O nome significava, “Yahweh, ajuda!”, expressando o grito da mãe no nascimento da criança. Com o

passer do tempo, Yĕhôšûaʿ foi contráido para Yôšûaʿ e, então, para Yēšûaʿ (cf. por ex. Esdras 2.6), transcrito na LXX

como Iēsous. Mas visto que o nome Yēšûaʿ soa semelhante a yĕšûʿāh, que vem de uma raiz diferente e significa

salvação, o nome de Jesus veio a ser popularmente compreendido como uma forma de yšʿ, “salva”. É essa etimologia

popular que Mateus 1:21 cita. Mas a verdadeira raiz do nome de Jesus/Josué é šwʿ, “ajuda [socorre]”. Joseph A.

Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX: introduction, translation, and notes (vol. 28; Anchor Yale Bible; New Haven;

London: Yale University Press, 2008), 347.


Testamento, mas quem mais usa é Lucas. 106 Sendo o Filho de El Elyon, é evidente o porquê a

identificação anterior é que o filho será grande! A expressão filho do Altíssimo aponta para o fato de

que a divindade de Jesus está sendo explicitada aqui e não somente uma filiação por meio de adoção

como acontecia era com os reis de Israel. (5) A quinta peça de informação sobre a identidade de Jesus

é dupla: ele receberá do Senhor Deus o trono de Davi, pois ele é filho de Davi. Lucas já nos havia dado

a informação de que Maria estava comprometida em casamento com um homem da casa de Davi (v.

27). Agora ele confirma que o filho de Maria será um filho de Davi. Evidentemente, essa informação

traz consigo o peso de diversas profecias (2Sm 7.12-16; 1Cr 17.11-14; Sl 89.3-4; Is 11.1; 55.3; Jr 33.15;

Ez 34.22; 37.24-25; Am 9.11; Zc12.8; cf. Jo 7.42). Dessa lista, o texto que deu origem aos demais é o

de 2 Samuel 7, no qual Deus promete a Davi: “farei surgir depois de você o seu descendente, que

procederá de você, e estabelecerei o seu reino. Este edificará um templo ao meu nome, e eu

estabelecerei para sempre o trono do seu reino. Eu lhe serei por pai, e ele me será por filho” (2Sm

7.12-14). Desde a ida para o exílio babilônico, nenhum filho de Davi se assentou de fato sobre o trono

de Davi. A esperança da vinda do filho de Davi para reinar em Israel estava muito viva no período

inter-bíblico (Salmos de Salomão 17; 4 Esdras 12.32; 4Qpls a ). 107 O que Lucas está dizendo é que o

filho de Maria é esse filho de Davi que vai restaurar o reinado davídico e reinar sobre o trono de Israel

para sempre. (6) A sexta informação está intimamente ligada à quinta, pois também remete à

profecia de Deus para Davi em 2 Samuel 7, de que seu filho reinaria para sempre. Ao citar a “casa de

Jacó”, a profecia de Gabriel conecta as promessas feitas a Davi com as promessas de Deus aos

patriarcas. (7) A sétima informação é uma repetição da sexta para fins de ênfase. O reinado do filho

de Maria será para sempre e não terá fim! Fitzmyer afirma que provavelmente Lucas está aludindo a

Isaías 9.6 (LXX) ou a Daniel 7.14, textos que falam sobre o reino messiânico eterno. 108 É evidente que

deveria haver algo de muito especial em um filho de Davi para que ele pudesse reinar para sempre.

Há uma subjugação da própria morte e, assim, o estabelecimento de um reino eterno e próspero,

conforme profeticamente vislumbrado tantas vezes no Antigo Testamento. O filho de Maria é o

Messias prometido e ele vem para implantar um reino eterno!

106

No Novo Testamento, a expressão ὑψίστου (Altíssimo) é usada para Deus em Mc 5.7; Lc 1.32, 35, 76; 6.35; 8.28; At

7.48; 16.17 e Hb 7.1.

107

Richard Van Egmond. Jesus, "Son of David" in Matthew's Gospel and The Messianic Background of Early Christology.

(Dissertação). Hamilton, ON: McMaster Divinity College, 2004, p. 135-186.

108

Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX: introduction, translation, and notes (vol. 28; Anchor Yale

Bible; New Haven; London: Yale University Press, 2008), 348.


34 εἶπεν δὲ Μαριὰμ πρὸς τὸν ἄγγελον· πῶς ἔσται τοῦτο, ἐπεὶ ἄνδρα οὐ γινώσκω; 34 E disse Maria

ao anjo: "Como acontecerá isto, visto que homem não estou conhecendo?” Aqui novamente vemos

semelhança e diferença no encontro de Gabriel com Zacarias e no encontro do anjo com Maria. A

semelhança está no fato de que ambos fazem perguntas ao anjo relacionadas à mensagem que

acabaram de receber. A diferença está no tipo de pergunta. Zacarias perguntou: “Como saberei isto?

Pois eu sou velho, e minha mulher, avançada em dias” (Lc 1.18). Ao questionar κατὰ τί γνώσομαι

τοῦτο; (Como posso saber isso? Ou: Como posso ter certeza disso), Zacarias demonstrou falta de fé

e apresentou a idade dele e de sua esposa como evidência contrária à possibilidade anunciada pelo

anjo. Maria por sua vez, não questiona a validade do que Gabriel disse, mas pede maiores

explicações. Green mostra como o próprio contexto torna essa distinção clara: “Em ambos os casos,

aprendemos subsequentemente o que motivou as perguntas – no caso de Zacarias, falta de fé (v.

20); no caso de Maria, fé (v.45). Também se pode distinguir entre o pedido de Zacarias por um sinal

(‘Como eu saberei’?) e o pedido de Maria por uma explicação (‘Como isso acontecerá’?)”. 109

Essa é a primeira vez que Maria fala na narrativa. Geldenhuys nos relembra o que estava em

jogo para Maria diante da mensagem do anjo Gabriel:

Por um lado, a maior de todas as honras jamais dadas a uma mulher estava sendo conferida

a ela pelo Senhor – tornar-se a mãe do Filho de Deus. Mas por outro lado, Maria foi colocada

em um lugar de extrema dificuldade e até mesmo em uma posição mortalmente perigosa.

Pois ela claramente percebeu o quanto ficar grávida antes de seu casamento iria influenciar

radicalmente a sua posição social e especialmente a sua relação com José. 110

Assim, Maria quer compreender melhor a maneira em que a mensagem do anjo vai se realizar

e ela pergunta “Como acontecerá isto?” e apresenta o que ela vê como a maior dificuldade. 111 Ela é

uma virgem que nunca teve e não está tendo relações sexuais nem com seu noivo, nem com qualquer

109

Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI:

Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1997), 89.

110

Norval Geldenhuys, Commentary on the Gospel of Luke: The English Text with Introduction, Exposition and Notes

(The New International Commentary on the Old and New Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing

Co., 1952), 78.

111

Para diversas interpretações das palavras de Maria no v. 34, veja Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–

IX: introduction, translation, and notes (vol. 28; Anchor Yale Bible; New Haven; London: Yale University Press, 2008),

348–350.


outra pessoa. Como ela vai conceber e ter um filho sem ter relações sexuais? Louvado seja Deus pela

pergunta feita por Maria, pois a resposta de Gabriel apresenta a ela e aos leitores um santo mistério,

o evento mais maravilhoso da história da humanidade.

35 καὶ ἀποκριθεὶς ὁ ἄγγελος εἶπεν αὐτῇ· πνεῦμα ἅγιον ἐπελεύσεται ἐπὶ σὲ καὶ δύναμις ὑψίστου

ἐπισκιάσει σοι· διὸ καὶ τὸ γεννώμενον ἅγιον κληθήσεται υἱὸς θεοῦ. 35 E respondendo o anjo disselhe:

"O Espírito Santo virá sobre você e o poder do Altíssimo cobrirá (com sombra) você. Por esta

razão também o nascido santo será chamado filho de Deus. A resposta de Gabriel é dada em forma

poética, como o paralelismo deixa claro:

O Espírito Santo virá sobre você

e o poder do Altíssimo cobrirá (com sombra) você.

Por esta razão também o nascido santo será chamado filho de Deus. (Lc 1.35)

A resposta do anjo para Maria sobre como tudo aconteceria inclui duas explicações em forma

de paralelismo e um resultado. A primeira explicação envolve a pessoa do Espírito Santo. Gabriel diz

a Maria que o Espírito viria sobre (ἐπελεύσεται) ela. O verbo grego não tem nada de especial em si

mesmo, sendo uma forma composta de ἐπί + ἔρχομαι, ou seja, literalmente, vir sobre. 112 A outra vez

que uma construção muito semelhante é utilizada por Lucas se encontra em Atos 1.8, onde Jesus

anuncia aos discípulos que eles receberão poder quando o Espírito Santo vier sobre eles (λήμψεσθε

δύναμιν ἐπελθόντος τοῦ ἁγίου πνεύματος ἐφʼ ὑμᾶς). A ideia de o Espírito Santo vir de cima para

baixo sobre alguém, ainda que utilizando outras construções gramaticais, também fica clara em

Lucas-Atos no anúncio do batismo com o Espírito Santo (Lc 3.16; At 1.5); no batismo de Jesus (Lc 3.22)

e na “queda” do Espírito sobre pessoas em Atos (At 8.16; 10.44; 11.15 cf. tb. At 7.51).

