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iii FEBRE REUMÁTICA

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Febre reumáticA<br />

editor convidAdo:<br />

benedito cArlos mAciel<br />

1 Epidemiologia da febre reumática no<br />

século XXI<br />

Epidemiology of rheumatic fever in the<br />

21 st century<br />

ALEKSANDER SNIOKA PROKOPOWITSCH,<br />

PAULO ANDRADE LOTUFO<br />

7 Etiopatogenia da febre reumática<br />

Pathogenesis of rheumatic fever and<br />

rheumatic heart disease<br />

LUIZA GUILHERME, KELLEN C. FAÉ,<br />

JORGE KALIL<br />

18 Aspectos anatomopatológicos da febre<br />

reumática<br />

Pathological aspects of the heart in<br />

rheumatic fever<br />

LÉA MARIA MACRUZ FERREIRA<br />

DEMARCHI, JUSSARA BIANCHI CASTELLI<br />

28 Diagnóstico clínico da febre reumática:<br />

os critérios de Jones continuam<br />

adequados?<br />

Clinical diagnosis of rheumatic fever:<br />

are the Jones criteria still adequate?<br />

MARIA TERESA R. A.TERRERI,<br />

MARIA ODETE E. HILÁRIO<br />

34 Valor dos exames laboratoriais no<br />

diagnóstico e no seguimento de pacientes<br />

com febre reumática<br />

Laboratory in rheumatic fever<br />

MARIA HELENA VIDOTTI,<br />

JOSÉ FRANCISCO KERR SARAIVA<br />

40 Papel da Doppler ecocardiografia no<br />

diagnóstico e no prognóstico da febre<br />

reumática aguda<br />

Role of the Doppler echocardiography in<br />

the evaluation of patients with acute<br />

rheumatic fever<br />

ANTONIO PAZIN-FILHO, ANDRÉ SCHMIDT,<br />

MINNA MOREIRA DIAS ROMANO,<br />

sumário<br />

Artigos de AtuAlizAção<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005<br />

seções<br />

iv Carta do Presidente da SOCESP<br />

Otávio Rizzi Coelho<br />

v Carta do Editor Convidado<br />

vi Eventos<br />

v<strong>iii</strong> Normas para Publicação<br />

OSWALDO CÉSAR DE ALMEIDA FILHO,<br />

BENEDITO CARLOS MACIEL<br />

47 Valor da cintilografia miocárdica com<br />

gálio-67 na abordagem de pacientes com<br />

febre reumática<br />

Value of Gallium-67 myocardium scintigraphy<br />

in the work up of patients with rheumatic<br />

fever<br />

CARLOS ALBERTO BUCHPIGUEL,<br />

JOSÉ SOARES JúNIOR<br />

53 Tratamento clínico da febre reumática<br />

Clinical treatment of rheumatic fever<br />

MARIA HELENA B. KISS<br />

61 Coréia reumática: aspectos diagnósticos<br />

e terapêuticos<br />

Sydenham’s chorea: diagnostic and<br />

therapeutic aspects<br />

VITOR TUMAS<br />

71 Cardite reumática: peculiaridades<br />

diagnósticas e terapêuticas<br />

Rheumatic carditis: diagnostic peculiarities<br />

and treatment<br />

MARIA SUELY BEZERRA DIÓGENES,<br />

ANTÔNIO CARLOS CARVALHO<br />

79 Manifestações articulares da febre<br />

reumática<br />

Articular involvement in rheumatic fever<br />

VIRGÍNIA PAES LEME FERRIANI<br />

85 Profilaxia da febre reumática<br />

Rheumatic fever prophylaxis<br />

FLÁVIO TARASOUTCHI,<br />

GUILHERME SOBREIRA SPINA<br />

92 Indicação cirúrgica na febre reumática<br />

aguda<br />

Surgical indication in acute rheumatic fever<br />

MAX GRINBERG,<br />

GUILHERME SOBREIRA SPINA<br />

Edição Anterior: Síndrome Isquêmica Aguda com Supradesnivelamento do Segmento ST<br />

Editor Convidado: Otávio Rizzi Coelho<br />

Próxima Edição: Coração, Exercícios e Atividade Física<br />

Editor Convidado: Nabil Ghorayeb<br />

<strong>iii</strong>


PROKOPOWITSCH AS<br />

e col.<br />

Epidemiologia da febre<br />

reumática no século XXI<br />

EPIDEMIOLOGIA E TENDÊNCIAS DA<br />

DOENÇA <strong>REUMÁTICA</strong> NO MUNDO<br />

A febre reumática é uma complicação tardia nãosupurativa<br />

de infecções por estreptococos beta-hemolíticos<br />

pertencentes ao grupo A de Lancefield. Geralmente,<br />

afeta indivíduos entre 5 e 18 anos de idade, de<br />

qualquer raça e em qualquer parte do mundo (1) . Essa<br />

doença continua a ser um problema relevante de saúde<br />

pública nos dias atuais, especialmente nos países<br />

pobres, nos quais estima-se que a febre reumática seja<br />

responsável por cerca de 60% de todas as doenças<br />

cardiovasculares em crianças e adultos jovens (2) . Além<br />

disso, trata-se de uma doença que produz alto custo<br />

socioeconômico, não somente para os serviços de saúde<br />

como também para os pacientes e suas famílias.<br />

Um recente estudo brasileiro demonstrou que 22% dos<br />

pacientes com febre reumática em idade escolar apresentaram<br />

alguma repetência, e que 5% dos pais de<br />

pacientes perderam seus empregos em decorrência do<br />

absenteísmo do trabalho (3) .<br />

Durante a segunda metade do século XX, especial-<br />

EPIDEMIOLOGIA DA <strong>FEBRE</strong> <strong>REUMÁTICA</strong><br />

NO SÉCULO XXI<br />

ALEKSANDER SNIOKA PROKOPOWITSCH, PAULO ANDRADE LOTUFO<br />

Divisão de Clínica Médica — Hospital Universitário da Universidade de São Paulo<br />

Endereço para correspondência: Av. Professor Lineu Prestes, 2565 —<br />

Cidade Universitária — CEP 05508-000 — São Paulo — SP<br />

A febre reumática, complicação tardia não-supurativa de infecções por estreptococos<br />

do grupo A de Lancefield, continua a ser um relevante problema de saúde<br />

pública, especialmente nos países em desenvolvimento. Este artigo aborda de maneira<br />

geral aspectos epidemiológicos atuais da febre reumática e das infecções por<br />

estreptococos do grupo A, salientando a importância dos sorotipos mais reumatogênicos<br />

dessas bactérias e o ressurgimento recente de infecções estreptocócicas<br />

graves e invasivas, associado a surtos de febre reumática aguda em escolares e<br />

adultos jovens, observados principalmente nos Estados Unidos e na Europa.<br />

Palavras-chave: febre reumática, infecções estreptocócicas, epidemiologia.<br />

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:1-6)<br />

RSCESP (72594)-1501<br />

mente após a 2ª Guerra Mundial, ocorreu grande queda<br />

da incidência de febre reumática aguda, notada principalmente<br />

nos Estados Unidos, no Japão e na Europa,<br />

explicável pelo maior acesso ao uso de antibióticos,<br />

pela contínua melhora de condições de vida e,<br />

provavelmente, pela menor virulência de cepas estreptocócicas.<br />

Por exemplo, na Dinamarca, a incidência<br />

anual de febre reumática aguda caiu de 200 para 11<br />

casos por 100 mil pessoas entre os anos de 1862 e<br />

1962, chegando a atingir cerca de um caso para cada<br />

100 mil indivíduos após a introdução da penicilina (4, 5) .<br />

Durante a década de 1980, a incidência de casos agudos<br />

de febre reumática manteve-se em 0,06 caso por<br />

mil pessoas no Japão e na Grã-Bretanha, e em 0,7<br />

caso por mil pessoas no Estados Unidos (1) .<br />

Nos países em desenvolvimento, também houve redução<br />

da incidência de febre reumática aguda durante<br />

a segunda metade do século XX, mas em menor monta<br />

que aquela observada no Primeiro Mundo. Na região<br />

Sul do Brasil, a incidência da doença chegou a<br />

ser de um para cada mil habitantes durante a década<br />

de 1970 (6) , e de 3,6 para cada mil habitantes em algu-<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 1


PROKOPOWITSCH AS<br />

e col.<br />

Epidemiologia da febre<br />

reumática no século XXI<br />

mas regiões do Centro-<br />

Oeste durante a década<br />

de 1990 (7) . Níveis ainda<br />

maiores de incidência foram<br />

observados em outros<br />

países, como, por exemplo,<br />

a África do Sul, em Soweto,<br />

em que chegaram a<br />

ser registrados 19,2 casos<br />

para cada mil escolares<br />

durante a década de<br />

1970 (8) .<br />

A redução da incidência de casos agudos de febre<br />

reumática foi acompanhada pela diminuição das taxas<br />

de mortalidade pela doença. Por exemplo, nos Estados<br />

Unidos, houve queda dessas taxas da ordem de<br />

14,5 para 6,8 por 100 mil casos entre os anos de 1950<br />

Tabela 1. Número absoluto de óbitos por cardiopatia reumática notificados por alguns países em 2002.<br />

Número de óbitos em 2002 Países<br />

Igual ou acima de 10.000 China, Índia, Paquistão, Indonésia, Bangladesh<br />

5.000 a 9.999 Federação Russa<br />

1.000 a 4.999 Brasil, Estados Unidos, México, França, Alemanha,<br />

Reino Unido, Egito, Congo, Etiópia, Nigéria, Irã,<br />

Vietnã, Filipinas<br />

500 a 999 Romênia, Bielo-Rússia, Argélia, Sudão, Angola,<br />

África do Sul, Casaquistão<br />

100 a 499 Argentina, Colômbia, Canadá, Portugal, Hungria,<br />

Suécia, Austrália<br />

10 a 99 Grécia, Finlândia, Bélgica, Dinamarca<br />

Fonte: Organização Mundial da Saúde (11) .<br />

Tabela 2. Número absoluto de casos notificados de<br />

cardiopatia reumática em crianças de 5 a 14 anos de<br />

idade no ano de 2003.<br />

Região ou país Número de casos<br />

África subsaariana 1.008.207<br />

Ásia Central e Meridional 734.786<br />

China 176.576<br />

Mediterrâneo Oriental e<br />

Norte da África 153.679<br />

América Latina 136.971<br />

Ásia (restante) 101.822<br />

Europa Oriental 40.366<br />

Países desenvolvidos 33.330<br />

Pacífico 7.744<br />

Fonte: Organização Mundial da Saúde (11) .<br />

e 1972 (9) . No Brasil, essa taxa manteve-se em 0,15 por<br />

100 mil casos no final da década de 1980 (6) . Em 2000,<br />

o número absoluto estimado de mortes decorrentes de<br />

doença cardíaca reumática no mundo foi de 332 mil (10) ,<br />

e os países que mais contribuíram para esse número<br />

foram China, Índia, Paquistão, Indonésia e Bangladesh,<br />

com mais de 10 mil mortes pela doença em cada um<br />

deles no ano de 2002 (Tab. 1) (11) . No Brasil, morreram<br />

1.852 pessoas, a maioria com complicações da doença<br />

reumática, em 2002. Em 1979, o número de mortes<br />

foi de 1.870, mostrando que o risco de morte foi significativamente<br />

reduzido, considerando-se o aumento da<br />

população em duas décadas.<br />

A prevalência estimada de doença cardíaca reumática<br />

em crianças nas duas últimas décadas variou de<br />

0,2 por mil escolares em Havana (Cuba), no ano de 1987,<br />

até 77,8 por mil escolares em Samoa, em 1999 (12, 13) . Cal-<br />

cula-se que a cardiopatia reumática, em países em<br />

desenvolvimento, seja responsável por 12% a 65% das<br />

internações hospitalares relacionadas a doenças cardiovasculares<br />

(14) . Em 2003, a África subsaariana foi a<br />

região que mais contribuiu com o número de casos de<br />

cardiopatia reumática no mundo em crianças de 5 a 14<br />

anos de idade, com 1.008.207 casos, seguindo-se a<br />

Ásia Central e Meridional (734.786 casos) e a China<br />

(176.576 casos). A América Latina contribuiu com<br />

136.971 casos e os países desenvolvidos, com 33.330<br />

casos (Tab. 2) (11) .<br />

Dados da Organização Mundial da Saúde dão conta<br />

de que, em 1994, cerca de 12 milhões de pessoas<br />

no mundo sofriam de febre reumática e suas seqüelas<br />

cardíacas. Três milhões delas apresentavam insuficiência<br />

cardíaca congestiva requerendo repetidas hospitalizações,<br />

a maioria com indicação de cirurgia cardíaca<br />

valvar num prazo de 5 a 10 anos (15) .<br />

2 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


PROKOPOWITSCH AS<br />

e col.<br />

Epidemiologia da febre<br />

reumática no século XXI<br />

Apesar do declínio global<br />

da incidência de febre<br />

reumática experimentado<br />

na segunda metade do século<br />

XX, nas últimas duas<br />

décadas vem sendo notado<br />

aumento progressivo<br />

do número de casos agudos<br />

da doença, associados<br />

a formas agressivas e<br />

invasivas de infecções estreptocócicas,principal-<br />

mente na América do Norte e na Europa (16) , conforme<br />

será abordado a seguir.<br />

EPIDEMIOLOGIA DAS INFECÇÕES<br />

ESTREPTOCÓCICAS DO GRUPO A<br />

E TENDÊNCIAS ATUAIS<br />

Os estreptococos do grupo A são a causa mais comum<br />

de faringite bacteriana, atingindo principalmente<br />

crianças e jovens com idades entre 5 e 15 anos. Estima-se<br />

que a maioria das crianças desenvolva pelo<br />

menos um episódio de faringite por ano, dos quais 15%<br />

a 20% causados por estreptococos do grupo A e 80%<br />

por patógenos virais (17) .<br />

Alguns estudos demonstraram que até 70% das crianças<br />

em idade escolar em países europeus apresentam<br />

títulos significativos (acima de 200 unidades Todd)<br />

de antiestreptolisina O (14) . A prevalência de estreptococos<br />

do grupo A em portadores assintomáticos é muito<br />

heterogênea, tendo sido reportadas taxas que variam<br />

desde 0,8% na Suíça (18) até 47% no Kuwait (19) . Em nosso<br />

meio, já foram reportadas taxas de carreamento<br />

assintomático em escolares de 0,8% no Recife (PE) (20) ,<br />

2,6% na cidade do Rio de Janeiro (RJ) (21) e 23,7% em<br />

Araraquara (SP) (22) . Entretanto, apesar de haver relatos<br />

de altas taxas de carreamento assintomático de<br />

estreptococos do grupo A, é importante ressaltar que<br />

apenas nos casos de doença verdadeira ocorre resposta<br />

significativa de produção de anticorpos, de modo<br />

que se considera que somente pacientes com faringite<br />

estreptocócica de fato apresentam risco de desenvolver<br />

febre reumática (14) .<br />

Nem todas as infecções por estreptococos do grupo<br />

A causam febre reumática aguda, ou seja, nem todas<br />

as cepas dessas bactérias são reumatogênicas.<br />

Geralmente, piodermites e infecções de tecidos moles<br />

não levam ao surgimento da doença, assim como nem<br />

todas as infecções estreptocócicas da faringe produzem<br />

febre reumática (23) . Além disso, algumas cepas causadoras<br />

de piodermites costumam causar glomerulonefrite<br />

aguda, mas não febre reumática aguda (24) . A<br />

ocorrência de febre reumática e glomerulonefrite aguda<br />

simultaneamente num mesmo paciente é muito rara<br />

após um episódio de faringite estreptocócica, ou seja,<br />

a nefritogenicidade parece ser uma propriedade de apenas<br />

algumas cepas de estreptococos do grupo A, que<br />

geralmente guardam tropismo por infecções cutâneas<br />

(25) .<br />

Existem alguns fatores de virulência de tais bactérias<br />

que parecem estar associados a sua reumatogenicidade.<br />

Ao que tudo indica, as cepas de estreptococos<br />

do grupo A capazes de produzir febre reumática são<br />

mais ricas em proteína M, apresentam alto teor de ácido<br />

hialurônico em suas cápsulas (o que produz colônias<br />

de aspecto mucóide nas culturas em ágar), são pobres<br />

em lipoproteinase (usualmente encontrada em<br />

cepas causadoras de infecções cutâneas), são altamente<br />

virulentas em ratos e têm grande tropismo pela<br />

orofaringe (26) . A reumatogenicidade das cepas de estreptococos<br />

do grupo A parece depender, acima de<br />

tudo, das moléculas de proteína M encontradas em sua<br />

superfície, já que algumas delas possuem epítopos que<br />

apresentam reação cruzada com antígenos do hospedeiro<br />

(23) , especialmente com tecidos cardíacos, sinoviais<br />

e do sistema nervoso central.<br />

Alguns sorotipos de estreptococos do grupo A têm<br />

sido claramente associados a epidemias de febre reumática<br />

aguda, dentre os quais o mais comum é o sorotipo<br />

M5. Outros sorotipos associados com freqüência<br />

à ocorrência de febre reumática são M1, M3, M6, M14,<br />

M18, M19 e M24 (16, 23) . Alguns sorotipos prevalentes em<br />

infecções de orofaringe, tais como M2, M4 e M12, não<br />

estão associados à doença (23) .<br />

Apesar de não terem sido conduzidos estudos longitudinais<br />

para avaliar a tendência das taxas de incidência<br />

e prevalência de faringites estreptocócicas ou<br />

de carreadores assintomáticos de estreptococos do<br />

grupo A, os dados atualmente disponíveis sugerem que<br />

as mesmas têm se mantido mais ou menos estáveis<br />

na maioria dos países (14) . Entretanto, têm sido relatadas,<br />

ao longo dos últimos vinte anos, algumas alterações<br />

na freqüência dos sorotipos de estreptococos do<br />

grupo A, bem como na severidade de infecções por<br />

tais bactérias, aparentemente mais virulentas e invasivas.<br />

Tais relatos têm sido acompanhados por descrições<br />

de surtos de febre reumática aguda em países<br />

desenvolvidos, não confinados apenas a populações<br />

social e economicamente desfavorecidas (16) .<br />

O declínio observado na incidência de febre reumática<br />

aguda durante a década de 1970 em quase todo o<br />

mundo provavelmente deveu-se muito mais ao desaparecimento<br />

de cepas estreptocócicas reumatogênicas<br />

que à melhoria das condições socioeconômicas e do<br />

acesso à antibioticoterapia profilática, uma vez que não<br />

houve redução concomitante da incidência de faringites<br />

estreptocócicas (23) . Entretanto, desde meados da<br />

década de 1980, após vários anos de desaparecimento,<br />

têm sido identificadas cepas mucóides de estrepto-<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 3


PROKOPOWITSCH AS<br />

e col.<br />

Epidemiologia da febre<br />

reumática no século XXI<br />

cocos do grupo A prevalentes<br />

em epidemias de<br />

febre reumática aguda, especialmente<br />

pertencentes<br />

aos sorotipos M3, M5 e<br />

M18 (27) . Além disso, desde<br />

então têm sido relatados<br />

vários casos de infecções<br />

estreptocócicas graves e<br />

invasivas, tanto nos Estados<br />

Unidos como em países<br />

da Europa (28) , causa-<br />

das principalmente pelos sorotipos M1, M3 e M18. Freqüentemente,<br />

as cepas relacionadas a essas infecções<br />

apresentam produção mais acentuada da chamada<br />

exotoxina estreptocócica pirogênica, a qual parece ter<br />

participação importante na virulência e na invasividade<br />

dessas bactérias (16) .<br />

Recentes relatos de tais infecções estreptocócicas<br />

invasivas dão conta da ocorrência de bacteremia, sepse<br />

(inclusive puerperal), fasciíte necrotizante e miosite,<br />

além da denominada síndrome do choque tóxico<br />

estreptocócico, caracterizada por insuficiência de múltiplos<br />

órgãos e choque, na vigência de infecção estreptocócica<br />

(16) . Essas infecções costumam acometer especialmente<br />

adultos jovens e previamente saudáveis,<br />

com uma taxa de letalidade de cerca de 30% (29) .<br />

Diferentemente da síndrome do choque tóxico estafilocócico,<br />

os pacientes com infecções estreptocócicas<br />

invasivas costumam apresentar bacteremia e foco<br />

infeccioso evidente. Na maioria das vezes (em até 70%<br />

dos casos), o foco infeccioso original é cutâneo, mucoso<br />

ou de tecidos moles. Foco respiratório (pneumonia,<br />

sinusite ou otite) é identificável em até 18% dos casos,<br />

e em 5% a 24% das vezes ocorre apenas bacteremia<br />

isolada (16) .<br />

Concomitantemente a essa alteração da virulência<br />

e do perfil das infecções estreptocócicas, no final da<br />

década de 1980 começaram a surgir relatos de epidemias<br />

de febre reumática aguda, especialmente em várias<br />

localidades dos Estados Unidos (30-33) . Em tais surtos,<br />

crianças em idade escolar são as mais freqüentemente<br />

acometidas, porém nota-se aumento significativo<br />

da incidência de febre reumática aguda em adultos,<br />

chegando a 100% dos casos na localidade de San Di-<br />

ego (32) . Diferentemente de relatos anteriores, a maioria<br />

dos indivíduos afetados era da raça branca, com rendimentos<br />

familiares bem acima da linha da pobreza (16) .<br />

Clinicamente, artrite e cardite foram os achados mais<br />

freqüentes nesses surtos. Foi relatada ocorrência de<br />

artrite em 47% a 100% dos casos, de cardite em 30%<br />

a 59%, e de coréia em até 30%. Vale ressaltar que cerca<br />

de dois terços dos pacientes falharam em recordar<br />

sintomas de faringite prévios ao surgimento da doença.<br />

Os sorotipos de estreptococos mais freqüentemente<br />

isolados nesses casos foram M1, M3 e M18 (16) , classicamente<br />

relacionados à ocorrência de febre reumática<br />

e muito prevalentes nas infecções estreptocócicas<br />

invasivas recentemente descritas.<br />

Assim, após longo período de desaparecimento, nos<br />

últimos vinte anos ressurgiram cepas de estreptococos<br />

do grupo A com potencial reumatogênico considerável,<br />

associadas a infecções mais graves e afetando<br />

não somente crianças em idade escolar, mas também<br />

adultos jovens. Não há dados brasileiros até o momento<br />

sobre essa mudança de perfil das cepas estreptocócicas,<br />

mas os relatos indicam que vigilância será necessária,<br />

no sentido de identificar sorotipos reumatogênicos<br />

em nosso meio e associar sua ocorrência a<br />

possível aumento de casos novos de febre reumática<br />

no Brasil.<br />

Além disso, a erradicação da febre reumática dependerá<br />

em muito do desenvolvimento de vacinas contra<br />

estreptococos do grupo A. Têm sido estudadas vacinas<br />

multivalentes recombinantes, compostas por epítopos<br />

de proteína M representativos dos mais freqüentes<br />

sorotipos reumatogênicos, além de vacinas orais<br />

capazes de induzir resposta imune IgA tipo-específica<br />

antiproteína M (34) . Considerando-se que a profilaxia primária<br />

(tratamento antibiótico de infecção estreptocócica<br />

aguda) é insuficiente para a prevenção da febre reumática,<br />

uma vez que a maior parte dos indivíduos que<br />

desenvolvem a doença não experimenta infecção estreptocócica<br />

prévia clinicamente significativa, e que<br />

muitos dos sorotipos reumatogênicos de estreptococos<br />

estão atualmente relacionados a infecções graves,<br />

o desenvolvimento de uma vacina contra estreptococos<br />

do grupo A tem se tornado assunto de relevância, que certamente<br />

terá impacto importante na epidemiologia da estreptococcia<br />

e da febre reumática em todo o mundo.<br />

4 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


PROKOPOWITSCH AS<br />

e col.<br />

Epidemiologia da febre<br />

reumática no século XXI<br />

REFERÊNCIAS<br />

EPIDEMIOLOGY OF RHEUMATIC FEVER<br />

IN THE 21 ST CENTURY<br />

1. Silva NA, Pereira BAF. Acute rheumatic fever: still a<br />

challenge. Rheum Dis Clin North Am. 1997;23:545-<br />

68.<br />

2. The socioeconomic burden of rheumatic fever. In:<br />

Rheumatic fever and rheumatic heart disease. Report<br />

of a WHO expert consultation. WHO Technical<br />

Report Series no. 923, Geneva, World Health Organization,<br />

2001.<br />

3. Terreri MT, Ferraz MB, Goldenberg J, Len C, Hilario<br />

MO. Resource utilization and cost of rheumatic fever.<br />

J Rheumatol. 2001;28:1394-7.<br />

4. Disciascio G, Taranta A. Rheumatic fever in children.<br />

Am Heart J. 1980;99:635-58.<br />

5. Vendsborg P, Faverholdt L, Olesen KH. Decreasing<br />

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chronic rheumatic heart disease. Cardiologia.<br />

1968;53:332.<br />

6. Achutti A, Achutti VR. Epidemiology of rheumatic fever<br />

in the developing world. Cardiol Young.<br />

1992;2:206-15.<br />

7. Meira ZMA, Castilho SR, Barros MVL, Vitarelli AM,<br />

Capanema FD, Moreira NS, et al. Prevalência da<br />

febre reumática em crianças de uma escola pública<br />

de Belo Horizonte. Arq Bras Cardiol. 1995;65:331-<br />

4.<br />

8. McLaren MJ, Hawkins DM, Koornhof HJ, Bloom KR,<br />

Bramwell-Jones DM, Cohen E, et al. Epidemiology<br />

ALEKSANDER SNIOKA PROKOPOWITSCH, PAULO ANDRADE LOTUFO<br />

Rheumatic fever, a non-supurative complication of infections by group A streptococci,<br />

remains a major health problem, especially in developing countries. This article<br />

makes a global overview on the epidemiology of rheumatic fever and infections<br />

by group A streptococci, highlighting the importance of the most rheumatogenic serotypes<br />

of these bacteria and the recent reemergence of severe, invasive streptococcal<br />

infections associated with outbreaks of acute rheumatic fever in school-aged<br />

children and young adults, particularly described in United States and Europe.<br />

Key words: rheumatic fever, streptococcal infections, epidemiology.<br />

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6 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


GUILHERME L<br />

e cols.<br />

Etiopatogenia da<br />

febre reumática<br />

HISTÓRICO<br />

Em 1798, foi publicada por Baillie a observação de<br />

que havia correlação entre reumatismo e doença cardíaca,<br />

feita dez anos antes por Pitcairn. Observações<br />

subseqüentes indicaram que a febre reumática era uma<br />

doença que acometia crianças e adolescentes. Em<br />

ETIOPATOGENIA DA <strong>FEBRE</strong> <strong>REUMÁTICA</strong><br />

LUIZA GUILHERME, KELLEN C. FAÉ, JORGE KALIL<br />

Laboratório de Imunologia — Instituto do Coração (InCor) — HC-FMUSP<br />

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 —<br />

9 o andar — CEP 05403-900 — São Paulo — SP<br />

A febre reumática é desencadeada pela infecção de orofaringe pelo Streptococcus<br />

pyogenes em indivíduos geneticamente suscetíveis, não tratados. A suscetibilidade<br />

está associada a diversos alelos HLA de classe II. As reações auto-imunes<br />

que geram as lesões teciduais reumáticas ocorrem por mimetismo molecular entre<br />

S. pyogenes e proteínas teciduais. Na doença reumática cardíaca, as lesões valvulares<br />

são caracterizadas por intenso infiltrado inflamatório, rico em células mononucleares.<br />

Linfócitos T infiltrantes da lesão reconhecem simultaneamente segmentos<br />

da proteína M do estreptococo e proteínas do tecido cardíaco por mimetismo molecular.<br />

Tanto linfócitos T do sangue periférico como os infiltrantes das lesões, principalmente<br />

em indivíduos portadores dos antígenos HLA-DR7 e DR53, reconhecem o<br />

mesmo segmento da proteína M5 (resíduos de aminoácidos de 81-96). As células<br />

mononucleares que infiltram o tecido cardíaco dos pacientes com doença reumática<br />

cardíaca grave produzem principalmente citocinas inflamatórias do tipo Th1 (IFNγ e<br />

TNFα). Curiosamente, raras células mononucleares infiltrantes das válvulas produzem<br />

IL-4, citocina reguladora da resposta inflamatória. Considerando-se que as lesões<br />

valvulares reumáticas são lentas e progressivas, a baixa produção de IL-4, e,<br />

conseqüentemente, a manutenção da inflamação local, está correlacionada com a<br />

progressão das lesões valvulares na doença reumática cardíaca, enquanto no miocárdio,<br />

onde há grande número de células produtoras de IL-4, ocorre cura da miocardite<br />

após algumas semanas. Em conclusão, a patogênese da febre reumática/<br />

doença reumática cardíaca é decorrente de uma rede complexa de interações imunes<br />

desencadeadas pelo agente infeccioso (S. pyogenes), as quais levam a lesões<br />

auto-imunes órgão-específicas, progressivas e permanentes mediadas por linfócitos<br />

T e citocinas inflamatórias.<br />

Palavras-chave: febre reumática, proteína M, mimetismo molecular, linfócitos T, citocinas.<br />

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:7-17)<br />

RSCESP (72594)-1502<br />

1840, Jean Baptiste Bouillot descreveu que a febre reumática<br />

“lambe as articulações, mas morde o coração”.<br />

Em 1889, Cheadle observou que a doença era mais<br />

freqüente em membros de uma mesma família, sugerindo<br />

um padrão genético de suscetibilidade. No período<br />

de 1900 a 1940, vários pesquisadores sugeriram a<br />

participação de vírus ou bactérias no desencadeamento<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 7


