Revista da Misericórdia #46
MAIORIADADES foi o tema lançado para reflexão nesta última edição da Revista da Misericórdia. Logo a partir da capa, que reflete a Dendrocronologia (método científico pelo qual se define a idade de uma árvore com base no crescimento dos anéis do seu tronco), convidamos à descoberta do seu interior e às reflexões ali presentes. Destacamos a entrevista a Manuel Sobrinho Simões, onde assume que “envelhecer é uma chatice”, passando por outros textos que defendem a valorização de todas as idades como sendo MAIORES. Porque a IDADE não é um simples número, importa considerar as contribuições de cada geração e, como sociedade, mudarmos o pensamento.
MAIORIADADES foi o tema lançado para reflexão nesta última edição da Revista da Misericórdia.
Logo a partir da capa, que reflete a Dendrocronologia (método científico pelo qual se define a idade de uma árvore com base no crescimento dos anéis do seu tronco), convidamos à descoberta do seu interior e às reflexões ali presentes. Destacamos a entrevista a Manuel Sobrinho Simões, onde assume que “envelhecer é uma chatice”, passando por outros textos que defendem a valorização de todas as idades como sendo MAIORES. Porque a IDADE não é um simples número, importa considerar as contribuições de cada geração e, como sociedade, mudarmos o pensamento.
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Pag | 22
#46
Atualidades
MAIORIDADES A MAIOR DAS
IDADES
O tempo pára e subsiste quando nos entregamos, quando
amamos como pasmados boquiabertos, quando ficamos, enfim,
agarrados a indizíveis recordações de um beijo ou de um
inocente roçagar em corpo que imediatamente sentimos como
“nosso quadrante”, ou então quando, enfim, numa paragem de
autocarro tudo isso recordamos, permanecendo muito
“estantios” e ausentes, esperando a carreira que nos levará o
corpo para São Martinho do Campo – pois que a mente voará
nessas alturas a outras indizíveis distâncias.
Quando uma criança nos fita nos olhos e nos mostra a
inocência plena de quem não se importa com as coisas que
vão e as que ficam, é vida que ali acontece; quando um velho
ensimesmado nos diz, quase em surdina: “é tudo um ápice,
filho, sabes, tudo dura o mesmo que uma cabeça de fósforo a
arder”, é a vida que ali se explica; quando uma águia abre as
asas de metro, sobrevoando os Andes numa leveza inaudível, é
a existência que ali se expande, tempo afora, sobreposta
àquelas maciças penas de liberdade silente.
O tempo maior é aquele que chega quando já só vamos
aos jogos da bola que verdadeiramente nos interessam,
esse em que o petisco e o seu gosto apurado podem ser
mais satisfatórios que a comezaina de enfarta-burros,
aquele em que já respeitamos a métrica de cada instante
– como se fosse um cerimonial – porque nos sentimos bem
em qualquer local e horário em que estejamos, pois que o
lugar que verdadeiramente habitamos é sempre o
“connosco”, esse onde somos inteiros e satisfeitos, mesmo se
em pijama e pantufas de andar por casa, na mais desejada das
companhias – a de nós mesmos.
Sim, as Maioridades – as maiores das idades – são, ao fim
e ao cabo, aquelas que arribam quando já somos capazes
da dádiva absolutamente desinteressada, quando já nos
apercebemos da importância fundamental da entrega -
essa que nos enriquece, afinal, mais a nós do que aos que
a recebem -, quando somos afinal já capazes de nos
perdermos, por horas, no olhar azulão do nosso filho,
percebendo que ali reside a paz inteira – o universo que ali
pára só para nós, nada mais interessando no momento.
Maioridade(s) são também aquelas do funcionário do Lar
de Idosos, esse que acompanha pela mão – sempre afagada
– o velho enquanto se segura ao varão do corredor, a idosa
doente transportada numa ambulância que cintila na noite da
estrada que a leva ao hospital, esse que enfim a acompanha
também pela última vereda até ao desconhecido maior, nesse
instante em que cada velho deseja a paz da leveza do pássaro
em si.
Maioridades são também aqueloutros dias da carinhosa
educadora de infância que faz os meninos acreditarem que
aprendendo o abecedário e a tabuada aprenderão também a
voar até outros amanhãs, como se em fantasia planassem já ali,
na sala da plasticina, e se tornassem, pela mão prestimosa da
professora, infantes futuros de terras deslembradas e utópicas
por conquistar.
A Maior das Idades será, por fim, aquela do tempo em que a
expressão mais plena da vida se realizar inteira, habitando
então, em todos nós, uma permanente Santa Casa da