No Antigo Testamento, o texto que traz essa ideia de maneira mais clara é Isaías 32.15-16. Ali,

Isaías profetiza que o sofrimento de Jerusalém no exílio acabará quando o Espírito for derramado do

alto: “Isso será assim até que se derrame sobre nós o Espírito lá do alto. Então o deserto se tornará

112

“O verbo eperchesthai é usado somente por Lucas entre os evangelistas; ele ocorre em 11.22; 21.26; Atos 1.8; 8.24;

13.40; 14.19 (também em Ef 2.7; Tg 5.1). Somente no versículo programático de Atos 1.8 o verbo é usado novamente

sobre a “vinda” do Espíito sobre os discípulos. O uso do verbo aqui em conexão com a concepção de Jesus é único e não

deve ser entendido de forma alguma como se referindo a qualquer tipo de união sexual. É visto como um

Septuagintismo, derivado em particular de Is 32.15...” Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX: introduction, translation,

and notes (vol. 28; Anchor Yale Bible; New Haven; London: Yale University Press, 2008), 351.


em pomar, e o pomar será tido por bosque; a retidão habitará no deserto, e a justiça morará no

pomar” (Isaías 32.15-16; cf. tb. LXX de Nm 5.14, 30; Jó 4.15). A cena do Espírito Santo descendo

acontece em outros lugares no Antigo Testamento: Gn 1.2; Nm 11.25; Jz 14.6; 15.14; 1Sm 10.6; 11.6;

16.13; Is 11.2; 44.3; 59.19-21; Ez 11.5; Jl 2.28-29; Zc 12.10. Essa lista aponta para a obra do Espírito

Santo criando, capacitando pessoas e trazendo um novo momento de restauração para o povo de

Deus. Assim, podemos concluir que o Espírito Santo veio sobre Maria assim como veio sobre diversos

servos do passado, mas no caso de Maria, ele veio de forma especial sobre ela, a fim de criar nela e

a partir dela a humanidade do próprio Deus Filho.

A segunda explicação do anjo Gabriel sobre o modus operandi de Deus em relação à

encarnação de Jesus foi: “e o poder do Altíssimo cobrirá (com sombra) você”. O verbo fundamental

aqui é o ἐπισκιάσει de ἐπισκιάζω, que significa “(1) causar um efeito de escurecimento ao interpor

algo entre a fonte de luz e um objeto; ofuscar; lançar uma sombra... (2) causar um escurecimento;

cobrir...” (BDAG, 378-379). O DTNT explica que “O termo é raro na LXX. Em Pv 18.11 e Êx 40.34–35,

o que está sugerido é a manifestação de poder, e a ideia de proteção ocorre em Sl 91.4” e que “No

NT, o sentido literal ocorre em At 5.15 (a sombra de Pedro) e Mc 9.7 (a nuvem na transfiguração).

Em Lc 1.35, o poder do Altíssimo cobre Maria com sua sombra, denotando geração divina, mas sem

descrever o modo, exceto em termos da operação do Espírito” (DTNT, 424). O termo não tem

nenhuma conotação sexual. 113 Liefield é muito bem-sucedido ao explicar o termo à luz dos seus

outros usos:

A palavra para “cobrir com sombra” (episkiazō) carrega o sentido da presença santa e poderosa de Deus, como

na descrição da nuvem que “cobriu” (Heb. šākan; NVI, “estava sobre”) o tabernáculo quando a tenda ficou cheia

com a glória de Deus (Êx 40.35; cf. Sl 91.4). A palavra é usada em todos os três relatos da Transfiguração para

descrever o ofuscamento da nuvem (Mt 17.5; Mc 9.7; Lc 9.34). De forma semelhante, em cada relato a voz vem

da nuvem identificando Jesus como o filho de Deus, um lembrete impressionante de Lucas 1.35, onde a vida que

resulta do envelopamento da nuvem é identificada como o Filho de Deus. 114

Note que Maria será coberta pela sombra do poder do Altíssimo (δύναμις ὑψίστου). A

expressão Altíssimo (ὑψίστου) já havia aparecido em Lc 1.32, quando o anjo disse a Maria que o filho

dela seria chamado Filho do Altíssimo (υἱὸς ὑψίστου). Em Lucas, a expressão também é usada para

se referir a João Batista que será chamado profeta do Altíssimo (προφήτης ὑψίστου κληθήσῃ; Lc

113

Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX: introduction, translation, and notes (vol. 28; Anchor Yale Bible; New Haven; London: Yale

University Press, 2008), 337.

114

Walter L. Liefeld, “Luke”, in The Expositor’s Bible Commentary: Matthew, Mark, Luke (org. Frank E. Gaebelein; vol. 8; Grand Rapids, MI: Zondervan

Publishing House, 1984), 8831–832. Ver também Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand

Rapids, MI: Baker Academic, 1994), 122.


1.76); todos que fazem o que Jesus ordena também se tornam filhos do Altíssimo (καὶ ἔσεσθε υἱοὶ

ὑψίστου; Lc 6.35); demônios reconhecem Jesus como “Filho do Deus Altíssimo” (Ἰησοῦ υἱὲ τοῦ θεοῦ

τοῦ ὑψίστου; Lc 8.28); Estevão chama Deus de “o Altíssimo” (ὁ ὕψιστος; At 7.48); e um demônio

denomina Paulo e seus companheiros de “servos do Deus Altíssimo” (δοῦλοι τοῦ θεοῦ τοῦ ὑψίστου;

At 16.17). 115 Este termo é bem mais utilizado na LXX (138x) do que no NT e na LXX ele traduz o

importantíssimo nome divino El Elyon ( עֶלְיֹון אֵ‏ ל ), importante especialmente em Gênesis 14. É

possível que o gosto de Lucas por este nome de Deus esteja relacionado com o importante ponto

teológico de Lucas de Deus como Senhor não somente de Israel, mas também dos demais povos. 116

No paralelismo de Gabriel para Maria, o “Espírito Santo” da primeira linha está em paralelo

com o “poder do Altíssimo” da segunda linha e os conceitos de “vir sobre” e “cobrir com sombra”

também são apresentados em paralelo. Bovon e Koester observam bem que a junção do Espírito

Santo com o poder de Deus é um tema importante em Atos. 117

O resultado dessa visitação especial do Espírito Santo e do poder de Deus sobre Maria é que

o Filho que ela terá será santo e será chamado Filho de Deus (Lc 1.35). Esta é a primeira vez que o

importantíssimo título “Filho de Deus” aparece no texto (embora “Filho do Altíssimo” já tivesse

aparecido em Lc 1.32). Há grande discussão sobre as cristologias presentes nos títulos e nomes de

Jesus em sua época; no desenvolvimento histórico desses termos, nos antecedentes históricos e

escriturísticos e no uso dos termos nos livros do Novo Testamento. 118 Aqui é evidente que o texto

está indo além da afirmação de que Jesus será Filho de Deus no sentido de que os reis de Israel eram

adotados vistos algumas vezes como filhos de Elohim (cf. 2Sm 7.14). 119 O homem-Deus Jesus Cristo,

115

Também existem suas referências em Lucas para glórias que são dadas a Deus nas maiores alturas (δόξα ἐν ὑψίστοις

θεῷ; Lc 2.14; 19.38). As demais referências ao vocábulo no NT estão em Mt 21.9; Mc 5.7; 11.10 e Hb 7.1. Fica clara,

portanto, uma preferência de Lucas sobre esse termo não tão utilizado pelos demais autores do NT.

116

“O uso de El Elion pode ser mais um nome do que um epíteto, refletindo o uso de El para o grande deus da religião

cananéia. Gênesis 14 é o único texto no qual essas duas palavras são unidas, embora estejam muitas vezes em par. (p.

ex., Sl 73.11; 107.11). Em textos poéticos, Elion está normalmente em par. com Javé. Em Deuteronômio 32.8–9, Javé é

apresentado em relação a Israel e o Altíssimo em relação a todos os outros povos. A relação de El Elion com a criação e

com o reinado davídico é evidente em Gênesis 14 e em textos tais como 2 Samuel 22.14 (cf. 1Sm 2.10; Sl 47.2). Isso

sugere um uso desse nome esp. quando afirmações mais universais estão sendo feitas com relação ao Deus de Israel”.

Terence E. Fretheim, ל“‏ ‏,”אֵ‏ org. Willem A. VanGemeren, Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo

Testamento (São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2011), 391.

117

François Bovon e Helmut Koester, Luke 1: a commentary on the Gospel of Luke 1:1–9:50 (Hermeneia—a Critical and Historical Commentary on the

Bible; Minneapolis, MN: Fortress Press, 2002), 52.

118

Para uma introdução ao assunto, veja Sigurd Grindheim. Christology in the Synoptic Gospels: God or God’s Servant?

London: T&T Clark, 2012.

119

“Certamente, Lc 1.35 indica que o título Filho de Deus pertence a Jesus à luz de sua concepção maravilhosa, um

tema que vai além da ideia do Antigo Testamento do rei como filho de Deus. No entanto, isso não significa que o

Messias real tradicional está sendo substituído por um tipo diferente de Filho de Deus. Jesus como Messias davídico e


filho de Maria, é chamado de Filho de Deus em Lc 1.35 por causa de sua concepção especial por parte

do Espírito de Deus e do poder do Altíssimo agindo sobre Maria e como resultado ele é um “nascido

santo” (τὸ γεννώμενον ἅγιον). Aliás, essa característica de nascer santo distingue Jesus Cristo de

todos os demais seres humanos, que nascem em pecado. “Deve-se notar que ele [Gabriel] não diz

que por meio de Sua concepção pelo Espírito Santo, Jesus vai se tornar o Filho de Deus. Não; como

um resultado de sua concepção sobrenatural Ele vai, em Sua humanidade, revelar a Si mesmo como

um Ser divino; e por esta razão, também, ele será reconhecido como tal e será chamado Filho de

Deus”. 120

36 καὶ ἰδοὺ Ἐλισάβετ ἡ συγγενίς σου καὶ αὐτὴ συνείληφεν υἱὸν ἐν γήρει αὐτῆς καὶ οὗτος μὴν

ἕκτος ἐστὶν αὐτῇ τῇ καλουμένῃ στείρᾳ· 37 ὅτι οὐκ ἀδυνατήσει παρὰ τοῦ θεοῦ πᾶν ῥῆμα.

36 E veja: Elizabete (Isabel) a parente sua também ela concebeu um filho na velhice dela e este

mês sexto é para ela, a chamada estéril, 37 pois toda palavra não será impossível para Deus.

38 εἶπεν δὲ Μαριάμ· ἰδοὺ ἡ δούλη κυρίου· γένοιτό μοι κατὰ τὸ ῥῆμά σου. Καὶ ἀπῆλθεν ἀπʼ αὐτῆς

ὁ ἄγγελος.38 E disse Maria: "Veja a serva do Senhor. Aconteça em mim segundo a palavra tua". E

partiu dela o anjo.