GUILHERME L<br />

e cols.<br />

Etiopatogenia da<br />

febre reumática<br />

da doença. Em 1930, Coburn<br />

associou a infecção<br />

por Streptococcus pyogenes<br />

como agente causal<br />

da febre reumática. (1)<br />

O AGENTE INFECCIOSO<br />

(Streptococcus<br />

pyogenes)<br />

Estudos realizados por<br />

Rebecca Lancefield permitiram<br />

a classificação do estreptococo beta-hemolítico<br />

como grupo A ou Streptococcus pyogenes, bem<br />

como a definição de sua composição celular, levantando<br />

questões a respeito de suas funções biológicas e<br />

das relações com seu hospedeiro, o ser humano.<br />

O estreptococo do grupo A contém, na camada externa<br />

da parede celular, as proteínas M, T e R e o ácido<br />

lipoteicóico (LTA), um polímero longo composto por<br />

fosfoglicerol e responsável pela ligação da bactéria à<br />

fibronectina presente na célula epitelial oral do hospedeiro,<br />

iniciando, assim, a colonização bacteriana (Fig.<br />

1). As camadas média e interna são formadas por açúcares<br />

e conferem rigidez à parede, mantendo a morfologia<br />

bacteriana. A proteína M apresenta propriedade<br />

antifagocítica e é altamente antigênica. Sua estrutura<br />

é fibrilar em alfa hélice dupla que se projeta da parede<br />

celular, apresentando similaridade com proteínas fibrilares<br />

do tecido humano, como miosina cardíaca, tropomiosina,<br />

queratina, lamina e vimentina (Tab. 1). A<br />

proteína M contém aproximadamente 450 resíduos de<br />

aminoácidos dispostos em quatro regiões (A, B, C e<br />

D), que apresentam blocos de repetições (Fig. 1). A<br />

porção N-terminal é a mais polimórfica (regiões A e B)<br />

e diferenças nos 11 primeiros resíduos de aminoácidos<br />

permitem classificar os diferentes subtipos ou cepas<br />

do estreptococo do grupo A, que são aproximadamente<br />

100 sorotipos. As regiões C e D são bastante<br />

conservadas e fazem parte da porção C-terminal que<br />

se insere à superfície da bactéria (Fig. 1). As regiões C<br />

de proteínas M de diferentes cepas apresentam aproximadamente<br />

80% de homologia, sendo responsáveis<br />

pela fixação da bactéria na mucosa de orofaringe (2) .<br />

SUSCETIBILIDADE GENÉTICA<br />

Estudos conduzidos em gêmeos demonstraram uma<br />

taxa de concordância da doença de 18,7% em gêmeos<br />

monozigóticos e de 2,5% em gêmeos dizigóticos,<br />

reforçando a idéia da participação de fatores genéticos<br />

no desenvolvimento da doença bem como nas diferentes<br />

manifestações clínicas (3) . Com o progresso dos<br />

estudos epidemiológicos e posteriormente imunológicos,<br />

vários marcadores genéticos foram analisados,<br />

entre eles os grupos sanguíneos ABO e os antígenos<br />

HLA de classe I, porém esses marcadores não apresentaram<br />

associações significativas com a doença (4, 5) .<br />

Posteriormente, com a identificação dos antígenos HLA<br />

de classe II, na década de 80, buscaram-se associações<br />

com alelos dos genes HLA-DR e DQ localizados<br />

na região de classe II do complexo principal de histocompatibilidade<br />

(CPH), no cromossomo 6 em humanos<br />

(Tab. 2). Os primeiros relatos demonstraram que<br />

pacientes americanos negros com doença reumática<br />

cardíaca crônica apresentavam maior freqüência de<br />

HLA-DR2 e pacientes de origem caucasóide, HLA-DR4<br />

e DR9 (6) . A associação com HLA-DR4 e doença reumática<br />

cardíaca em população americana de origem<br />

caucasóide foi posteriormente confirmada (7) e essa<br />

mesma associação foi descrita em população de origem<br />

árabe (8) e muçulmana da região da Kashmir (9) . Em<br />

negros da África do Sul, observou-se associação do<br />

alelo HLA-DR1 com a febre reumática (10) e estudos<br />

desenvolvidos na Índia demonstraram associação da<br />

doença com os alelos HLA-DR3 e DQ2 (11, 12) . No Brasil,<br />

foi descrita a associação dos alelos HLA-DR7 e DR53<br />

com a febre reumática em mulatos claros e escuros (13) e<br />

posteriormente com um grupo de origem caucasóide (14) .<br />

A associação com o alelo HLA-DR7 foi também encontrada<br />

na Turquia (15) . Mais recentemente, por meio de<br />

métodos moleculares para definição alélica, também<br />

se observou associação significativa do haplótipo<br />

DRB1*0701/DQA1*0201 na população egípcia (16) e do<br />

haplótipo DRB1*07/DQB1*0302 e DQB1*0401-2 em<br />

população da Latívia (17) , sendo essas associações particularmente<br />

mais evidentes em pacientes com lesões<br />

valvulares múltiplas e regurgitação da valva mitral. Na<br />

população japonesa, a suscetibilidade à doença foi<br />

descrita com os alelos DQA1*0104 e DQB1*05031 (18) .<br />

Em população mestiça no México, a associação descrita<br />

foi com os alelos DRB1*1602, DQA1*0501 e<br />

DQB1*0301 (19) .<br />

Apesar da descrição de associações com distintos<br />

alelos HLA, os resultados demonstram que a associação<br />

com o alelo DR7 parece ser a mais consistente,<br />

independentemente da população estudada (Tab. 1). (13-<br />

17, 21) O fato de diferentes alelos terem sido encontrados<br />

em associação com a febre reumática, em determinadas<br />

populações, pode resultar do envolvimento de diferentes<br />

cepas de estreptococo, da utilização de diferentes<br />

métodos para identificação dos alelos ou da falta<br />

de análise de grupos de pacientes com definição da<br />

manifestação clínica da doença homogênea.<br />

Recentemente, tem-se estudado o polimorfismo de<br />

genes de citocinas, que são moléculas envolvidas diretamente<br />

na regulação da resposta imune. TGF-ß2<br />

(“transforming growth factor-ß2”), citocina envolvida na<br />

fibrose e na calcificação do tecido valvular (22) , foi avaliado<br />

em pacientes portadores de doença reumática<br />

8 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


GUILHERME L<br />

e cols.<br />

Etiopatogenia da<br />

febre reumática<br />

cardíaca na população chinesa<br />

(23) e observou-se que<br />

reduzido número de pacientes<br />

com insuficiência<br />

mitral e/ou estenose mitral<br />

apresentavam a variante<br />

alélica associada à baixa<br />

produção de TGF-ß1 e,<br />

portanto, esses pacientes<br />

estão predispostos a desenvolver<br />

alto grau de fibrose<br />

e calcificação.<br />

TNFα (“tumor necrosis<br />

factor-alpha”), uma citocina<br />

pró-inflamatória, apresenta-se<br />

aumentada no<br />

soro e no tecido cardíaco<br />

em diversas cardiopatias<br />

(24) . Em população de<br />

mestiços mexicanos, portadores<br />

de doença reumática<br />

cardíaca, foi mostrado<br />

que alelos do gene TNFα<br />

localizados na região que<br />

promove aumento da<br />

transcrição do gene TNFα<br />

(região promotora) foram<br />

predominantes nos pacientes<br />

quando comparados<br />

com indivíduos normais (25) .<br />

No entanto, não foi observada<br />

associação com o<br />

dano valvular (25) .<br />

A análise do polimorfismo<br />

do gene da enzima<br />

conversora da angiotensina-1,<br />

que tem alta atividade<br />

em tecido valvular, demonstrou<br />

que pacientes<br />

com febre reumática, portadores<br />

de uma variante<br />

alélica denominada “DD”,<br />

apresentavam maior risco<br />

Figura 1. Desenho esquemático dos componentes estruturais do S. pyogenes. A. A<br />

estrutura do S. pyogenes é formada por uma cápsula de ácido hialurônico, que confere<br />

à bactéria sua aparência mucóide quando cultivada em ágar e contribui para sua aderência<br />

à orofaringe. A parte externa da parede celular é composta de proteínas M, T e R<br />

e ácido lipoteicóico (LTA), um polímero composto de fosfoglicerol, que faz a ligação da<br />

bactéria à fibronectina do epitélio oral. As camadas interna e média da parede celular<br />

contêm carboidratos (N-acetil glucosamina e ramnose) que dividem os estreptococos<br />

nos diferentes grupos de Lancefield. Na parede ainda existem mucopeptídeos e a membrana<br />

protoplasmática, com lipoproteínas antigênicas. B. A proteína M tem aproximadamente<br />

450 resíduos de aminoácidos dispostos em quatro regiões (A, B, C e D), que<br />

apresentam blocos de repetição. A porção N-terminal (NH 2 ) é polimórfica e variações<br />

nos resíduos de aminoácidos da região A definem os sorotipos de estreptococos. A<br />

porção C-terminal (COOH) é composta pelas regiões C e D conservadas e fazem a<br />

inserção da proteína na superfície da bactéria. C. Células HEp-2 (carcinoma de laringe<br />

humana) colonizadas por S. pyogenes, que se apresentam com aspecto de cocos aderidos<br />

à superfície celular. Aumento de 1.000X. (Foto cedida por Samar Freschi, Laboratório<br />

de Imunologia do Instituto do Coração — InCor/HC-FMUSP.)<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 9


GUILHERME L<br />

e cols.<br />

Etiopatogenia da<br />

febre reumática<br />

de desenvolver lesões valvulares<br />

(26) .<br />

AUTO-IMUNIDADE<br />

A hipótese mais aceita<br />

para explicar o mecanismo<br />

de patogênese da febre<br />

reumática/doença reumática<br />

cardíaca é a de que a<br />

infecção da orofaringe<br />

pelo estreptococo, em in-<br />

divíduos predispostos, desencadeia uma resposta imune<br />

humoral e celular exacerbada contra a bactéria.<br />

Posteriormente, por similaridade entre proteínas da<br />

bactéria e do hospedeiro, essa resposta imune ocasiona<br />

lesões teciduais por um mecanismo chamado de<br />

mimetismo molecular. Na doença reumática cardíaca,<br />

o principal alvo dessas reações é o tecido cardíaco,<br />

sendo as válvulas mitral e aórtica as mais lesadas.<br />

Em meados da década de 40 surgiram os primeiros<br />

relatos da presença de anticorpos dirigidos contra o<br />

tecido cardíaco em pacientes com doença reumática<br />

cardíaca. Em seguida observou-se que anticorpos dirigidos<br />

contra o tecido cardíaco reagiam com antígenos<br />

do estreptococo, reconhecendo estruturas da parede<br />

da bactéria e também a proteína M, bem como proteínas<br />

tissulares de mamíferos (Tab. 1). (27) Esses achados<br />

levaram à formulação da hipótese auto-imune na<br />

patogênese da doença reumática cardíaca. Posteriormente,<br />

outros grupos demonstraram reação cruzada<br />

humoral entre proteína M do estreptococo e miosina,<br />

tropomiosina, vimentina e laminina (28) . Alguns trabalhos<br />

demonstraram também que o carboidrato da parede<br />

(N-acetil glucosamina) do estreptococo apresentava<br />

reação cruzada humoral com proteínas cardíacas (28) .<br />

Esses anticorpos parecem ter papel importante durante<br />

a fase inicial da doença, principalmente nas manifestações<br />

clínicas de artrite e coréia de Sydenham.<br />

Na artrite, a presença de imunocomplexos nas articulações<br />

e na coréia e a presença de anticorpos IgG que<br />

reagem com o citoplasma e o núcleo de neurônios reforçam<br />

essa hipótese (29) . Na cardite reumática, anticorpos<br />

de reação cruzada com o tecido cardíaco aparecem<br />

após a ativação de linfócitos T CD4 + na periferia e<br />

se fixam no coração, corroborando para o desencadeamento<br />

de lesão local. Recentemente foi demonstrado<br />

que anticorpos de reação cruzada se ligam ao endotélio<br />

valvular reumático, ocasionando o aumento da expressão<br />

de moléculas de adesão (“vascular cell adhesion<br />

molecule-1”, VCAM-1), que, por sua vez, facilitam<br />

a infiltração, principalmente por neutrófilos e células<br />

mononucleares (monócitos, linfócitos T CD4 + e CD8 + ),<br />

levando à inflamação local (30) . Além disso, foi descrito<br />

que anticorpos antimiosina obtidos de pacientes com<br />

Tabela 1. Proteínas do estreptococo que apresentam<br />

homologia com proteínas humanas.<br />

Proteínas do estreptococo do grupo A<br />

Componentes de membrana:<br />

— Ácido hialurônico<br />

Proteína M:<br />

— Vários epitopos da região N-terminal<br />

Parede celular:<br />

— Ramnose<br />

— N-acetil-glicosamina<br />

— Complexos peptidoglicano-polissacarídeo<br />

Proteínas solúveis:<br />

— Exotoxinas pirogênicas<br />

Proteínas humanas<br />

— Laminina<br />

— Queratina<br />

— Actina<br />

— Vimentina<br />

— Miosina<br />

— Tropomiosina<br />

Outras proteínas cardíacas identificadas por PM e pI<br />

PM: peso molecular; pI: ponto isoelétrico<br />

febre reumática causavam o aumento da incorporação<br />

e retenção de cálcio em cardiomiócitos de ratos neonatos,<br />

levando a disfunção e morte celular, sugerindo<br />

que anticorpos antimiosina podem ser deletérios para<br />

a função cardíaca (31) .<br />

Atualmente, sabe-se que a doença reumática cardíaca<br />

é uma doença auto-imune mediada por célula. A<br />

premissa dessa assertiva foi o fato de que as lesões<br />

valvulares apresentavam intenso infiltrado inflamatório,<br />

com a presença de linfócitos T CD4 + e CD8 + , sugerindo<br />

que essas células têm papel direto na patogênese<br />

da doença reumática cardíaca (32, 33) .<br />

O papel funcional das células infiltrantes do tecido<br />

cardíaco foi pioneiramente demonstrado por nosso grupo,<br />

por meio do isolamento de clones de linfócitos T<br />

obtidos diretamente das lesões cardíacas de pacientes<br />

com doença reumática cardíaca grave. Esse trabalho<br />

demonstrou o reconhecimento simultâneo de proteína<br />

M5 e proteínas do tecido cardíaco por linfócitos T<br />

infiltrantes da lesão cardíaca, evidenciando o mimetismo<br />

molecular mediado por células T no coração (34) . As<br />

proteínas cardíacas mais reconhecidas pelos clones<br />

de linfócitos T intralesionais consistiram em proteínas<br />

derivadas do miocárdio e da valva aórtica (Fig. 2). Os<br />

segmentos de 81-96, 83-103 e 163-177 resíduos de<br />

aminoácidos da proteína M5 foram preferencialmente<br />

reconhecidos por reação cruzada com as proteínas car-<br />

10 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


GUILHERME L<br />

e cols.<br />

Etiopatogenia da<br />

febre reumática<br />

díacas acima referidas. Resultados similares de reconhecimento<br />

de segmentos da proteína M foram encontrados<br />

em camundongos imunizados com miosina<br />

cardíaca humana (Fig. 2) (35) .<br />

Linfócitos T de sangue periférico de 46% dos pacientes<br />

com doença reumática cardíaca grave analisados<br />

também reconheceram o mesmo segmento de 81-<br />

96 resíduos de aminoácidos da proteína M5, enquanto<br />

apenas 8,6% dos controles reconheceram esse segmento<br />

(p = 0,0005) (36) . Interessantemente, os indivíduos<br />

respondedores a esse segmento eram principalmente<br />

os portadores dos antígenos HLA-DR7 e DR53, as-<br />

Tabela 2. Associações descritas entre os alelos HLA de classe II e febre reumática/<br />

doença reumática cardíaca.<br />

Grupo<br />

População clínico HLA Referência<br />

África do Sul DRC DR1, DRw6 Maharaj e cols., 1987 (10)<br />

(negros)<br />

Estados Unidos FR DR2 Ayoub e cols., 1986 (6)<br />

(negros)<br />

Índia (região Norte) DRC DR3 Jhinghan e cols., 1986 (11)<br />

Índia (região Norte) DRC DR3, DQ2 Taneja e cols., 1989 (12)<br />

Estados Unidos FR DR4, DR9 Ayoub e cols., 1986 (6)<br />

(caucasóides)<br />

Estados Unidos DRC DR4, DR6 Anastasiou-<br />

(caucasóides) Nana e cols., 1986 (7)<br />

Arábia Saudita FR DR4 Rajapakse e cols., 1987 (8)<br />

Kashmir DRC DRB1*04 Bhat e cols., 1997 (9)<br />

(muçulmanos)<br />

Brasil (mulatos) FR DR7, DR53 Guilherme e cols., 1991 (13)<br />

Turquia DRC DR7, DR3 Ozkan e cols., 1993 (15)<br />

Egito LVM DRB1*0701, Guedez e cols., 1999 (16)<br />

(região Norte) DQA02011*0401-2<br />

Brasil FR DRB1*07 Visentainer e cols.,<br />

(caucasóides) 2000 (14)<br />

Latívia LVM DRB1*07, Stanevicha e cols.,<br />

DQB1*0302 2003 (17)<br />

RVM DRB1*07,<br />

DQB1*0401-2<br />

Turquia DRC DRw11 Olmez e cols., 1993 (20)<br />

México (mestiços) DRC/LVM DRB1*1602, Hernandez-<br />

DQB1*0301, Pacheco e cols., 2003 (19)<br />

DQA1*0501<br />

Japão EM DQB1*05031, Koyanagi e cols., 1996 (18)<br />

DQA1*0104<br />

LVM: lesões valvulares múltiplas; RVM: regurgitação de valva mitral; EM: estenose<br />

mitral; FR: febre reumática; DRC: doença reumática cardíaca. Destaques em negrito<br />

= associação mais freqüentemente descrita na literatura.<br />

sociados com a suscetibilidade à doença, conforme<br />

mencionado. Esses resultados sugerem que as moléculas<br />

HLA-DR7 e DR53 presentes na superfície dos<br />

monócitos e linfócitos B (células apresentadoras de antígenos)<br />

estejam envolvidas no desencadeamento da<br />

resposta imune, por meio da apresentação do peptídeo<br />

imunodominante da proteína M do estreptococo<br />

(segmento 81-96) aos linfócitos T dos pacientes com<br />

doença reumática cardíaca grave (36) .<br />

O fato de encontrarmos linfócitos T no sangue periférico<br />

e no tecido cardíaco (miocárdio e válvulas) com<br />

a mesma especificidade, isto é, capaz de reconhecer<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 11


GUILHERME L<br />

e cols.<br />

Etiopatogenia da<br />

febre reumática<br />

os mesmos antígenos,<br />

mostra que populações de<br />

linfócitos sensibilizados na<br />

periferia migram para o<br />

coração, permanecem no<br />

tecido e são os principais<br />

responsáveis pelo desencadeamento<br />

de reações<br />

auto-imunes no coração<br />

(37) . Essas reações são<br />

Figura 2. Regiões da proteína M do estreptococo e proteínas cardíacas humanas reconhecidas cruzadamente<br />

por linfócitos T. a. Clones de linfócitos T infiltrantes da lesão cardíaca obtidos de pacientes com doença reumática<br />

cardíaca grave reconhecem simultaneamente peptídeos derivados da proteína M5 do estreptococo (regiões 1-<br />

25, 81-96, 80-103 e 163-177) e proteínas derivadas de miocárdio e valva aórtica identificadas por peso molecular<br />

(95-150, 43- e 30-43 kDa). b. Linfócitos T murinos reconhecem cruzadamente epitopos da proteína M do<br />

estreptococo (NT4/5/6, B1B2 e B2) e regiões da miosina cardíaca humana. As regiões da proteína M do estreptococo<br />

preferencialmente reconhecidas por células T humanas são as mesmas reconhecidas por células murinas.<br />

O desenho dos peptídeos da proteína M5 e dos peptídeos NT4/5/6, B1B2 e B2 foi baseado em seqüências<br />

descritas previamente (28, 34) .<br />

mediadas e reguladas por citocinas. Recentemente<br />

mostramos que no tecido cardíaco (miocárdio e válvulas)<br />

há produção predominante de IFNγ e TNFα<br />

por células mononucleares (monócitos e linfócitos T)<br />

características de resposta do tipo inflamatória (Th-<br />

1) (38) . As citocinas IL-10 e IL-4 (Th-2) são reguladoras<br />

da resposta inflamatória e são igualmente produzidas<br />

por células que infiltram o miocárdio de pacientes<br />

com doença reumática cardíaca grave (paci-<br />

entes em fase crônica e alguns em atividade reumática).<br />

Um achado extremamente importante foi o fato<br />

de observarmos que poucas células mononucleares<br />

que infiltravam fragmentos de válvula mitral e aórtica<br />

dos pacientes com doença reumática cardíaca grave<br />

estudados eram capazes de produzir a citocina IL-4,<br />

que é reguladora da resposta inflamatória (Fig. 3) (38) .<br />

Considerando-se que as lesões valvulares reumáticas<br />

são lentas e progressivas, a baixa produção de<br />

IL-4 e, conseqüentemente, a manutenção da infla-<br />

mação local estão correlacionadas com a progressão<br />

das lesões valvulares na doença reumática cardíaca,<br />

enquanto no miocárdio, em que há grande<br />

número de células produtoras de IL-4, ocorre a cura<br />

da miocardite após algumas semanas (38) .<br />

MODELO ANIMAL<br />

Recentemente, foi possível desenvolver lesões car-<br />

12 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


GUILHERME L<br />

e cols.<br />

Etiopatogenia da<br />

febre reumática<br />

díacas características da<br />

febre reumática em ratos<br />

Lewis por meio da imunização<br />

desses animais<br />

com proteína M recombinante<br />

e com miosina cardíaca<br />

humana (39, 40) . Observou-se<br />

a presença de infiltrado<br />

por células mononucleares<br />

no miocárdio e<br />

na válvula mitral de aproximadamente<br />

50% dos<br />

animais imunizados. Células de Anitschikow e nódulos<br />

de Aschoff foram encontrados na válvula mitral. A reprodução<br />

da doença com o uso da proteína M, bem<br />

como da miosina cardíaca humana, reforça o papel da<br />

auto-imunidade desencadeada por mimetismo molecular<br />

no desenvolvimento das lesões reumáticas.<br />

CONSIDERAÇÕES GERAIS<br />

Em função do conhecimento adquirido nos inúmeros<br />

trabalhos já publicados, podemos concluir que a<br />

patogênese da febre reumática/doença reumática cardíaca<br />

é formada por uma rede complexa de interações<br />

imunes desencadeadas por um agente infeccioso (S.<br />

pyogenes), que leva a lesões órgão-específicas progressivas<br />

e permanentes. Os principais eventos participantes<br />

da patogênese da doença reumática estão sumarizados<br />

na Figura 4.<br />

Figura 3. Células produtoras de IL-4 em fragmentos de tecido cardíaco de pacientes<br />

com doença reumática cardíaca. A determinação de células produtoras de IL-4<br />

foi realizada em cortes histológicos de tecido valvular (mitral e/ou aórtico) e miocárdio<br />

(átrio esquerdo, átrio direito e músculo papilar) por imuno-histoquímica, conforme<br />

trabalho realizado por Guilherme e colaboradores (38) . Foram analisados 20 fragmentos<br />

de tecido cardíaco (11 amostras de tecido valvular e 9 de miocárdio). Raras<br />

células mononucleares (< 10%) produtoras de IL-4 foram detectadas em 82% dos<br />

fragmentos de tecido valvular (p = 0,02) quando comparadas com células mononucleares<br />

do miocárdio (22%). Inversamente, no miocárdio, 78% dos fragmentos apresentam<br />

inúmeras células (> 10%) produtoras de IL-4. O baixo número de células<br />

produtoras de IL-4 no tecido valvular contribui para a progressão da doença reumática<br />

cardíaca, levando ao dano valvular progressivo e permanente (OR = 15,8).<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 13


GUILHERME L<br />

e cols.<br />

Etiopatogenia da<br />

febre reumática<br />

Figura 4. Desenho esquemático dos principais eventos participantes da patogênese<br />

da febre reumática/doença reumática cardíaca. A. Indivíduos geneticamente predispostos<br />

a febre reumática/doença reumática cardíaca, portadores de infecção de<br />

orofaringe pelo S. pyogenes não-tratada, desenvolvem resposta imune humoral e<br />

celular exacerbada que leva à ativação de linfócitos T e B, resultando na produção<br />

de citocinas inflamatórias, anticorpos contra antígenos estreptocócicos e células T<br />

e B de memória, que reconhecem estruturas do estreptococo e também proteínas<br />

do tecido cardíaco por reatividade cruzada, por meio do mecanismo do mimetismo<br />

molecular. B. Os anticorpos iniciam um processo inflamatório no coração, aumentando<br />

a expressão da molécula de adesão VCAM-1 (“vascular cell adhesion molecule-1”)<br />

no endotélio, facilitando a infiltração celular. VCAM-1 interage com seu ligante<br />

VLA-4 (“very late antigen-4”) expresso em linfócitos T ativados, levando ao<br />

influxo de células T CD4 + e CD8 + . A injúria no endotélio valvular pode levar a exposição<br />

de novas estruturas subendoteliais, que são reconhecidas pelos linfócitos T<br />

infiltrantes do tecido, desencadeando uma série de reações auto-imunes com destruição<br />

tecidual. C. Citocinas inflamatórias do tipo Th1 (IFNg e TNFa) produzidas<br />

pelas células no local da lesão e a baixa produção de citocinas reguladoras (IL-4)<br />

corroboram para a persistência e a progressão da doença nas válvulas.<br />

14 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


GUILHERME L<br />

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Etiopatogenia da<br />

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Rheumatic fever occurs as a delayed sequel of throat infection by Streptococcus<br />

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with HLA class II alleles. Rheumatic fever patients presented an exacerbated humoral<br />

and cellular response against streptococci antigens that by similarities between<br />

the bacteria and host antigens, leads to heart tissue injury by a mechanism called<br />

molecular mimicry. The mitral and aortic valves are the tissue most affected. Our<br />

group has described by the first time the immunodominant segment of streptococci<br />

M5 protein (81-96 amino acid residues) and some heart tissue derived proteins that<br />

are simultaneously recognized by peripheral T cells and heart infiltrating T cell clones<br />

by molecular mimicry, mainly by HLA DR7 and DR53 rheumatic fever/rheumatic<br />

heart disease patients. Mononuclear cells that infiltrated the heart lesions produced<br />

essentially inflammatory cytokines (INFγ and TNFα). Interestingly, mononuclear cells<br />

from the valvular lesions presented scarce numbers of IL-4 positive cells, suggesting<br />

that the most severe lesions present in the valves are due to low numbers of<br />

cells producing the regulatory IL-4 cytokine. In conclusion, all the knowledge acquired<br />

in the pathogenesis of rheumatic fever/rheumatic heart disease defines rheumatic<br />

fever/rheumatic heart disease as a post-infection auto-immune disease mediated<br />

by cross reactive T cells and inflammatory cytokines.<br />

Key words: rheumatic fever, rheumatic heart disease, molecular mimicry, T lymphocytes,<br />

cytokines.<br />

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 17


DEMARCHI LMMF<br />

e col.<br />

Aspectos<br />

anatomopatológicos da<br />

febre reumática<br />

INTRODUÇÃO<br />

A febre reumática é uma doença inflamatória sistêmica<br />

e recorrente, mediada imunologicamente, que se<br />

manifesta após um episódio de infecção aguda da oro-<br />

ASPECTOS ANATOMOPATOLÓGICOS DA<br />

<strong>FEBRE</strong> <strong>REUMÁTICA</strong><br />

LÉA MARIA MACRUZ FERREIRA DEMARCHI, JUSSARA BIANCHI CASTELLI<br />

Laboratório de Anatomia Patológica — Instituto do Coração (InCor) — HC-FMUSP<br />

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 —<br />

Cerqueira César — CEP 05403-900 — São Paulo — SP<br />

A febre reumática é uma doença inflamatória, sistêmica e recorrente, que se<br />

manifesta cerca de uma a seis semanas após a infecção aguda da orofaringe por<br />

estreptococos beta-hemolíticos do grupo A. Presume-se que seja uma resposta imunológica<br />

a antígenos estreptocócicos ou uma reação auto-imune induzida pelos estreptococos,<br />

em indivíduos geneticamente suscetíveis. Acomete crianças de 5 a 15<br />

anos, mas 20% dos surtos iniciais ocorrem em indivíduos de meia idade ou idosos.<br />

No coração há comprometimento dos tecidos conjuntivos pericárdico, miocárdico<br />

e endocárdico. A pericardite é exuberante e predominantemente fibrinosa, com<br />

aspecto macroscópico de “pão com manteiga”. A miocardite causa aumento cardíaco,<br />

principalmente por dilatação ventricular. No tecido conjuntivo cardíaco encontram-se<br />

nódulos de Aschoff, que retratam histologicamente as fases evolutivas da<br />

doença: exsudativa, proliferativa e cicatricial. O nódulo de Aschoff, na fase proliferativa,<br />

é patognomônico de atividade reumática, apresentando degeneração fibrinóide<br />

do colágeno e acúmulo de células inflamatórias, dentre elas as células de Anitsch-kow.<br />

Pequenas vegetações são encontradas nas linhas de fechamento valvar, mais comumente<br />

mitro-aórticas. Histologicamente são elevações da superfície valvar, decorrentes<br />

da deposição de fibrina e plaquetas ou da degeneração fibrinóide do colágeno<br />

local.<br />

O dano cardíaco é cumulativo, aumentando a cada episódio de atividade. As<br />

alterações reumáticas crônicas mais importantes resultam da cicatrização das lesões<br />

agudas valvares e podem ocorrer em todas as valvas. A estenose mitral é a<br />

seqüela reumática mais freqüente, seguida pela estenose mitro-aórtica e pela estenose<br />

aórtica isolada. Pode haver associação de estenose e insuficiência valvar, que<br />

é mais comum nas lesões aórticas.<br />

Palavras-chave: infecções estreptocócicas/complicações, febre reumática/patologia,<br />

cardiopatia reumática/patologia, doenças das valvas cardíacas, nódulo reumático/patologia.<br />

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:18-27)<br />

RSCESP (72594)-1503<br />

faringe por estreptococos beta-hemolíticos do grupo A (1, 2) ,<br />

lesando, preferencialmente, o tecido conjuntivo do coração<br />

(3, 4) , das articulações, do sistema nervoso central<br />

e da pele (2) .<br />

Atualmente, acredita-se que seja uma reação de hi-<br />

18 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


DEMARCHI LMMF<br />

e col.<br />

Aspectos<br />

anatomopatológicos da<br />

febre reumática<br />

persensibilidade em indivíduos<br />

geneticamente suscetíveis<br />

(5, 6) , que ocorre em<br />

cerca de 3% da população<br />

que apresenta orofaringite<br />

estreptocócica (7) . A exata<br />

patogênese da doença,<br />

porém, ainda não está totalmente<br />

esclarecida, apesar<br />

de anos de investigação<br />

científica.<br />

Embora seja uma do-<br />

ença predominantemente da infância, o episódio inicial<br />

e suas recorrências podem ocorrer em indivíduos<br />

adultos ou idosos, com acúmulo de alterações patológicas<br />

a cada nova recorrência (8) .<br />

A incidência e a taxa de mortalidade da febre reumática<br />

aguda e da doença reumática crônica cardíaca<br />

diminuíram acentuadamente em muitos países, nos últimos<br />

trinta anos, por causa de melhoria das condições<br />

socioeconômicas da população, do diagnóstico e do<br />

tratamento precoces da orofaringite estreptocócica, e<br />

da diminuição da virulência dos estreptococos do grupo<br />

A, ainda não muito bem compreendida (9) .<br />

Entretanto, a doença reumática continua a ser um<br />

importante problema de saúde pública em países subdesenvolvidos<br />

e em desenvolvimento, entre eles o Brasil,<br />

e também em países desenvolvidos, nos quais ainda<br />

é encontrada em áreas geográficas superpopulosas<br />

e de baixo nível socioeconômico (10, 11) . Supõe-se<br />

que infecções orofaríngeas por linhagens mais virulentas<br />

de estreptococos beta-hemolíticos do grupo A possam<br />

ser a causa da ocorrência de novos casos de doença<br />

reumática nos países desenvolvidos, mas ainda<br />

não existem estudos científicos conclusivos sobre esse<br />

aspecto da doença (11) .<br />

Uma vez que as principais seqüelas da doença reumática<br />

ocorrem no coração, neste artigo vamos nos<br />

ater apenas à descrição das alterações morfológicas<br />

cardíacas mais importantes causadas pela doença.<br />

Não devemos nos esquecer, porém, de que na doença<br />

reumática podem ser encontradas lesões vasculares<br />

na aorta, nas artérias coronárias, nas artérias e<br />

arteríolas pulmonares e até mesmo em veias (12) .<br />

<strong>FEBRE</strong> <strong>REUMÁTICA</strong> OU DOENÇA <strong>REUMÁTICA</strong><br />

