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Revista da Misericórdia #46

MAIORIADADES foi o tema lançado para reflexão nesta última edição da Revista da Misericórdia. Logo a partir da capa, que reflete a Dendrocronologia (método científico pelo qual se define a idade de uma árvore com base no crescimento dos anéis do seu tronco), convidamos à descoberta do seu interior e às reflexões ali presentes. Destacamos a entrevista a Manuel Sobrinho Simões, onde assume que “envelhecer é uma chatice”, passando por outros textos que defendem a valorização de todas as idades como sendo MAIORES. Porque a IDADE não é um simples número, importa considerar as contribuições de cada geração e, como sociedade, mudarmos o pensamento.

MAIORIADADES foi o tema lançado para reflexão nesta última edição da Revista da Misericórdia.
Logo a partir da capa, que reflete a Dendrocronologia (método científico pelo qual se define a idade de uma árvore com base no crescimento dos anéis do seu tronco), convidamos à descoberta do seu interior e às reflexões ali presentes. Destacamos a entrevista a Manuel Sobrinho Simões, onde assume que “envelhecer é uma chatice”, passando por outros textos que defendem a valorização de todas as idades como sendo MAIORES. Porque a IDADE não é um simples número, importa considerar as contribuições de cada geração e, como sociedade, mudarmos o pensamento.

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#46

Pag | 21

MAIORIDADES A MAIOR DAS

IDADES

Atualidades

Ele há na vida tantas idades e tão marcantes: as pequenas e de

crescimento, como as de meio ou de caminho; as que

permitem ver o horizonte de luz bem ao longe, como as que

não negam que esse luzeiro prontamente se abeirará,

entregando-nos então tão somente ao abismo de ar, desejando

que o voo nos seja leve e fresco.

São tão múltiplas as idades e tão variadas no sentir ou no

provar, todas elas afinal talhadas no barro da nossa pele, seja a

buril como a cinzel, em continuado trabalho terno de artesão.

No engenho gerador dos anos que passam, tocam-nos a

badalo, na vida, mil Big Bens de Londres que nos compassam

o tempo, e tiquetacam - sempre a lembrar-nos da finitude -

variadíssimos relógios Tissot da sua

primeira época de criação, essa de

quase manufatura dos ponteiros dos

segundos no recôndito Le Locle das

montanhas Jura, esse local onde o

tempo sempre tinha tempo.

Certo é que todos os sinais nos

mostram que cada instante pode ser

melindroso e ínfimo, mas, em contrapartida, tão capaz de nos

mudar o destino no seu todo. Pode ser tão redentor quando

quer, tão marcante, enfim, como o estrondoso bater de asas de

uma borboleta distraída que passeia sobre a flor.

Os instantes, os dias e os anos moldam-nos o rosto, as

expressões, os traços e os rictos, dando-nos a oportunidade de

ver, ao longo de uma existência, tantas novas caras nossas –

São tão múltiplas as idades e tão

variadas no sentir ou no provar,

todas elas afinal talhadas no

barro da nossa pele (...)

tantas caras em nós –, essas que nos transfiguram e se vão

alterando à medida que renovamos, década após década, o

nosso cartão de cidadão e o passaporte.

Transformam-nos o rosto de jovens impúberes para um facies

encarquilhado de velho onde nunca nos reconheceremos, ou

não fosse a nossa mente incapaz de acompanhar o corpo

decadente – de lhe apanhar, enfim, o passo, para depois lhe

respeitar a caminhada em descaminho.

Ali ficamos então nós, muito tansos, plasmados na foto de

passpartout que usámos para a nossa inscrição no desporto

aquático em que afogamos o tempo e o passadio do existir a

cada mergulho, como se no fundo da

piscina pudéssemos, enfim, encontrar

o mais completo estagnar, esse silêncio

em que nada bole, nada sibila aos

ouvidos, nada anda para frente ou

para trás e, por isso, nada mirra em

nós.

Há assim na vida uns quantos ínfimos

momentos que duram impercetíveis segundos e que ficam,

afinal, como perenes eternidades da nossa existência. Esses

instantes são a representação da quase completa alegria e

justificam, quantas vezes, uma vivência inteira, enquanto muitas

eternidades fátuas não chegam, sequer, a justificar um

segundo de um viver qualquer, um pestanejar, um bater de

cuco no relógio da sala de estar.

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