• Luke, in affirming that Jesus was Son of God, not only at his conception, but through his conception, is

representative of early Christians among whom such an awareness was achieved. Still later, in the Johannine

community, the awareness will grow into the idea of incarnation—a notion foreign to Luke (as to Matthew). 121

• Luke contrasts the greatness of the setting of the announcement about John with the simplicity of the

announcement about Jesus. 122

comprimento da esperança de Israel por um rei messiânico tem uma importância contínua maior em Lucas-Atos do que

o nascimento virginal. Para o autor, o nascimento virginal é uma indicação do propósito e poder de Deus no início da

vida de Jesus, e esse começo maravilhoso não entra em competição com a visão de que ele é Filho de Deus como rei

davídico, mas atribui seu reinado a uma ação divina preveniente”. Robert C. Tannehill, The Narrative Unity of Luke-Acts:

A Literary Interpretation: The Gospel according to Luke (vol. 1; Philadelphia: Fortress Press, 1991), 25.

120

Norval Geldenhuys, Commentary on the Gospel of Luke: The English Text with Introduction, Exposition and Notes

(The New International Commentary on the Old and New Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing

Co., 1952), 76–77.

121

Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX: introduction, translation, and notes (vol. 28; Anchor Yale Bible; New Haven; London: Yale

University Press, 2008), 340.

122

Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Baker Academic, 1994), 107.


• holy. The function of the adj. hagion is not easily determined. I have taken it as the predicate of a verbless

clause preceding the naming clause, “will be holy; he will be called Son of God.” But it could also be rendered,

“will be called holy, Son of God” (as predicate of the verb klēthēsetai), or even substantially, “the Holy One to

be born will be called Son of God” (as the subj. of the verb klēthēsetai). But, as C. F. D. Moule (An Idiom-book

of New Testament Greek [Cambridge University Press, 1953], 107) notes, this last is a distinctly irregular usage.

In the first possibility, one could understand the fut. verb estai, “the child to be born will be holy,” i.e. set

apart, consecrated to the service of Yahweh. The sense of the expression can be seen in Luke 2:23; cf. Isa

4:3. 123

• The syntax of τὸ γεννώμενον ἅγιον κληθήσεται υἱὸς θεοῦ (to gennōmenon hagion klēthēsetai huios theou,

“the holy one to be born will be called the Son of God”) is difficult. The alternate possibilities can be visualized

as follows: NIV: The holy one to be born; RSV: The child to be born; NIV: … will be called the Son of God; RSV: …

will be called holy, the Son of God. 124

• Second, though Luke is not working with Johannine or later trinitarian categories, he is nonetheless moving

toward a more ontological (and not only functional) understanding of Jesus’ sonship. 125

• The description of Elizabeth as “your relative” 43 serves three functions. Most obviously, it is one more way in

which the stories of John and Jesus are interwoven. Second, it serves as a bridge back to the story of Elizabeth,

preparing for the encounter between Elizabeth and Mary (vv 39–56) and John’s birth (v 57). Finally, it is a

further indication of how carefully Luke has staged his characterization of Mary 126

• She unreservedly embraces the purpose of God, without regard to its cost to her personally. Her response is

exemplary, demonstrating how all Israel ought to respond to God’s favor. 127

• In his characterization of Mary as “slave of the Lord,” Luke has begun to undercut the competitive

maneuvering for positions of status prevalent in the first-century Mediterranean world. Mary, who seemed to

measure low in any ranking—age, family heritage, gender, and so on—turns out to be the one favored by God,

the one who finds her status and identity in her obedience to God and participation in his salvific will. 128

• Consistent methodology does not allow one to overlook those virgins who are positively In Judaism a girl

reached a decisive phase in her life at twelve years of age. Between twelve and twelve and a half, according to

the rabbinic tradition, she was called a נַעֲרָ‏ ה (“little girl, marriageable girl”): she was still under her father’s

authority but was already considered responsible. At this age she could be promised in marriage. Later, she

adj. adjective

fut. future

123

Joseph A. Fitzmyer, The Gospel according to Luke I–IX: introduction, translation, and notes (vol. 28; Anchor Yale Bible; New Haven; London: Yale

University Press, 2008), 351–352.

NIV The New International Version

RSV Revised Standard Version

NIV The New International Version

RSV Revised Standard Version

124

Walter L. Liefeld, “Luke”, in The Expositor’s Bible Commentary: Matthew, Mark, Luke (org. Frank E. Gaebelein; vol. 8; Grand Rapids, MI: Zondervan

Publishing House, 1984), 8833.

125

Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co.,

1997), 91.

43

Συγγενίς appears only here in the NT and connotes nothing more specific than “kinswoman.”

126

Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co.,

1997), 91.

127

Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co.,

1997), 92.

128

Joel B. Green, The Gospel of Luke (The New International Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Publishing Co.,

1997), 92.


was called בֹּגֶׁרֶׁ‏ ת ַ(“a girl who has come of age”). Παρθένος presupposes that Mary was the age of a נַעֲרָ‏ ה and

was engaged to Joseph. 55 Engagement was a significant legal act. “At this point, the bride price, the

compensation (mohar) that the fiancé was obliged to pay his father-in-law was discharged completely or in

part. Through engagement, the fiancé was purchasing the proprietary right to the girl.” 56129 evaluated in the

New Testament. 54130

• Is χαῖρε (“greetings!”) the angel’s greeting, 59 a simple “good morning,” 60 or a genuine invitation to rejoice?

Catholic exegetes have connected Mary with the daughter of Zion and understand the greeting as a call to

eschatological joy. 61 Certainly the far-fetched vocative κεχαριτωμένη (“favored one”) is a play on words; but v.

29* does understand v. 28* as a greeting. Thus, with Strobel, I would hold to the profane meaning, which, of

course, could occasionally attain the original, more vivid sense of a call of joy. This is the case when the

greeting, as here, is accompanied by further clauses. 131

• The title Son of the Most High is clearly attested at Qumran in an Aramaic document that has several phrases

parallel to Luke 1:31–35. A Qumran fragment (formerly 4Q243, now 4Q246 [= 4QpsDan ar a = 4QpsDan A a ] 2.1)

contains an interesting parallel. However, the passage is enigmatic because it is a fragmentary text containing

only a few intriguing lines. The Qumran data clearly show the title in Luke to be a natural one for a Jewish

setting (Schweizer, TDNT 8:381 n. 346). What is minimally present in Qumran’s use of this title is the

description of a regal figure (Fitzmyer 1973–74: 391–94; Marshall 1978: 67). The contemporary use of this

phrase for a king is significant in revealing the regal context in which the term operates. 25 A king is about to be

born. 132

55

As a rule, engaged couples had no sexual relations during their engagement. Ἐμνηστευμένη and μεμνηστευμένη are two variants of the perfect

passive participle of μνηστεύω (“to court; to promise in marriage,” BDF §68) and usually designate “fiancée” or, exceptionally, “wife.” See Pierre

Benoit, “L’annonciation,” AsSeign 6 (1965) 40–57, reprinted in idem, Exégèse 3.197–215, esp. 203. On the various types of rape of engaged girls and

virgins, see Deut 22:23–29*.

56

Stig Hanson (“Verlobung,” BHH 3 [1966] 2091) lucidly outlines the significance of engagement in Israel. See also Angelo Tosato, Il matrimonio

israelitico: Una teoria generale (AnBib 100; Rome: Biblical Institute Press, 1982).

129

François Bovon e Helmut Koester, Luke 1: a commentary on the Gospel of Luke 1:1–9:50 (Hermeneia—a Critical and Historical Commentary on the

Bible; Minneapolis, MN: Fortress Press, 2002), 49.

54

Cf. Acts 21:9*; 1 Cor 7:25*; Rev 14:4*; also 2 Cor 11:1*.

130

François Bovon e Helmut Koester, Luke 1: a commentary on the Gospel of Luke 1:1–9:50 (Hermeneia—a Critical and Historical Commentary on the

Bible; Minneapolis, MN: Fortress Press, 2002), 49.

59

See esp. August Strobel,”Der Gruss an Maria (Lc 1, 28): Eine philologische Betrachtung zu seinem Sinngehalt,” ZNW 53 (1962) 86–110.

60

Cf. Matt 26:49*; 27:29*; 28:9*. In addition to χαῖρε, one finds the elliptical χαίρειν and the distinguished χαίροις. Strobel vociferously advocates its

meaning here as a simple greeting. As with every formula, the sense of χαῖρε could have faded, but could also return to its original meaning (a

morning greeting to the light). Strobel believes that χαῖρε is employed here in this original sense (he sees a connection with the advent of the king, v.

32*), but the sense is more Greek (a greeting) than Jewish (rejoicing).

61

See S. Lyonnet, “Χαῖρε κεχαριτωμένη,” Bib 20 (1939) 131–41. He relies on four LXX texts: Zeph 3:14*; Joel 2:21*; Zech 9:9*; Lam 4:21* (a special

case). See also Laurentin, Structure 64–65; and Klemens Stock, “Die Berufung Marias (Lk 1, 26–38),” Bib 61 (1980) 457–91, esp. 468–71.

* 29 But she was much perplexed by his words and pondered what sort of greeting this might be.

Luke 1:29 (NRSV)

* 28 And he came to her and said, “Greetings, favored one! The Lord is with you.”

Luke 1:28 (NRSV)

131

François Bovon e Helmut Koester, Luke 1: a commentary on the Gospel of Luke 1:1–9:50 (Hermeneia—a Critical and Historical Commentary on the

Bible; Minneapolis, MN: Fortress Press, 2002), 50.

4Q246 4QpsDan ar a (formerly 4QpsDan A a or 4Q243)

TDNT Theological Dictionary of the New Testament, edited by G. Kittel and G. Friedrich; translated and edited by G. W. Bromiley (10 vols.; Grand

Rapids: Eerdmans, 1964–76)

25

For a brief discussion of the Qumran texts and an evaluation of Fitzmyer’s 1973–74 article, see Bock 1987: 65, 298 n. 51 and Collins 1993 (who

challenges Fitzmyer’s claim that Son of God lacks a messianic nuance).

132

Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Baker Academic, 1994), 113–114.