EM ATIVIDADE<br />

O quadro clínico da febre reumática pode surgir, geralmente,<br />

de 10 dias a 6 semanas após um episódio de<br />

orofaringite por estreptococos beta-hemolíticos do grupo<br />

A (2) . Acomete mais freqüentemente crianças de 5 a<br />

15 anos de idade, mas cerca de 20% dos primeiros<br />

surtos ocorrem em indivíduos de meia idade ou em<br />

idosos (5) .<br />

O episódio inicial da febre reumática dura cerca de<br />

12 semanas, podendo se estender até 6 meses. Após<br />

seu início, o indivíduo fica vulnerável à recorrência da<br />

doença, em caso de novas infecções orofaríngeas, e<br />

as mesmas manifestações clínicas e patológicas tendem<br />

a aparecer a cada episódio de recorrência (8) .<br />

O diagnóstico de febre reumática é feito pelos critérios<br />

de Jones (revisados), que incluem a infecção por<br />

estreptococos beta-hemolíticos do grupo A, acompanhada<br />

de manifestações clínicas ou laboratoriais, divididas<br />

em grupos denominados maiores ou menores (13) .<br />

De maneira geral, o prognóstico do primeiro surto<br />

de febre reumática é bom, e apenas 1% dos pacientes<br />

morrem, principalmente em decorrência de miocardite<br />

aguda e suas conseqüências, tais como arritmias cardíacas<br />

e falência miocárdica (14) .<br />

Aspectos anatomopatológicos da febre reumática<br />

ou doença reumática em atividade<br />

As alterações morfológicas cardíacas do episódio<br />

inicial da febre reumática são as mesmas observadas<br />

nos episódios de recorrência ou atividade da doença,<br />

também chamados de doença reumática ativa.<br />

O comprometimento cardíaco na febre reumática ou<br />

na doença reumática ativa é chamado de pancardite,<br />

pois o processo inflamatório acomete o pericárdio, o<br />

miocárdio e o endocárdio (5) . Não devemos nos esquecer,<br />

porém, que, embora menos freqüentes, lesões reumáticas<br />

podem ocorrer na aorta, nas artérias coronárias,<br />

em artérias e arteríolas pulmonares e até mesmo<br />

em veias (12) .<br />

O pericárdio apresenta exsudato predominantemente<br />

fibrinoso e estéril. Quando muito exuberante, é descrito<br />

como pericardite em “pão com manteiga”, o qual<br />

geralmente se organiza sem deixar seqüelas funcionais<br />

importantes (9) .<br />

O coração tem volume aumentado, como resultado<br />

da hipertrofia e da dilatação dos ventrículos, mais evidente<br />

no ventrículo esquerdo. As valvas atrioventriculares<br />

podem apresentar insuficiência funcional, dependendo<br />

do grau de dilatação ventricular e da disfunção<br />

miocárdica decorrentes da miocardite aguda (14) . A miocardite<br />

é inespecífica, intersticial e difusa, sendo mais<br />

evidente na base das cúspides valvares. É constituída<br />

por infiltrado inflamatório que contém linfócitos T e B,<br />

plasmócitos, macrófagos, neutrófilos e alguns eosinófilos<br />

(15) .<br />

Nas valvas cardíacas, formam-se pequenas vegetações<br />

verrucosas, de 1 mm a 2 mm, róseo-acinzentadas,<br />

firmemente aderidas à superfície endocárdica ao<br />

longo da linha de fechamento valvar (Figs. 1A a 1F) (16) .<br />

Raramente, essas vegetações se estendem sobre as<br />

cordas tendíneas ou causam ruptura das mesmas (4) .<br />

Acredita-se que sejam resultado da reação imunológica<br />

desencadeada pela infecção estreptocócica, que<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 19


DEMARCHI LMMF<br />

e col.<br />

Aspectos<br />

anatomopatológicos da<br />

febre reumática<br />

lesa o tecido conjuntivo<br />

valvar (9) , causando erosão<br />

endocárdica e levando à<br />

precipitação de fibrina e à<br />

formação de trombos nos<br />

locais de erosão (17) . Essas<br />

lesões são mais freqüentes<br />

nas valvas mitral e aórtica,<br />

uma vez que sua<br />

ocorrência é maior quanto<br />

maior for a pressão de<br />

fechamento valvar, que,<br />

em ordem decrescente, é: mitral, aórtica, tricúspide e<br />

pulmonar (17) .<br />

Histologicamente, as pequenas verrucosidades podem<br />

ser trombos constituídos por plaquetas e fibrina<br />

que se depositam na superfície valvar (Fig. 2D) ou projeções<br />

de degeneração fibrinóide do colágeno valvar,<br />

junto às quais encontram-se células mononucleares,<br />

fibroblastos e, ocasionalmente, células gigantes (Fig.<br />

2C) (16) . É importante enfatizar que essas vegetações<br />

ou trombos são abacterianos, pois não há relatos que<br />

demonstrem a presença de estreptococos em tais lesões<br />

(18) .<br />

Figura 1. Macroscopia de valvas cardíacas com febre reumática ou doença reumática<br />

em atividade. A. Folheto anterior da valva mitral. B. Região da comissura póstero-medial<br />

da valva mitral. As setas em A e B apontam pequenas vegetações fibrinóides<br />

sobre a linha de fechamento valvar. C. Valva aórtica aberta. A seta aponta vegetação<br />

na semilunar coronariana direita. D. Valva tricúspide retirada cirurgicamente.<br />

As setas brancas e pretas indicam vegetações agudas presentes em toda a linha de<br />

fechamento. E. Valva mitral com doença reumática crônica em atividade. Note as<br />

comissuras já fusionadas. As setas brancas mostram vegetações na linha de fechamento,<br />

indicação de atividade da doença. As setas pretas mostram vegetações na<br />

comissura, que após organização levam ao agravamento da fusão comissural. F.<br />

Valva mitral com doença reumática em atividade. As setas indicam a presença de<br />

vegetações na linha de fechamento. Os asteriscos estão sobre cordas que apresentam<br />

espessamento e fusão como seqüela de atividade prévia.<br />

20 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


DEMARCHI LMMF<br />

e col.<br />

Aspectos<br />

anatomopatológicos da<br />

febre reumática<br />

No miocárdio encontram-se as lesões histológicas<br />

mais características do comprometimento cardíaco pela<br />

doença reumática, que são os nódulos de Aschoff (19)<br />

(Figs. 2A, 2B e 2E).<br />

Os nódulos de Aschoff apresentam três fases morfológicas<br />

distintas, classicamente descritas na febre reumática<br />

ou nos episódios de atividade da doença (19) .<br />

Na fase inicial, ou exsudativa, cerca de 15 a 20 dias<br />

após a infecção estreptocócica, há tumefação, fragmentação<br />

e aumento da eosinofilia das fibras colágenas,<br />

as quais apresentam aspecto semelhante à fibrina,<br />

denominado degeneração ou necrose fibrinóide, que é<br />

a principal característica dos nódulos de Aschoff nessa<br />

fase (19) , podendo acompanhar-se de quantidade variável<br />

de infiltrado inflamatório linfomonoplasmocitário<br />

(Fig. 2A).<br />

Figura 2. Histologia cardíaca na febre reumática ou doença reumática em atividade.<br />

A. Nódulo de Aschoff, fase exsudativa no interstício perivascular do miocárdio. As<br />

setas delimitam o centro da lesão composto por necrose de padrão fibrinóide (hematoxilina<br />

e eosina — objetiva x20). B. Nódulo de Aschoff, fase proliferativa. As<br />

setas apontam o nódulo composto por células mononucleares macrofágicas tumefeitas<br />

(células de Anitschkow), mais bem visibilizadas no detalhe no canto inferior<br />

direito (hematoxilina e eosina — objetiva x40). C e D. Casos de biópsia em febre<br />

reumática ou doença reumática em surto de agudização/atividade, mostrando vegetações<br />

valvares em diferentes estágios de organização. Os asteriscos estão sobre<br />

a vegetação valvar, composta por fibrina (o que predomina no caso D) e paliçada<br />

de células mononucleares organizando a lesão fibrinosa a partir da base (em<br />

ambos os casos) (ambas as imagens: hematoxilina e eosina — objetiva x20). E.<br />

Outro exemplo de nódulo de Aschoff, fase proliferativa, no interstício perivascular do<br />

miocárdio, demarcado pelas setas (hematoxilina e eosina — objetiva x40).<br />

Na fase proliferativa ou granulomatosa, cerca de um<br />

mês após o início da doença, o nódulo de Aschoff é<br />

representado por degeneração fibrinóide do colágeno<br />

circundada por linfócitos, plasmócitos, macrófagos,<br />

células gigantes e fibroblastos dispostos, grosseiramente,<br />

em forma de paliçada (Figs. 2B e 2E). Alguns desses<br />

macrófagos, denominados células de Anitschkow<br />

(Fig. 2B — detalhe), são grandes, têm citoplasma basofílico<br />

e núcleo redondo ou oval. A cromatina dessas<br />

células apresenta condensação central e aspecto ondulado,<br />

circundada por um halo claro, que dá às células<br />

a aparência de lagarta, ao corte longitudinal (“caterpillar<br />

cells”), ou de olho de coruja, ao corte transversal<br />

(9) . Outros macrófagos, grandes e multinucleados,<br />

conhecidos como células de Aschoff, também podem<br />

fazer parte desse infiltrado inflamatório variado (9) . O<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 21


DEMARCHI LMMF<br />

e col.<br />

Aspectos<br />

anatomopatológicos da<br />

febre reumática<br />

nódulo de Aschoff na fase<br />

granulomatosa é patognomônico<br />

do comprometimento<br />

miocárdico pela febre<br />

reumática ou doença<br />

reumática ativa (20) .<br />

Na fase cicatricial, após<br />

três a seis meses do início<br />

da doença, há organização<br />

e cicatrização da<br />

fase granulomatosa, com<br />

aumento de fibroblastos,<br />

formação de fibras colágenas e fibrose perivascular,<br />

que, por vezes, tem aspecto de “chama de vela” (12) .<br />

Os nódulos de Aschoff são encontrados, predominantemente,<br />

no tecido conjuntivo perivascular do miocárdio<br />

(21) , nessa ordem decrescente de freqüência: septo<br />

ventricular, parede posterior do ventrículo esquerdo,<br />

músculo papilar posterior do ventrículo esquerdo e parede<br />

posterior do átrio esquerdo (15) . Por vezes, são observados<br />

no sistema de condução (15, 22) . Nos casos de<br />

intensa atividade, também são encontrados no tecido<br />

conjuntivo subendocárdico (15) , nas valvas cardíacas (15)<br />

e no pericárdio (23) .<br />

Apesar de a morfologia dos nódulos de Aschoff nem<br />

sempre corresponder precisamente ao tempo de evolução<br />

da doença reumática, sua associação aos dados<br />

clínicos e laboratoriais é fundamental para o diagnóstico<br />

da doença reumática (24) .<br />

Estruturas histopatológicas semelhantes aos nódulos<br />

de Aschoff são eventualmente observadas no coração<br />

de pacientes tratados com drogas vasoativas (25)<br />

e em pacientes com outras doenças infecciosas (26) .<br />

Deve-se, portanto, tomar cuidado com a interpretação<br />

dessas lesões, sempre considerando os dados clínicos<br />

e laboratoriais, para não se fazer o diagnóstico errôneo<br />

de febre reumática ou doença reumática ativa.<br />

DOENÇA <strong>REUMÁTICA</strong> CRÔNICA<br />

A doença reumática crônica cardíaca desenvolvese<br />

a partir da organização da inflamação aguda causada<br />

pela febre reumática e pelos episódios de atividade<br />

da doença. Uma vez que, num mesmo indivíduo,<br />

os tipos de lesões da febre reumática tendem a ser os<br />

mesmos a cada fase de atividade da doença (8,14) , o dano<br />

cardíaco é cumulativo, pois aumenta a cada episódio<br />

de recorrência (5) .<br />

De maneira geral, a fibrose causada pela resolução<br />

da inflamação aguda da doença reumática não acarreta<br />

comprometimento importante nas estruturas cardíacas,<br />

com exceção das valvas.<br />

A pericardite crônica reumática apresenta espessamento<br />

fibroso e áreas focais de neoformação vascular<br />

e infiltrado inflamatório linfomononuclear, mas rara-<br />

mente causa sintomas clínicos ou alterações funcionais<br />

importantes.<br />

No miocárdio, encontramos infiltrado inflamatório linfomononuclear,<br />

leve e inespecífico. Os nódulos de Aschoff<br />

são substituídos por cicatriz fibrosa e, raramente,<br />

são encontrados em amostras de tecido obtidas por<br />

cirurgia ou autópsia.<br />

No endocárdio, uma área de espessamento, rugosa<br />

e irregular, de 2 cm a 3 cm de diâmetro, pode estar<br />

presente no átrio esquerdo, usualmente acima da inserção<br />

da cúspide posterior da valva mitral (27) . É classicamente<br />

conhecida como placa de McCallum e é um<br />

local propício para o desenvolvimento de endocardite<br />

infecciosa (27) .<br />

Aspectos anatomopatológicos das valvas<br />

cardíacas na doença reumática crônica<br />

À medida que os episódios de atividade reumática<br />

se manifestam, a doença reumática crônica progride e<br />

se caracteriza, principalmente, por fibrose e calcificação<br />

valvar, que causam deformidades estruturais nas<br />

valvas. Essas alterações acarretam disfunções valvares<br />

progressivas e permanentes. Podem ocorrer estenose<br />

ou insuficiência isoladas ou associação de estenose<br />

e insuficiência numa mesma valva (28, 29) .<br />

A disfunção valvar mais freqüente é a estenose mitral,<br />

seguida por dupla lesão mitral e dupla lesão aórtica<br />

(15) .<br />

A lesão isolada da valva mitral é a lesão mais freqüente<br />

da doença reumática crônica (65% a 70% dos<br />

casos), seguida da associação com a valva aórtica<br />

(30% a 50%). A lesão conjunta das valvas mitral, aórtica<br />

e tricúspide é pouco freqüente. O comprometimento<br />

isolado da valva aórtica ou das quatro valvas em conjunto<br />

é muito raro (15) .<br />

As deformidades valvares e as lesões da fase ativa<br />

da doença reumática são locais propícios para o desenvolvimento<br />

de complicações, como trombos cavitários,<br />

mais comuns em átrios e aurículas (30) , e endocardites<br />

infecciosas (14) . A cicatrização dessas complicações<br />

também pode levar ao aparecimento de novas lesões<br />

valvares, perpetuando o comprometimento cardíaco (31) .<br />

Usualmente, o paciente com doença reumática crônica<br />

cardíaca apresenta manifestações clínicas, anos<br />

ou décadas depois do primeiro episódio de febre reumática.<br />

Em países desenvolvidos, o período de latência<br />

entre o surto agudo inicial e a disfunção valvar grave<br />

pode ser tão longo quanto 40 a 50 anos (5, 32) . Já em<br />

países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, esse<br />

período de latência é mais curto e, comumente, a estenose<br />

mitral grave se manifesta antes dos 20 anos de<br />

idade (5, 32) .<br />

As cúspides das valvas atrioventriculares e as semilunares<br />

das valvas arteriais apresentam espessamento<br />

fibroso, retração, fusão de comissuras e calcifi-<br />

22 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


DEMARCHI LMMF<br />

e col.<br />

Aspectos<br />

anatomopatológicos da<br />

febre reumática<br />

cação freqüente, tornando-se<br />

rígidas. Apesar de<br />

essas alterações serem<br />

mais comuns nas valvas<br />

mitral e aórtica, elas podem<br />

ser observadas, em<br />

menor intensidade, na valva<br />

tricúspide (Figs. 3G e<br />

3H) e, mais raramente, na<br />

valva pulmonar (32) .<br />

Alterações microscópicas,<br />

como fibrose e neo-<br />

formação vascular, podem estar presentes em todas<br />

as valvas cardíacas de indivíduos com doença reumática<br />

crônica, inclusive nas valvas tricúspide e pulmonar,<br />

mesmo que as alterações macroscópicas sejam<br />

praticamente imperceptíveis (33) .<br />

Na fase crônica, o diagnóstico de valvopatia reumática<br />

pode ser feito, muitas vezes, apenas pelas alterações<br />

macroscópicas da valva, uma vez que os achados<br />

microscópicos são inespecíficos.<br />

Aspectos anatomopatológicos da valva mitral<br />

na doença reumática crônica<br />

A doença reumática é a causa mais freqüente de<br />

estenose mitral e, por razões ainda desconhecidas, sua<br />

ocorrência é duas vezes maior em mulheres que em<br />

homens (9) .<br />

A estenose mitral é isolada em 65% a 70% dos casos<br />

de doença reumática e a estenose mitro-aórtica<br />

ocorre em cerca de 25% dos casos (14) .<br />

Macroscopicamente, as alterações da estenose<br />

mitral reumática são caracterizadas por espessamento<br />

das cúspides a partir da borda livre, fusão de comissuras,<br />

espessamento, fusão e encurtamento das cordas<br />

tendíneas (Figs. 3A e 3C), diminuição dos espaços<br />

intercordais (Figs. 3A e 3C) e calcificação distrófica<br />

(Figs. 3A e 3E).<br />

A fusão das comissuras, a fibrose e a calcificação<br />

das cúspides da valva mitral estenótica, observadas<br />

pela face atrial, têm o aspecto de “boca de peixe” (Fig.<br />

3F). Pela face ventricular, as cordas estão espessas e<br />

fusionadas, deixando o aparelho valvar com mobilidade<br />

bastante reduzida, e representam o componente<br />

subvalvar da estenose mitral (Figs. 3A a 3D). Por vezes,<br />

o espessamento, a fusão e o encurtamento das<br />

cordas tendíneas são tão intensos, que as cúspides se<br />

unem ao topo dos músculos papilares. Freqüentemente<br />

há placas de calcificação distrófica no tecido conjuntivo<br />

das cúspides(Figs. 3A e 3E), que, quando muito<br />

acentuadas, podem ulcerar a superfície atrial, geralmente<br />

na região das comissuras (Fig. 3A). Essas lesões<br />

ulceradas favorecem a formação de trombos (Fig.<br />

3F) e, também, são locais propícios para a instalação<br />

de endocardite infecciosa (14) .<br />

Na estenose mitral, o átrio esquerdo apresenta di-<br />

Figura 3. Macroscopia das valvas atrioventriculares<br />

com lesões de doença reumática crônica. A. Valva mitral<br />

(M) na região da comissura e músculo papilar póstero-medial.<br />

As setas pretas indicam fusão e calcificação<br />

parcialmente ulcerada. As setas brancas mostram<br />

cordas fusionadas e encurtadas/retraídas, aproximando<br />

a cúspide ao topo do músculo papilar. B. Valva mitral<br />

com intenso espessamento fibroso das cúspides e<br />

cordoalha. As setas mostram as comissuras que foram<br />

submetidas a comissurotomia. O átrio esquerdo (AE)<br />

está intensamente dilatado e mostra espessamento fibroso<br />

do endocárdio. C. Valva mitral retirada cirurgicamente.<br />

Os asteriscos apontam ambos os leques de<br />

cordas tendíneas com fusão e retração. D. Outra valva<br />

mitral submetida a comissurotomia (setas). Note o intenso<br />

espessamento da cordoalha (asterisco) prejudicando<br />

o resultado funcional do procedimento. E. Valva<br />

mitral vista pelo átrio. As setas indicam calcificação irregular.<br />

F. Outra valva mitral vista pelo átrio, com o aspecto<br />

dito em “boca de peixe”, resultado do espessamento<br />

das cúspides e fusão das comissuras. A seta<br />

apresenta trombose recente na fenda valvar. G. Valva<br />

tricúspide (T) vista pelo átrio. A seta aponta fusão da<br />

comissura. H. Tricúspide aberta apresentando fusão e<br />

encurtamento de cordas (setas brancas) e fusão da<br />

comissura (seta preta).<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 23


DEMARCHI LMMF<br />

e col.<br />

Aspectos<br />

anatomopatológicos da<br />

febre reumática<br />

latação variável e progressiva<br />

(Fig. 3B). Em casos de<br />

dilatação muito acentuada,<br />

forma-se o chamado<br />

“átrio esquerdo gigante”,<br />

de parede extremamente<br />

delgada (34) , o qual pode<br />

causar desvio do brônquio<br />

principal esquerdo e compressão<br />

do nervo laríngeo<br />

recorrente. Em pacientes<br />

que apresentam dilatação<br />

atrial e fibrilação atrial concomitantes, é freqüente o<br />

achado de trombos murais revestindo parcialmente o<br />

endocárdio da aurícula ou do átrio esquerdos. Mais<br />

raramente, um grande trombo em forma de bola pode<br />

preencher praticamente toda a cavidade atrial esquerda,<br />

aderido ao septo atrial na maioria das vezes ou à<br />

aurícula esquerda ou, até mesmo, livre (35) .<br />

Em pacientes com estenose mitral de longa duração,<br />

o ventrículo esquerdo é pequeno, quando comparado<br />

ao ventrículo direito, que se torna hipertrófico em<br />

decorrência da congestão passiva pulmonar. Histologicamente,<br />

observam-se espessamento fibroso das<br />

paredes de capilares e veias pulmonares, e graus variados<br />

de muscularização e hipertrofia da túnica média<br />

e espessamento fibroso da íntima, na parede de arteríolas<br />

pulmonares. Não é rara a presença de placas<br />

ateroscleróticas em ramos arteriais pulmonares (35) .<br />

A arquitetura valvar, habitualmente estratificada e<br />

avascular, mostra-se desorganizada, em decorrência<br />

de fibrose difusa e neovascularização, caracterizada<br />

pela formação de pequenos vasos de túnica muscular<br />

espessa (36) . Quando presente, o infiltrado inflamatório<br />

é focal, constituído por pequena quantidade de linfócitos,<br />

macrófagos e plasmócitos. Os músculos papilares<br />

geralmente mostram espessamento endocárdico e fibrose<br />

intersticial.<br />

As deformidades macroscópicas e as alterações histológicas<br />

valvares descritas devem ser interpretadas<br />

como prováveis seqüelas de doença reumática, mesmo<br />

quando encontradas em pacientes sem dados clínicos<br />

de febre reumática ou coréia.<br />

Aspectos anatomopatológicos da valva aórtica<br />

na doença reumática crônica<br />

A estenose aórtica, por razões desconhecidas e diferindo<br />

da estenose mitral, é duas vezes mais freqüente<br />

em homens que em mulheres (9) .<br />

A estenose aórtica isolada raramente ocorre na ausência<br />

de lesão da valva mitral (15) ; porém, em alguns<br />

indivíduos, a repercussão clínica da estenose mitral<br />

pode ser menos importante que a da lesão aórtica (36) .<br />

As alterações patológicas da doença reumática crônica<br />

na valva aórtica são análogas às descritas na valva<br />

mitral. Há espessamento difuso das semilunares, a partir<br />

da borda livre, e fusão de comissuras. A calcificação distrófica<br />

da estenose aórtica reumática ocorre sob a forma<br />

de nódulos calcificados na base das semilunares, sem<br />

comprometer as bordas livres ou as comissuras, diferente<br />

da calcificação encontrada em estenoses aórticas de<br />

natureza degenerativa (35) .<br />

As alterações microscópicas mais freqüentemente encontradas<br />

nas lesões reumáticas da valva aórtica são a<br />

fibrose, a neoformação de vasos pequenos com paredes<br />

espessas, e quantidades variáveis de infiltrado inflamatório<br />

linfomononuclear e de calcificação distrófica.<br />

Figura 4. Macroscopia da valva aórtica com lesões de<br />

doença reumática crônica. A. Dupla lesão aórtica, com<br />

predomínio de estenose. As setas indicam fusão e calcificação<br />

de duas das comissuras da valva aórtica. B.<br />

Nesse caso, também com predomínio de estenose, as<br />

três comissuras estão fusionadas, deixando um orifício<br />

valvar triangular central. C. Valva aórtica com seqüela<br />

de fusão comissural apenas em uma comissura<br />

e predomínio de insuficiência. D. Fusão das três comissuras,<br />

intenso espessamento das semilunares e<br />

focos de calcificação (asterisco) em caso de estenose<br />

aórtica grave. E. Valva aórtica aberta. As setas apontam<br />

a intensa retração e o espessamento das semilunares<br />

nesse caso de insuficiência aórtica.<br />

24 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


DEMARCHI LMMF<br />

e col.<br />

Aspectos<br />

anatomopatológicos da<br />

febre reumática<br />

A fusão de uma ou<br />

mais comissuras, mesmo<br />

na ausência de fibrose das<br />

semilunares, já é fator suficiente<br />

para causar estenose<br />

aórtica (Figs. 4A, 4B<br />

e 4D). Nos indivíduos com<br />

repetidos episódios de atividade<br />

reumática, a fibrose<br />

pode progredir rapidamente<br />

e resultar em acentuada<br />

estenose aórtica,<br />

mesmo com pouca calcificação.<br />

A fusão das três comissuras e o orifício de abertura<br />

valvar, de formato triangular ou circular (Fig. 4B), são<br />

características típicas de valvopatia aórtica, reumática,<br />

de longa duração. Nesses casos, há a associação<br />

de estenose e insuficiência valvar, com predomínio de<br />

estenose na maioria dos casos (Figs. 4A, 4B e 4D) (34) .<br />

A repercussão tanto clínica como funcional da insuficiência<br />

aórtica será maior quando a fibrose e a retração<br />

das semilunares forem mais acentuadas que a fu-<br />

são das comissuras (Figs. 4C e 4E). A insuficiência<br />

aórtica é a disfunção valvar que causa maior cardiomegalia<br />

na doença reumática crônica (15) .<br />

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROGNÓSTICO<br />

E O TRATAMENTO DOS PACIENTES<br />

O prognóstico dos pacientes é bastante variável e,<br />

principalmente, depende da intensidade da lesão valvar,<br />

de quais valvas cardíacas foram comprometidas e<br />

se ocorreram ou não complicações.<br />

O tratamento clínico na fase ativa da doença consiste<br />

no uso de antibióticos, corticóides e drogas para<br />

a insuficiência cardíaca.<br />

Para a prevenção de surtos recorrentes da doença,<br />

usam-se antibióticos, principalmente a penicilina, por<br />

tempo prolongado.<br />

O tratamento cirúrgico dos pacientes com lesões<br />

valvares crônicas, seja por comissurotomia (Figs. 3B e<br />

3D) ou substituição da valva por prótese valvar, muito<br />

contribuiu para a melhor e maior sobrevida desses pacientes<br />

(5) .<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 25


DEMARCHI LMMF<br />

e col.<br />

Aspectos<br />

anatomopatológicos da<br />

febre reumática<br />

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LÉA MARIA MACRUZ FERREIRA DEMARCHI, JUSSARA BIANCHI CASTELLI<br />

Acute rheumatic fever is an acute, recurrent, inflammatory disease, that develops<br />

in genetically susceptible individuals, within one to six weeks of a pharyngeal<br />

infection with group a beta-hemolytic streptococci. It seems to be an immune response<br />

to streptococcal antigens or a streptococcal-induced autoimmune reaction to<br />

normal tissue antigens.<br />

It is a childhood disease, with peak incidence between ages 5 and 15 years; but<br />

20% of first attacks occur in adults, sometimes in advanced life.<br />

The acute rheumatic inflammation may occur in pericardium, myocardium and<br />

endocardium. The marked fibrinous pericarditis has a “bread-and-butter” gross appearance.<br />

Myocarditis causes cardiac enlargement and ventricular dilation. Aschoff<br />

bodies are microscopic lesions of cardiac connective tissue that undergo exsudative,<br />

proliferative and cicatricial phases. Myocardial Aschoff bodies in proliferative phase<br />

are pathognomonic of acute rheumatic fever, showing fibrinoid degeneration of valvar<br />

collagen with inflammatory cells, including the Anitschkow cells. Verrucae are<br />

small vegetations consisted of platelets and fibrin, or extruded collagen with fibrinoid<br />

degeneration, that may be seen along the lines of valvar closure. Heart damage can<br />

accumulate with each recurrence and chronic rheumatic heart disease results from<br />

healed, often recurrent acute lesions. Valvar deformities are the most important rheumatic<br />

chronic sequels and they may be found in any cardiac valves. Rheumatic disease<br />

is the most common cause of mitral stenosis, followed by the aortic valve stenosis<br />

in combination or alone. Association of stenosis and incompetence dysfunction<br />

is frequently seen in aortic valves with rheumatic disease.<br />

Key words: streptococcal infections/complications, rheumatic fever/pathology, rheumatic<br />

heart disease/pathology, heart valve diseases/pathology, rheumatic nodule/<br />

pathology.<br />

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:18-27)<br />

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26 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


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e col.<br />

Aspectos<br />

anatomopatológicos da<br />

febre reumática<br />

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 27


TERRERI MTRA e col.<br />

Diagnóstico clínico da<br />

febre reumática: os<br />

critérios de Jones<br />

continuam adequados?<br />

INTRODUÇÃO<br />

A febre reumática continua sendo um importante<br />

problema de saúde pública em países em desenvolvimento<br />

como o Brasil, em virtude de sua alta morbidade<br />

e mortalidade. É a causa mais freqüente de doença<br />

cardíaca adquirida em crianças e adolescentes desses<br />

países (1) .<br />

DIAGNÓSTICO — OS CRITÉRIOS DE JONES<br />

DIAGNÓSTICO CLÍNICO DA <strong>FEBRE</strong> <strong>REUMÁTICA</strong>: OS<br />

