iii FEBRE REUMÁTICA
iii FEBRE REUMÁTICA
iii FEBRE REUMÁTICA
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PROKOPOWITSCH AS<br />
e col.<br />
Epidemiologia da febre<br />
reumática no século XXI<br />
Apesar do declínio global<br />
da incidência de febre<br />
reumática experimentado<br />
na segunda metade do século<br />
XX, nas últimas duas<br />
décadas vem sendo notado<br />
aumento progressivo<br />
do número de casos agudos<br />
da doença, associados<br />
a formas agressivas e<br />
invasivas de infecções estreptocócicas,principal-<br />
mente na América do Norte e na Europa (16) , conforme<br />
será abordado a seguir.<br />
EPIDEMIOLOGIA DAS INFECÇÕES<br />
ESTREPTOCÓCICAS DO GRUPO A<br />
E TENDÊNCIAS ATUAIS<br />
Os estreptococos do grupo A são a causa mais comum<br />
de faringite bacteriana, atingindo principalmente<br />
crianças e jovens com idades entre 5 e 15 anos. Estima-se<br />
que a maioria das crianças desenvolva pelo<br />
menos um episódio de faringite por ano, dos quais 15%<br />
a 20% causados por estreptococos do grupo A e 80%<br />
por patógenos virais (17) .<br />
Alguns estudos demonstraram que até 70% das crianças<br />
em idade escolar em países europeus apresentam<br />
títulos significativos (acima de 200 unidades Todd)<br />
de antiestreptolisina O (14) . A prevalência de estreptococos<br />
do grupo A em portadores assintomáticos é muito<br />
heterogênea, tendo sido reportadas taxas que variam<br />
desde 0,8% na Suíça (18) até 47% no Kuwait (19) . Em nosso<br />
meio, já foram reportadas taxas de carreamento<br />
assintomático em escolares de 0,8% no Recife (PE) (20) ,<br />
2,6% na cidade do Rio de Janeiro (RJ) (21) e 23,7% em<br />
Araraquara (SP) (22) . Entretanto, apesar de haver relatos<br />
de altas taxas de carreamento assintomático de<br />
estreptococos do grupo A, é importante ressaltar que<br />
apenas nos casos de doença verdadeira ocorre resposta<br />
significativa de produção de anticorpos, de modo<br />
que se considera que somente pacientes com faringite<br />
estreptocócica de fato apresentam risco de desenvolver<br />
febre reumática (14) .<br />
Nem todas as infecções por estreptococos do grupo<br />
A causam febre reumática aguda, ou seja, nem todas<br />
as cepas dessas bactérias são reumatogênicas.<br />
Geralmente, piodermites e infecções de tecidos moles<br />
não levam ao surgimento da doença, assim como nem<br />
todas as infecções estreptocócicas da faringe produzem<br />
febre reumática (23) . Além disso, algumas cepas causadoras<br />
de piodermites costumam causar glomerulonefrite<br />
aguda, mas não febre reumática aguda (24) . A<br />
ocorrência de febre reumática e glomerulonefrite aguda<br />
simultaneamente num mesmo paciente é muito rara<br />
após um episódio de faringite estreptocócica, ou seja,<br />
a nefritogenicidade parece ser uma propriedade de apenas<br />
algumas cepas de estreptococos do grupo A, que<br />
geralmente guardam tropismo por infecções cutâneas<br />
(25) .<br />
Existem alguns fatores de virulência de tais bactérias<br />
que parecem estar associados a sua reumatogenicidade.<br />
Ao que tudo indica, as cepas de estreptococos<br />
do grupo A capazes de produzir febre reumática são<br />
mais ricas em proteína M, apresentam alto teor de ácido<br />
hialurônico em suas cápsulas (o que produz colônias<br />
de aspecto mucóide nas culturas em ágar), são pobres<br />
em lipoproteinase (usualmente encontrada em<br />
cepas causadoras de infecções cutâneas), são altamente<br />
virulentas em ratos e têm grande tropismo pela<br />
orofaringe (26) . A reumatogenicidade das cepas de estreptococos<br />
do grupo A parece depender, acima de<br />
tudo, das moléculas de proteína M encontradas em sua<br />
superfície, já que algumas delas possuem epítopos que<br />
apresentam reação cruzada com antígenos do hospedeiro<br />
(23) , especialmente com tecidos cardíacos, sinoviais<br />
e do sistema nervoso central.<br />
Alguns sorotipos de estreptococos do grupo A têm<br />
sido claramente associados a epidemias de febre reumática<br />
aguda, dentre os quais o mais comum é o sorotipo<br />
M5. Outros sorotipos associados com freqüência<br />
à ocorrência de febre reumática são M1, M3, M6, M14,<br />
M18, M19 e M24 (16, 23) . Alguns sorotipos prevalentes em<br />
infecções de orofaringe, tais como M2, M4 e M12, não<br />
estão associados à doença (23) .<br />
Apesar de não terem sido conduzidos estudos longitudinais<br />
para avaliar a tendência das taxas de incidência<br />
e prevalência de faringites estreptocócicas ou<br />
de carreadores assintomáticos de estreptococos do<br />
grupo A, os dados atualmente disponíveis sugerem que<br />
as mesmas têm se mantido mais ou menos estáveis<br />
na maioria dos países (14) . Entretanto, têm sido relatadas,<br />
ao longo dos últimos vinte anos, algumas alterações<br />
na freqüência dos sorotipos de estreptococos do<br />
grupo A, bem como na severidade de infecções por<br />
tais bactérias, aparentemente mais virulentas e invasivas.<br />
Tais relatos têm sido acompanhados por descrições<br />
de surtos de febre reumática aguda em países<br />
desenvolvidos, não confinados apenas a populações<br />
social e economicamente desfavorecidas (16) .<br />
O declínio observado na incidência de febre reumática<br />
aguda durante a década de 1970 em quase todo o<br />
mundo provavelmente deveu-se muito mais ao desaparecimento<br />
de cepas estreptocócicas reumatogênicas<br />
que à melhoria das condições socioeconômicas e do<br />
acesso à antibioticoterapia profilática, uma vez que não<br />
houve redução concomitante da incidência de faringites<br />
estreptocócicas (23) . Entretanto, desde meados da<br />
década de 1980, após vários anos de desaparecimento,<br />
têm sido identificadas cepas mucóides de estrepto-<br />
Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 3