• The angel cannot close his speech with so matter-of-fact a statement. Verse 37* rounds out the message

theologically and piously with a citation from Gen 18:14*. It is a Hebrew Bible credo that, for God, nothing is

impossible. 92133

• Time and space become the property of the Son of God. In order to realize his plan, God chooses the humanly

limited and overlooked, this time a girl of about twelve years (1:27*), and long ago the young man Gideon

(Judg 6:15*). The impossible, which for God is possible (Luke 1:37*), becomes evident by a comparison of the

feeble means with the greatness of the result. But the feebleness is not weakness, for Mary possesses inner

strength and trusting faith. 96 The first step over the threshold into God’s future has been taken. 134

• Far removed from the temple and Jerusalem, Gabriel will make a second appearance, this time to a young girl

who lacks pedigree. Even grander promises and hopes inspired by the Scriptures are about to be realized. As

with King David long before, a young man will step from Israel’s social margins to claim the throne. His reign,

though, will never end. Faced with this astounding revelation, the young girl—who will by God’s direct

intervention become mother of the king—models a trusting, faithful response to divine promise. 135

• BASIL. (Lib. de Spirit. Sanct. c. v.) Hence also, St. Paul says, God sent forth his Son, born not (through a woman)

but of a woman. For the words through a woman might convey only a notion of birth as a passing through, but

when it is said, of a woman, (Gal. 4:4.) there is openly declared a communion of nature between the son and

the parent. 136

• Contrast with the preceding account sets the announcement’s tone. The previous announcement about John

came to a priest in the midst of a public worship service at the high holy place of Israel’s capital. The

announcement about Jesus comes privately to a humble woman in a little rural village. Luke contrasts the

greatness of the setting of the announcement about John with the simplicity of the announcement about

* 37 For nothing will be impossible with God.”

Luke 1:37 (NRSV)

* 14 Is anything too wonderful for the Lord? At the set time I will return to you, in due season, and Sarah shall have a son.”

Genesis 18:14 (NRSV)

92

In addition to Gen 18:14*, cf. also Job 10:13* (LXX); 42:2*; Zech 8:6* (LXX); 2 Chr 14:10*; Jer 32:17* (39:17*, Aquila and Symmachus); in the NT,

Luke 18:27* par. and Mark 14:36*.

133

François Bovon e Helmut Koester, Luke 1: a commentary on the Gospel of Luke 1:1–9:50 (Hermeneia—a Critical and Historical Commentary on the

Bible; Minneapolis, MN: Fortress Press, 2002), 53.

* 27 to a virgin engaged to a man whose name was Joseph, of the house of David. The virgin’s name was Mary.

Luke 1:27 (NRSV)

* 15 He responded, “But sir, how can I deliver Israel? My clan is the weakest in Manasseh, and I am the least in my family.”

Judges 6:15 (NRSV)

* 37 For nothing will be impossible with God.”

Luke 1:37 (NRSV)

96

In none of the HB parallels does one find such an explicitly formulated assent as in this passage. See Lyonnet, “Annonciation” 62.

134

François Bovon e Helmut Koester, Luke 1: a commentary on the Gospel of Luke 1:1–9:50 (Hermeneia—a Critical and Historical Commentary on the

Bible; Minneapolis, MN: Fortress Press, 2002), 53.

135

John T. Carroll, Luke: A Commentary (org. C. Clifton Black e M. Eugene Boring; First Edition.; The New Testament Library; Louisville, KY:

Westminster John Knox Press, 2012), 37.

BASIL S. Basil, Archbishop of Caesarea, A.D. 370

136

Thomas Aquinas, Catena Aurea: Commentary on the Four Gospels, Collected out of the Works of

the Fathers: St. Luke (org. John Henry Newman; vol. 3; Oxford: John Henry Parker, 1843), 34.


Jesus. The tone of the setting of Jesus’ birth matches the tone of his ministry. The great God of heaven sends

the gift of salvation to humans in a serene unadorned package of simplicity. 137

Teologia da Passagem

• Several themes are intertwined in this passage: (1) the divine sonship of Jesus (vv. 32, 35); (2) his

messianic role and reign over the kingdom (vv. 32–33); (3) God as the “Most High” (vv. 32, 35; cf. v.

76); (4) the power of the Holy Spirit (v. 35); and (5) the grace of God (vv. 29–30, 34–35, 38). 138

Aplicações Práticas

Aplicação: Regra de fé: quem é Jesus, nascimento virginal; Deus cumpre a sua palavra; existência

de anjos; é a graça de Deus que nos torna especiais, não há impossíveis para Deus. Regra de

prática: Deus usa pessoas comuns e limitadas para realizar seus propósitos maravilhosos,

prontidão, humildade, confiança, adolescentes também creem.

Transformando em Sermão

O Anjo Gabriel é enviado por Deus a Maria

• Mês sexto de que? Da gravidez de Elizabete (Isabel). O tempo começou a ser contado

novamente?

• Gabriel, o que sabemos sobre ele?

• Nazaré da Galiléia, o que sabemos sobre esta cidade (no AT)?

• Como funciona exatamente esse compromisso (ἐμνηστευμένην) de Maria com José?

137

Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI:

Baker Academic, 1994), 107.

138

Walter L. Liefeld, “Luke”, in The Expositor’s Bible Commentary: Matthew, Mark, Luke (org. Frank

E. Gaebelein; vol. 8; Grand Rapids, MI: Zondervan Publishing House, 1984), 8829.


• José era da casa de Davi.

O Diálogo entre Maria e o anjo Gabriel

• Maria é chamada de “κεχαριτωμένη” (PART Perf) e o anjo lhe diz que ela “εὗρες γὰρ

χάριν παρὰ τῷ θεῷ”. O que a distingue é a graça de Deus constantemente sobre ela e o fato

de que “ὁ κύριος μετὰ σοῦ”. Esta última era uma saudação comum?

• Reação primária de Maria: confusa e considerando (διελογίζετο) sobre tal saudação.

Ver Lucas 2.19, onde Maria novamente fica pensando sobre o que se fala sobre Jesus.

• Ao mostrar a reação desesperada de Zacarias e a calma reação de Maria (o anjo dia

não temas) ao ver o anjo, Lucas está querendo mostrar algo? Esta distinção continua na

maneira que ambos receberam a mensagem: ele com incredulidade e ela com fé e

prontidão.

• Três atos de Maria: conceberás, darás a luz, darás o nome de Jesus

• Descrição de Jesus por Gabriel: nome: Jesus; será grande, será chamado filho do

Altíssimo, o senhor dará a ele o trono de seu pai Davi, ele reinará para sempre sobre a casa

de Jacó, o reino dele não terá fim, “ente” santo, Filho de Deus, visto que o Espírito Santo

virá sobre você e o poder do altíssimo te envolverá com sua sombra.

• Maria quer entender melhor a situação: como vou conceber se não tenho relação

sexual com nenhum homem?

• Resposta: o Espírito Santo vira sobre você e o poder do Altíssimo te cobrirá com

sombra. Pesquisar ἐπισκιάσει. Usado nas vezes que Deus apareceu no tem da

transfiguração.

• Por que o anjo usou o caso de Elizabete (Isabel) para argumentar com Maria? Parece

que foi com o objetivo de que ela cresse: “ὅτι οὐκ ἀδυνατήσει παρὰ τοῦ θεοῦ πᾶν ῥῆμα.”

• A atitude de Maria (contraste com Zacarias) foi de prontidão: “Ἰδοὺ ἡ δούλη κυρίου·

γένοιτό μοι κατὰ τὸ ῥῆμά σου.”


Quem é Maria?

• Nazaré

• virgem ( 34 Então Maria disse ao anjo: — Como será isto, se eu nunca tive relações

com homem algum?)

• comprometida a casar com um homem da casa de Davi, cujo nome era José.

• A virgem se chamava Maria.

• Salve, agraciada! O Senhor está com você.

• perturbou-se muito e pôs-se a pensar no que poderia significar esta saudação.

• Não tenha medo, Maria; porque você foi abençoada por Deus.

• Você ficará grávida e dará à luz um filho, a quem chamará pelo nome de Jesus.

• — O Espírito Santo virá sobre você, e o poder do Altíssimo a envolverá com a sua

sombra;

• por isso, também o ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus.

• 36 E Isabel, sua parenta, igualmente está grávida, apesar de sua idade avançada,

sendo este já o sexto mês de gestação para aquela que diziam ser estéril.

37

Porque para Deus não há nada impossível.

• 38 Então Maria disse: — Aqui está a serva do Senhor; que aconteça comigo o que você

falou.

Quem é Jesus?

31

Você ficará grávida e dará à luz um filho, a quem chamará pelo nome de Jesus.

• Este será grande

• e será chamado Filho do Altíssimo.

• Deus, o Senhor, lhe dará o trono de Davi, seu pai.


• Ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reinado não terá fim.

• — O Espírito Santo virá sobre você, e o poder do Altíssimo a envolverá com a sua

sombra;

• por isso, também o ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus.


Lucas 1.39-45 – O Encontro de Maria e Isabel

Story in a Nutshell: A Girl versus a Priest, and the Matter of Proper Listening 139

Luke begins his story with a striking contrast between a young girl and an older priest. After hearing

word of unexpected and unnatural birth, each asks the same visiting angel a question with nearly

the same words, though on closer inspection the respective questions reveal one subtle difference

that suggests entirely opposing motives. The priest is punished, the young girl praised. Luke

launches his story by providing a glimpse of the whole story to follow, brilliantly expanded in the

respective poems of maiden and priest. 140

A crucial note for the two-part story ahead is being sounded early, and will echo with interesting

variations throughout the entire story, culminating in the very last scene of Acts. Much depends on

listening well to the word from God, especially as taught by Jesus. 141

Teologia da Passagem

Aplicações Práticas

Transformando em Sermão

Ideia Exegética: Maria vai visitar Isabel, Isabel e seu bebê honram Maria e Jesus.