CRITÉRIOS DE JONES CONTINUAM ADEQUADOS?<br />

MARIA TERESA R. A.TERRERI, MARIA ODETE E. HILÁRIO<br />

Setor de Reumatologia Pediátrica —<br />

Disciplina de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia —<br />

Departamento de Pediatria — Universidade Federal de São Paulo — Unifesp/EPM<br />

Endereço para correspondência: Rua Loefgreen, 2381 — ap. 141 —<br />

CEP 04040-004 — São Paulo — SP<br />

O diagnóstico da febre reumática ainda representa um grande desafio para os<br />

pediatras em virtude da ausência de manifestação clínica ou prova laboratorial patognomônica.<br />

Os erros diagnósticos ainda são freqüentes em algumas populações.<br />

Desde a criação dos critérios de Jones, em 1944, cinco revisões foram feitas pela<br />

Associação Americana de Cardiologia, tendo a última sido em 2002. Apresentações<br />

poucos usuais de febre reumática aguda com uma variedade de manifestações clínicas<br />

que não preenchem os critérios revisados de Jones podem levar a erros ou<br />

atrasos no diagnóstico. Mudar o conceito da artrite da febre reumática poderia ajudar<br />

a incluir os inúmeros casos em que ela se apresenta de forma atípica; a ecocardiografia,<br />

quando utilizada criteriosamente, pode ter boa acurácia em distinguir a<br />

lesão patológica da fisiológica e diagnosticar, assim, a cardite subclínica; a evidência<br />

de infecção estreptocócica precedente nem sempre é obtida, e, por essa razão,<br />

talvez fosse melhor considerar essa condição como parte importante para o raciocínio<br />

diagnóstico e não como indispensável. Além disso, o estabelecimento de um<br />

escore de acordo com a freqüência e a importância das manifestações poderia tornar<br />

os critérios de Jones mais precisos.<br />

Palavras-chave: febre reumática, critérios de Jones, diagnóstico.<br />

O diagnóstico da febre reumática ainda representa<br />

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:28-33)<br />

RSCESP (72594)-1504<br />

um grande desafio para os pediatras e clínicos em virtude<br />

da ausência de manifestação clínica ou prova laboratorial<br />

patognomônica. O diagnóstico definitivo fica<br />

muitas vezes difícil pela variabilidade das manifestações<br />

clínicas. A febre reumática ainda é subdiagnosticada<br />

ou diagnosticada em excesso em algumas populações.<br />

Há 50 anos, Duckett Jones estabeleceu critérios que<br />

ainda são um guia importante para o diagnóstico da<br />

doença (Tab. 1) (2) . A grande contribuição do Dr. Jones<br />

foi ter criado um conjunto de critérios que fossem fáceis<br />

de aplicar, com boa acurácia diagnóstica, e que<br />

28 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


TERRERI MTRA e col.<br />

Diagnóstico clínico da<br />

febre reumática: os<br />

critérios de Jones<br />

continuam adequados?<br />

pudessem ser utilizados<br />

em todas as populações.<br />

Como todas as inovações<br />

científicas, os critérios não<br />

eram perfeitos e, desde<br />

então, cinco revisões foram<br />

feitas pela Associação<br />

Americana de Cardiologia,<br />

tendo a última sido em<br />

2002 (3-7) . A presença de<br />

dois critérios maiores ou<br />

um maior e dois menores,<br />

associada à evidência de infecção estreptocócica recente,<br />

leva ao diagnóstico da doença. É importante<br />

enfatizar que um grupo grande de pacientes não preenche<br />

esses critérios na apresentação da doença e<br />

outras doenças que preenchem esses critérios precisam<br />

ser excluídas antes do diagnóstico definitivo de<br />

febre reumática. Na presença de coréia isolada ou cardite<br />

insidiosa, o diagnóstico pode ser feito sem haver o<br />

preenchimento de outros critérios (6) .<br />

A primeira descrição dos critérios de Jones é de<br />

1944, quando as manifestações da doença foram separadas<br />

em maiores e menores (Tab. 1) (2) . As maiores,<br />

quando presentes, levavam a maior probabilidade de<br />

diagnóstico certo e incluíam, naquela época, cardite,<br />

alterações articulares, nódulos subcutâneos e coréia,<br />

além de história de febre reumática ou doença cardíaca<br />

reumática. As manifestações menores eram consideradas<br />

sugestivas da febre reumática, mas não específicas,<br />

ou seja, comuns a outras doenças e incluíam<br />

febre, eritema marginado e alteração de provas de fase<br />

aguda, entre outras. Embora Jones tenha descrito o<br />

comprometimento articular como artralgia, ele considerou<br />

sob essa denominação o quadro de poliartrite<br />

migratória. Naquela época, a associação entre febre<br />

reumática e infecção estreptocócica não foi considerada<br />

suficientemente importante para incluir a infecção<br />

nos critérios diagnósticos (8) . Jones reconheceu que alguns<br />

erros diagnósticos poderiam ocorrer e que mudanças<br />

nos seus critérios deveriam ser necessárias à<br />

medida que maiores conhecimentos sobre a doença<br />

surgissem.<br />

Para melhorar a especificidade dos critérios de Jones,<br />

mudanças significativas foram realizadas em 1956<br />

(Tab. 2) (3) . Estas incluíram o eritema marginado como<br />

quinto critério maior, substituindo a febre reumática<br />

prévia ou a doença cardíaca reumática, que se tornaram<br />

um critério menor. A denominação de poliartrite<br />

substituiu a artralgia como critério maior e esta passou<br />

a configurar como critério menor, não sendo considerada<br />

critério quando a artrite estivesse presente. O mais<br />

importante foi que a evidência de faringite estreptocócica<br />

precedente passou a ser critério menor. Alguns<br />

critérios menores foram retirados e o prolongamento<br />

do intervalo PR foi acrescentado como critério menor,<br />

não sendo considerado quando a cardite estivesse presente<br />

como critério maior.<br />

Em uma tentativa de evitar os excessivos diagnósticos<br />

falsos positivos, uma nova revisão dos critérios de<br />

Jones foi realizada em 1965 (Tab. 3) (4) . A evidência de<br />

infecção estreptocócica prévia foi retirada dos critérios<br />

e considerada essencial para o diagnóstico da febre<br />

Tabela 1. Critérios de Jones (originais) — 1944. (2)<br />

Critérios maiores Critérios menores<br />

Cardite Febre<br />

Artralgia (poliartrite Dor abdominal<br />

migratória)<br />

Coréia Dor precordial<br />

Nódulos subcutâneos Eritema marginado<br />

História prévia de Epistaxe<br />

febre reumática<br />

definitiva ou doença<br />

cardíaca reumática<br />

Achados pulmonares<br />

Achados laboratoriais<br />

Alterações no ECG<br />

Anemia microcítica<br />

Elevação de VHS<br />

Leucocitose<br />

ECG = eletrocardiograma; VHS =<br />

velocidade de hemossedimentação.<br />

Tabela 2. Critérios de Jones (primeira revisão) —<br />

1956. (3)<br />

Critérios maiores Critérios menores<br />

Cardite Artralgia<br />

Poliartrite Febre<br />

Coréia História de febre<br />

reumática<br />

Nódulos subcutâneos Evidência de infecção<br />

estreptocócica<br />

precedente<br />

Eritema marginado Alterações<br />

laboratoriais como<br />

elevação de VHS,<br />

PCR e leucocitose<br />

Prolongamento do<br />

intervalo PR no ECG<br />

ECG = eletrocardiograma; VHS = velocidade de hemossedimentação;<br />

PCR = proteína C-reativa.<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 29


TERRERI MTRA e col.<br />

Diagnóstico clínico da<br />

febre reumática: os<br />

critérios de Jones<br />

continuam adequados?<br />

reumática, associada à<br />

presença dos mesmos.<br />

Essa evidência poderia<br />

ser comprovada por meio<br />

de história de escarlatina,<br />

cultura de orofaringe positiva<br />

ou elevação dos títulos<br />

de anticorpos estreptocócicos.<br />

Isso foi uma tentativa<br />

de afastar outras do-<br />

Tabela 3. Critérios de Jones (segunda revisão) —<br />

1965. (4)<br />

Critérios maiores Critérios menores<br />

Cardite Artralgia<br />

Poliartrite Febre<br />

Coréia História de febre<br />

reumática<br />

Nódulos subcutâneos Alterações<br />

laboratoriais como<br />

elevação de VHS,<br />

PCR e leucocitose<br />

Eritema marginado<br />

Evidência de infecção estreptocócica precedente: cultura<br />

positiva, escarlatina ou elevação dos títulos de<br />

anticorpos estreptocócicos.<br />

VHS = velocidade de hemossedimentação; PCR = proteína<br />

C-reativa.<br />

enças que simulavam febre reumática, mas que não<br />

tinham evidência de infecção estreptocócica prévia. O<br />

aumento da especificidade comprometeu a sensibilidade.<br />

A única condição que não exigia a infecção estreptocócica<br />

era a coréia isolada ou a cardite insidiosa,<br />

pelo seu longo período de latência.<br />

Em 1984, o comitê para febre reumática, endocardite<br />

e doença de Kawasaki da Associação Americana<br />

de Cardiologia esclareceu algumas definições, mas não<br />

ocorreram alterações significativas (5) . Pela primeira vez<br />

foi questionado o papel do ecocardiograma como uma<br />

medida para diagnosticar a pericardite. O prolongamento<br />

do intervalo PR foi classificado como uma manifestação<br />

não-específica e não relacionada à cardite.<br />

Na revisão de 1992, ficou estabelecido que os critérios<br />

de Jones passariam a ser válidos apenas para o<br />

diagnóstico inicial da febre reumática e não mais para<br />

as recorrências (Tab. 4) (6) . Esses critérios não seriam<br />

utilizados para determinar a atividade ou estabelecer o<br />

diagnóstico da doença inativa ou doença cardíaca reumática<br />

crônica e, por isso, o critério menor de história<br />

pregressa de febre reumática foi excluído. Além disso,<br />

a evidência de infecção estreptocócica precedente não<br />

poderia mais ser confirmada por meio de história sugestiva<br />

de escarlatina e apenas por testes rápidos para<br />

detecção dos antígenos estreptocócicos, cultura de<br />

orofaringe ou elevação dos títulos de antiestreptolisina<br />

O. Isso ocorreu pelo fato de a escarlatina ser comumente<br />

confundida com outras infecções exantemáticas.<br />

A leucocitose foi excluída como prova de fase aguda<br />

por ser muito inespecífica. A evidência ecocardiográfi-<br />

Tabela 4. Critérios de Jones (quarta revisão) — 1992. (6)<br />

Critérios maiores Critérios menores<br />

Cardite Artralgia<br />

Poliartrite Febre<br />

Coréia Elevação de provas<br />

de fase aguda<br />

Eritema marginado Prolongamento do<br />

intervalo PR<br />

Nódulos subcutâneos<br />

Evidência de infecção estreptocócica precedente: cultura<br />

positiva, teste rápido para antígeno estreptocócico<br />

ou elevação dos títulos de anticorpos estreptocócicos.<br />

ca de alteração valvar sem ausculta cardíaca foi considerada<br />

insuficiente para estabelecer a presença de<br />

cardite.<br />

Em 2000, os membros do Comitê para febre reumática,<br />

endocardite e doença de Kawasaki da Associação<br />

Americana de Cardiologia se encontraram com<br />

um grupo de especialistas internacionais para rever os<br />

critérios de Jones e suas sucessivas revisões. O objetivo<br />

do encontro foi rever a acurácia dos critérios para<br />

o primeiro surto da doença e discutir se técnicas mais<br />

modernas como a ecocardiografia Doppler colorida poderiam<br />

ser adicionadas aos critérios para o diagnóstico<br />

de cardite reumática. O grupo reafirmou a validade<br />

dos critérios revisados de 1992, considerou-os como o<br />

padrão para o diagnóstico de surto inicial agudo de febre<br />

reumática e nenhuma outra correção foi sugerida.<br />

Entretanto, até agora nenhum valor preditivo foi atribuído<br />

aos critérios de Jones.<br />

Apresentações poucos usuais de febre reumática<br />

aguda com uma variedade de manifestações clínicas<br />

que não preenchem os critérios revisados de Jones,<br />

podem levar a erros ou atrasos no diagnóstico. Os critérios<br />

de Jones não podem substituir o julgamento clínico<br />

em casos atípicos (9) .<br />

As primeiras críticas a esses critérios começam com<br />

30 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


TERRERI MTRA e col.<br />

Diagnóstico clínico da<br />

febre reumática: os<br />

critérios de Jones<br />

continuam adequados?<br />

as características da artrite.<br />

A artrite é a manifestação<br />

maior mais freqüente,<br />

porém é a mais inespecífica,<br />

sendo seu diagnóstico<br />

diferencial muito variado.<br />

A exclusão de outras<br />

artrites reativas ou outras<br />

causas de artrite aguda é,<br />

por vezes, muito difícil. Há<br />

diversas publicações indi-<br />

cando que as manifestações articulares são muitas<br />

vezes diferentes das descrições clássicas (10, 11) . A artrite<br />

aditiva ou de duração prolongada, o acometimento<br />

de pequenas articulações, a monoartrite e a não resposta<br />

ao ácido acetilsalicílico são observados em muitos<br />

pacientes. Em nosso estudo com 93 pacientes com<br />

febre reumática, a artrite foi aditiva em 27% dos casos;<br />

pequenas articulações, como as metacarpofalangeanas<br />

e as interfalangeanas proximais e distais, foram<br />

acometidas com freqüência de 2% a 8%; artrite com<br />

duração maior que seis semanas, caracterizando artrite<br />

crônica, foi observada em 10%; não resposta ao ácido<br />

acetilsalicílico ocorreu em 15% das artrites; e monoartrite<br />

foi encontrada em 6% dos pacientes. Achados<br />

semelhantes foram descritos por outros autores (11, 12) .<br />

Em muitos desses casos, o diagnóstico só é possível<br />

quando o acometimento cardíaco está associado. Mudar<br />

o conceito da artrite da febre reumática poderia<br />

ajudar a incluir os inúmeros casos em que ela se apresenta<br />

de forma atípica. Nos países com alta incidência<br />

de febre reumática, a artrite deve ser considerada de<br />

forma mais cuidadosa durante o diagnóstico.<br />

A cardite tem sido objeto de grande polêmica, especialmente<br />

na última década. A cardite clínica é bem<br />

específica e quadros com presença de sopro cardíaco<br />

sugestivo de regurgitação mitral e/ou aórtica com confirmação<br />

ecocardiográfica não costumam deixar dúvidas<br />

sobre sua etiologia reumática. Cada vez mais autores,<br />

porém, têm descrito a presença de achados ecocardiográficos<br />

de lesões valvares orgânicas, na ausência<br />

de manifestações clínicas de cardite (13-17) . A ecocardiografia<br />

Doppler colorida é claramente aceita hoje<br />

como uma técnica mais sensível que a ausculta cardíaca<br />

na detecção da regurgitação valvar. No entanto,<br />

coloca-se em questão a acurácia desse exame quanto<br />

à distinção entre a regurgitação patológica e a fisiológica.<br />

De acordo com alguns autores, a inflamação valvar<br />

subclínica demonstrada pelo ecocardiograma deveria<br />

ser aceita como evidência de cardite e ser considerada<br />

como critério para o diagnóstico de febre reumática<br />

(18) . Entretanto, a ecocardiografia ainda não é<br />

aceita como critério diagnóstico de febre reumática, por<br />

ser um exame que carece de critérios mais específicos<br />

para diferenciar o refluxo valvar orgânico leve do fisiológico,<br />

podendo, desse modo, ser mais um motivo de<br />

erro diagnóstico. Minich e colaboradores estudaram um<br />

grupo de 68 pacientes com sopro cardíaco, dos quais<br />

37 com febre reumática e 31 controles com sopro cardíaco<br />

inocente, que apresentavam regurgitação valvar<br />

à ecocardiografia Doppler (19) . Esses autores propuseram<br />

critérios ecocardiográficos para diferenciação da<br />

regurgitação mitral orgânica da febre reumática da regurgitação<br />

mitral fisiológica, os quais apresentaram<br />

especificidade de 94% e valor preditivo positivo de<br />

93% (19) . Em um estudo cego prospectivo realizado por<br />

nós com 56 pacientes com febre reumática aguda, 11<br />

de 29 (37,9%) pacientes sem evidência clínica de cardite<br />

apresentaram alterações ecocardiográficas, caracterizando<br />

a cardite subclínica. Em 31 dos 56 pacientes<br />

foram realizadas análises quantitativa e qualitativa mais<br />

detalhadas e comparadas aos achados de 20 indivíduos<br />

controles. Observamos que variáveis quantitativas<br />

como a espessura da valva mitral apresentaram valores<br />

estatisticamente mais elevados nos pacientes com<br />

cardite clínica e subclínica que em crianças controles.<br />

“Vena contracta” e altura do jato aórtico tiveram valores<br />

estatisticamente mais elevados na cardite clínica<br />

que na cardite subclínica, demonstrando que, embora<br />

pertençam ao mesmo espectro de lesão, a cardite clínica<br />

apresenta maior magnitude da lesão valvar. Quanto<br />

às variáveis qualitativas, como variância e convergência<br />

mitrais e regurgitação holodiastólica, foram estatisticamente<br />

mais freqüentes nos dois grupos de pacientes<br />

que nos controles. Esses resultados podem ser<br />

mais uma evidência de que a ecocardiografia, quando<br />

utilizada criteriosamente, pode ter boa acurácia<br />

em distinguir a lesão patológica da fisiológica. Tais<br />

achados vêm sendo alvo de debate em relação ao<br />

diagnóstico de cardite reumática e também a suas<br />

implicações terapêuticas, como utilização do corticóide<br />

e modificações quanto à duração da profilaxia<br />

secundária (20, 21) .<br />

A coréia de Sydenham é uma manifestação que<br />

pode ser considerada como critério suficiente para o<br />

diagnóstico de febre reumática mesmo quando isolada.<br />

É importante, entretanto, que outras causas de coréia<br />

sejam afastadas, como lúpus eritematoso sistêmico,<br />

tumores, doença de Wilson e drogas, entre outras.<br />

Em nossa casuística, observamos associação importante<br />

de cardite com coréia, alertando assim para a<br />

necessidade de investigação do comprometimento cardíaco<br />

nos pacientes com essa manifestação.<br />

As outras manifestações maiores, como eritema<br />

marginado e nódulos subcutâneos, embora sejam consideradas<br />

critérios maiores, são muito pouco freqüentes.<br />

Essa é outra crítica aos critérios de Jones e existem<br />

sugestões para que essas manifestações deixem<br />

de ser consideradas maiores ou pelo menos não te-<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 31


TERRERI MTRA e col.<br />

Diagnóstico clínico da<br />

febre reumática: os<br />

critérios de Jones<br />

continuam adequados?<br />

nham o mesmo peso que<br />

os outros critérios maiores.<br />

Outra grande dificuldade<br />

que encontramos no diagnóstico<br />

da febre reumática<br />

é a comprovação da<br />

infecção estreptocócica<br />

precedente. Segundo os<br />

autores responsáveis pelas<br />

revisões dos critérios<br />

de Jones, não pode haver<br />

febre reumática sem essa<br />

comprovação. Entretanto, sabemos que a cultura de<br />

orofaringe carece de sensibilidade e os testes rápidos<br />

para detecção de antígenos estreptocócicos não são<br />

realizados de rotina em nosso meio. Quanto à determinação<br />

dos títulos de anticorpos estreptocócicos, em<br />

especial da antiestreptolisina O, que é a mais utilizada<br />

em nosso meio, cerca de 20% a 25% dos pacientes<br />

não alteram seus títulos. Embora os métodos para determinação<br />

de outros anticorpos aumentem a possibilidade<br />

de detecção da infecção estreptocócica recente,<br />

eles não estão disponíveis na rotina de serviços<br />

públicos e nem em laboratórios particulares. Talvez fosse<br />

melhor considerar essa condição como parte importante<br />

para o raciocínio diagnóstico ao invés de colocá-la<br />

como indispensável.<br />

Estudos prospectivos multicêntricos com participação<br />

das populações com maior incidência da doença<br />

são necessários para que possamos aumentar a especificidade<br />

dos critérios de Jones. A redefinição da<br />

artrite da febre reumática, a inclusão da cardite subclínica,<br />

ou seja, da ecocardiografia, e o estabelecimento<br />

de um escore de acordo com a freqüência e a importância<br />

das manifestações poderiam tornar os critérios<br />

de Jones mais precisos.<br />

CLINICAL DIAGNOSIS OF RHEUMATIC FEVER:<br />

ARE THE JONES CRITERIA STILL ADEQUATE?<br />

MARIA TERESA R. A.TERRERI, MARIA ODETE E. HILÁRIO<br />

The diagnosis of rheumatic fever still represents a great challenge to pediatricians<br />

due to the absence of patognomonic clinical manifestation or laboratory test.<br />

Misdiagnosis are also very frequent in some populations. Since their introduction in<br />

1944 Jones criteria have been revised five times by the American Cardiology Association;<br />

the last one was in 2002. Unusual presentation of acute rheumatic fever with<br />

a great range of clinical manifestations that do not fulfill the Jones criteria is responsible<br />

for mistakes or delay of diagnosis. It would be of worth to change the arthritis<br />

concept in an attempt to include the atypical forms; the echocardiography if utilized<br />

with criteria could be an accurate instrument to distinguish pathologic from physiologic<br />

valvar lesions and therefore to diagnosis subclinic carditis; the evidence of streptococcal<br />

infections not always is possible and for this reason would be better to<br />

consider this condition as an important evidence for the diagnosis instead of consider<br />

it indispensable. Otherwise the establishment of a score according to the frequency<br />

and importance of the manifestations of rheumatic fever would turn Jones<br />

criteria more precise.<br />

Key words: rheumatic fever, Jones criteria, diagnosis.<br />

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:28-33)<br />

RSCESP (72594)-1504<br />

32 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


TERRERI MTRA e col.<br />

Diagnóstico clínico da<br />

febre reumática: os<br />

critérios de Jones<br />

continuam adequados?<br />

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fever. Lancet.<br />

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guidance in the diagnosis of rheumatic fever. Circulation.<br />

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updated 1992. JAMA. 1992;268:2069-73.<br />

7. Ferrieri P. Proceedings of the Jones Criteria<br />

Workshop. Circulation. 2002;106:2521-3.<br />

8. Shiffman RN. Guideline Maintenance and Revision.<br />

50 years of the Jones Criteria for Diagnosis of Rheumatic<br />

Fever. Arch Pediatr Adolesc Med.<br />

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9. Khriesat I, Najada AH. Acute rheumatic fever without<br />

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10. Hilário MOE, Len C, Goldenberg J, Fonseca AS,<br />

Ferraz MB, Naspitz CK. Febre reumática: manifestações<br />

articulares atípicas. (“Rheumatic fever: atypical<br />

articular involvement”). Rev Assoc Med Bras.<br />

1992;38:214-6.<br />

11. Pileggi GCS, Ferriani VPL. Manifestações articulares<br />

atípicas em crianças com febre reumática (“Atypical<br />

articular involvement in children with rheumatic<br />

fever”). J Pediatr. 2000;76(1):49-54.<br />

12. Carapetis JR, Currie BJ. Rheumatic fever in a high<br />

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13. Hilário MOE, Andrade JL, Gasparian AB, Carvalho<br />

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carditis in children and adolescents: a two-year<br />

prospective study. J. Rheumatol. 2000;27:1082-6.<br />

14. Figueroa FE, Fernández MS, Valdés P, Wilson C,<br />

Lanas F, Carrion F, et al. Prospective comparison of<br />

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Mota CCC. Subclinical rheumatic valvitis: a long-term<br />

follow-up. Cardiol Young. 2003;13:431-8.<br />

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fever. Cardiol Young. 2003;13(6):495-9.<br />

18. Wilson NJ, Neutze JM. Echocardiographic diagnosis<br />

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in patients with rheumatic fever. Clin Cardiol.<br />

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20. Veasy LG. Time to take soundings in acute rheumatic<br />

fever. Lancet. 2001;357(9273):1994-5.<br />

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of rheumatic fever. Lancet. 2001;358(9297):2000-7.<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 33


VIDOTTI MH e col.<br />

Valor dos exames<br />

laboratoriais no<br />

diagnóstico e<br />

no seguimento<br />

de pacientes com<br />

febre reumática<br />

INTRODUÇÃO<br />

Não existem sintomas ou sinais clínicos, nem mesmo<br />

provas laboratoriais específicas, para o diagnóstico<br />

de certeza da febre reumática. O diagnóstico se faz<br />

na associação de ambos, o quadro clínico e o quadro<br />

laboratorial. Na prática sabemos que essas provas laboratoriais<br />

não possuem caráter específico, ou seja,<br />

nenhuma delas pode garantir a presença da doença,<br />

exigindo sempre um diagnóstico diferencial. Existem<br />

dois tipos de exames laboratoriais: os que vão mostrar<br />

a resposta anticórpica do organismo ao produto libera-<br />

VALOR DOS EXAMES LABORATORIAIS<br />

NO DIAGNÓSTICO E NO SEGUIMENTO<br />

DE PACIENTES COM <strong>FEBRE</strong> <strong>REUMÁTICA</strong><br />

MARIA HELENA VIDOTTI, JOSÉ FRANCISCO KERR SARAIVA<br />

Disciplina de Cardiologia —<br />

Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas<br />

Endereço para correspondência: Rua Dr. José Vicente, 130 — CEP 13101-536 —<br />

Campinas — SP<br />

Embora não haja provas laboratoriais patognomônicas para o diagnóstico de certeza<br />

da febre reumática, existem alguns achados de laboratório e algumas considerações<br />

que nos auxiliam tanto na conclusão de uma hipótese clínica como no acompanhamento<br />

e nos critérios de cura da doença. Por isso é sempre bom lembrar que<br />

o diagnóstico dessa doença se faz com um conjunto de dados clínicos como história<br />

e exame clínico, bem como de resultados de provas laboratoriais. Existem dois tipos<br />

de exames laboratoriais que são úteis no diagnóstico e na avaliação da evolução,<br />

assim como na cura: os que pesquisam processos imunogenéticos (celulares, moleculares<br />

e humorais) importantes para determinar a gênese da afecção, e os que<br />

reconhecem a existência de um processo inflamatório agudo, que seriam as chamadas<br />

reações da “fase aguda do soro”. Dentre estas últimas encontram-se as mucoproteínas<br />

e a fração alfa-2-globulina, que se comportam como provas seguras e<br />

sensíveis, devendo-se somente à normalização das mesmas o desaparecimento do<br />

processo inflamatório agudo.<br />

Palavras-chave: diagnóstico laboratorial, febre reumática, estreptococos do grupo<br />

