iii FEBRE REUMÁTICA
iii FEBRE REUMÁTICA
iii FEBRE REUMÁTICA
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
TERRERI MTRA e col.<br />
Diagnóstico clínico da<br />
febre reumática: os<br />
critérios de Jones<br />
continuam adequados?<br />
as características da artrite.<br />
A artrite é a manifestação<br />
maior mais freqüente,<br />
porém é a mais inespecífica,<br />
sendo seu diagnóstico<br />
diferencial muito variado.<br />
A exclusão de outras<br />
artrites reativas ou outras<br />
causas de artrite aguda é,<br />
por vezes, muito difícil. Há<br />
diversas publicações indi-<br />
cando que as manifestações articulares são muitas<br />
vezes diferentes das descrições clássicas (10, 11) . A artrite<br />
aditiva ou de duração prolongada, o acometimento<br />
de pequenas articulações, a monoartrite e a não resposta<br />
ao ácido acetilsalicílico são observados em muitos<br />
pacientes. Em nosso estudo com 93 pacientes com<br />
febre reumática, a artrite foi aditiva em 27% dos casos;<br />
pequenas articulações, como as metacarpofalangeanas<br />
e as interfalangeanas proximais e distais, foram<br />
acometidas com freqüência de 2% a 8%; artrite com<br />
duração maior que seis semanas, caracterizando artrite<br />
crônica, foi observada em 10%; não resposta ao ácido<br />
acetilsalicílico ocorreu em 15% das artrites; e monoartrite<br />
foi encontrada em 6% dos pacientes. Achados<br />
semelhantes foram descritos por outros autores (11, 12) .<br />
Em muitos desses casos, o diagnóstico só é possível<br />
quando o acometimento cardíaco está associado. Mudar<br />
o conceito da artrite da febre reumática poderia<br />
ajudar a incluir os inúmeros casos em que ela se apresenta<br />
de forma atípica. Nos países com alta incidência<br />
de febre reumática, a artrite deve ser considerada de<br />
forma mais cuidadosa durante o diagnóstico.<br />
A cardite tem sido objeto de grande polêmica, especialmente<br />
na última década. A cardite clínica é bem<br />
específica e quadros com presença de sopro cardíaco<br />
sugestivo de regurgitação mitral e/ou aórtica com confirmação<br />
ecocardiográfica não costumam deixar dúvidas<br />
sobre sua etiologia reumática. Cada vez mais autores,<br />
porém, têm descrito a presença de achados ecocardiográficos<br />
de lesões valvares orgânicas, na ausência<br />
de manifestações clínicas de cardite (13-17) . A ecocardiografia<br />
Doppler colorida é claramente aceita hoje<br />
como uma técnica mais sensível que a ausculta cardíaca<br />
na detecção da regurgitação valvar. No entanto,<br />
coloca-se em questão a acurácia desse exame quanto<br />
à distinção entre a regurgitação patológica e a fisiológica.<br />
De acordo com alguns autores, a inflamação valvar<br />
subclínica demonstrada pelo ecocardiograma deveria<br />
ser aceita como evidência de cardite e ser considerada<br />
como critério para o diagnóstico de febre reumática<br />
(18) . Entretanto, a ecocardiografia ainda não é<br />
aceita como critério diagnóstico de febre reumática, por<br />
ser um exame que carece de critérios mais específicos<br />
para diferenciar o refluxo valvar orgânico leve do fisiológico,<br />
podendo, desse modo, ser mais um motivo de<br />
erro diagnóstico. Minich e colaboradores estudaram um<br />
grupo de 68 pacientes com sopro cardíaco, dos quais<br />
37 com febre reumática e 31 controles com sopro cardíaco<br />
inocente, que apresentavam regurgitação valvar<br />
à ecocardiografia Doppler (19) . Esses autores propuseram<br />
critérios ecocardiográficos para diferenciação da<br />
regurgitação mitral orgânica da febre reumática da regurgitação<br />
mitral fisiológica, os quais apresentaram<br />
especificidade de 94% e valor preditivo positivo de<br />
93% (19) . Em um estudo cego prospectivo realizado por<br />
nós com 56 pacientes com febre reumática aguda, 11<br />
de 29 (37,9%) pacientes sem evidência clínica de cardite<br />
apresentaram alterações ecocardiográficas, caracterizando<br />
a cardite subclínica. Em 31 dos 56 pacientes<br />
foram realizadas análises quantitativa e qualitativa mais<br />
detalhadas e comparadas aos achados de 20 indivíduos<br />
controles. Observamos que variáveis quantitativas<br />
como a espessura da valva mitral apresentaram valores<br />
estatisticamente mais elevados nos pacientes com<br />
cardite clínica e subclínica que em crianças controles.<br />
“Vena contracta” e altura do jato aórtico tiveram valores<br />
estatisticamente mais elevados na cardite clínica<br />
que na cardite subclínica, demonstrando que, embora<br />
pertençam ao mesmo espectro de lesão, a cardite clínica<br />
apresenta maior magnitude da lesão valvar. Quanto<br />
às variáveis qualitativas, como variância e convergência<br />
mitrais e regurgitação holodiastólica, foram estatisticamente<br />
mais freqüentes nos dois grupos de pacientes<br />
que nos controles. Esses resultados podem ser<br />
mais uma evidência de que a ecocardiografia, quando<br />
utilizada criteriosamente, pode ter boa acurácia<br />
em distinguir a lesão patológica da fisiológica. Tais<br />
achados vêm sendo alvo de debate em relação ao<br />
diagnóstico de cardite reumática e também a suas<br />
implicações terapêuticas, como utilização do corticóide<br />
e modificações quanto à duração da profilaxia<br />
secundária (20, 21) .<br />
A coréia de Sydenham é uma manifestação que<br />
pode ser considerada como critério suficiente para o<br />
diagnóstico de febre reumática mesmo quando isolada.<br />
É importante, entretanto, que outras causas de coréia<br />
sejam afastadas, como lúpus eritematoso sistêmico,<br />
tumores, doença de Wilson e drogas, entre outras.<br />
Em nossa casuística, observamos associação importante<br />
de cardite com coréia, alertando assim para a<br />
necessidade de investigação do comprometimento cardíaco<br />
nos pacientes com essa manifestação.<br />
As outras manifestações maiores, como eritema<br />
marginado e nódulos subcutâneos, embora sejam consideradas<br />
critérios maiores, são muito pouco freqüentes.<br />
Essa é outra crítica aos critérios de Jones e existem<br />
sugestões para que essas manifestações deixem<br />
de ser consideradas maiores ou pelo menos não te-<br />
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 31