Contexto Literário:

1.5-4.14 – Introdução: João e Jesus em paralelo

1.5-25) Antecedentes do nascimento de João

1.26-56) Antecedentes do nascimento de Jesus

1.57-80) O nascimento de João

2.1-52) O nascimento e a infância de Jesus

139

Paul Borgman, The Way according to Luke: Hearing the Whole Story of Luke-Acts (Grand Rapids,

MI; Cambridge, U.K.: William B. Eerdmans Publishing Company, 2006), 19.

140

Paul Borgman, The Way according to Luke: Hearing the Whole Story of Luke-Acts (Grand Rapids,

MI; Cambridge, U.K.: William B. Eerdmans Publishing Company, 2006), 19.

141

Paul Borgman, The Way according to Luke: Hearing the Whole Story of Luke-Acts (Grand Rapids,

MI; Cambridge, U.K.: William B. Eerdmans Publishing Company, 2006), 20.


3.1-20) Início do ministério de João batista

3.21-4.13) Preparação de Jesus para o ministério

Aplicação: Regra de fé: humanidade de Cristo, Jesus é Senhor; Deus cumpre a sua palavra;

importância da fé, resultados da fé: abençoada e bem aventurada, João Batista como o precursor

de Jesus – quem diria que ele teria dúvidas ao final?. Regra de prática: devemos ser cheios do

Espírito Santo como Isabel.

Esboço:

Lc 1.39 E levantando-se Maria em os dias aqueles,

foi

para a região montanhosa com pressa,

para a uma cidade de Judá,

40 e entrou na casa de Zacarias

e cumprimentou Elizabete (Isabel).

41 E aconteceu que quando ouviu a saudação de Maria a Elizabete (Isabel),

mexeu com força o bebê no ventre dela,

e foi enchida de Espírito Santo Elizabete (Isabel),

42 e gritou com grito alto e disse:

“Abençoada (Perf) és tu entre mulheres

e abençoado o fruto do ventre teu.”

43 E “por que a mim isto a fim de que venha a mãe do Senhor meu até mim?

44 Pois veja, assim que veio a voz da saudação tua para o ouvido meu,

mexeu muito em exultação o bebê no ventre meu.”

45 E “bem aventurada a que creu,

pois será cumprimento das [palavras] ditas (Perf) a ela pelo

Senhor".

Comentário

• 1.39-40 – Naqueles dias, Maria foi visitar Isabel.


• Neste interregno aconteceu o cumprimento das palavras do anjo Gabriel a Maria. O

poder de Deus e a sombra do Espírito Santo já haviam vindo sobre e Maria e feito ela

conceber o Senhor Jesus.

• 1.41 – João Batista, ainda no ventre de sua mãe, mexe com força quando sente a

presença de Jesus no ventre de Maria.

• Isabel foi enchida pelo Espírito Santo (tônica de Lucas)

• Isabel, cheia do Espírito, “καὶ ἀνεφώνησεν κραυγῇ μεγάλῃ” (gritou com grito alto):

(1) abençoada és tu entre as mulheres – é a terceira vez que esta palavra é ligada à Maria.

(2) abençoado é o fruto do teu ventre – não é louvor, mas constatação. (3) por que a mim

isto a fim de que venha a mãe do meu Senhor até mim – Isabel se sentiu honrada em

receber a mãe do seu Senhor. Note que Isabel entendeu (pelo Espírito Santo) que aquela

criança que estava no ventre de Maria era o seu Senhor. “Jesus é Senhor”. Prova de

conversão. (4) Assim que você falou a criança mexeu dentro de mim. (5) bem aventurada

(muito feliz) a que creu (tônica de Lucas), pois serão cumpridas as palavras ditas a ela pelo

Senhor.

Lucas 1.46-56 – Magnificat: O Cântico de Maria

• Ideia exegética

• Contexto literário

• Contexto canônico

• Introdução

• Forma e Estrutura

• Comentário por sessão (parágrafo; estrofe) e não por cláusula

• Teologia da Passagem

• Aplicações práticas

• Idéia homilética

• Questões textuais, gramaticais/sintáticas, bílico-teológicas mais avançadas em nota

de rodapé.

• Artigos específicos espalhados pelo comentário


Ideia Exegética

Maria louva o Deus que exalta os humildes por suas misericórdias para com ela e por suas

misericórdias para com Israel

Contexto Literário

1.5-4.14 – Introdução: O precursor e o Rei

1.5-25 Antecedentes do nascimento de João

1.26-56 Antecedentes do nascimento de Jesus

1.26-38 O diálogo de Maria com o Anjo

1.39-45 O encontro de Maria e Isabel

1.46-56 Magnificat: O Cântico de Maria

1.57-80 O nascimento de João

1.57-66: Ele será chamado João

1.67-80: Benedictus: O Cântico de Zacarias

2.1-52 O nascimento e a infância de Jesus

2.1-7: Jesus nasce em um contexto de opressão

2.8-20: Os anjos anunciam aos pastores o nascimento de Jesus e todos louvam

2.21: A circuncisão de Jesus

2.22-24: Jesus é apresentado no templo

2.25-35: Simeão profetiza a respeito de Jesus

2.36-38: Ana fala sobre Jesus


2.39-40: Ainda bebê, Jesus cumpre toda a lei

2.41-52: Jesus vai ao templo com doze anos

3.1-20 Início do ministério de João Batista

3.21-4.13 Preparação de Jesus para o ministério

Contexto canônico

O paralelo mais próximo desse texto no Antigo Testamento, aliás, possivelmente o salmo

que serviu de inspiração para Maria escrever o seu, é o chamado cântico de Ana, encontrado em 1

Samuel 2.1-10. Vários dos temas de nossa passagem são encontrados naquela passagem também:

exaltação e alegria por parte daquela que canta; gratidão por Deus ter exaltado alguém que era

humilde; a santidade de Deus; reconhecimento de que é Deus quem exalta ou humilha e uma

teologia da reversão na qual os humilhados serão exaltados e aqueles que se exaltam serão

humilhados por Deus. Além disso, ambos os textos envolvem o nascimento de uma criança

importante nos planos de Deus e em ambos os contextos mulheres concebem filhos de maneira

milagrosa.

Forma e Estrutura

É evidente que o evangelho de Lucas tem um gênero literário narrativo. Algumas vezes, no entanto,

como bom escritor que é, Lucas usa outras formas literárias em seu escrito. Este é o caso do nosso

texto que pode ser definido como um salmo e um tipo específico de salmo chamado hino. Hermann

Gunkel, estudioso que primeiro descreveu as distintas formas dos salmos, afirma que um hino é

composto de uma introdução com um chamado ao louvor, o corpo que apresenta as razões pela


qual Deus merece louvor e uma conclusão. O personagem principal de um hino, segundo Gunkel, é

o próprio Deus que, normalmente é referido em terceira pessoa. 142 Outro estudioso da forma dos

salmos, Claus Westermann, afirma que os Salmos de Louvor Declarativo (nome que ele dá aos

hinos), podem ser individuais ou comunitários e pode ter as seguintes partes em sua estrutura:

proclamação, sumário dos atos de Deus; lembrança da necessidade; livramento; voto de louvor e

louvor descritivo. 143 Outras características comuns da poesia hebraica também são encontradas

nesse texto: métrica; paralelismos, quiasmos. Assim, o “cântico de Maria” encaixa-se perfeitamente

em um salmo, um hino de louvor do indivíduo com as partes abaixo apresentadas. 144

Estrutura V. Tradução Literal e Estrutura do texto

1.46a: Introdução

narrativa

46 E disse Maria:

1.46b-47: Introdução ou

proclamação

• Paralelismo

47

Está engrandecendo a alma minha ao Senhor

E exultou o espírito meu em Deus, o Salvador meu,

1.48-50: Razões

individuais para louvor: a

misericórdia de Deus

para com Maria

• Quiasmo

48

49

pois olhou sobre a pequenez da escrava dele.

Por que, veja, a partir de agora considerarão bem-aventurada a

mim todas as gerações,

Pois fez em mim grandes coisas

o Poderoso;

50

e Santo é o nome dele,

142

CITAR DIREITO A OBRA DE GUNKELL Hermann Gunkel, The Psalms: A Form-Critical Introduction (Fortress

Press, 1967

143

Citar Claus Westermann

144

Cântico extemporâneo e composto anteriormente? O cântico de Maria assemelha-se em muito ao cântico de Ana

quando teve seu bebê (1Sm 2.1-10). Naquela cântico a exaltação dos humildes também é central.


e a misericórdia dele para gerações e gerações para os que

temem a ele.

1.51-55: Razões

comunitárias para o

louvor: a misericórdia de

Deus para com Israel

51

52

Ele fez coisas poderosas com o braço dele:

espalhou os arrogantes com disposição de coração dele

derrubou os governantes do trono

• 2

Paralelismos

sintéticos e 1

antitético

53

e exaltou os de classe social mais baixa

Os que têm fome ele satisfez de bem

e os que são ricos ele despediu sem nada

54

ele ajudou a Israel, seu servo,

a fim de lembrar-se de misericórdia

55

conforme falou para os pais de nós,

a Abraão e a semente dele para sempre.

1.56: Conclusão

narrativa

56 Permaneceu Maria com ela aproximadamente três meses,

e retornou para a casa dela.

Comentário

1.46a: Introdução narrativa

46 Καὶ εἶπεν Μαριάμ (E disse Maria): Aqui temos uma introdução de discurso direto que marca o

início dessa nova perícope, apresentando a resposta de Maria àquilo que Isabel falou (Lc 1.42-


45). 145 Assim, enquanto a perícope anterior mostrou que Maria foi visitar Isabel e a reação de Isabel

e seu bebê à presença de Maria, o presente texto mostra a reação de Maria na mesma ocasião:

adoração a Deus.

1.46b-47: Introdução do Hino: Exaltação e exultação no Deus Salvador

Acredito que a primeira característica dessa introdução vista como um todo que salta aos

olhos é o belo paralelismo que temos no texto:

A

Está engrandecendo a alma minha ao Senhor

47

A

E exultou o espírito meu em Deus, o Salvador

meu,

O paralelismo é uma estrutura da poesia hebraica na qual a próxima linha de uma poesia repete as

mesmas ideias da linha anterior usando para isso palavras diferentes. Há paralelismos em que a

idéia da segunda linha é antitética (nega o contrário da idéia anterior, confirmando-a, assim) e

outros que acrescentam algo a idéia anterior. Parece que o tipo de paralelismo que encontramos

aqui é este último, visto que Maria acrescenta na segunda linha uma definição para Deus como “o

Salvador meu”. Mas analisemos cada uma das ideias desse paralelismo.