A de Lancefield.<br />

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:34-9)<br />

RSCESP (72594)-1505<br />

do pelo agente etiológico e as reações da fase aguda<br />

da doença. São, portanto, testes que evidenciam respectivamente<br />

a existência de um fator etiológico e o<br />

comportamento de reações que medem a atividade do<br />

processo inflamatório presente, podendo inclusive nos<br />

informar o estado evolutivo da doença, até a cura. Sendo<br />

assim, podemos dividir a investigação laboratorial<br />

em dois gupos: A, com exames que vão nos mostrar<br />

se houve infecção prévia pelo estreptococo beta-hemolítico<br />

do grupo A de Lancefield; e B, com exames<br />

que documentam a presença de processo inflamatório,<br />

isto é, que medem a “atividade” do processo inflamatório.<br />

34 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


VIDOTTI MH e col.<br />

Valor dos exames<br />

laboratoriais no<br />

diagnóstico e<br />

no seguimento<br />

de pacientes com<br />

febre reumática<br />

PROVAS QUE<br />

AVALIAM A RESPOSTA<br />

IMUNITÁRIA DO<br />

ORGANISMO<br />

Em razão do processo<br />

etiológico da febre reumática,<br />

são encontrados no<br />

plasma dos pacientes infectados<br />

elevados títulos<br />

de anticorpos contra substâncias<br />

liberadas pelo es-<br />

treptococo do grupo A. Essas bactérias fabricam vários<br />

produtos extracelulares, como: estreptolisinas A e<br />

S; desoxirribonucleases A, B, C e D; hialuronidase; proteinases;<br />

nicotinamida-adenina-deaminase; estreptoquinase;<br />

e exotoxinas pirogênicas.<br />

Os anticorptos tituláveis na prática clínica são: antiestreptolisina<br />

O (ASLO), antiestreptoquinase (AEQ),<br />

anti-hialuronidase (AH) e antidesoxirribonuclease (anti-<br />

DNAse).<br />

O anticorpo mais utilizado na clínica diária é o ASLO,<br />

pela facilidade de obtenção e homogeneidade dos resultados.<br />

A anti-DNAse B pode ser útil nos casos de<br />

síndrome coréica reumática. A ASLO é prova obtida<br />

geralmente por variação da técnica original de Rantz e<br />

Randall, atingindo seu pico três a seis semanas após a<br />

infecção, enquanto a anti-DNAse B atinge seu pico mais<br />

tardiamente (seis a oito semanas). Na maioria dos serviços,<br />

seguem-se os critérios determinados por Décourt<br />

para a ASLO (1) , considerando-se o nível de 250 unidades<br />

Todd (UT) como normal para crianças com menos<br />

de 5 anos de idade e, para finalidades práticas, como<br />

anormais taxas acima de 333 UT para crianças com<br />

menos de 5 anos de idade e acima de 500 UT para<br />

crianças acima dessa idade.<br />

A experiência universal nos mostra que os níveis<br />

normais de ASLO podem variar com fatores ligados a<br />

idade, classe socioeconômica e até condições do meio<br />

ambiente, como promiscuidade e estações do ano.<br />

A redução dos títulos é geralmente lenta, com variação<br />

de paciente para paciente, ao contrário do que<br />

acontece nas estreptococcias simples, cuja queda é<br />

mais rápida. Após o surto agudo de febre reumática,<br />

os níveis voltam ao normal em quatro a seis meses,<br />

porém a permanência de títulos elevados por tempo<br />

prolongado não indica persistência da atividade da<br />

doença. Também podemos salientar que a determinação<br />

de outros anticorpos aumenta a sensibilidade na<br />

identificação da infecção estreptocócica, mas não são<br />

usados na prática clínica. (2)<br />

A anti-DNAse B tende a permanecer circulando por<br />

Obs.: as exotoxinas pirogênicas altamente nocivas estão ligadas ao exantema da<br />

escarlatina.<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 35


VIDOTTI MH e col.<br />

Valor dos exames<br />

laboratoriais no<br />

diagnóstico e<br />

no seguimento<br />

de pacientes com<br />

febre reumática<br />

mais tempo, podendo ser<br />

praticamente a única indicação<br />

de infecção estreptocócica<br />

nas manifestações<br />

neurológicas tardias<br />

da febre reumática (coréia<br />

de Sydenham). (3)<br />

HEMOGRAMA<br />

É pouco expressivo e o<br />

achado de grandes alterações<br />

pode sugerir presença de outras doenças. (4) É importante,<br />

portanto, o diagnóstico diferencial com outras<br />

entidades mórbidas como anemia falciforme, artrite<br />

reumatóide juvenil, lúpus eritematoso sistêmico, leucemias,<br />

etc.<br />

Na fase ativa da febre reumática, o hemograma revela<br />

discreta leucocitose, com predomínio de polimorfonucleares,<br />

com neutrofilia, além de um desvio para a<br />

esquerda pouco acentuado. Com maior freqüência, e<br />

em particular em crianças, manifesta-se anemia hipocrômica,<br />

normocítica ou discretamente microcítica, (5)<br />

não-responsiva à terapêutica com ferro. Em determinados<br />

casos pode servir de alerta em crianças com<br />

outras manifestações muitos discretas.<br />

PROVAS LIGADAS AO PROCESSO<br />

INFLAMATÓRIO<br />

As denominadas “reações da fase aguda do soro”,<br />

sendo inespecíficas, não possuem e não pretendem<br />

possuir valor diagnóstico de febre reumática entre diferentes<br />

processos clinicamente comparáveis. São,<br />

entretanto, muito úteis em sua capacidade de revelar<br />

processo “ativo”, definindo-o em sua presença,<br />

em sua permanência e em suas oscilações no tempo.<br />

Na febre reumática, como em qualquer outra condição,<br />

as provas realmente expressivas são:<br />

— as que se desviam da normalidade logo no início da<br />

afecção;<br />

— as que oscilam em seus valores de acordo com as<br />

próprias oscilações desta;<br />

— as que não se modificam artificialmente com o uso<br />

de medicamentos;<br />

— as que só se normalizam quando do desaparecimento<br />

da doença.<br />

As diferentes provas laboratoriais apresentam, na<br />

febre reumática, aspectos de comportamento muito expressivos<br />

para a avaliação clínica, ao contrário do que<br />

é admitido por muitos autores. (1, 4, 6) As principais provas<br />

desse grupo são: velocidade de hemossedimentação,<br />

proteína C-reativa, mucoproteínas e eletroforese<br />

de proteínas.<br />

VELOCIDADE DE HEMOSSEDIMENTAÇÃO<br />

A alteração da velocidade de hemossedimentação<br />

geralmente ocorre de forma acentuada, sendo os desvios<br />

precoces, contemporâneos das manifestações iniciais<br />

da doença. Valores mais elevados são observados<br />

em casos mais graves, embora não se tenha uma<br />

correlação linear desse achado. Seus valores normais<br />

situam-se abaixo de 10 mm a 20 mm. A velocidade de<br />

hemossedimentação depende de múltiplos fatores,<br />

como, por exemplo, tamanho das hemácias, presença<br />

de macromoléculas que alteram a carga elétrica da<br />

membrana celular das hemácias, nível de fibrinogênio,<br />

alfa e gama globulinas (sobretudo da IgM), alteração<br />

da viscosidade e da alimentação. Dessa maneira, em<br />

processo inflamatório agudo como na febre reumática,<br />

em que existe aumento significativo do fibrinogênio e<br />

das mucoproteínas, ocorre aumento da velocidade de<br />

hemossedimentação. Ressalte-se, no entanto, que várias<br />

outras doenças podem alterar a velocidade de hemossedimentação<br />

além da febre reumática, entre elas:<br />

anemias graves, neoplasias, colagenoses, infecções,<br />

traumatismos e processos inflamatórios em geral. Além<br />

deles, na gestação, particularmente a partir do segundo<br />

trimestre, ocorre aumento progressivo da velocidade<br />

de hemossedimentação sem significado patológico.<br />

O uso crônico de alguns fármacos também pode alterar<br />

a velocidade de hemossedimentação, como antiinflamatórios<br />

hormonais e não-hormonais, contraceptivos<br />

e penicilina benzatina. Dessa forma, a velocidade<br />

de hemossedimentação não constitui um instrumento<br />

específico para o acompanhamento e a evolução no<br />

tratamento da febre reumática. Outro fator que pode<br />

induzir erro de interpretação é a persistência habitual<br />

de valores elevados da velocidade de hemossedimentação<br />

durante longo período, sem relação com a evolução<br />

favorável do quadro clínico, que pode confundir<br />

o médico e sugerir de maneira imprópria a continuidade<br />

da terapêutica.<br />

Trata-se, portanto, de prova importante, mas não<br />

fiel, por causa das circunstâncias limitantes da real expressividade<br />

dos resultados (Tab. 1).<br />

PROTEÍNA C-REATIVA<br />

A proteína C-reativa é sintetizada no fígado, correndo<br />

em baixas concentrações no plasma de indivíduos<br />

normais. (7) Trata-se de proteína imunitariamente<br />

anômala, que precipita com o carboidrato C de pneumococos.<br />

Pode-se elevar de forma sensível no início<br />

do processo reumático, estando elevada em praticamente<br />

100% dos casos antes do final da segunda semana<br />

de evolução. (6)<br />

A não elevação seqüencial da proteína C-reativa dosada<br />

em dias alternados sugere ausência de febre reu-<br />

36 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


VIDOTTI MH e col.<br />

Valor dos exames<br />

laboratoriais no<br />

diagnóstico e<br />

no seguimento<br />

de pacientes com<br />

febre reumática<br />

mática, ou seja, embora<br />

inespecífica, é extremamente<br />

sensível nas fases<br />

iniciais da febre reumática.<br />

Entretanto, igualmente a<br />

velocidade de hemossedimentação<br />

constitui método<br />

apropriado para o seguimento<br />

de pacientes<br />

com febre reumática, e títulos<br />

mais elevados não<br />

representam necessaria-<br />

mente falta de controle da doença. Por outro lado, seus<br />

níveis podem diminuir durante o curso ativo da doença<br />

(Tab. 1). É importante lembrar que a proteína C-reativa<br />

não sofre habitualmente interferência da alimentação<br />

ou de medicação antiinflamatória. No seguimento do<br />

paciente reumático, o reaparecimento da proteína Creativa<br />

no soro obriga a pesquisa de reativação do processo<br />

inflamatório, exigindo cuidados na reavaliação<br />

do estado clínico.<br />

MUCOPROTEÍNAS<br />

As mucoproteínas elevam-se em qualquer processo<br />

inflamatório, infeccioso ou neoplásico. Seu metabo-<br />

Tabela 1. Comportamento das reações da “fase aguda do soro”. (4)<br />

lismo é realizado no fígado e é excretado pelos rins. As<br />

técnicas utilizadas são trabalhosas, e com possibilidade<br />

de erros, o que tem causado seu abandono em<br />

muitos centros e sua substituição pela alfa-1-glicoproteína<br />

ácida de mais fácil dosagem. A mucoproteína<br />

encontra-se elevada em cerca de 95% dos pacientes<br />

com diagnóstico de febre reumática, mantendo-se alterada<br />

enquanto durar a fase ativa. A normalização de<br />

seus níveis indica o final da fase ativa da doença. É<br />

importante comentar que não sofre alteração com a<br />

medicação antiinflamatória, mesmo com corticosteróides,<br />

(8) sendo um bom guia para o critério de cura.<br />

Como cifras superiores da normalidade, podem ser<br />

aceitas (8) as de 4,0 mg% para a tirosina e de 14,5%<br />

para o polissacarídeo da mucoproteína; na prática,<br />

habitualmente é utilizada apenas a taxa de tirosina.<br />

O retorno de seus níveis à normalidade costuma<br />

refletir a regressão da doença e a manutenção de níveis<br />

persistentemente elevados indica atividade da doença.<br />

Portanto, apesar de suas limitações como reação<br />

inespecífica, comporta-se, na prática clínica, como<br />

prova sensível, expressiva e de confiança.<br />

ELETROFORESE DE PROTEÍNAS<br />

As modificações das proteínas do soro não diferem<br />

Provas Fases iniciais<br />

Períodos da doença<br />

Período de estado Momento da “cura”<br />

Eritrossedimentação Desvio freqüente Oscilações também Persistência eventual<br />

dependentes de de desvios<br />

outros fatores moderados, sem<br />

significação<br />

Proteína C Presença constante Desaparecimento (ou Ausência, já há dias<br />

redução) em número ou semanas, em certo<br />

progressivo de enfermos número de enfermos<br />

Mucoproteína Elevação quase Manutenção dos Normalização dos<br />

constante desvios níveis<br />

Frações protéicas: Redução freqüente, Tendência à Valores normais já<br />

— albumina em particular nas normalização presentes em certo<br />

formas graves e em número de enfermos<br />

crianças<br />

— alfa1-globulina Elevação freqüente Normalização precoce Valores normais já<br />

presentes há dias ou<br />

semanas<br />

— alfa 2- globulina Elevação quase Manutenção dos desvios Normalização dos<br />

constante níveis<br />

— gama-globulina Elevação inconstante Manutenção dos desvios Eventual persistência<br />

e/ou discreta ou elevação progressiva dos desvios<br />

dos níveis<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 37


VIDOTTI MH e col.<br />

Valor dos exames<br />

laboratoriais no<br />

diagnóstico e<br />

no seguimento<br />

de pacientes com<br />

febre reumática<br />

das alterações que ocorrem<br />

em vários outros processos<br />

agudos e se exteriorizam<br />

basicamente por<br />

queda do teor de albumina<br />

e por elevação da taxa<br />

das frações alfa-globulinas<br />

e gama-globulinas (9) (Tab.<br />

1). A redução importante<br />

da albumina pode ser precoce,<br />

principalmente nas<br />

formas mais graves de cri-<br />

anças portadoras de febre reumática, sem relação com<br />

seu estado nutricional. Uma redução dos níveis de albumina<br />

(valores < 3,5 g/dl) é habitual. A normalização<br />

das taxas em qualquer situação é ocorrência de prognóstico<br />

mais favorável. A elevação da gamaglobulina é<br />

lenta e em períodos tardios, principalmente quando<br />

ocorrem agressões viscerais. As elevações das alfaglobulinas<br />

são precoces e nítidas ao final da primeira<br />

semana de doença, observando-se nítida diferença de<br />

comportamento entre os dois tipos dessas frações. A<br />

fração alfa-1-globulina tem alterações transitórias e incons-<br />

tantes, mesmo diante da persistência de processo ativo.<br />

Não apresentam valor prático. (9) As elevações da fração<br />

alfa-2-globulina são constantes e tendem a se manter<br />

durante toda a atividade reumática, sendo um indicador<br />

satisfatório da permanência da doença. (9)<br />

Em resumo, na prática clínica aconselha-se a utilização<br />

rotineira das determinações da mucoproteína e<br />

da alfa-2-globulina do soro como provas realmente satisfatórias<br />

no acompanhamento da evolução clínica de<br />

pacientes com febre reumática aguda. Essa constatação<br />

só admite o término da “atividade” da doença quando<br />

da normalização de ambas as reações.<br />

ALFA-1-GLICOPROTEÍNA ÁCIDA<br />

A alfa-1-glicoproteína ácida seria outro componente<br />

mucoprotéico que se eleva em qualquer processo<br />

inflamatório agudo. (10) É um excelente antígeno, podendo<br />

ser dosada por técnicas imunológicas e por turbidimetria<br />

sem grandes dificuldades, fato esse que tem<br />

permitido em muitos centros clínicos substituir a dosagem<br />

de mucoproteínas, cujas técnicas são mais trabalhosas<br />

e com possibilidade de erros.<br />

LABORATORY IN RHEUMATIC FEVER<br />

MARIA HELENA VIDOTTI, JOSÉ FRANCISCO KERR SARAIVA<br />

The purpose of this review is to assist the physician, during clinical practice, to<br />

deal with a suspicion of an acute case of rheumatic fever. Rheumatic fever often<br />

presents with a wide spectrum of clinical symptoms, frequently unspecific or only<br />

slightly related to the inflammatory aspect of the disease. The laboratorial screening<br />

is a very helpful tool in the differential diagnosis. Despite their lack of specificity, the<br />

laboratorial tests and clinical presentation together frequently guide the clinician to<br />

the diagnosis. The laboratorial exams also should be monitored to determine the<br />

evolution of clinical cases, as well as the eventual recurrence of symptoms<br />

Key words: laboratory, rheumatic fever, inflammation, rheumatism, carditis.<br />

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:34-9)<br />

RSCESP (72594)-1505<br />

38 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


VIDOTTI MH e col.<br />

Valor dos exames<br />

laboratoriais no<br />

diagnóstico e<br />

no seguimento<br />

de pacientes com<br />

febre reumática<br />

REFERÊNCIAS<br />

1. Décourt LV. Nuestra experiência<br />

com lãs pruebas<br />

de laboratório en la<br />

enfermedad reumática. I<br />

Symposio Internacional<br />

Fiebre Reumática, Instituto<br />

Nacional de Cardiologia,<br />

México, 1958. p. 359-<br />

77.<br />

2. Gerber MA, Wright LL,<br />

Randolph MF. Streptozyme test for antibodies to<br />

group A Streptococcal antigens. Pediatr Infect Dis.<br />

1987;6:36.<br />

3. Ayoub EM, Wannamaker LW. Evaluation of the<br />

streptococcal desoxy ribonuclease B and diphosphopyridine<br />

nuceotidase antibody tests in acute<br />

rheumatic fever and acute glomerulonephritis. Pediatrics.<br />

1962; 29:527-38.<br />

4. Décourt LV. Doença reumática. São Paulo: Sarvier;<br />

1972. p. 81-95.<br />

5. Mauer AM. The early anemia of acute rheumatic<br />

fever. Pediatrics. 1961;27:707.<br />

6. Décourt LV, Cossermelli W, Fava Neto C, et al. Estudo<br />

de alguns aspectos do soro na doença reumática<br />

ativa. Rev Hosp Clin Fac Med São Paulo.<br />

1957;12:311-22.<br />

7. Anderson CH, McCarty M. Determination of C-reactive<br />

protein in the blood as a measure of activity<br />

of disease process in acute rheumatic fever. Am J<br />

Med. 1950;8:445-55.<br />

8. Décourt LV, Ferri RG, Papaleo Neto M, et al. Provas<br />

sorológicas no diagnóstico da atividade reumática.<br />

Determinação da mucoproteína. Arq Brás<br />

Cardiol. 1955;8:361-78.<br />

9. Décourt LV, Cossermelli W. Electrophoretic study<br />

of serum proteins in active rheumatic fever. Arch<br />

Intern Rheumat. 1958;1:53-80.<br />

10. Todd S, Davidsohn I. Clinical diagnosis and management<br />

by laboratory methods. Philadelphia:<br />

W.B. Saunders; 1979. p. 245-6.<br />

11. Kaplan EL. The rapid identification for group A<br />

beta-hemolytic Streptococci in the upper respiratory<br />

tract. Pediatr Clin North Am. 1988;35:535.<br />

12. Wannamaker LW, Ayoub EM. Antibody titers in<br />

acute rheumatic fever. Circulation. 1960;21:598-<br />

614.<br />

13. Rantz LA, Randall E. A modification of the technique<br />

for the determination of the antistreptolysin<br />

titer. Proc Soc Exp Biol Méd. 1945;59:22-5.<br />

14. Gewurz H, Mold C, Siegel J, Fiedel B. C-reactive<br />

protein and the acute phase response. Adv Intern<br />

Med. 1982;27:345.<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 39


PAZIN-FILHO A e cols.<br />

Papel da Doppler<br />

ecocardiografia no<br />

diagnóstico e no<br />

prognóstico da febre<br />

reumática aguda<br />

INTRODUÇÃO<br />

O acometimento cardíaco, que tem no processo inflamatório<br />

valvar sua maior expressão, é a única manifestação<br />

da febre reumática aguda que deixa seqüelas<br />

tardias, determinando elevados índices de morbidade<br />

e de mortalidade dos pacientes acometidos. A prevalência<br />

do acometimento cardíaco é variável, dependendo<br />

da localização geográfica, da população sob estudo<br />

e dos critérios utilizados para definir cardite. Classicamente,<br />

o acometimento cardíaco corresponde a uma<br />

“pancardite”, embora a principal manifestação seja o<br />

acometimento valvar; esse envolvimento é caracteri-<br />

PAPEL DA DOPPLER ECOCARDIOGRAFIA<br />

NO DIAGNÓSTICO E NO PROGNÓSTICO<br />

DA <strong>FEBRE</strong> <strong>REUMÁTICA</strong> AGUDA<br />

ANTONIO PAZIN-FILHO, ANDRÉ SCHMIDT, MINNA MOREIRA DIAS ROMANO,<br />

OSWALDO CÉSAR DE ALMEIDA FILHO, BENEDITO CARLOS MACIEL<br />

Divisão de Cardiologia —<br />

Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto —<br />

Universidade de São Paulo — FMRP-USP<br />

Endereço para correspondência: Hospital das Clínicas da FMRP-USP —<br />

Divisão de Cardiologia — Campus Universitário Monte Alegre —<br />

Ribeirão Preto — SP<br />

A cardite é a única manifestação da febre reumática aguda que gera seqüelas<br />

tardias para o paciente. Esse comprometimento é responsável pelos altos índices<br />

de morbidade e de mortalidade da doença reumática do coração a longo prazo. A<br />

Doppler ecocardiografia contribui, nessa fase aguda, para a elucidação diagnóstica,<br />

a determinação da extensão do envolvimento cardíaco, a indicação de procedimentos<br />

cirúrgicos, bem como para o acompanhamento evolutivo dos pacientes. No entanto,<br />

o método, ao identificar acometimento cardíaco subclínico, oferece elementos<br />

morfológicos e funcionais cuja interpretação é alvo de controvérsia. Esta revisão<br />

procura colocar esses pontos em perspectiva e propiciar melhor compreensão do<br />

real papel do método nas avaliações diagnóstica e prognóstica dessa entidade nosológica.<br />

Palavras-chave: febre reumática aguda, Doppler ecocardiografia, diagnóstico.<br />

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:40-6)<br />

RSCESP (72594)-1506<br />

zado por achados clínicos que envolvem, basicamente,<br />

a detecção de sopro cardíaco decorrente de regurgitação<br />

mitral ou aórtica, a percepção de atrito pericárdico<br />

ou a ocorrência de insuficiência cardíaca de início<br />

recente, sem outra explicação aparente. A introdução<br />

da Doppler ecocardiografia, na prática clínica, bem<br />

como sua ampla disseminação como método diagnóstico,<br />

possibilitou sua incorporação na investigação clínica<br />

de casos agudos de febre reumática. A Doppler<br />

ecocardiografia: 1) contribui para o diagnóstico diferencial<br />

ao agregar informações anatômicas ou funcionais<br />

apontando para outras causas que justifiquem as manifestações<br />

clínicas; 2) permite a caracterização preci-<br />

40 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


PAZIN-FILHO A e cols.<br />

Papel da Doppler<br />

ecocardiografia no<br />

diagnóstico e no<br />

prognóstico da febre<br />

reumática aguda<br />

sa da extensão do envolvimento<br />

cardíaco produzido<br />

pela doença; 3) auxilia<br />

na indicação de procedimentos<br />

cirúrgicos, nessa<br />

fase aguda; e 4) oferece<br />

informações essenciais no<br />

acompanhamento evolutivo<br />

dos casos a longo prazo.<br />

No entanto, o método,<br />

ao identificar acometimento<br />

cardíaco subclínico, ofe-<br />

rece elementos morfológicos e funcionais cuja interpretação<br />

é alvo de controvérsia. Esta revisão procura<br />

colocar esses pontos em perspectiva e propiciar melhor<br />

compreensão do real papel do método na avaliação<br />

diagnóstica e prognóstica dessa entidade nosológica.<br />

DIFICULDADE DIAGNÓSTICA<br />

O diagnóstico de cardite reumática, quando esse<br />

envolvimento representa a única manifestação da doença,<br />

não é simples. Nesse contexto, mesmo os critérios<br />

de Jones, comumente aplicados para o diagnóstico,<br />

não são capazes, em muitas situações, de oferecer<br />

elementos para um diagnóstico definitivo. Quando se<br />

considera a recorrência da cardite reumática, esse dilema<br />

diagnóstico se torna ainda mais complexo (1) .<br />

A regurgitação valvar mitral e/ou aórtica representa<br />

a manifestação mais freqüente da cardite reumática,<br />

de tal modo que o acometimento cardíaco é raramente<br />

diagnosticado na ausência dessas manifestações. Assim,<br />

do ponto de vista clínico, o exame físico cardiovascular,<br />

principalmente a ausculta cardíaca, é o principal<br />

método de diagnóstico (2) . Embora o exame físico<br />

cardiovascular seja um método custo-efetivo para a<br />

avaliação de cardiopatias, sua adequada utilização clínica<br />

depende de uma curva de aprendizado prolongada.<br />

Ao mesmo tempo, a mudança do perfil epidemiológico<br />

de acometimento cardiovascular em diversas populações,<br />

em que se identifica declínio na incidência<br />

de afecções valvares, faz com que o aprendizado desse<br />

método diagnóstico fique comprometido e ainda mais<br />

demorado. Paralelamente, verifica-se crescimento expressivo<br />

da chamada “medicina defensiva”, que resulta<br />

da combinação de fatores diversos, incluindo: 1) a<br />

ampla disponibilidade de métodos diagnósticos complementares;<br />

2) a inadequada relação entre planos de<br />

saúde e os médicos a elas vinculados; e 3) a pressão<br />

exercida pelo crescente número de processos judiciais<br />

envolvendo questões de responsabilidade profissional.<br />

Em conjunto, esses elementos contribuem para menor<br />

valorização da semiologia cardiovascular como método<br />

de investigação clínica. Nesse contexto, a Doppler<br />

ecocardiografia, em face de sua ampla disponibilidade<br />

e da elevada sensibilidade na detecção de lesões valvares,<br />

mesmo silentes do ponto de vista clínico, não<br />

estimula o aprimoramento do aprendizado em técnicas<br />

de ausculta cardíaca.<br />

Considerando essas limitações de ordem clínica, torna-se<br />

necessária e inevitável a utilização de métodos<br />

diagnósticos auxiliares para caracterizar o envolvimento<br />

cardíaco da doença. Assim, algumas experiências iniciais<br />

realizadas com marcadores séricos de lesão miocárdica,<br />

como as troponinas (3, 4) , não mostraram resultados<br />

promissores, indicando que o componente de<br />

miocardite é pouco expressivo. Os dados que confirmam<br />

o acometimento valvar como principal responsável<br />

pelas manifestações cardíacas da doença tornam<br />

a Doppler ecocardiografia método essencial para identificação<br />

desse envolvimento, principalmente quando<br />

são considerados seu caráter não-invasivo, a crescente<br />

disponibilidade e o potencial para acompanhamento<br />

evolutivo, ainda que essa técnica seja operador-dependente.<br />

COMPARAÇÃO DA DOPPLER ECOCARDIOGRAFIA<br />

COM O EXAME FÍSICO<br />

A prevalência de cardite clinicamente manifesta é<br />

variável de acordo com a casuística. Embora sejam relatados<br />

valores entre 30% e 40% dos casos, em média,<br />

existem dados mostrando taxas próximas a 90% (5) .<br />

A utilização da Doppler ecocardiografia em pacientes<br />

com manifestações sugestivas de febre reumática, porém<br />

sem manifestações clínicas inequívocas de cardite,<br />

permite identificar alterações funcionais compatíveis<br />

com cardite em 15% a 20% dos casos, que são considerados<br />

subclínicos. Em um estudo multicêntrico, conduzido<br />

no Estado de São Paulo, a prevalência de cardite<br />

atingiu 50,4%, embora se identificasse a presença<br />

de alterações ecocardiográficas em mais de 18,3% do<br />

total de casos, sem que esses pacientes demonstrassem<br />

sinais clínicos evidentes de cardite (5) . Detecção de<br />

alterações ecocardiográficas potencialmente atribuíveis<br />

a uma manifestação aguda de febre reumática, sem<br />

manifestação clínica concomitante de cardite, tem sido<br />

identificada em diversas séries da literatura, com exceção<br />

da série de Vasan e colaboradores (6) , que não<br />

identificou alterações ecocardiográficas no grupo de<br />

pacientes sem manifestações clínicas de cardite. Essa<br />

discrepância tem sido explicada pelo fato de que em<br />

países em desenvolvimento, como a Índia, onde foi<br />

conduzido tal estudo, o comparecimento da população<br />

ao serviço médico, geralmente, é mais tardio. (7) Em<br />

séries conduzidas nos países desenvolvidos, a detecção<br />

é mais precoce, bem como o acesso ao exame<br />

ecocardiográfico, de modo que o seguimento evolutivo<br />

evidencia, naqueles pacientes sem sinais clínicos de<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 41


PAZIN-FILHO A e cols.<br />

Papel da Doppler<br />

ecocardiografia no<br />

diagnóstico e no<br />

prognóstico da febre<br />

reumática aguda<br />

cardite na fase inicial do<br />

quadro, mas apresentando<br />

alguma alteração ecocardiográfica,<br />

o desenvolvimento<br />

mais tardio de manifestações<br />

clínicas, na<br />

maioria desses pacientes.<br />

PAPEL DA DOPPLER<br />

ECOCARDIOGRAFIA<br />

NO DIAGNÓSTICO<br />

DE CARDITE SEM<br />

MANIFESTAÇÕES<br />

CLÍNICAS<br />

Várias alterações morfológicas ou funcionais podem<br />

ser identificadas pela Doppler ecocardiografia em pacientes<br />

com suspeita de febre reumática. Essas alterações<br />

não são específicas da febre reumática, podendo<br />

estar presentes em outras afecções. A detecção dessas<br />

alterações contribui para tornar a hipótese clínica<br />

mais provável, mas nenhum dos achados é patognomônico.<br />

O estudo de Vasan e colaboradores (6) documentou<br />

alterações nodulares nos folhetos valvares que<br />

poderiam representar o equivalente ecocardiográfico<br />

dos característicos nódulos de Aschoff. Esses achados<br />

poderiam ser mais específicos, ao se correlacionarem<br />

com alteração histopatológica reconhecidamente<br />

associada à febre reumática, porém seus achados não<br />

foram reproduzidos em outras séries.<br />

Evidências de pericardite ou derrame pericárdico, espessamento<br />

valvar e a controversa depressão da função<br />

ventricular (3, 8 9) , reportada em estudos mais antigos mas<br />

não confirmada em estudos mais recentes, são alguns<br />

exemplos das alterações ecocardiográficas que podem<br />

ser encontradas, embora a detecção de regurgitações<br />

valvares se constitua no elemento fundamental para o<br />

potencial diagnóstico do método (1, 10, 11) .<br />

A Doppler ecocardiografia com mapeamento de fluxo<br />

em cores é um método muito sensível para a detecção<br />

de regurgitações valvares. O exame permite identificar<br />

regurgitações valvares associadas a pouca expressão<br />

clínica, ainda que se deva registrar seu elevado<br />

potencial para identificação de regurgitações valvares<br />

mínimas, mesmo em valvas estruturalmente normais.<br />

Embora, para regurgitações valvares expressivas,<br />

num contexto clínico compatível, haja uma tendência<br />

natural a caracterizar a febre reumática como<br />

causa dessa regurgitação, a elevada sensibilidade do<br />

método para detecção de regurgitações fisiológicas<br />

coloca em questão a possibilidade de detecção de casos<br />

falsos positivos. Ou seja, quando se suspeita de<br />

cardite reumática como manifestação isolada da febre<br />

reumática em paciente em quem se detecta, no estudo<br />

Doppler ecocardiográfico, a presença de mínima regur-<br />

gitação valvar, como estabelecer a distinção entre uma<br />

regurgitação decorrente de agressão do endocárdio<br />

valvar pela febre reumática e uma regurgitação fisiológica,<br />

silente do ponto de vista clínico, em paciente<br />

manifestando quadro febril associado a outra etiologia?<br />

Essa preocupação influenciou a utilização de critérios<br />

mais específicos para se caracterizar regurgitações patológicas<br />

(Tab. 1) (1, 2, 6, 12, 13) . Minich e colaboradores (14)<br />

avaliaram a capacidade do ecocardiograma em diferenciar<br />

regurgitações patológicas de fisiológicas em 68<br />

pacientes com surto agudo de febre reumática utilizando<br />

os critérios expressos na Tabela 1. Encontraram especificidade<br />

de 94% e valor preditivo positivo de 93%,<br />

o que levou os autores a concluir que o exame pode<br />

realizar essa diferenciação e a sugerir que o método<br />

deveria ser incluído como critério menor para o diagnóstico<br />

de casos suspeitos de febre reumática.<br />

Tabela 1. Critérios Doppler ecocardiográficos utilizados<br />

para definir uma regurgitação valvar como patológica.<br />

1. Presença de jato com mosaico (indicando fluxo caótico<br />

de alta velocidade) em pelo menos duas projeções,<br />

que se estenda além do plano valvar.<br />

2. Fluxo regurgitante detectável durante toda a sístole<br />

(para a regurgitação mitral) e durante toda a diástole<br />

(para a regurgitação aórtica) pelo Doppler pulsátil ou<br />

contínuo.<br />

3. Velocidade do jato regurgitante mensurada pelo Doppler<br />

pulsátil ou contínuo deve atingir valores próximos<br />

dos esperados pela equação de Bernoulli para gradiente<br />

entre o átrio e o ventrículo esquerdos.<br />

Dois outros fatores complicam esse dilema. Em primeiro<br />

lugar, o grau de regurgitação valvar considerado<br />

“normal” aumenta com a idade. Em segundo lugar, desconhece-se<br />

a freqüência e o grau de regurgitação valvar,<br />

sem expressão clínica, que podem ser detectados<br />

em outras afecções que acometem crianças febris,<br />

como miocardite viral, endocardite e lúpus eritematoso<br />

sistêmico. Thomson e colaboradores (15) avaliaram 329<br />

voluntários normais para estudar a prevalência e as<br />

características de regurgitações valvares esquerdas.<br />

Nesse estudo, a regurgitação mitral teve prevalência<br />

de 1,87% dos casos, nunca ocorrendo antes dos 7 anos<br />

de idade e apresentando algumas características particulares:<br />

1) duração holossistólica; 2) curta extensão<br />

(próximo aos folhetos da valva mitral); e 3) área do jato<br />

em torno de 1,4 cm². Por outro lado, a regurgitação<br />

aórtica foi rara. Esses dados confirmam a influência da<br />

idade na avaliação de regurgitação valvar e colocam a<br />

presença de regurgitação mitral como principal fator<br />

42 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


PAZIN-FILHO A e cols.<br />

Papel da Doppler<br />

ecocardiografia no<br />

diagnóstico e no<br />

prognóstico da febre<br />

reumática aguda<br />

complicador no diagnóstico<br />

diferencial com regurgitações<br />

fisiológicas.<br />

O uso de estudos Doppler<br />

ecocardiográficos seriados<br />

tem sido proposto<br />

como alternativa para facilitar<br />

a diferenciação entre<br />

alterações fisiológicas<br />

e alterações patológicas<br />

incipientes. Embora a detecção<br />

de anormalidades<br />

persistentes, envolvimento de múltiplas valvas e progressão<br />

da doença possa ampliar a especificidade dos<br />

achados ecocardiográficos, os estudos seriados podem<br />

retardar o diagnóstico.<br />

IMPACTO DA DETECÇÃO DE<br />

CARDITE SUBCLÍNICA<br />

A presença de manifestações clínicas de cardite reumática<br />

tem impacto sobre a conduta terapêutica, implicando<br />

a indicação de corticosteróides, bem como so-<br />

Tabela 2. Prevalência de cardite clínica e subclínica, tempo de seguimento e persistência das lesões documentadas<br />

pela Doppler ecocardiografia em estudos clínicos que avaliaram a evolução de pacientes com cardite<br />

reumática subclínica no primeiro episódio.<br />

Cardite Cardite Persistência<br />

Estudo n clínica (%) subclínica (%) Seguimento das lesões<br />

Figueroa 35 15 (43%) 10 (29%) 1 (32) e 5 (17) anos 3 em 6 avaliados<br />

e cols. (16) com 5 anos de<br />

evolução (50%)<br />

Hilário 22 8 (36,4%) 2 (14,3%) 3, 6 e 24 meses 3 (60%)<br />

e cols. (17) Fase inicial<br />

5 (35%)<br />

3 meses<br />

Ozkutlu 26 — 14 (53,8%) 1 a 10 meses 10 (71,4%)<br />

e cols. (9) (média 4,52 meses);<br />

seguimento<br />

ecocardiográfico a<br />

cada 2 semanas nos<br />

pacientes com cardite<br />

Lanna 40 70% 2 (16,7%) 8,1 anos ± 0,6 ano 2 (100%)<br />

e cols. (18) Fase inicial (7,7-9,7 anos);<br />

seguimento com<br />

1, 3 e 6 meses<br />

inicialmente e<br />

anualmente após<br />

Ozkutlu 40 — 40 (100%) 18,1 + 13,9 meses 17 (42,5%)<br />

e cols.(19)<br />

n = número de pacientes<br />

bre o prognóstico a longo prazo, uma vez que uma proporção<br />

desses pacientes irá desenvolver lesões valvares<br />

residuais. Já a presença de cardite subclínica tem<br />

implicações terapêuticas e prognósticas menos estabelecidas<br />

e ainda debatidas na literatura.<br />

A análise do impacto prognóstico fica bastante prejudicada,<br />

por um lado, porque múltiplos estudos realizados<br />

na literatura, quando não se dispunha do estudo<br />

Doppler ecocardiográfico, não foram capazes de estabelecer<br />

o diagnóstico de cardite reumática subclínica.<br />

Isso fez com que esses pacientes fossem incluídos no<br />

grupo sem evidências de cardite, mostrando bom prognóstico<br />

durante a evolução. Esse bom prognóstico poderia,<br />

assim, ser, em parte, atribuído à possível resolução<br />

espontânea dessas alterações ecocardiográficas<br />

durante a evolução do quadro, o que tem determinado<br />

o questionamento desses dados (Tab. 2).<br />

Figueroa e colaboradores (16) estudaram 35 pacientes<br />

com diagnóstico de surto agudo de febre reumática<br />

utilizando os critérios modificados de Jones, submetendo-os<br />

a avaliação clínica e Doppler ecocardiográfica.<br />

Esses pacientes foram acompanhados, repetindo<br />

a avaliação com um ano (32 pacientes) e cinco<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 43