No texto grego, seguindo o padrão da poesia hebraica, as duas linhas começam com o

verbo. Vejam que no sentido mais “piperiano” possível, Maria iguala engrandecer ao Senhor com

alegrar-se nele! Brinco que essa é uma ideia “piperiana” pela ênfase do pregador americano John

145

Alguns poucos manuscritos em Latim, em vez do nome de Maria, colocam as palavras a seguir na boca de Isabel,

assim como o fazem alguns dos pais da Igreja também. A atestação para Maria como aquela que proferiu essas palavras é

muito maior. Considerando que esse hino se assemelha às palavras de Ana (1Sm 2.1-10), é fácil compreender o porque

alguns tenderiam a ver essas palavras na boca de Isabel em vez de Maria.


Piper em sempre dizer, trabalhando as ideias encontradas na primeira resposta dos catecismos de

Westminster, “Deus é mais glorificado em nós quanto mais satisfeitos estamos nele”. 146 Para Maria,

engrandecer (exaltar, glorificar, magnificar) a Deus é sinônimo de exultar (alegrar-se grandemente)

nele. 147 Você, nesse exato momento, tem a sua alegria no Senhor? Aliás, alegria é um dos

importantes temas que Lucas desenvolve em seus escritos. 148 Alegria, para Lucas, é uma das marcas

do verdadeiro cristão.

No segundo termo em paralelo, Maria, contrariando aquilo que os tricotomistas pensam,

iguala alma e espírito. Ambos apontam para a parte imaterial do ser humano e funcionam aqui

como uma sinédoque, aquela figura de linguagem que usa a parte para se referir ao todo. 149 Ou

seja, Maria está expressando que ela como um todo exalta ao e exulta no Senhor, mas ela o faz

falando de sua parte imaterial, ou seja, da sede de suas emoções e de todo o seu ser.

Finalmente, os últimos termos do paralelismo apresentam quem é o merecedor de

exaltação e quem é o motivo da exultação. Na primeira linha Maria exalta o Senhor (κύριον) e na

segunda linha ela exulta em “Deus, meu Salvador” (τῷ θεῷ τῷ σωτῆρί μου). Ao qualificar Deus

como “meu Salvador”, Maria faz uma quebra na métrica do paralelismo, o que faz com que essa

expressão “meu Salvador” fique em evidência. 150

Nessa primeira parte do Salmo, então, Maria testemunha de sua adoração e alegria ao

Senhor Deus, o seu Salvador. A nossa adoração também deve ser marcada por alegria e pela

consciência grata de que a nossa salvação vem totalmente de Deus para nós.

1.48-50: Razões individuais para exaltação e exultação: A misericórdia de Deus para com Maria

146

Citar John Piper

147

Ao afirmar que sua alma “μεγαλύνει” (engrandece) ao Senhor, é evidente que não existe nenhum aspecto aqui de

Maria estar atribuindo a Deus alguma grandeza que ele ainda não possuía, mas ela está reconhecendo de coração a

grandeza que caracteriza o Senhor Deus. Das 8 vezes que o verbo μεγαλύνω é utilizado no Novo Testamento, Lucas é

responsável por 5 (1.46, 58; At 5.13; 10.46; 19.17). O termo é comum na LXX, incluindo 17 ocorrências no livro de

Salmos, ou seja, é linguagem apropriada de louvor a Deus.

148

Veja artigo “Alegria em Lucas-Atos”.

149

Martin M. Culy, Mikeal C. Parsons, and Joshua J. Stigall, Luke: A Handbook on the Greek Text (Baylor Handbook on

the Greek New Testament; Waco, TX: Baylor University Press, 2010), 42.

150

Veja o artigo Salvação em Lucas-Atos”.


48 A pois olhou sobre a pequenez da escrava dele.

B

Por que, veja, a partir de agora considerarão bem-aventurada a mim todas

as gerações,

49 A Pois fez a mim grandes coisas

o Poderoso;

e Santo é o nome dele,

50 e a misericórdia dele para gerações e gerações para os que temem a ele.

A partir do versículo 48, o salmo de Maria apresenta as razões pessoais pelas quais ela

exalta e exulta no Senhor. A estrutura do texto também é muito interessante. Ela apresenta três

razões seguidas de três qualificações de Deus. As razões aparecem em forma de quiasmo. Também

chamado de estrutura sanduíche, um quiasmo acontece quando um autor bíblico usa uma

estrutura do tipo A B A, ou seja, ele fala X (assunto qualquer), desenvolve para Y (outro assunto) e

volta para X, de forma que os assuntos têm que ser lidos um a luz do outro. Maria faz isso de duas

formas, usando a mesma preposição grega nas linhas que estamos chamando de A (ὅτι, pois) e

começando a linha B com a expressão enfática “ἰδοὺ γὰρ” (veja, porque).

O primeiro motivo pelo qual Maria exalta e exulta no Senhor é porque Deus ἐπέβλεψεν, lit.

olhou sobre, contemplou (ARA), atentou (NAA e NVI) para a pequenez da escrava dele. Muitas

vezes na cultura bíblica, quando um superior olha para o subalterno, ele está demonstrando graça e

favor para alguém que não tem mérito intrínseco (Gn 16.13; Nm 6.24-26; Es 5.2; Sl 33.18; 34.15;

1Pe 3.12). Por outro lado, quando Deus esconde o rosto de alguém, essa pessoa está em apuros (Sl

44.24; Is 8.17). A ideia aqui é que Deus prestou atenção no fato de que Maria era humilde, pequena

e atuou em seu favor. Aliás, como veremos, essa é uma das tônicas de todo o evangelho de Lucas, o

fato de que Deus atua em prol dos pobres, humildes e marginalizados. Assim, Maria está

reconhecendo sua falta de mérito na presença de Deus, o que fica também claro pela maneira que


ela se define. A palavra ταπείνωσιν (pequenez) significa humilhação, despretensão, humildade,

condição humilde e/ou auto-humilhação (cf. BDAG, 990). Além de definir a sua condição dessa

forma, Maria chama a si mesmo novamente de escrava (cf. Lc 1.38). Ou seja, a despeito de Maria

ser uma pessoa sem importância e uma simples escrava de Deus, ele a tratou com grande graça ao

olhar para a sua situação humilde. 151

O segundo motivo que Maria apresenta para a sua exaltação de Deus e alegria nele é que a

partir de agora, por causa do que Deus fez a ela, ela passaria a ser reconhecida de geração em

geração como alguém que foi especialmente abençoada por Deus. 152

Deus tomou uma adolescente pobre e desconhecida e a transformou na mãe do Messias! Isso era

realmente um grande privilégio e uma bênção sem medida pela qual Maria exalta o Senhor. A

palavra “bem-aventurada” (μακαριοῦσίν), escolhida por Maria para dizer como as gerações a

considerarão, carrega em si as ideias de abençoada, agraciada e alegre por causa das bênçãos de

Deus e confirma aquilo que outros já haviam afirmado a respeito de Maria (1.28; 30, 42, 45): ela é

uma pessoa especial pois recebeu uma graça especial de Deus e não por algo nela mesma que a

tornasse diferenciada.

O terceiro motivo da exaltação de Maria é que Deus fez grandes coisas nela. O caso do

pronome μοι comporta diferentes traduções: “em mim”; “através de mim”; “em favor de mim”.

Considerando que a obra de Deus para com Maria envolveu a concepção de Jesus no ventre dela

(Lc 1.35), acredito que “em mim” seja a melhor tradução. 153 Nessa terceira linha, Maria está

exaltando aquele que realmente merece todo o louvor, exaltação e honra, aquele que é o motivo

deste Salmo. Embora Maria seja em si mesma pequena, Deus, o poderoso, fez grandes coisas nela.

Essa sessão do hino de Maria termina com três qualificações para Deus: o poderoso; aquele

cujo nome é santo e aquele cuja misericórdia se estende para várias gerações daqueles que o

151

“She did not expect or assume that she should be the object of such special attention from God, so she is grateful for

the attention. […] Mary is able to praise God her Savior, because he looked upon her low social state and yet in love let

her bear the Messiah. What God did for her is like what he does for others in the same state (1:52)”. Darrell L. Bock,

Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI: Baker Academic,

1994), 150-151.

152

“The expression from now on (ἀπὸ τοῦ νῦν, apo tou nyn) is an important Lucan phrase. It indicates that a significant

change has taken place in God’s plan, so that “from now on” things will be different (Luke 5:10; 12:52; 22:18, 69; Acts

18:6)”. Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids,

MI: Baker Academic, 1994), 151.

153

As demais opções também são gramática e teologicamente possíveis. Também é possível levantar a hipótese de Lucas

ter usado esse termo visando todos esses sentidos.


temem. Nenhuma dessas qualificações é sem importância. Elas tanto revelam de Deus quanto

fazem parte importante da teologia da Lucas e, evidentemente, da experiência de Maria. Palavras

ligadas a poder aparecem 7 vezes neste primeiro capítulo (1.17, 20, 22, 35, 37, 49, 52). Em uma

dessas vezes, o anjo disse à Maria que o poder do Altíssimo iria envolvê-la (1.35), logo depois

afirmando que nada é impossível para Deus (1.37). Mais à frente nesse mesmo cântico, Maria

afirma que Deus derruba os poderosos dos seus tronos e exalta os humildes (1.52). Assim, Maria

realmente sabia do que estava falando ao chamar Deus de o Poderoso. Maria também exalta a

santidade do nome de Deus.

A segunda carcaterística que Maria destaca em Deus é a santidade do nome dele. A Bíblia

aforma a santidade do nome de Deus muitas vezes. 154 O “nome” de Deus é uma metonímia para o

ser de Deus, tudo aquilo que Deus é em todas as suas perfeições. E a santidade aponta,

evidentemente para o fato de que Deus é totalmente santo e puro. Não há nenhuma mancha moral

ou imperfeição em Deus. Ele é totalmente santo em cada um dos seus atributos, ou seja, o nome

de Deus é santo (Is 6.3; Ap 4.8).