PAZIN-FILHO A e cols.<br />

Papel da Doppler<br />

ecocardiografia no<br />

diagnóstico e no<br />

prognóstico da febre<br />

reumática aguda<br />

anos (17 pacientes) de<br />

evolução. Dos pacientes<br />

avaliados inicialmente,<br />

29% apresentavam cardite<br />

subclínica, diagnosticada<br />

pela presença de regurgitação<br />

valvar ou aórtica<br />

utilizando os critérios da<br />

Tabela 1, e essas alterações<br />

ainda estavam presentes<br />

em aproximadamente<br />

50% dos casos ao<br />

final de um ano e cinco anos de evolução. Essa proporção<br />

foi semelhante à encontrada nos casos que se apresentaram<br />

com cardite manifesta clinicamente durante<br />

o surto inicial. Como esse estudo não utilizou os dados<br />

ecocardiográficos para intervenção sobre a conduta do<br />

surto agudo, nem para profilaxia de novos surtos, não<br />

se podem extrair conclusões sobre a importância da<br />

detecção precoce dessas alterações.<br />

Em estudo similar em nosso meio, Hilario e colaboradores<br />

(17) acompanharam 22 pacientes com surto agudo<br />

de febre reumática, diagnosticados pelos critérios<br />

modificados de Jones, que foram submetidos a avaliação<br />

clínico-laboratorial e Doppler ecocardiográfica na<br />

admissão, e no terceiro, no sexto e no vigésimo quarto<br />

meses de evolução. Esses autores observaram cardite<br />

subclínica em 14,3% dos casos na admissão, com aumento<br />

posterior para 35,7% no terceiro mês de evolução<br />

e persistência das alterações encontradas em 60%<br />

dos pacientes no vigésimo quarto mês de acompanhamento.<br />

Ozkutlu e colaboradores (9) realizaram estudo envolvedo<br />

26 pacientes com diagnóstico de surto agudo de<br />

febre reumática pelos critérios modificados de Jones,<br />

sem documentar evidências clínicas de cardite, mas<br />

reportando sinais ecocardiográficos de regurgitação<br />

valvar em 53,8% dos pacientes na fase inicial. Durante<br />

o seguimento médio de 4,52 meses, notou-se persistência<br />

das lesões em 71,4% dos casos. Outro estudo<br />

do mesmo autor (18) , envolvendo o seguimento de 40<br />

pacientes com cardite subclínica por um período de<br />

18,1 + 13,9 meses, documentou persistência das lesões<br />

ecocardiográficas em 42,5% dos casos.<br />

O estudo de Lanna e colaboradores (18) , realizado em<br />

Minas Gerais, é o que dispõe do maior tempo de seguimento.<br />

Foram acompanhados 40 pacientes com diagnóstico<br />

de primeiro surto agudo de febre reumática<br />

de acordo com os critérios de Jones modificados e realizado<br />

o acompanhamento clínico-laboratorial e ecocardiográfico<br />

por um tempo médio de 8,1 + 0,6 anos. É<br />

importante registrar, nesse estudo, a documentação de<br />

espessamento valvar como um achado freqüente en-<br />

tre os pacientes com acometimento cardíaco, clínico<br />

ou subclínico, sugerindo sua inclusão como um fator a<br />

ser observado no diagnóstico diferencial de regurgitações<br />

fisiológicas. Apesar de a cardite subclínica ter sido<br />

documentada em cerca de 16,7%, essa proporção refere-se<br />

a apenas dois pacientes, o que, sem dúvida,<br />

caracteriza uma limitação desse estudo, de tal modo<br />

que a persistência das lesões em 100% dos casos, ao<br />

final do seguimento, pode representar um efeito dessa<br />

limitação.<br />

Considerados em conjunto, esses estudos questionam<br />

a percepção, então prevalente, de que as regurgitações<br />

valvares documentadas nos pacientes com surto<br />

agudo de febre reumática, sem manifestações clínicas<br />

cardíacas, desapareceriam na maioria dos casos durante<br />

a evolução, uma vez que isso não ocorreu em<br />

uma proporção de 40% a 70% dos casos. Estudos englobando<br />

maior número de pacientes e com seguimento<br />

mais prolongado ainda são necessários para se documentar<br />

o real valor diagnóstico e prognóstico desse<br />

método na febre reumática, especialmente nesse<br />

subgrupo de pacientes. Não obstante os autores dos<br />

diversos trabalhos citados argumentem a favor da inclusão<br />

dos achados ecocardiográficos entre os critérios<br />

diagnósticos de febre reumática, a última revisão<br />

dos critérios de Jones (1) , anterior a alguns dos trabalhos<br />

mencionados, frente à luz dos dados disponíveis,<br />

manteve a disposição anterior de não utilizar os dados<br />

ecocardiográficos entre os critérios diagnósticos.<br />

Um impacto clínico potencial da detecção de alterações<br />

ecocardiográficas subclínicas, em pacientes<br />

com suspeita de febre reumática, poderia envolver a<br />

estratégia de profilaxia, uma vez que pacientes com<br />

manifestações cardíacas da doença poderiam receber<br />

indicação de profilaxia por tempo mais prolongado. Embora<br />

a base racional dessa hipótese seja razoável, não<br />

existem evidências suficientes para suportá-la.<br />

CONCLUSÃO<br />

A Doppler ecocardiografia é uma técnica não-invasiva<br />

que vem ampliando seu espectro de indicações na avaliação<br />

diagnóstica e prognóstica dos surtos agudos de febre<br />

reumática. Embora apresente potencial para suprir<br />

as limitações da avaliação clínico-laboratorial, descrita nos<br />

critérios modificados de Jones, existem ainda lacunas na<br />

caracterização ecocardiográfica do envolvimento cardíaco<br />

da febre reumática, especialmente quando se considera<br />

o seguimento a longo prazo. A utilização rotineira da<br />

técnica em casos suspeitos de surto agudo de febre reumática<br />

tem sido recomendada por vários autores na literatura,<br />

muito embora não tenha sido incluída na última<br />

revisão dos critérios de Jones.<br />

44 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


PAZIN-FILHO A e cols.<br />

Papel da Doppler<br />

ecocardiografia no<br />

diagnóstico e no<br />

prognóstico da febre<br />

reumática aguda<br />

REFERÊNCIAS<br />

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with acute rheumatic carditis. Cardiol Young.<br />

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the state of Sao Paulo. Pediatric Committee — Sao<br />

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Lister BC, Narula J. Echocardiographic evaluation<br />

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carditis. Circulation. 1996;94:73-82.<br />

7. Vijaykumar M, Narula J, Reddy KS, Kaplan EL. Incidence<br />

of rheumatic fever and prevalence of rheumatic<br />

heart disease in India. Int J Cardiol.<br />

ROLE OF THE DOPPLER ECHOCARDIOGRAPHY<br />

IN THE EVALUATION OF PATIENTS<br />

WITH ACUTE RHEUMATIC FEVER<br />

ANTONIO PAZIN-FILHO, ANDRÉ SCHMIDT, MINNA MOREIRA DIAS ROMANO,<br />

OSWALDO CÉSAR DE ALMEIDA FILHO, BENEDITO CARLOS MACIEL<br />

Cardiac involvement in rheumatic fever is the sole clinical manifestation which<br />

implies in sequela and it is responsible for the disease high morbidity and mortality.<br />

Doppler echocardiography contributes for the differential diagnosis, evaluate the extension<br />

of the cardiac involvement and helps in surgical indication and follow up.<br />

Nevertheless, the characterization of subclinical involvement is controversial. This<br />

revision looks forward to characterize the potential role of the Doppler echocardiography<br />

in the evaluation of patients with acute rheumatic fever.<br />

Key words: rheumatic fever, Doppler echocardiography, diagnosis.<br />

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:40-6)<br />

RSCESP (72594)-1506<br />

1994;43:221-8.<br />

8. Panamonta M, Chaikitpinyo A, Kaplan EL, Pantongwiriyakul<br />

A, Tassniyom S, Sutra S. The relationship<br />

of carditis to the initial attack of Sydenham’s chorea.<br />

Int J Cardiol. 2004;94:241-8.<br />

9. Ozkutlu S, Ayabakan C, Saraclar M. Can subclinical<br />

valvitis detected by echocardiography be accepted<br />

as evidence of carditis in the diagnosis of acute rheumatic<br />

fever? Cardiol Young. 2001;11:255-60.<br />

10. Narula J, Kaplan EL. Echocardiographic diagnosis<br />

of rheumatic fever. Lancet. 2001;358:2000.<br />

11. Ravisha MS, Tullu MS, Kamat JR. Rheumatic fever<br />

and rheumatic heart disease: clinical profile of 550<br />

cases in India. Arch Med Res. 2003;34:382-7.<br />

12. Wilson NJ, Neutze JM. Echocardiographic diagnosis<br />

of subclinical carditis in acute rheumatic fever.<br />

Int J Cardiol. 1995;50:1-6.<br />

13. Veasy LG. Time to take soundings in acute rheumatic<br />

fever. Lancet. 2001;357:1994-5.<br />

14. Minich LL, Tani LY, Pagotto LT, Shaddy RE, Veasy<br />

LG. Doppler echocardiography distinguishes between<br />

physiologic and pathologic “silent” mitral regurgitation<br />

in patients with rheumatic fever. Clin Cardiol.<br />

1997;20:924-6.<br />

15. Thomson JDR, Allen J, Gibbs JL. Left sided valvar<br />

regurgitation in normal children and adolescents. He-<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 45


PAZIN-FILHO A e cols.<br />

Papel da Doppler<br />

ecocardiografia no<br />

diagnóstico e no<br />

prognóstico da febre<br />

reumática aguda<br />

art. 2000;83:185-7.<br />

16. Figueroa FE, Fernandez<br />

MS, Valdes P, et al.<br />

Prospective comparison of<br />

clinical and echocardiographic<br />

diagnosis of rheumatic<br />

carditis: long term follow<br />

up of patients with subclinical<br />

disease. Heart.<br />

2001;85:407-10.<br />

17. Hilario MO, Andrade<br />

JL, Gasparian AB, Carvalho AC, Andrade CT, Len<br />

CA. The value of echocardiography in the diagnosis<br />

and follow-up of rheumatic carditis in children and<br />

adolescents: a 2 year prospective study. J Rheumatol.<br />

2000;27:1082-6.<br />

18. Lanna CC, Tonelli E, Barros MV, Goulart EM, Mota<br />

CC. Subclinical rheumatic valvitis: a long-term follow-up.<br />

Cardiol Young. 2003;13:431-8.<br />

19. Ozkutlu S, Hallioglu O, Ayabakan C. Evaluation of<br />

subclinical valvar disease in patients with rheumatic<br />

fever. Cardiol Young. 2003;13:495-9.<br />

46 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


KISS MHB<br />

Tratamento clínico da<br />

febre reumática<br />

INTRODUÇÃO<br />

Uma vez estabelecido o diagnóstico de febre reumática,<br />

a terapêutica envolve três fases que, de modo<br />

geral, são realizadas de forma simultânea:<br />

— profilaxia primária ou erradicação do foco;<br />

— tratamento sintomático;<br />

— profilaxia secundária ou prevenção das recorrências.<br />

PROFILAXIA PRIMÁRIA OU ERRADICAÇÃO<br />

DO FOCO<br />

TRATAMENTO CLÍNICO DA <strong>FEBRE</strong> <strong>REUMÁTICA</strong><br />

MARIA HELENA B. KISS<br />

Departamento de Pediatria —<br />

Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo<br />

Endereço para correspondência: Rua Itápolis, 1624 — CEP 01245-000 —<br />

São Paulo — SP<br />

O tratamento de pacientes com febre reumática compreende três fases: a profilaxia<br />

primária ou erradicação dos estreptococos da orofaringe, o tratamento sintomático das<br />

manifestações clínicas, e a profilaxia secundária ou prevenção de novos surtos. Para a<br />

profilaxia primária, a droga de escolha é a penicilina; em pacientes alérgicos à penicilina,<br />

a primeira opção é a eritromicina. As vantagens da penicilina benzatina são enfatizadas<br />

e a utilização de outros antibióticos como as cefalosporinas e azitromicina deve ser<br />

evitada, pelo risco de desenvolvimento de resistência bacteriana. A artrite da febre reumática<br />

deve ser tratada com antiinflamatórios não-hormonais, como o ácido acetilsalicílico<br />

e o naproxeno, durante quatro a seis semanas. A cardite deve ser tratada com<br />

prednisona na dose inicial de 2 mg/kg/dia, com reduções progressivas, dependentes da<br />

evolução, até completar 12 semanas. O uso de corticosteróides por via oral ou parenteral<br />

e de gamaglobulina não interfere no prognóstico da cardite. Para o tratamento da<br />

coréia utilizam-se o haloperidol ou os valproatos. Os barbitúricos, a prednisona em altas<br />

doses e a carbamazepina apresentam eficácias comparáveis. A profilaxia secundária<br />

deve ser realizada com a penicilina benzatina e, nos casos de alergia à penicilina, com<br />

a sulfadiazina ou a eritromicina. Doses de 1.200.000 U devem ser recomendadas e<br />

administradas a cada três semanas. A profilaxia secundária deve se estender até os 18<br />

anos ou, no mínimo, durante cinco anos em pacientes sem cardite. A presença de cardite<br />

indica a profilaxia durante a vida inteira ou pelo menos até os 25 anos e no mínimo<br />

durante dez anos.<br />

Palavras-chave: profilaxia primária, artrite, cardite, coréia, profilaxia secundária.<br />

O objetivo da profilaxia primária é erradicar o es-<br />

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:53-60)<br />

RSCESP (72594)-1508<br />

treptococo beta-hemolítico da orofaringe do paciente<br />

com febre reumática. Para tanto é necessária a utilização<br />

de um antibiótico com eficácia clínica e bacteriológica<br />

comprovada, utilizado em regime terapêutico de<br />

fácil aderência, com baixo custo, espectro de atividade<br />

adequado e efeitos colaterais mínimos. É importante<br />

enfatizar que nenhum antibiótico isoladamente erradica<br />

o estreptococo da orofaringe de 100% dos pacientes<br />

tratados (1-4) .<br />

Levando em conta os aspectos acima mencionados,<br />

o antibiótico de escolha para a profilaxia primária<br />

ainda é a penicilina e nos casos de alergia, a eritromicina<br />

permanece como primeira alternativa (Tab. 1).<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 53


KISS MHB<br />

Tratamento clínico da<br />

febre reumática<br />

Ambos os antibióticos devem<br />

estar presentes em níveis<br />

tissulares adequados<br />

durante dez dias para a obtenção<br />

de taxas máximas<br />

de cura (erradicação do estreptococo<br />

da orofaringe).<br />

A penicilina benzatina<br />

em dose única, intramuscular,<br />

é suficiente para a erradicação<br />

do estreptococo da<br />

Tabela 1. Profilaxia primária da febre reumática (2, 5) .<br />

— interferência bacteriana — antibióticos orais, em especial<br />

a penicilina V, podem alterar a flora bacteriana normal<br />

da orofaringe, cujo equilíbrio (por exemplo, presença<br />

do Streptococcus viridans) parece ser importante<br />

na defesa contra o estreptococo.<br />

Apesar desses fatos, o uso continuado da penicilina<br />

nos últimos 40 anos não se acompanhou de aumento da<br />

taxa de falhas bacteriológicas e os escapes bacteriológicos<br />

observados após tratamento com penicilina não estiveram<br />

associados a complicações supurativas ou nãosupurativas<br />

(8) .<br />

Droga Dose Duração<br />

Penicilina benzatina 600.000 (≤ 25 kg) Única<br />

(intramuscular) 1.200.000 (> 25 kg)<br />

OU<br />

Penicilina V oral 250 mg 2-3 x dia (≤ 25 kg) 10 dias<br />

500 mg 2-3 x dia (> 25 kg)<br />

Para indivíduos alérgicos à penicilina<br />

Estolato de eritromicina 20-40 mg/kg/dia, 2-4 x dia 10 dias<br />

(oral) (máximo — 1g)<br />

Etilsucinato de eritromicina 40 mg/kg/dia, 2-4 x dia 10 dias<br />

(oral) (máximo — 1g)<br />

orofaringe, com custo extremamente acessível. Infelizmente,<br />

os temores às reações de hipersensibilidade (de modo<br />

geral, superdimensionados e infundados), a administração<br />

parenteral bastante dolorosa da medicação e o surgimento<br />

de novos antibióticos determinaram a acentuada<br />

diminuição de sua indicação pelos médicos e de sua<br />

aceitação pelos pacientes e seus familiares (5) .<br />

A lidocaína a 1% utilizada como diluente para administração<br />

da penicilina benzatina não modifica sua concentração<br />

sérica e reduz de maneira significativa a dor<br />

local (6) .<br />

Outras penicilinas orais, como a ampicilina e a amoxicilina<br />

isolada ou associada ao ácido clavulânico, administradas<br />

durante dez dias apresentam eficácias iguais ou<br />

superiores às da penicilina V em relação à erradicação<br />

do estreptococo.<br />

Recentemente, alguns fatores vêm sendo identificados<br />

como responsáveis por casos de respostas inadequadas<br />

ao uso das penicilinas (7) :<br />

— inativação da penicilina por bactérias produtoras de<br />

betalactamase — o Staphylococcus aureus, o Bacteroides<br />

fragilis e, mais recentemente, a Moraxella catarrhalis<br />

são exemplos importantes de bactérias da<br />

orofaringe produtoras de betalactamase;<br />

Outros antibióticos, como as cefalosporinas e os macrolídeos<br />

(claritromicina, azitromicina), vêm sendo propostos<br />

como alternativas às penicilinas (9-11) . Alguns estudos<br />

demonstram eficácias adequadas na erradicação do<br />

estreptococo da orofaringe com cursos de cinco dias de<br />

cefdimir, cefpodoxime e azitromicina (1, 12, 13) . Esses antibióticos,<br />

porém, não devem ser considerados como drogas<br />

de primeira escolha para a profilaxia primária. São drogas<br />

de custos elevados, com efeitos colaterais freqüentes,<br />

especialmente para o trato gastrointestinal, e cujo uso<br />

indiscriminado pode levar ao rápido aumento da resistência<br />

bacteriana, o que já vem ocorrendo com a azitromicina,<br />

ampliando as dificuldades para o tratamento de pacientes<br />

alérgicos à penicilina.<br />

Antibióticos bacteriostáticos como cloranfenicol, tetraciclinas<br />

e sulfas não erradicam o estreptococo da orofaringe,<br />

e, portanto, não são indicados para a profilaxia primária.<br />

Concluindo, a penicilina benzatina mantém-se como<br />

a melhor opção para a profilaxia primária da febre reumática;<br />

quando sua utilização não for possível pelas várias<br />

razões citadas anteriormente, é importante que a escolha<br />

seja direcionada para antibióticos bactericidas para o<br />

estreptococo, com espectros de ação reduzidos (menor<br />

54 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


KISS MHB<br />

Tratamento clínico da<br />

febre reumática<br />

possibilidade de surgimento<br />

de resistência bacteriana),<br />

boa tolerância, esquema<br />

posológico confortável e<br />

baixo custo.<br />

Contactantes domiciliares<br />

de um caso de febre<br />

reumática devem ser submetidos<br />

a cultura de orofaringe<br />

e tratados quando o<br />

resultado for positivo. Muitas<br />

vezes, pela dificuldade<br />

em realizar culturas, a profilaxia primária é recomendada<br />

para todos os contactantes domiciliares, especialmente<br />

crianças em idade escolar e adolescentes (2, 4) .<br />

Amigdalectomia não tem indicação em pacientes reumáticos<br />

com o objetivo de diminuir a freqüência das infecções<br />

estreptocócicas e, portanto, as recorrências da<br />

febre reumática (2) .<br />

TRATAMENTO SINTOMÁTICO<br />

Terapêutica antiinflamatória<br />

Antiinflamatórios não-hormonais<br />

De forma geral, os antiinflamatórios não-hormonais<br />

são excelentes para o controle da febre e da artrite e suas<br />

indicações na febre reumática estão limitadas aos casos<br />

que não apresentam evidências de cardite, uma vez que<br />

na presença de envolvimento cardíaco existe indicação<br />

ao uso de corticosteróide, tornando desnecessária a introdução<br />

simultânea de antiinflamatório não-hormonal.<br />

O ácido acetilsalicílico costuma ter efeito dramático<br />

na inflamação articular, com desaparecimento dos sinais<br />

e sintomas em 24 a 48 horas. Outros antiinflamatórios<br />

não-hormonais, como o naproxeno, parecem ser seguros<br />

e igualmente eficazes. (14)<br />

É nossa experiência que a poliartrite migratória característica<br />

da febre reumática responde muito bem ao uso<br />

de ácido acetilsalicílico ou naproxeno, com melhora rápida<br />

do processo inflamatório. No entanto, os quadros articulares<br />

atípicos, mais prolongados, também observados<br />

na febre reumática, podem não responder adequadamente<br />

aos salicilatos e ao naproxeno, constatando-se melhores<br />

resultados com o uso de indometacina (Tab. 2).<br />

Crianças com quadros articulares mal caracterizados,<br />

em fases muito iniciais, poderão ser tratadas com analgésicos,<br />

como o acetaminofen, de modo a permitir melhor<br />

caracterização do quadro articular e, conseqüentemente,<br />

diagnóstico e tratamento mais adequados.<br />

Como os antiinflamatórios não-hormonais são sintomáticos<br />

e não interferem no curso da febre reumática, a<br />

duração do tratamento deve ser estimada de modo a cobrir<br />

o período de atividade da doença, em geral, com duração<br />

de seis a 12 semanas (15) . Na ausência de cardite, o<br />

tratamento com antiinflamatório não-hormonal deve ser<br />

mantido por seis semanas, mas poderá ser diminuído<br />

desde que as provas de atividade inflamatória (proteína<br />

C-reativa e velocidade de hemossedimentação) estejam<br />

normais.<br />

CORTICOSTERÓIDES<br />

Utilizados em todas as crianças com comprometimento<br />

cardíaco. O corticosteróide de escolha é habitualmente a<br />

prednisona, utilizada inicialmente em dose alta e fracionada.<br />

Com a melhora dos sintomas e/ou tendência à normalização<br />

das provas de atividade inflamatória (aproximadamente<br />

duas semanas), passa-se para dose única<br />

pela manhã até completar um mês; a seguir, inicia-se redução<br />

lenta até a retirada completa da droga em cerca<br />

de 12 semanas, tempo médio de duração do surto de<br />

cardite.<br />

O uso de corticosteróide para o tratamento da febre<br />

reumática é antigo (16) e, ao longo dos anos, vários estudos<br />

prospectivos (17) ou baseados em análises de bancos<br />

de dados (18) não conseguiram demonstrar superioridade<br />

evidente dos corticóides em reduzir o risco de lesão valvar<br />

ou a duração da doença aguda. Sua utilização na<br />

cardite prende-se a sua ação como antiinflamatório de<br />

alta potência, existindo estudos que sugerem o uso de<br />

antiinflamatórios não-hormonais (ácido acetilsalicílico)<br />

para os casos de cardites leves, com bons resultados (19) .<br />

A pulsoterapia com metilprednisolona, na dose de 30<br />

mg/kg/dose, máximo de 1 g, por três a quatro dias consecutivos<br />

e eventual repetição, vem sendo utilizada para o<br />

tratamento das cardites graves. E apesar da melhora laboratorial<br />

não diferir da observada com o uso de prednisona,<br />

a melhora clínica parece ser mais rápida e o período<br />

de internação hospitalar menor (20) .<br />

O uso de gamaglobulina por via endovenosa para o<br />

tratamento da cardite apresenta resultados semelhantes<br />

aos observados com os corticosteróides e a exemplo<br />

destes não reduz o risco de lesão cardíaca em seguimentos<br />

de um ano (21) . Para crianças com comprometimento<br />

cardíaco, orienta-se o repouso no leito ou a limitação<br />

das atividades físicas, por períodos variáveis (um a<br />

seis meses), dependendo da gravidade da cardite.<br />

Diuréticos, digitálicos, e restrição tanto hídrica como<br />

sódica poderão ser necessários em casos de insuficiência<br />

cardíaca.<br />

TRATAMENTO DA CORÉIA<br />

Pacientes com coréia devem ser mantidos em ambientes<br />

tranqüilos, com poucos estímulos externos.<br />

Várias drogas, como tranqüilizantes e sedativos, poderão<br />

ser utilizadas de forma isolada ou em associação.<br />

Em nossa experiência, o haloperidol é a melhor opção<br />

terapêutica no controle sintomático dos movimen-<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 55


KISS MHB<br />

Tratamento clínico da<br />

febre reumática<br />

tos coréicos, com melhora<br />

clínica após 5,6 dias em<br />

média e desaparecimento<br />

dos sinais em 37 dias (22) ,<br />

permitindo à criança o retorno<br />

mais rápido às atividades<br />

diárias. Apesar de<br />

não serem observadas reações<br />

graves ou irreversíveis<br />

associadas ao uso de<br />

Tabela 2. Tratamento sintomático das manifestações clínicas da febre reumática.<br />

Manifestação Tratamento Duração*<br />

Artrite Ácido acetilsalicílico: 80 mg/kg/dia a 4-6 semanas<br />

100 mg/kg/dia, via oral, 6 h/6 h, ou<br />

Naproxeno: 15 mg/kg/dia, 4-6 semanas<br />

via oral, 12 h/12 h, ou<br />

Indometacina: 2 mg/kg/dia a 4-6 semanas<br />

3 mg/kg/dia, via oral, 6 h/6 h<br />

Cardite Prednisona:<br />

— 1 mg/kg/dia a 2 mg/kg/dia, 2 semanas**<br />

via oral, 6 h/6 h<br />

A seguir<br />

— 1 mg/kg/dia a 2 mg/kg/dia, 2 semanas<br />

via oral, dose única<br />

A seguir<br />

— redução gradual (+ 20% por 8 semanas<br />

semana) até suspensão<br />

Coréia Haloperidol: iniciar com 2 mg/dia, 8-12 semanas<br />

via oral, 12 h/12 h. Na ausência de<br />

resposta após 72 h, aumentar<br />

1 mg/dia até 4-6 mg/dia. Cautela<br />

com sinais de impregnação, ou<br />

Ácido valpróico: 20 mg/kg/dia a 8-12 semanas<br />

40 mg/kg/dia, via oral, 6 h/6 h<br />

ou 8 h/8 h, ou<br />

Fenobarbital: 5 mg/kg/dia a 8-12 semanas<br />

7 mg/kg/dia, via oral, 6 h/6 h ou 8 h/8 h<br />

* A duração total do tratamento poderá variar, dependendo do quadro clínico e das provas de atividade inflamatória.<br />