Finalmente, Maria também acrescenta que a misericórdia de Deus recai sobre diversas

gerações daqueles que o temem. O temor de Deus é um tema bastante importante em Lucas. 155 Ao

contrário do que a noção popular que afirma que temor na Bíblia não é medo, mas respeito; uma

análise séria do tema mostra que temor na Bíblia é, sim, medo. A expressão aborda tanto o medo

que repele, quanto o medo que atrai e é neste último sentido que a Bíblia fala de temor de Deus. O

temor de Deus é o sentimento que aproxima o cristão de Deus e o afasta do pecado. Ser temente a

Deus é praticamente um sinônimo de ser cristão e ter um relacionamento próximo a Ele. Essa

misericórdia de Deus que é derramada sobre os que o temem e ultrapassa gerações é uma

carcaterística que também aparece em outros lugares nas Escrituras (Êx 20.6; 34.7; Dt 5.10; 7.9; Sl

100.5). Essa é uma carcaterística muito significativa aqui, pois tanto ela expressa a misericórdia de

Deus demonstrada para com Maria, mas também mostra que por meio de Maria Deus estava

cumprindo promessas misericordiosas feitas desde há muitas gerações passadas e que seriam

154

Lv 20.3; 22.2, 32; 1Cr 16.10, 35; 29.16; Sl 30.4; 33.21; 97.12; 99.3; 103.1; 105.3; 106.47; 111.9; 145.21; Is 29.23;

47.4; 54.5; 57.15; 60.9; Ez 20.39; 36.20, 21, 22; 39.7, 25; 47.3; 43.8; Am 2.7; Lc 1.49; Jo 17.11; Ap 15.4.

155

Veja artigo Temor de Deus em Lucas-Atos.


usufruídas também pelas gerações futuras. E assim, essa expressão se torna uma transição perfeita

para a próxima parte do salmo de Maria.

1.50-55 – Razões comunitárias para exaltação e exultação: A misericórdia de Deus para com Israel

51

Ele fez coisas poderosas com o braço dele:

A

espalhou os arrogantes com disposição de coração deles

A

52

derrubou os governantes do trono

B

e exaltou os de classe social mais baixa

B

53

Os que têm fome ele satisfez de bem

A

e os que são ricos ele despediu sem nada

B

54

ele ajudou a Israel, seu servo,

C

a fim de lembrar-se de misericórdia

D

55

conforme falou para os pais de nós,

E

a Abraão e a semente dele para sempre.

Na primeira parte do cântico o foco de Maria foi o significado da vinda de Jesus para ela mesma, ou

seja, o quanto o fato de, apesar de sua humildade, ser escolhida como mãe do Salvador foi um ato

de Deus que a deixou feliz e agradecida ao Senhor para a sua própria bênção. Agora, na segunda

parte deste salmo, Maria enfoca a bondade de Deus para com a nação de Israel. O foco muda de


louvor a Deus por motivos pessoais de Maria para louvor a Deus por aquilo que Deus normalmente

faz em defesa dos fracos e aquilo que ele faz por Israel.

A primeira linha dessa nova estrofe introduz o novo assunto: “Agiu com o seu braço

valorosamente” (Ἐποίησεν κράτος ἐν βραχίονι αὐτοῦ). Literalmente, o texto diz: “Ele fez coisas

poderosas com o braço dele”. É evidente que o sujeito dessa frase é o Deus poderoso, santo e cuja

misericórdia dura de geração em geração. Falar sobre o braço forte de Deus que realiza grandes

coisas é um antropomorfismo muito comum na Bíblia. 156 O braço de Deus é uma metáfora para a

força incomparável do Senhor que age especialmente para libertar o seu povo da opressão, assim

como no Egito e na libertação do exílio.

Depois dessa introdução do novo assunto, Maria alista em forma de paralelismos 6 atos poderosos

(κράτος) realizados pelo braço de Deus em prol de seu povo: (1) espalhou os arrogantes; (2)

derrubou os governantes; (3) exaltou os humildes; (4) satisfez os famintos; (5) despediu os ricos

sem nada e (6) ajudou a Israel. Todos esses atos de Deus, portanto, foram o meio através do qual

ele está se lembrando de seu povo e atuando em prol dele, são a maneira de Deus cumprir as suas

promessas da aliança a Abraão.

Explicar cada uma

1.56 – Maria fica com Isabel mais três meses e volta para casa

Será que José havia ido com Maria para a casa de Isabel?

• Verificar textos sobre o braço de Deus.

• Verificar expressão “lembrar” da misericórdia.

156

Veja Êx 6.6; 15.16; Dt 4.34; 5.15; 7.19; 9.29; 11.2; 26.8; 1Rs 8.42; 2Rs 17.36; 2Cr 6.32; 32.8; Jó 40.9; Jó 44.3; 77.15;

89.10, 13, 21; 98.1; 136.12; Is 30.30; 33.2; 40.10; 48.14; 51.5, 9; 52.10; 53.1; 59.16; 62.8; 63.5, 12; Jr 21.5; 27.5; 32.17,

21; Ez 20.33, 34; Zc 11.17; Lc 1.51; Jo 12.38; At 13.17.


Teologia da Passagem

Teologia Sistemática: Essa passagem ensina muito a respeito a Deus (Teontologia). Primeiro, temos

diversos nomes e atributos de Deus sendo apresentados por Maria: “Senhor” (v. 46), “Deus, meu

Salvador” (v. 47), “o Poderoso” e “Santo” (1.49) e o Deus cheio de misericórdia (1.50, 54). Além

disso, Deus é apresentado como aquele que abate os orgulhosos e exalta os humildes, bem como

aquele que se lembra de sua aliança. Por tudo isso, Deus é digo de louvor.

Teologia Bíblica: Tudo o que está acontecendo diz respeito a Deus se lembrando de promessas

feitas a Abraão (promessa e cumprimento). Nesse trecho, estamos diante de um momento

fundamental da história da redenção. Outro aspecto bastante claro nesse texto, é a ênfase da

teologia lucana relacionada aos marginalizados.

“Thus God is beginning his eschatological exaltation of the lowly, for from now on the name of

Mary will be known to all generations and they will speak of her rich blessing by God”. 157

Mary uses the language of the faithful. She trusts God’s just vindication in the approaching

messianic reign. Hendriksen (1978: 108) makes reference to how the humble were lifted up in the

past, but this shows only that what God will do is like what he has done. However, Mary is looking

to the future, not the past. She is anticipating, in the child she bears, total vindication. The way God

will accomplish this vindication has some other intermediate requirements of which she is not

aware, namely Messiah’s suffering. 158

Teologia Prática: Como a história da Igreja demostra, esse texto tem um grande valor litúrgico. A

relação entre exaltação e exultação também pode ser util em contextos de aconselhamento e afins.

157

I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: A Commentary on the Greek Text (New International Greek Testament

Commentary; Exeter: Paternoster Press, 1978), 82.

158

Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI:

Baker Academic, 1994), 157.


Aplicações práticas

Regra de fé: Deus exalta os humildes e abate os que se exaltam. Jesus Cristo é o significado e centro

desse cântico: tudo o que é dito é em virtude do nascimento dele. Todos os nomes e atributos de

Deus devem ser cridos.

Regra de prática: Como Maria, devemos louvar a Deus e descansar e confiar no Deus que exalta os

humildes. Evidentemente, somos tamém chamados a ser humildes.

Idéia e sugestão homilética

As misericórdias de Deus devem ser causa de exaltação e exultação.

Quando eu preguei nesse texto, usei exatamente os títulos que apresentei acima (1) Exaltação e

exultação no Deus Salvador (1.46-47); (2) Razões individuais para exaltação e exultação: A

misericórdia de Deus para com Maria (1.48-50) e (3) Razões comunitárias para exaltação e

exultação: A misericórdia de Deus para com Israel (1.50-55). O objetivo foi conduzir a Igreja à

exaltação alegre por meio da imitação do exemplo humilde de Maria.

The hymn’s major burden shows that Mary trusts in the fulfillment of God’s promises, especially

those to Abraham. They will come to pass. The reader is to identify with Mary’s confidence, her

faith, and her sense of joy. 159

159

Darrell L. Bock, Luke: 1:1–9:50 (vol. 1; Baker Exegetical Commentary on the New Testament; Grand Rapids, MI:

Baker Academic, 1994), 161.


It would be easy to over-spiritualise the meaning of these verses and ignore their literal

interpretation. Schürmann, I, 76, rightly notes how the coming of the kingdom of God should bring

about a political and social revolution, bringing the ordinary life of mankind into line with the will of

God. 160

Esboço:

46 Καὶ εἶπεν Μαριάμ,

Μεγαλύνει ἡ ψυχή μου τὸν κύριον,

47 καὶ ἠγαλλίασεν τὸ πνεῦμά μου ἐπὶ τῷ θεῷ τῷ σωτῆρί μου,

48 ὅτι ἐπέβλεψεν ἐπὶ τὴν ταπείνωσιν τῆς δούλης αὐτοῦ.

ἰδοὺ γὰρ ἀπὸ τοῦ νῦν μακαριοῦσίν με πᾶσαι αἱ γενεαί,

49 ὅτι ἐποίησέν μοι μεγάλα ὁ δυνατός.

καὶ ἅγιον τὸ ὄνομα αὐτοῦ,

50 καὶ τὸ ἔλεος αὐτοῦ εἰς γενεὰς καὶ γενεὰς τοῖς φοβουμένοις αὐτόν.

51 Ἐποίησεν κράτος ἐν βραχίονι αὐτοῦ,

διεσκόρπισεν ὑπερηφάνους διανοίᾳ καρδίας αὐτῶν·

52 καθεῖλεν δυνάστας ἀπὸ θρόνων

καὶ ὕψωσεν ταπεινούς,

53 πεινῶντας ἐνέπλησεν ἀγαθῶν

καὶ πλουτοῦντας ἐξαπέστειλεν κενούς.