** Duração total do tratamento da cardite = 12 semanas.<br />

haloperidol, é preciso ter cautela na sua administração.<br />

E quando doses superiores a 5 mg/dia forem necessárias,<br />

é recomendável a monitorização contínua<br />

em ambiente hospitalar, pelos riscos de impregnação.<br />

O ácido valpróico pode ser uma alternativa terapêutica<br />

válida para crianças que apresentem toxicidade ou<br />

que não podem ser supervisionadas durante a admi-<br />

nistração do haloperidol. O tempo de resposta é discretamente<br />

maior e apesar da possível hepatotoxicidade,<br />

em geral, nenhuma complicação importante está<br />

associada ao uso da droga (5) .<br />

Carbamazepina na dose de 4 mg/kg/dia a 10 mg/<br />

kg/dia acompanhou-se de melhora clínica evidente após<br />

dois a 14 dias, com desaparecimento da coréia em duas<br />

a 12 semanas e duração total do tratamento de um a<br />

15 meses, desacompanhada de efeitos colaterais (23) .<br />

O uso de prednisona em altas doses (2 mg/kg/dia)<br />

durante quatro semanas em crianças com coréia mostrou-se<br />

eficaz na redução da intensidade e da duração<br />

dos sintomas, mas não impediu as recidivas (24) .<br />

PROFILAXIA SECUNDÁRIA<br />

Independentemente da gravidade do surto inicial,<br />

56 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


KISS MHB<br />

Tratamento clínico da<br />

febre reumática<br />

pacientes portadores de<br />

febre reumática apresentam<br />

riscos elevados (20%<br />

a 50%) de recorrência da<br />

doença após infecções estreptocócicas<br />

de orofaringe.<br />

Novos surtos de atividade<br />

da doença poderão<br />

agravar lesões cardíacas<br />

preexistentes ou propiciar<br />

seu surgimento, razão<br />

pela qual a profilaxia se-<br />

cundária é obrigatória e seu objetivo básico é prevenir<br />

o aparecimento de infecções estreptocócicas de orofaringe<br />

e, portanto, impedir as recorrências de febre reumática<br />

(3, 15) .<br />

Há cerca de 40 anos, a droga de escolha para a<br />

profilaxia secundária é a penicilina benzatina, por ser<br />

a que fornece proteção mais efetiva contra a faringoamigdalite<br />

estreptocócica e contra recorrências de febre<br />

reumática, quando comparada a outras drogas,<br />

como, por exemplo, a penicilina oral ou a sulfadiazina (2, 15) .<br />

Dúvidas quanto a intervalos de administração da<br />

droga, dose e duração da profilaxia vêm sendo discutidas<br />

ao longo dos anos e várias controvérsias persistem.<br />

O estreptococo beta-hemolítico do grupo A apresenta<br />

sensibilidade elevada e mantida a níveis muito<br />

baixos de penicilina, não havendo descrição do surgimento<br />

de cepas resistentes na atualidade. Para uma<br />

profilaxia secundária adequada, os níveis séricos de<br />

penicilina benzatina devem ser mantidos acima de 0,02<br />

µg/ml.<br />

Com a utilização de 1.200.000 U de penicilina benzatina<br />

a cada quatro semanas, a taxa de recorrência<br />

da febre reumática situa-se entre 5% e 8% em seguimentos<br />

de cinco a seis anos, sendo esta a principal<br />

razão para a Organização Mundial da Saúde e a Associação<br />

Americana de Cardiologia recomendarem o uso<br />

de penicilina benzatina a cada três semanas para o<br />

tratamento profilático da febre reumática, em países<br />

Tabela 3. Profilaxia secundária ou prevenção das recorrências de febre reumática.<br />

em desenvolvimento, como o Brasil (2, 3, 25) (Tab. 3).<br />

Vários estudos (26-32) corroboram essa orientação, demonstrando<br />

de forma inegável a superioridade do esquema<br />

a cada três semanas quando comparado ao de<br />

quatro semanas.<br />

Alguns estudos (33, 34) propostos para avaliar a farmacocinética<br />

da penicilina benzatina determinaram os níveis<br />

séricos da droga nos dias 1, 3, 10, 21 e 28 após<br />

injeção intramuscular de 1.200.000 U, demonstrando<br />

que após três semanas os níveis séricos eram iguais<br />

ou superiores a 0,02 µg/ml em todos os pacientes e<br />

após quatro semanas, em apenas 44%.<br />

Comparações entre esquemas de duas e de quatro<br />

semanas mostram taxas de infecções estreptocócicas<br />

de orofaringe semelhantes nos dois grupos e taxas de<br />

recorrências da febre reumática de 0,06 paciente/ano<br />

e 0,12 paciente/ano, respectivamente (35) . Esse estudo<br />

não incluiu o esquema de três semanas para análise<br />

comparativa.<br />

Em nossa experiência, a comparação, durante cinco<br />

anos, entre os intervalos de duas e de três semanas<br />

para a profilaxia secundária não mostrou diferenças<br />

quanto às taxas de recorrência da febre reumática.<br />

Estudos preliminares demonstraram que com uma<br />

única injeção intramuscular de 600.000 U, níveis séricos<br />

baixos de penicilina poderiam ser detectados por<br />

10 a 14 dias, e que com doses de 1.200.000 U os níveis<br />

séricos persistiam por três a quatro semanas (29) .<br />

Vários outros estudos também demonstram que os<br />

níveis séricos da penicilina benzatina e mesmo a manutenção<br />

desses níveis variam segundo a dose de penicilina<br />

administrada (29, 36, 37) , referindo-se que com doses<br />

de 1.800.000 ou 2.400.000, níveis séricos adequados<br />

poderiam ser mantidos mesmo após quatro semanas.<br />

Com base nesses estudos, sugere-se que a dose<br />

preconizada de penicilina benzatina deva ser de pelo<br />

menos 1.200.000 U, mesmo para crianças, porque as<br />

crianças com febre reumática são, em sua maioria, escolares<br />

com pesos superiores a 25 kg, ressaltando-se<br />

que o cálculo da dose de penicilina para crianças é de<br />

Droga Dose Administração<br />

Penicilina benzatina 1.200.000 U Intramuscular a cada<br />

três semanas<br />

Penicilina V 250 mg 2x dia Oral, diária<br />

Para indivíduos alérgicos à penicilina<br />

Sulfadiazina 500 mg/dia (< 27 kg) Oral, diária<br />

1 g/dia (> 27 kg)<br />

Eritromicina 250 mg 2x dia Oral, diária<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 57


KISS MHB<br />

Tratamento clínico da<br />

febre reumática<br />

50.000 U/kg.<br />

A duração da profilaxia<br />

secundária baseia-se principalmente<br />

na presença<br />

ou na ausência de cardite.<br />

Segundo a Associação<br />

Americana de Cardiologia,<br />

pacientes que tiveram cardite<br />

devem manter a profilaxia<br />

durante a vida inteira<br />

e aqueles que não tiveram<br />

cardite devem manter a<br />

profilaxia até 18 anos e pelo menos durante cinco anos<br />

após o último surto (2, 3) .<br />

Pacientes com regurgitação mitral leve ou cardite<br />

curada e baixo risco de contato com o estreptococo<br />

poderão suspender a profilaxia com 25 anos e após 10<br />

anos do último surto (38) .<br />

Dessa forma, a duração da profilaxia secundária é<br />

sempre prolongada e sua eventual suspensão deve<br />

levar em conta os fatores de risco de recorrência de<br />

cada paciente (idade, risco profissional de exposição<br />

ao estreptococo, condições socioeconômicas, etc.), a<br />

presença de cardite e sua gravidade, e, ainda, o fato<br />

de as recorrências ocorrerem principalmente nos cinco<br />

primeiros anos após o surto da doença (8, 15, 39) .<br />

A profilaxia secundária realizada com penicilina oral<br />

ou outras drogas, como as sulfas e a eritromicina, em<br />

geral não apresenta boa eficácia, basicamente pelas<br />

baixas taxas de aderência. Contudo, mesmo com boa<br />

aderência, o risco de recorrência é maior com a profilaxia<br />

oral, habitualmente não recomendada.<br />

A baixa aderência ao tratamento parece ser a principal<br />

causa de recorrência da febre reumática. Alguns<br />

fatores de risco devem ser considerados (15) :<br />

— adolescência;<br />

— data do último surto (quanto maior o intervalo de<br />

tempo após o surto, menor a aderência);<br />

— baixo nível socioeconômico;<br />

— baixo nível cultural da família;<br />

— ausência de hospitalização no surto agudo;<br />

— comparecimento às consultas médicas desacompanhado<br />

dos pais ou responsáveis.<br />

PROFILAXIA DA ENDOCARDITE BACTERIANA<br />

Procedimentos cirúrgicos ou dentários em pacientes<br />

com cardiopatia reumática devem ser acompanhados<br />

por doses suplementares de antibióticos. As recomendações<br />

variam de acordo com o procedimento e<br />

com a idade do paciente. Para a profilaxia do Streptococcus<br />

viridans, responsável por 50% a 75% das infecções<br />

endocárdicas, recomenda-se a utilização da<br />

amoxicilina uma hora antes e seis horas após o procedimento<br />

(2, 40) .<br />

ALERGIA À PENICILINA<br />

Alergia à penicilina é rara. Estudos em populações<br />

militares demonstram incidências de 0,8%, sendo as<br />

reações em crianças ainda mais raras (2-4) . O Grupo Internacional<br />

de Estudos em Febre Reumática coloca a<br />

freqüência de reações alérgicas à penicilina benzatina<br />

em 3,2% e a anafilaxia em 0,2%, considerando ainda<br />

que reações alérgicas graves são raras em pacientes<br />

em profilaxia prolongada e os benefícios sempre superam<br />

os riscos (41) . Na ausência de reações após a primeira<br />

aplicação de penicilina benzatina, a presença de<br />

reações à segunda dose é extremamente rara, quando<br />

esta for administrada um a dois meses após a dose<br />

anterior.<br />

Testes cutâneos para detecção de alergia à penicilina<br />

costumam ser inadequados, pela não utilização<br />

dos determinantes antigênicos primários ou mesmo<br />

secundários da penicilina e, ainda, por erros técnicos.<br />

A utilização prévia de penicilina pelo paciente<br />

e a informação de alergia nos familiares são dados<br />

importantes na caracterização da provável alergia e<br />

a primeira aplicação da penicilina benzatina deve ser<br />

realizada em local com disponibilidade de recursos<br />

para atendimento imediato de reações alérgicas graves.<br />

58 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


KISS MHB<br />

Tratamento clínico da<br />

febre reumática<br />

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CLINICAL TREATMENT OF RHEUMATIC FEVER<br />

MARIA HELENA B. KISS<br />

Treatment of rheumatic fever patients involves three phases: primary prophylaxis<br />

or eradication of streptococcus from throat, symptomatic treatment of clinical features,<br />

and secondary prophylaxis or prevention of recurrences. For primary prophylaxis,<br />

penicillin is the drug of choice and in cases of allergy, erythromicin is the first<br />

option. The advantages of benzathine penicillin G are emphasized and the utilization<br />

of cephalosporins or azithromycin should be avoided for the risk of increasing resistance.<br />

Rheumatic fever arthritis should be treated with non steroidal anti-inflammatory<br />

drugs, such as acetil-salycilic acid or naproxen for four to six weeks. Carditis<br />

should be treated with prednisone, at initial dosis of 2 mg/kg/day with progressive<br />

reductions based on evolutive parameters until 12 weeks . Oral or parenteral corticosteroids<br />

and gamaglobulin don’t seem to affect carditis prognosis. Chorea treatment<br />

is based on the use of haloperidol or valproates. Barbiturics, high dosis of<br />

prednisone and carbazepine present similar results. Secondary prophylaxis should<br />

be performed with benzathine penicillin G and, in cases of allergy, with sulfadiazine<br />

or erythromycin. Dosis of 1 200 000 U should be recommended each three weeks,<br />

until 18 years and for a minimum of five years in patients without carditis. In the<br />

presence of carditis, prophylaxis should be recommended for life or at least until 25<br />

years or 10 years after the rheumatic fever attack.<br />

Key words: primary prophylaxis, arthritis, carditis, chorea, secondary prophylaxis.<br />

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:53?-60)<br />

RSCESP (72594)-1508<br />

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 59


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Tratamento clínico da<br />

febre reumática<br />

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60 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


DIÓGENES MSB<br />

e col.<br />

Cardite reumática:<br />

peculiaridades<br />

diagnósticas e<br />

terapêuticas<br />

INTRODUÇÃO<br />

A febre reumática é uma doença sistêmica, do tecido<br />

conjuntivo, de natureza inflamatória, não-supurativa,<br />

desencadeada em geral uma a duas semanas após<br />

infecção da orofaringe pelo estreptococo ß-hemolítico<br />

do grupo A de Lancefield nos indivíduos suscetíveis.<br />

Caracteriza-se pela inflamação transitória e recorrente<br />

CARDITE <strong>REUMÁTICA</strong>: PECULIARIDADES<br />

DIAGNÓSTICAS E TERAPÊUTICAS<br />

MARIA SUELY BEZERRA DIÓGENES, ANTÔNIO CARLOS CARVALHO<br />

Escola Paulista de Medicina — Universidade Federal de São Paulo<br />

Endereço para correspondência: Rua Napoleão de Barros, 715 —<br />

Vila Clementino — CEP 04024-002 — São Paulo — SP<br />

A febre reumática é uma doença sistêmica inflamatória, não-supurativa, do tecido<br />

conjuntivo, de natureza auto-imune, desencadeada por infecção da orofaringe<br />

pelo estreptococo ß-hemolítico do grupo A de Lancefield em indivíduos suscetíveis.<br />

Dentre os órgãos que podem ser acometidos inicialmente pela doença, o coração é<br />

o único que pode evoluir com seqüela. Reconhecida como uma doença dos países<br />

em desenvolvimento, ainda representa para os brasileiros um dos mais sérios problemas<br />

de saúde pública, sendo a principal responsável pelas admissões hospitalares<br />

decorrentes de problemas cardiovasculares em indivíduos com menos de 40<br />

anos de idade. A cardite reumática manifesta-se cerca de quatro semanas após o<br />

surto infeccioso e pode variar amplamente em sua manifestação clínica, desde as<br />

formas inaparentes até repercussões hemodinâmicas graves, com insuficiência cardíaca<br />

congestiva refratária ao tratamento habitual. A cardite subclínica representa o<br />

principal desafio diagnóstico, uma vez que pode passar despercebida e resultar em<br />

seqüelas cardíacas importantes. As provas laboratoriais inespecíficas não auxiliam<br />

na diferenciação com outras doenças inflamatórias de etiologia imunológica. Por<br />

outro lado, não existe cardite em atividade sem provas laboratoriais alteradas. Dos<br />

exames complementares, o ecocardiograma Doppler, aliado à clínica, desempenha<br />

o papel mais importante no diagnóstico e sua inclusão nos critérios diagnósticos de<br />

Jones está sendo universalmente cogitado. Quanto ao tratamento, a erradicação<br />

primária e a prevenção da estreptococcia com penicilina benzatina ainda representam<br />

os meios mais eficazes no controle da doença. A corticoterapia oral com prednisona<br />

continua sendo o tratamento de escolha da cardite. A pulsoterapia com metilprednisolona<br />

é uma alternativa de tratamento para os casos graves, refratários ao<br />

corticóide oral.<br />

Palavras-chave: febre reumática, cardite, ecocardiografia, corticosteróides.<br />

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:71-8)<br />

RSCESP (72594)-1510<br />

em diversos órgãos como coração, articulações, pele,<br />

tecido celular subcutâneo e sistema nervoso central.<br />

Entretanto, a cardite é a única manifestação que pode<br />

levar a danos permanentes. O diagnóstico de febre reumática<br />

constitui um grande desafio para cardiologistas<br />

e pediatras dada a grande semelhança clínica com<br />

outras doenças reumáticas e não-reumáticas, e por não<br />

dispormos de provas laboratoriais específicas (1, 2) .<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 71


DIÓGENES MSB<br />

e col.<br />

Cardite reumática:<br />

peculiaridades<br />

diagnósticas e<br />

terapêuticas<br />

A febre reumática tem<br />

distribuição universal, com<br />

preferência pelos países<br />

de clima tropical, e afeta<br />

predominantemente os indivíduos<br />

que vivem nos<br />

países em desenvolvimento<br />

como Brasil e Índia. Registram-se<br />

anualmente de<br />

10 a 20 milhões de casos<br />

novos no mundo. As condições<br />

socioeconômicas<br />

precárias representam as principais dificuldades enfrentadas<br />

pelas autoridades de saúde na luta pela sua erradicação.<br />

Acomete 0,3% a 4% das crianças com infecção<br />

de garganta não-tratadas suscetíveis geneticamente<br />

à doença. Desses, aproximadamente 30% evoluem<br />

com cardite reumática, a mais temida das complicações.<br />

Nos estudos prospectivos, essa incidência<br />

está acima de 50%. Predomina na faixa etária entre 5<br />

e 15 anos, podendo ocorrer recidivas, particularmente<br />

em pacientes que não fazem a profilaxia da estreptococcia.<br />

Sua incidência decresce com a progressão da<br />

idade e aumenta nas populações com alto risco de faringite<br />

estreptocócica como os ambientes escolares,<br />

os promíscuos e em recrutas militares (3-5) .<br />

No Brasil ocorrem aproximadamente 30 mil novos<br />

casos por ano de febre reumática, dos quais 50% evoluem<br />

para cardite. Os custos social e financeiro da febre<br />

reumática em nosso país são elevados. A cardiopatia<br />

reumática, seqüela da febre reumática, representa<br />

uma das causas mais freqüentes de morbidade e mortalidade<br />

cardiovascular em nosso meio, sendo responsável<br />

pela maioria das admissões hospitalares de causa<br />

cardíaca e a principal indicação de cirurgia cardíaca<br />

nos indivíduos com menos de 40 anos de idade.<br />

Nas faixas etárias superiores a essa, é superada apenas<br />

pela hipertensão arterial sistêmica e pela doença<br />

coronariana (5-7) .<br />

FISIOPATOLOGIA<br />

Após uma epidemia de estreptococcia, apenas alguns<br />

indivíduos desenvolverão febre reumática, indicando<br />

suscetibilidade genética. Atualmente ainda não<br />

é possível detectar o indivíduo suscetível. Os mecanismos<br />

que levam à doença não estão todavia bem esclarecidos.<br />

A teoria imunológica é a mais aceita. Experiências<br />

científicas evidenciam respostas imune humoral<br />

e celular anormais. Ocorre uma interação entre os<br />

anticorpos antiestreptococos e tecidos do hospedeiro<br />

(reação cruzada). Foi documentada a existência de anticorpos<br />

antitecido cardíaco — miosina e tropomiosina.<br />

Os anticorpos de reação cruzada com estruturas cardíacas<br />

atingem pico no início da doença e declinam<br />

lentamente após dois ou três anos, sendo indetectáveis<br />

cinco anos após o episódio inicial. As manifestações<br />

agudas que se resolvem sem seqüelas tendem a<br />

coincidir com resposta predominantemente humoral,<br />

enquanto a resposta celular parece ser a responsável<br />

pelo desenvolvimento da cardiopatia reumática crônica<br />

(8) . O comprometimento cardíaco ocorre entre quatro<br />

e oito semanas após a estreptococcia. O processo inflamatório<br />

envolve o endocárdio, o miocárdio e o pericárdio,<br />

constituindo, portanto, uma pancardite. A endocardite<br />

é a forma de manifestação mais comum, sendo<br />

a valvulite a única alteração que aparentemente deixa<br />

seqüela. A pericardite e a miocardite raramente ocorrem<br />

de forma isolada (1, 2) .<br />

QUADRO CLÍNICO<br />

A cardite é a mais grave das manifestações clínicas<br />

da febre reumática e pode levar ao óbito. Pode se manifestar<br />

até a sexta semana do surto agudo. Os principais<br />

sinais clínicos são: sopro cardíaco sistólico sugestivo<br />

de insuficiência valvar, taquicardia e insuficiência<br />

cardíaca congestiva. Poderão ocorrer sopro diastólico,<br />

atrito pericárdico e arritmias cardíacas. As valvas mais<br />

acometidas em ordem de freqüência são: mitral, aórtica,<br />

tricúspide e raramente a pulmonar. A insuficiência<br />

aórtica raramente ocorre de forma isolada. Geralmente<br />

existe em concomitância com a insuficiência mitral.<br />

O mesmo ocorre com as insuficiências tricúspide e<br />

pulmonar. O sopro de insuficiência mitral é sistólico,<br />

suave, na região apical com irradiação para axila. É<br />

causado inicialmente por edema valvar, podendo regredir<br />

com o tratamento. Caso haja seqüela decorrente<br />

de deformidade fibrótica residual da valva, o sopro<br />

pode não desaparecer. O sopro diastólico de estenose<br />

no foco mitral não é próprio da fase aguda e, quando<br />

presente, pode significar a existência de surto ativo<br />

anterior. A insuficiência aórtica gera sopro diastólico<br />

nos focos aórtico e aórtico acessório. A regurgitação<br />

valvar de grau leve é bem tolerada. Aquelas que evoluem<br />

para grau moderado e/ou importante, porém, levam<br />

à insuficiência cardíaca congestiva proeminente.<br />

A pancardite reumática caracteriza-se por taquicardia<br />

em repouso, na ausência de febre. Pode evoluir para<br />

cardiomegalia, disfunção ventricular e insuficiência cardíaca<br />

nos casos mais graves. Entretanto, há controvérsia<br />

quanto ao valor da miocardite isolada no desencadeamento<br />

de insuficiência cardíaca, uma vez que não<br />

observamos a presença desta na ausência de envolvimento<br />

valvar. Por conseguinte, a insuficiência valvar,<br />

particularmente a mitral, parece ser a principal causa<br />

de descompensação cardíaca. A pericardite é a forma<br />

de apresentação clínica menos comum e não aparece<br />

isoladamente. Pode ser assintomática ou se manifestar<br />

como dor precordial atípica, com atrito pericárdico<br />

72 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


DIÓGENES MSB<br />

e col.<br />

Cardite reumática:<br />

peculiaridades<br />

diagnósticas e<br />

terapêuticas<br />

e abafamento de bulhas<br />

quando há derrame pericárdico<br />

de tamanho moderado<br />

para importante. Entretanto,<br />

o derrame pericárdico<br />

costuma ser de<br />

pequeno volume. Durante<br />

o surto de atividade reumática<br />

com cardite poderão<br />

ocorrer arritmias. As<br />

mais freqüentes são as<br />

extra-sístoles tanto supra-<br />

ventriculares como ventriculares e o bloqueio atrioventricular<br />

de 1º grau. Resumidamente, na presença de<br />

comprometimento cardíaco restrito ao pericárdio e/ou<br />

miocárdio, sem envolvimento do endocárdio valvar (ausência<br />

de sopro), o diagnóstico de cardite é improvável<br />

(1-3, 9, 10) .<br />

A cardite pode ser inaparente ou subclínica, ou seja,<br />

aquela em que não existe expressão clínica — sopro<br />

cardíaco ou sinais e sintomas de insuficiência cardíaca.<br />

Em estudo realizado por Hilário e colaboradores (11) ,<br />

dos 14 pacientes com febre reumática sem evidência<br />

clínica de cardite, dois apresentavam insuficiência mitral<br />

leve ao ecocardiograma com Doppler e outros três<br />

evoluíram após três meses com insuficiência mitral leve,<br />

dos quais um caso evidenciava também insuficiência<br />

aórtica. Espessamento da valva mitral foi evidenciado<br />

em dois desses pacientes após 6 e 12 meses. Cardite<br />

subclínica foi relatada por vários outros autores e constitui<br />

a grande controvérsia para utilização obrigatória<br />

da ecocardiografia como critério diagnóstico (11-16) .<br />

DIAGNÓSTICO<br />

Clínico<br />

O diagnóstico de faringoamidalite estreptocócica<br />

deve ser considerado na presença de paciente em idade<br />

escolar ou pré-escolar, com febre alta — temperatura<br />

igual ou maior que 38 o C —, dor e hiperemia da<br />

orofaringe, adenopatia cervical anterior dolorosa, exsudato<br />

e petéquias no pálato, crostas milicéricas e erosão<br />

nas bordas das narinas. A presença de tosse, rouquidão,<br />

coriza ou conjuntivite deve dirigir nossa suspeita<br />

diagnóstica para uma provável etiologia viral. A<br />

idade do paciente merece nossa atenção, pois a ocorrência<br />

de febre reumática é rara antes dos 5 e após os<br />

15 anos. A evolução da angina estreptocócica é autolimitada,<br />

com desaparecimento dos sintomas e sinais<br />

dentro de aproximadamente cinco dias, mesmo na ausência<br />

de tratamento. O estreptococo, porém, pode<br />

permanecer na orofaringe por um período de até três<br />

meses (1, 2) .<br />

O diagnóstico clínico de cardite é baseado nos sintomas<br />

e sinais clínicos já descritos. A cardite é um dos<br />

critérios maiores de Jones para o diagnóstico de febre<br />

reumática. Os critérios maiores de Jones são cardite,<br />

poliartrite, coréia, eritema marginado e nódulos subcutâneos.<br />

Os critérios menores são febre, artralgia, elevação<br />

de reagentes de fase aguda, como velocidade<br />

de hemossedimentação e proteína C-reativa, e alongamento<br />

do intervalo PR no eletrocardiograma. A probabilidade<br />

de febre reumática é elevada quando há<br />

antecedentes recentes de infecção estreptocócica com<br />

níveis elevados de anticorpos antiestreptolisina-O, associada<br />

a dois critérios maiores ou de um maior e dois<br />

menores. A ausência de evidência de estreptococcia<br />

prévia torna o diagnóstico duvidoso, exceto nos casos<br />

de coréia de Sydenham, que pode se apresentar como<br />

única manifestação da doença após um período de latência<br />

prolongado (1-3, 9) .<br />

Deve-se ter em mente que a infecção estreptocócica<br />

pode passar despercebida e os critérios revisados<br />

de Jones devem ser utilizados como uma bússola que<br />

orienta o diagnóstico, mas nunca como fórmula matemática<br />

infalível. O diagnóstico baseado nos critérios de<br />

Jones torna-se difícil quando a cardite é subclínica e/<br />

ou quando a cardite reumática ocorre num paciente<br />

com doença reumática preexistente. Para o diagnóstico<br />

de cardite em recorrência, recomenda-se que haja<br />

evidência de mudança nos achados clínicos preexistentes,<br />

como aparecimento de um novo sopro, aumento<br />

da intensidade de sopro observado previamente,<br />

aparecimento de pericardite ou aumento da área cardíaca<br />

na radiografia de tórax. É importante lembrar que<br />

a ausência de cardite no primeiro surto de febre reumática<br />

não exclui a possibilidade de cardite em surtos<br />

recorrentes. Diante dessas dificuldades diagnósticas, o<br />

reconhecimento de cardite em alguns pacientes continua<br />

um problema e a reestruturação dos critérios de Jones, já<br />

revisados quatro vezes, sendo a última revisão de 1992,<br />

com certeza não trará a solução (5, 9, 17, 18) .<br />

Quanto ao diagnóstico diferencial, a febre reumática<br />

pode ser confundida principalmente com artrite reumatóide<br />

juvenil, endocardite bacteriana e lúpus eritematoso<br />

sistêmico (1, 2) .<br />

Exames complementares<br />

Provas laboratoriais<br />

Não existe diagnóstico laboratorial patognomônico<br />

de febre reumática, isto é, as provas de atividade de<br />

fase aguda são inespecíficas, podendo algumas delas,<br />

como, por exemplo, a velocidade de hemossedimentação,<br />

estar elevadas em outros processos inflamatórios<br />

reumáticos e não-reumáticos. Entretanto, a<br />

dosagem sérica dessas provas é fundamental na caracterização<br />

do surto agudo de cardite. Os níveis da<br />

velocidade de hemossedimentação, proteína C-reativa<br />

e α1-glicoproteína ácida e fração α2-globulina do soro<br />

encontram-se invariavelmente elevados. Na ausência<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 73