54 ἀντελάβετο Ἰσραὴλ παιδὸς αὐτοῦ,

μνησθῆναι ἐλέους,

55 καθὼς ἐλάλησεν πρὸς τοὺς πατέρας ἡμῶν,

τῷ Ἀβραὰμ καὶ τῷ σπέρματι αὐτοῦ εἰς τὸν αἰῶνα.

56 Ἔμεινεν δὲ Μαριὰμ σὺν αὐτῇ ὡς μῆνας τρεῖς,

καὶ ὑπέστρεψεν εἰς τὸν οἶκον αὐτῆς.

160

I. Howard Marshall, The Gospel of Luke: A Commentary on the Greek Text (New International Greek Testament

Commentary; Exeter: Paternoster Press, 1978), 85.


Lucas 1.57-66: Ele será chamado João / O Nascimento de João Batista / Escolher o nome é sempre

difícil

57 Quando chegou o tempo de Isabel dar à luz, ela teve um filho. 58 Os vizinhos e parentes ouviram

que o Senhor tinha usado de grande misericórdia para com Isabel e se alegraram com ela.

59

Aconteceu que, no oitavo dia, foram circuncidar o menino e queriam dar-lhe o nome de seu pai,

Zacarias. 60 Mas a mãe do menino disse:

— De modo nenhum! Ele será chamado João.

61

Disseram-lhe:

— Mas você não tem nenhum parente com esse nome!

62 Fizeram sinais, perguntando ao pai do menino que nome queria que lhe dessem. 63 Então, pedindo

uma tabuinha, ele escreveu:

— O nome dele é João

E todos se admiraram. 64 Imediatamente a boca de Zacarias se abriu e a língua se soltou. Então

começou a falar, louvando a Deus. 65 Todos os vizinhos deles ficaram possuídos de temor, e essas

coisas foram divulgadas por toda a região montanhosa da Judeia. 66 Todos os que as ouviram

guardavam-nas no coração, dizendo:

— O que virá a ser este menino?

E a mão do Senhor estava com ele.

Ideia exegética


Após a alegria do nascimento, o nome que seria dado ao bebê gera uma tensão: será que

Zacarias será obediente? Zacarias obedece, sua língua se solta e ele louva a Deus. Todos ficam

admirados pensando o que o menino se tornaria.

Contexto literário

1.5-4.14 – Introdução: O precursor e o Rei

1.5-25 Antecedentes do nascimento de João

1.26-56 Antecedentes do nascimento de Jesus

1.26-38 O diálogo de Maria com o Anjo

1.39-45 O encontro de Maria e Isabel

1.46-56 Magnificat: O Cântico de Maria

1.57-80 O nascimento de João

1.57-66: Ele será chamado João

1.67-80: Benedictus: O Cântico de Zacarias

2.1-52 O nascimento e a infância de Jesus

2.1-7: Jesus nasce em um contexto de opressão

2.8-20: Os anjos anunciam aos pastores o nascimento de Jesus e todos louvam

2.21: A circuncisão de Jesus

2.22-24: Jesus é apresentado no templo

2.25-35: Simeão profetiza a respeito de Jesus


2.36-38: Ana fala sobre Jesus

2.39-40: Ainda bebê, Jesus cumpre toda a lei

2.41-52: Jesus vai ao templo com doze anos

3.1-20 Início do ministério de João Batista

3.21-4.13 Preparação de Jesus para o ministério

Contexto Canônico

Forma e Estrutura

Comentário

É difícil entender a importância dessa história estudando-a isoladamente. Este evento faz parte de

uma série de eventos relatados no início deste evangelho que culminam na encarnação da segunda

pessoa da trindade. Portanto, a maior importância dessa perícope é constatada pelo seu contexto

mais do que pelo texto em si. Assim ao ler ou estudar essa perícope, o leitor da bíblia deve vê-la em

relação ao paralelo entre a história de Jesus e a de João Batista e às outras perícopes que narram os

eventos relacionados ao nascimento de João Batista e a bênção de Zacarias e Isabel. Há também o

aspecto dessa história que relembra outras histórias do cânon, e este também não pode ser

ignorado pelo leitor.

O nascimento de João Batista foi prova de que Deus engrandeceu a sua misericórdia para com

Isabel. Ele foi motivo de alegria para vizinhos e parentes daquela “estranha” família (dois velhinhos

e um bebê).


Quando chegou o dia da circuncisão, o oitavo de vida do bebê, os colegas de Zacarias que serviam

no templo, parentes e outros amigos queriam que o bebê tivesse o mesmo nome que seu pai e

começaram a chamá-lo desta forma. Para eles isso era a coisa mais natural.

Quão comum era dar o nome do pai ao filho?

Isabel, entretanto, lembrou-se que o anjo de Deus havia dito qual seria o nome da criança e

começou a dizer a todos que ele se chamaria João, cujo significado é “pequeno” (conferir).

As pessoas não gostaram da escolha de Isabel, provavelmente acharam-na arbitrária e talvez até

mesm desrespeitosa para com seu marido. Tentaram argumentar com ela: “Ninguém na família de

vocês tem este nome” e, não a conseguindo convencer, decidiram apelar para o pai: “Ei, Zacarias,

como você quer que seja o nome de teu filho, este que foi um presente de Deus em sua velhice e

foi anunciado a você por um anjo? Você quer que o nome dele seja Zacarias, como você, ou João,

um nome que não tem nada a ver com a sua família?

Para espanto de todos, Zacarias simplesmente afirmou: O nome dele é João. Ou seja, sem margem

para decisão ou mudança, o nome dele já está escolhido e não deve ser mais motivo de discussão.

Esta decisão foi motivo de todos ficarem espantados.

Ao escrever o nome de seu filho e confirmar sua obediência e fé nas palavra do anjo, Zacarias teve

sua boca aberta e começou a louvar a Deus com o cântico da próxima perícope. O sue cântico foi

um cântico de louvor (bênção) a Deus.

Lucas termina essa perícope com uma conclusão destacando a reação do povo a tudo aquilo. Note

que ele poderia ter inserido o cântico antes dessas palavras, mas ele realmente quis terminar essa

perícope e colocar o cântico sozinho como outra pequena seção de seu livro.

Zacarias era um sacerdote. Ele era bastante conhecido de todas as pessoas. O que acontecia de

diferente em sua vida, portanto, era motivo de conversas por toda a região. E foi exatamente isso o

que aconteceu. Os fatos relacionados ao nascimento de João Batista passaram a ser discutidos em

todas as rodas. Lembre-se: Deus havia se calado durante muito tempo, seus atos miraculosos

aparentemente havia cessado e, de repente, uma senhora estéril e idosa, esposa do sacerdote, fica

miraculosamente grávida, após seu marido ter tido uma visão no santuário, que, aliás, o deixou


mudo. Depois de tudo isso a criança nasce, o casal coloca um nome que ninguém esperava e a boca

do sacerdote se abre em louvor a Deus.

Tudo isso foi motivo de temor, espanto e consideração por parte do povo: O que virá a ser essa

criança? É possível imaginar que algumas pessoas mais piedosas, por causa do padrão de Deus usar

de maneira especial os filhos concedidos a estéreis, pensaram, já nessa época, que João Batista

seria uma espécie de libertador de Israel, quem sabe o próprio Messias.

Todos perceberam que a criança era especial: a mão do Senhor estava com ele. (procurar esta

expressão em outras partes da Bíblia).

Teologia da Passagem

Teologia Sistemática: misericórdia de Deus, fidelidade de Deus; poder de Deus; Soberania de Deus:

Deus como o Senhor da história; Imanência de Deus: a preocupação com uma família, com seu

povo de Israel e ao mesmo tempo com todo o cosmos.

Teologia Bíblica: promessa e cumprimento (vários níveis e distâncias), a importância de João

Batista, como esta história relembra outras histórias bíblicas. Revelação: Progressiva, Histórica,

Orgânica e Adaptável. Teologia Sinótica: comparação entre os sinóticos. Teologia lucana. Uso

canônico posterior desta história.

Teologia Prática: esterilidade, sofrimento, falta de fé e confiança, louvor como resposta a Deus,

testemunho ao povo.

Aplicações práticas

Regra de fé: Deus faz uma promessa a essa família e cumpriu. Isso deve alimentar a nossa fé. Deus

fez uma promessa de uma voz no deserto e cumpriu. Deus prometeu abrir a boca de Zacarias e

cumpriu. Isabel foi exemplo de fé e Zacarias também. Estes eventos são preparatórios para a vinda

do Messias. Deus é aquele que faz com que a mulher estéril viva em família e seja alegre mãe de

filhos (Sl 113.9).


Regra de prática: Seriedade de Isabel e Zacarias quanto ao nome que Deus mandou colocar no

menino. Louvor de Zacarias.

Idéia homilética

Comentário:

O NASCIMENTO DE JOÃO BATISTA

1.57 Então para Elizabete (Isabel)

completou o tempo de ter ela

e deu a luz um filho.

58 E ouviram os vizinhos e os parentes dela

que o Senhor engrandeceu a misericórdia dele para com ela

e estiveram alegrando-se com ela.

A DECISÃO DO NOME DE JOÃO BATISTA

59 E aconteceu no dia oitavo

que veio circuncidar a criança

e chamaram ele pelo nome do pai dele, Zacarias.

60 E respondeu a mãe dele e disse:

"Não, mas será chamado João".


61 E disseram para ela:

"ninguém há do relacionamento teu o qual chama por este nome".

62 E estavam fazendo sinais para o pai dele como ele queria chamá-lo.

63 E pedido uma tábua de escrever, escreveu dizendo:

"João é o nome dele".

E ficaram maravilhados todos.

A BOCA DE ZACARIAS É ABERTA E ELE LOUVA A DEUS

64 Então foi aberta a boca dele imediatamente e a língua dele,

e falava bendizendo a Deus.

TEMOR E CURSIOSIDADE VIERAM SOBRE O POVO

65 E veio sobre todos eles que estavam na vizinhança temor,

e em toda a região montanhosa da Judéia estavam sendo discutidas as palavras estas,

66 e colocaram todos os que ouviram no coração deles dizendo:

"O que, então, a criança esta será?"

Pois a mão do Senhor estava com ele.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!