DIÓGENES MSB<br />

e col.<br />

Cardite reumática:<br />

peculiaridades<br />

diagnósticas e<br />

terapêuticas<br />

dessa elevação devemos<br />

sempre questionar a existência<br />

de atividade reumática.<br />

A cultura da orofaringe<br />

positiva só tem valor na<br />

presença de quadro clínico<br />

suspeito, uma vez que<br />

o número de falsos positivos<br />

na população sadia é<br />

elevado. O hemograma<br />

pode ser normal ou evidenciar<br />

anemia de grau<br />

leve, com valores normais ou levemente diminuídos dos<br />

leucócitos. Na presença de anemia de grau importante<br />

associada ou não à linfocitose, o diagnóstico diferencial<br />

com leucose deve ser lembrado. A detecção de níveis<br />

aumentados de anticorpos antiestreptococos como<br />

antiestreptolisina-O (ASLO), anti-hialuronidase, antidesoxirribonuclease<br />

é de fundamental importância, pois<br />

indica infecção prévia. A elevação desses anticorpos<br />

inicia-se após duas semanas do começo da infecção.<br />

O mais conhecido é a ASLO. Consideram-se anormais<br />

valores acima de 333 U/ml para crianças até 5 anos, e<br />

500 U/ml para crianças maiores de 5 anos. Para o diagnóstico<br />

de estreptococcia recente, deve-se solicitar<br />

a dosagem seriada de ASLO a cada 15 dias, a fim de<br />

se detectar a elevação dos níveis séricos dos mesmos,<br />

pois uma única determinação laboratorial elevada não<br />

tem valor diagnóstico, uma vez que alguns pacientes<br />

que tiveram estreptococcia podem manter níveis elevados<br />

de ASLO por período superior a um ano. Vale<br />

lembrar que em 20% dos pacientes com febre reumática<br />

os níveis de ASLO não se elevam (1, 2, 9) .<br />

Dosagem sérica de troponina T tem sido realizada<br />

nos pacientes com cardite reumática na tentativa de<br />

evidenciar lesão miocárdica durante o surto agudo. Entretanto,<br />

concentrações normais de troponina T ou apenas<br />

discretamente aumentadas em pacientes com cardite<br />

reumática e insuficiência cardíaca proeminente<br />

questionam a existência de lesão miocárdica, confirmando<br />

a presença de endocardite como alteração cardíaca<br />

fundamental dentro de um quadro inflamatório<br />

do tecido conjuntivo cardíaco, sendo a insuficiência<br />

cardíaca mais uma conseqüência da regurgitação valvar<br />

mitral (19-22) .<br />

Eletrocardiograma<br />

Os achados são inespecíficos, podendo o eletrocardiograma<br />

ser inclusive normal. A alteração mais freqüentemente<br />

encontrada é o aumento da duração do<br />

intervalo PR. Esse achado é considerado uma expressão<br />

de atividade e pode se normalizar com o uso de<br />

corticosteróide. Considera-se bloqueio atrioventricular<br />

de 1º grau quando o intervalo PR for igual ou superior<br />

ao valor considerado normal para a idade e freqüência<br />

cardíaca, podendo mais raramente evoluir para níveis<br />

maiores de bloqueios. A miopericardite pode causar<br />

extra-sístoles e alterações da repolarização ventricular<br />

tipo supradesnivelamento difuso do segmento ST e<br />

alterações da onda T. O alongamento do intervalo QT<br />

corrigido para a freqüência cardíaca é considerado índice<br />

de atividade e de miocardite. A valvulite mitral e/<br />

ou aórtica, dependendo do grau da lesão, pode levar à<br />

sobrecarga de câmaras esquerdas, mais freqüentemente<br />

encontrada nas lesões crônicas (1, 2, 18) .<br />

Radiografia de tórax<br />

A área cardíaca pode estar normal ou aumentada.<br />

A cardiomegalia é proporcional à gravidade do acometimento<br />

cardíaco. Sua ausência não exclui a presença<br />

de cardite. Podemos encontrar sinais de congestão<br />

pulmonar e pequeno derrame pleural à direita na presença<br />

de insuficiência cardíaca (2) .<br />

Ecocardiograma Doppler<br />

O ecocardiograma cada vez mais se firma como método<br />

complementar de suma importância para confirmação<br />

de cardite, particularmente nos casos de cardite<br />

isolada, subclínica ou recorrente, além de ser extremamente<br />

útil na avaliação de pericardite com derrame,<br />

função ventricular esquerda e no grau de regurgitação<br />

valvar. Estudos demonstram aumento da freqüência do<br />

diagnóstico de cardite com o auxílio da ecocardiografia,<br />

principalmente em pacientes considerados como<br />

tendo artrite isolada ou coréia. Na realidade, esses<br />

pacientes eram portadores de cardite subclínica, diagnóstico<br />

que não poderia ter sido evidenciado sem o<br />

emprego da ecocardiografia, tornando-se, portanto,<br />

exame de alta sensibilidade e especificidade. A importância<br />

da ecocardiografia cresceu de tal forma que alguns<br />

autores preconizam sua inclusão entre os critérios<br />

diagnósticos de Jones. Afirmam também que é possível<br />

diferenciar regurgitação mitral patológica subclínica<br />

de regurgitação fisiológica usando critérios rigorosos<br />

de Doppler e fluxo a cores. Como a valvulite é<br />

condição “sine qua non” de cardite reumática, a documentação<br />

ecocardiográfica de regurgitação valvar pode<br />

mudar o diagnóstico e o acompanhamento dos pacientes<br />

com cardite subclínica, principalmente porque<br />

regurgitações leves nem sempre são detectadas na<br />

ausculta cardíaca, particularmente na presença de taquicardia.<br />

Entretanto, o diagnóstico de cardite reumática<br />

somente pelo ecocardiograma ainda não é consenso<br />

geral, uma vez que a presença de sopro cardíaco<br />

em indivíduos normais pode levar ao diagnóstico equivocado<br />

de cardite. A presença de regurgitação valvar<br />

de grau discreto, considerada normal com o aumento<br />

da idade, restringe assim o valor diagnóstico do ecocardiograma.<br />

A prevalência de insuficiência mitral discreta<br />

na população normal pode variar de 38% a 45%<br />

e de insuficiência tricúspide, de 15% a 77%. Assim sendo,<br />

é preciso estarmos atentos para não superestimarmos<br />

o valor da ecocardiografia e procurarmos unir to-<br />

74 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


DIÓGENES MSB<br />

e col.<br />

Cardite reumática:<br />

peculiaridades<br />

diagnósticas e<br />

terapêuticas<br />

das as informações disponíveis<br />

para o correto diagnóstico<br />

de cardite (9-18, 23-33) .<br />

Os achados ecocardiográficos<br />

de lesão valvar<br />

mitral reumática mais freqüentemente<br />

encontrados<br />

são espessamento das<br />

cúspides, nódulos valvulares<br />

e mobilidade reduzida<br />

dos folhetos, podendo haver<br />

falha de coaptação e<br />

até mesmo rotura de cordoalhas, resultando em insuficiência<br />

de grau variado. Já a valvopatia reumática, seqüela<br />

da cardite reumática, caracteriza-se por espessamento<br />

valvar, fusão comissural e insuficiência valvar<br />

e/ou estenose valvar (31, 32) .<br />

TRATAMENTO<br />

O processo inflamatório na febre reumática é geralmente<br />

autolimitado e evolui para remissão espontânea<br />

num período médio de três meses ou mais rapidamente<br />

com tratamento à base de antiinflamatórios. A profilaxia<br />

primária é obrigatória para a erradicação da estreptococcia<br />

das vias aéreas. Recomenda-se a penicilina<br />

G benzatina na dose de 600.000 UI, intramuscular,<br />

para crianças com peso igual ou inferior a 25 kg, e<br />

1.200.000 UI para crianças com mais de 25 kg. Nos<br />

casos de hipersensibilidade à penicilina, poderá ser administrada<br />

a eritromicina via oral, na dose de 40-50 mg/<br />

kg/dia, dividida em quatro tomadas durante 10 dias. A<br />

azitromicina na dose de 10 mg/kg em dose única diária<br />

durante cinco dias e a claritromicina na dose de 7 mg/<br />

k/dia a 8 mg/k/dia em duas doses diárias também têm<br />

sido utilizadas<br />

(1, 2, 34)<br />

A profilaxia secundária é mandatória para prevenção<br />

de novos surtos. A maioria dos casos de recorrência<br />

de cardite deve-se à falta de aderência ao tratamento.<br />

Utiliza-se a penicilina G benzatina, intramuscular,<br />

na mesma posologia da profilaxia primária, a cada<br />

21 dias. Não é recomendada a utilização da penicilina<br />

via oral por causa da baixa aderência ao tratamento.<br />

Nos casos de hipersensibilidade, recomenda-se a sulfadiazina<br />

na dose de 500 mg/dia para crianças até 25<br />

kg e 1 g para aquelas com mais de 25 kg. Nas crianças<br />

que evoluem com cardite sem seqüela, a profilaxia deverá<br />

ser mantida durante 10 anos ou até o indivíduo<br />

completar 25 anos. Nos casos com seqüela, deverá ser<br />

mantida pelo resto da vida (1, 2, 34) .<br />

Pacientes com cardite ativa devem ficar em repouso<br />

relativo e proporcional ao grau do acometimento cardíaco.<br />

O tratamento medicamentoso é feito com corticosteróides,<br />

com o objetivo de reduzir a resposta inflamatória<br />

e obter efeito imunossupressor. O corticoste-<br />

róide de escolha é a prednisona, na dose de 1 mg/kg/<br />

dia a 2 mg/kg/dia, dose máxima: 60-80 mg/dia, via oral,<br />

em duas a três tomadas na primeira semana e, posteriormente,<br />

em dose única pela manhã. Deverá ser mantida<br />

nessa dosagem por três a quatro semanas com<br />

posterior redução gradual semanal de 20% da dose<br />

caso haja melhora clínica e das provas laboratoriais.<br />

Suspende-se a medicação entre 8 e 12 semanas de<br />

tratamento. Ainda não existe consenso sobre o tratamento<br />

de cardite subclínica com corticóide. Mas a tendência<br />

é tratar esses pacientes (1, 2) . Estudos demonstram<br />

que o uso de corticosteróides reduz rapidamente<br />

os sintomas e sinais clínicos, ficando a maioria dos<br />

pacientes assintomáticos na primeira semana de tratamento.<br />

Entretanto, existe relato de que os antiinflamatórios<br />

tanto hormonais como não-hormonais, assim<br />

como a imunoglobulina endovenosa, não diminuem o<br />

risco de seqüela cardíaca em pacientes com cardite<br />

após um ano de evolução (35) .<br />

Para os pacientes com insuficiência cardíaca congestiva<br />

grave e refratários ao corticóide oral, tem-se a<br />

opção do uso de pulsoterapia em série, forma terapêutica<br />

essa bastante utilizada nas doenças auto-imunes.<br />

A pulsoterapia consiste no uso de megadoses de corticosteróides,<br />

entre 500 mg e 2 g, com o objetivo de obter-se<br />

efeito imunossupressor e imunomodulador mais<br />

proeminente e duradouro que a prednisona, além de<br />

reduzir os efeitos colaterais do corticóide oral. Dá-se<br />

preferência à metilprednisolona. Existem vários esquemas<br />

terapêuticos. Pode-se administrar 40 mg/kg/dia,<br />

até no máximo 1 g, diluídos em 200 ml de soro glicosado<br />

a 5% via endovenosa, em jejum, durante três dias<br />

consecutivos, repetidos semanalmente até a normalização<br />

das provas laboratoriais. Outro esquema seria<br />

metilprednisolona na dose de 1 g diluído em soro glicosado<br />

a 5%, por via endovenosa, em duas horas, durante<br />

três dias consecutivos nas duas primeiras semanas,<br />

dois dias na terceira semana, e um dia na quarta<br />

semana. Apesar de o uso da metilprednisolona ter se<br />

mostrado útil em casos de insuficiência cardíaca congestiva<br />

refratária, alguns estudos realizados comparando<br />

prednisona oral com pulsoterapia mostraram<br />

melhor resultado em pacientes tratados com prednisona<br />

oral. Após o término da pulsoterapia, é recomendado<br />

o uso de ácido acetilsalicílico na dose de 50 mg/kg/<br />

dia durante quatro a seis semanas para evitar-se o efeito<br />

rebote. É extremamente importante antes de iniciarmos<br />

a corticoterapia tratarmos possíveis focos infecciosos,<br />

realizarmos o PPD, com profilaxia com isoniazida em<br />

reator forte e tratarmos estrongiloidíase, além de administrarmos<br />

protetores da mucosa gástrica como antiácidos<br />

e cimetidina durante o período de tratamento.<br />

O corticóide não deve ser utilizado por períodos prolongados<br />

por causa de seus bem conhecidos efeitos<br />

adversos (36-39) .<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 75


DIÓGENES MSB<br />

e col.<br />

Cardite reumática:<br />

peculiaridades<br />

diagnósticas e<br />

terapêuticas<br />

Na vigência de insuficiência<br />

cardíaca está indicado<br />

o uso de digital, diurético<br />

de alça — furosemida,<br />

espironolactona e vasodilatadores<br />

do tipo inibidores<br />

da enzima de conversão<br />

da angiotensina. A administração<br />

de um ou mais<br />

desses medicamentos vai<br />

depender do grau do comprometimento<br />

cardíaco. O<br />

digital deverá ser usado com cautela, uma vez que<br />

poderá desencadear ou precipitar bloqueios atrioven-<br />

triculares e outras arritmias nos casos mais graves. Nos<br />

casos de cardite com insuficiência cardíaca refratária<br />

está indicada cirurgia cardíaca para troca da valva acometida<br />

(1, 2, 40) .<br />

Como mensagem final da presente revisão, enfatizamos<br />

a importância do diagnóstico correto de cardite<br />

reumática para conduzirmos adequadamente o tratamento.<br />

Erros diagnósticos podem levar tanto à profilaxia<br />

secundária desnecessária com penicilina benzatina<br />

como à possibilidade de deixar uma abertura para<br />

recorrência de cardite naqueles casos que não foram<br />

diagnosticados. O acompanhamento cuidadoso e periódico,<br />

particularmente dos casos duvidosos, é recomendação<br />

prudente.<br />

RHEUMATIC CARDITIS: DIAGNOSTIC<br />

PECULIARITIES AND TREATMENT<br />

MARIA SUELY BEZERRA DIÓGENES, ANTÔNIO CARLOS CARVALHO<br />

Rheumatic fever is an immunologic, non-suppurative, systemic inflammatory disease<br />

of the connective tissue, triggered by a group A ß-hemolytic streptococcal<br />

tonsillopharyngitis in susceptible individuals. It’s a multiorgan disease but the heart<br />

is the only one that can be left with permanent damage. Well recognized as a disease<br />

of developing countries, it still represents one of the major health problems for<br />

Brazilians and is the main cause of hospital admissions for heart disease in patients<br />

under forty years of age. Rheumatic carditis is manifested about four weeks after the<br />

streptococcal attack. It’s clinical manifestation is broadly variable. It can be innaparent<br />

or lead to refractory congestive heart failure. Indolent carditis represents the<br />

main diagnostic challenge because of the absence of clinical symptoms and signs<br />

and the probability of leading to important sequelae. The nonspecific laboratory tests<br />

do not help in differentiating rheumatic carditis from other inflammatory diseases<br />

of immunologic etiology. On the other hand, rheumatic carditis can not be confirmed<br />

without elevated acute-phase reactants. Two-dimensional echocardiogram and Doppler<br />

ultrasound is the key complementary diagnostic tool for diagnosis of carditis as<br />

long as associated with clinical findings and its inclusion among Jone’s criteria is<br />

being universally discussed. The use of benzathine penicillin still represents the best<br />

treatment for eradication and prevention of streptococcal infection in rheumatic fever.<br />

Oral prednisone is the antiinflammatory agent of choice in the treatment of carditis.<br />

Pulsetherapy with methylprednisolone is an alternative for the treatment of serious<br />

carditis that does not respond to oral corticosteroid.<br />

Key words: rheumatic fever, carditis, echocardiography, corticosteroids.<br />

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:71-8)<br />

RSCESP (72594)-1510<br />

76 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


DIÓGENES MSB<br />

e col.<br />

Cardite reumática:<br />

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 77


DIÓGENES MSB<br />

e col.<br />

Cardite reumática:<br />

peculiaridades<br />

diagnósticas e<br />

terapêuticas<br />

diography in patients with<br />

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78 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


FERRIANI VPL<br />

Manifestações<br />

articulares da febre<br />

reumática<br />

EPIDEMIOLOGIA<br />

A artrite é, na maioria das séries descritas, a manifestação<br />

mais freqüente da febre reumática e ocorre<br />

em 60% a 80% dos pacientes (1-3) . Em um estudo realizado<br />

pelo comitê de reumatologia pediátrica da Sociedade<br />

de Pediatria de São Paulo, envolvendo 786 crianças<br />

atendidas em serviços terciários, 453 (57,6%) apresentaram<br />

artrite, 396 (50,4%) apresentaram cardite, enquanto<br />

274 (34,8%) apresentaram coréia (1) . Um levantamento<br />

feito no Serviço de Reumatologia Pediátrica<br />

do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de<br />

Ribeirão Preto-USP (2) , analisando 120 surtos de febre<br />

reumática aguda, em 109 pacientes, a artrite foi também<br />

a manifestação mais comum (77%), seguida de<br />

cardite (62%) e coréia (32%).<br />

A artrite aparece, freqüentemente, acompanhada de<br />

outros sinais maiores, principalmente a cardite (Tab.<br />

1). No entanto, artrite isolada pode ocorrer em 8% até<br />

42% dos pacientes (2, 4-6) . Segundo um estudo recente<br />

realizado nos Estados Unidos, crianças pequenas (com<br />

menos de 5 anos de idade) com febre reumática (5%<br />

das crianças com febre reumática desse estudo) apre-<br />

MANIFESTAÇÕES ARTICULARES DA <strong>FEBRE</strong><br />

<strong>REUMÁTICA</strong><br />

VIRGÍNIA PAES LEME FERRIANI<br />

Departamento de Puericultura e Pediatria/Serviço de Imunologia,<br />

Alergia e Reumatologia —<br />

Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto — Universidade de São Paulo<br />

Endereço para correspondência: Av. Bandeirantes, 3900 — CEP 14049-900 —<br />

Ribeirão Preto — SP<br />

A artrite é a manifestação clínica mais freqüente, mas menos específica, da febre<br />

reumática. Alguns pacientes podem apresentar quadros articulares atípicos, diferentes<br />

da poliartrite migratória clássica descrita por Jones, o que dificulta a identificação<br />

dessa doença, principalmente quando o paciente apresenta artrite como único sinal<br />

maior.<br />

Palavras-chave: febre reumática, artrite, artralgia, artrite reativa pós-estreptocócica.<br />

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:79-84)<br />

RSCESP (72594)-1511<br />

sentam artrite isolada (sem cardite ou coréia) mais freqüentemente<br />

(41%) que crianças com mais de 5 anos<br />

de idade (20%) (7) . Outros estudos também demonstraram<br />

incidência maior de artrite em crianças pequenas (8,<br />

9) . Quando a artrite aparece isoladamente, sem cardite<br />

ou coréia, o diagnóstico de certeza da febre reumática<br />

torna-se bastante difícil, já que várias outras doenças<br />

podem apresentar comprometimento articular semelhante.<br />

CARACTERÍSTICAS DO COMPROMETIMENTO<br />

ARTICULAR<br />

A artrite típica da febre reumática geralmente é a<br />

manifestação inicial da doença e aparece duas a quatro<br />

semanas após a infecção estreptocócica. Usualmente<br />

envolve várias articulações, de forma migratória (melhora<br />

em uma articulação e começa em outra), dura de<br />

um a cinco dias em cada articulação, é extremamente<br />

dolorosa e responde muito bem aos antiinflamatórios<br />

não-hormonais. As articulações estão geralmente edemaciadas,<br />

quentes, com limitação importante dos movimentos<br />

e podem apresentar eritema. A dor da artrite<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 79


FERRIANI VPL<br />

Manifestações<br />

articulares da febre<br />

reumática<br />

é muito intensa e, caracteristicamente,desproporcional<br />

à intensidade do<br />

edema, que pode ser discreto<br />

(10, 12) .<br />

A duração total do<br />

quadro articular varia,<br />

geralmente, de uma a<br />

três semanas e a artrite<br />

evolui para cura comple-<br />

Tabela 1. Freqüência de artrite e associação com outros critérios maiores.<br />

Kiss, 1993 (10) Pileggi, 1997 (11)<br />

% do total % dos pacientes % do total % dos pacientes<br />

de casos com artrite de casos com artrite<br />

Manifestações (n = 344) (n = 177) (n = 120) (n = 92)<br />

Artrite isolada 8 15 8 11<br />

Artrite e cardite 37 71 50 65<br />

Artrite e coréia 1,5 3 7 9<br />

Artrite, cardite e coréia 3,5 6,5 8 11<br />

Artrite, cardite e NSC 1 2 1 2<br />

Artrite, cardite e EM 0,8 1,5 0,8 1<br />

n = número de pacientes; NSC = nódulos subcutâneos; EM = eritema marginado.<br />

ta, sem seqüelas.<br />

As articulações mais freqüentemente acometidas<br />

são os joelhos e os tornozelos. O acometimento de punhos,<br />

cotovelos, pequenas articulações dos pés e das<br />

mãos, coluna cervical e quadris ocorre em freqüências<br />

variáveis, de acordo com a população estudada<br />

(2, 13-15)<br />

(Tab. 2). Recentemente, foi descrito um caso de febre<br />

reumática com comprometimento de articulações sacroilíacas<br />

(16) .<br />

O número de articulações acometidas, na maioria<br />

dos surtos, varia de duas a 16 (2, 17, 18) . No estudo realizado<br />

em nosso serviço, observamos comprometimento<br />

de duas a cinco articulações em 58% dos casos e<br />

de seis até 10 articulações em 30% dos surtos. Apenas<br />

três pacientes apresentaram monoartrite: dois com<br />

acometimento de joelho e o outro de coxofemoral. Nesses<br />

casos, a presença de outros critérios maiores (dois<br />

pacientes com coréia e cardite e um paciente com coréia)<br />

possibilitou o diagnóstico de febre reumática (11) .<br />

Outro estudo brasileiro descreveu monoartrite em 10%<br />

dos 97 pacientes com febre reumática avaliados (15) .<br />

Recentemente, estudo realizado em população do norte<br />

da Austrália revelou uma porcentagem de comprometimento<br />

monoarticular em 13% dos 555 casos de febre<br />

reumática avaliados (19) . Vale a pena comentar também<br />

o relato de um caso de febre reumática cuja manifestação<br />

inicial foi monoartrite de joelho, acompanhada de<br />

febre e aumento de provas de atividade inflamatória,<br />

sem qualquer outra alteração. Esse paciente (um menino<br />

de 9 anos) desenvolveu uma lesão de válvula mitral<br />

três semanas após o episódio de monoartrite, e,<br />

nessa ocasião, os títulos de antiestreptolisina O (ASLO),<br />

que inicialmente eram normais, estavam elevados (16) .<br />

Dessa forma, mesmo sabendo que a poliartrite é a<br />

manifestação articular considerada como sinal maior<br />

dos critérios de Jones, dados consistentes de literatura<br />

sugerem que a febre reumática deve estar incluída<br />

entre os diagnósticos diferenciais de monoartrite. O<br />

seguimento desses pacientes é extremamente importante<br />

para que se possa identificar, de forma precoce,<br />

o diagnóstico correto.<br />

Alguns pacientes com febre reumática podem apresentar<br />

apenas artralgia em uma ou mais articulações.<br />

Essa é uma manifestação muito inespecífica, mas é<br />

um dos sinais menores dos critérios de Jones modificados.<br />

No entanto, a artralgia só deve ser utilizada como<br />

critério para o diagnóstico de febre reumática nos paciente<br />

que não apresentam artrite (20) .<br />

Foram descritos alguns casos de entesite em pacientes<br />

com febre reumática (21, 22) .<br />

Pacientes com febre reumática que apresentam quadros<br />

de artrites atípicas têm sido descritos por diferentes<br />

autores. Em 1975, Stollerman (17) já comentava que<br />

32% das crianças portadoras de febre reumática não<br />

apresentavam o padrão clássico do acometimento articular,<br />

considerando-se o tempo maior de duração da<br />

artrite, a presença de oligo ou monoartrite, o padrão<br />

aditivo ou simétrico e/ou a resposta insatisfatória aos<br />

80 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


FERRIANI VPL<br />

Manifestações<br />

articulares da febre<br />

reumática<br />

salicilatos. Em estudo realizado<br />

em nosso serviço<br />

com 109 pacientes, 47%<br />

dos 92 pacientes com artrite<br />

apresentaram comprometimento<br />

articular atípico:<br />

28% dos 92 pacientes<br />

tiveram duração da artrite<br />

maior que três semanas,<br />

20% dos casos não<br />

Tabela 2. Articulações acometidas em pacientes com febre reumática.<br />

tocócica como uma entidade distinta da febre reumática<br />

(26) , e outros a consideram como parte do espectro<br />

clínico da febre reumática (27-29) . É importante enfatizar<br />

que muitos pacientes descritos como portadores de<br />

artrite reativa pós-estreptocócica desenvolveram valvulites<br />

durante o seguimento posterior (21, 30) .<br />

Considerando a alta prevalência de infecções estreptocócias<br />

e de febre reumática no Brasil, a dificuldade<br />

do diagnóstico dessa doença, o conhecimento de<br />

que quadros articulares atípicos são freqüentes e de<br />

Freqüência (%) de acometimento<br />

Feinstein e Almedra Hilário Pileggi e<br />

Spagnuolo, e cols., e cols., Ferriani,<br />

Articulações 1962 (13) 1992 (14) 1992 (15) 2000 (2)<br />

Joelhos 76 73,3 76 75<br />

Tornozelos 50 41,5 62 79<br />

Cotovelos 15 18,8 29 19<br />

Punhos 15 20,7 28 25<br />

Quadril 15 22,6 15 16<br />

Pequenas articulações<br />

dos pés 15 17 13 32<br />

Pequenas articulações<br />

das mãos 8 17 15 26<br />

Ombros 8 —- 12 19<br />

Coluna cervical 1 —- 15 26<br />

Coluna lombar —- —- 7 4<br />

responderam ao uso de salicilatos, e 3% apresentaram<br />

monoartrite. O tempo decorrido entre o início dos<br />

sintomas e o diagnóstico de febre reumática foi significantemente<br />

maior nas crianças com artrite atípica,<br />

quando comparadas àquelas que apresentaram quadros<br />

articulares típicos de febre reumática (2) .<br />

Outras descrições de quadros articulares atípicos<br />

de febre reumática foram publicadas (16, 19, 23) , inclusive<br />

em nosso país (15, 22) .<br />

A artrite atípica da febre reumática é muito semelhante<br />

àquela descrita na artrite reativa pós-estreptocócica.<br />

Essa entidade clínica, descrita principalmente<br />

na literatura internacional, é definida pela presença de<br />

artrite que aparece após quadro de infecção causada<br />

pelo estreptococo beta-hemolítico do grupo A, mas difere<br />

da artrite da febre reumática (que também é reativa<br />

e pós-estreptocócica) pelo menor período de latência<br />

após a infecção estreptocócica (até 10 dias), artrite<br />

mais prolongada e má resposta aos salicilatos (21, 24, 25) .<br />

Alguns autores consideram a artrite reativa pós-estrep-<br />

que a chamada artrite reativa pós-estreptocócica pode<br />

evoluir com comprometimento cardíaco, é muito mais<br />

prudente considerarmos que casos de febre reumática<br />

atípica existem e devem ser tratados da mesma forma<br />

que os quadros típicos, para que se possa prevenir as<br />

complicações cardíacas, com o uso da profilaxia com<br />

penicilina benzatina em todos esses casos.<br />

EXAMES LABORATORIAIS<br />

Não existem exames laboratoriais que confirmem o<br />

diagnóstico de febre reumática. Alguns exames são<br />

úteis para caracterizar o processo inflamatório e outros<br />

para auxiliar no diagnóstico diferencial com outras<br />

doenças.<br />

O hemograma pode revelar leucocitose e neutrofilia<br />

e anemia leve a moderada. As plaquetas podem estar<br />

aumentadas. Anemia severa e linfocitose sugerem outros<br />

diagnósticos, entre eles as leucoses e a anemia<br />

falciforme (28) .<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 81


FERRIANI VPL<br />

Manifestações<br />

articulares da febre<br />

reumática<br />

As provas de atividade<br />

inflamatória costumam<br />

estar elevadas na maioria<br />

dos pacientes com febre<br />

reumática, exceção feita<br />

àqueles que apresentam<br />

coréia isolada. Em nossa<br />

casuística, 83% dos casos<br />

com artrite e cardite<br />

e 100% dos casos que se<br />

apresentaram como artrite<br />

isolada tinham pelo<br />

menos uma prova de atividade alterada. As mucoproteínas<br />

estiveram elevadas em 82% dos casos, a<br />

velocidade de hemossedimentação em 73% e a proteína<br />

C-reativa em 55% de todos os pacientes avaliados<br />

(11) .<br />

A velocidade de hemossedimentação e a proteína<br />

C-reativa geralmente estão elevadas nas primeiras<br />

semanas da febre reumática e sofrem influência<br />

dos antiinflamatórios não-hormonais. Por outro lado,<br />

os níveis séricos de alfa-glicoproteína 1 e alfa-2 globulina<br />

não sofrem influência do uso de antiinflamatórios<br />

não-hormonais. Essas proteínas também estão<br />

elevadas na fase aguda da febre reumática, assim<br />

permanecendo durante períodos prolongados de tempo<br />

e seus níveis têm sido utilizados para monitorizar<br />

a atividade da febre reumática (28) .<br />

A análise do líquido sinovial é raramente solicitada<br />

em pacientes com febre reumática, com exceção<br />

dos casos em que existe suspeita de artrite séptica<br />

(principalmente na vigência de monoartrite e febre).<br />

As principais alterações incluem aumento do número<br />

de leucócitos (10.000/mm³ a 100.000/mm³), com<br />

predomínio de neutrófilos, concentração de proteínas<br />

por volta de 4 g e taxas de glicose normais (12) .<br />

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL<br />

O diagnóstico diferencial da artrite da febre reu-<br />

Tabela 3. Diagnóstico diferencial da artrite da febre reumática.*<br />

Artrites infecciosas Virais: rubéola, caxumba, hepatite B<br />

Bacterianas: artrite séptica, artrites causadas por<br />

gonococos e meningococos, endocardite bacteriana<br />

Artrites reativas pós-entéricas ou pós-infecções do<br />

trato urinário<br />

Anemia falciforme<br />

Leucemia linfoblástica aguda<br />

Doenças do tecido conjuntivo Lúpus eritematoso sistêmico, artrite<br />

reumatóide juvenil, vasculites<br />

* Segundo Kiss, 2003 (31) .<br />

mática é extenso e inclui doenças infecciosas, hematológicas<br />

e do tecido conjuntivo (Tab. 3).<br />

Uma das dificuldades diagnósticas mais freqüentes<br />

na avaliação das poliartrites deve-se à introdução<br />

precoce de antiinflamatórios não-hormonais em<br />

pacientes com manifestações articulares incaracterísticas,<br />

em fases iniciais. Essa conduta impede a<br />

observação e a caracterização da artrite (migratória,<br />

poliarticular, de curta duração em cada articulação)<br />

e o reconhecimento da febre reumática (31) . Casos de<br />

febre reumática cuja única manifestação maior é a<br />

artrite constituem um dos grandes desafios diagnósticos<br />

em pediatria.<br />

Outra situação difícil acontece nos casos em que<br />

o paciente conta uma história anterior de manifestações<br />

articulares mal definidas, às vezes artralgias ou<br />

dores em membros, que foram interpretadas como<br />

surtos de febre reumática, especialmente se associadas<br />

a aumento das provas de atividade inflamatória<br />

e/ou aumento dos títulos de ASO (31) . Vale lembrar que<br />

a artralgia é um sinal menor de febre reumática e só<br />

deve ser valorizada na ausência de artrite. Além disso,<br />

crianças com dores em membros, não articulares,<br />

não devem ser diagnosticadas como portadoras<br />

de febre reumática.<br />

TRATAMENTO<br />

A medicação de escolha para o tratamento da artrite<br />

continua sendo o ácido acetilsalicílico, na dose<br />

de 80 mg/kg/dia a 100 mg/kg/dia (máximo de 3 gramas)<br />

dividida em quatro doses (31, 32) . Outros antiinflamatórios<br />

não-hormonais que também são eficazes<br />

para o tratamento da artrite são a indometacina na<br />

dose de 2 mg/kg/dia a 3 mg/kg/dia (10) e o naproxeno,<br />

10 mg/kg/dia a15 mg/gk/dia (33) . Essas doses devem<br />

ser utilizadas até que haja melhora clínica da artrite,<br />

o que ocorre geralmente em dois a três dias, e normalização<br />

das provas de atividade inflamatória. Nessa<br />

fase, a dose dos antiinflamatórios não-hormonais<br />

82 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


FERRIANI VPL<br />

Manifestações<br />

articulares da febre<br />

reumática<br />

deve ser progressivamente<br />

reduzida, completando<br />

um período total de tratamento<br />

de quatro a oito<br />

semanas (28) .<br />

Crianças com quadros<br />

articulares mal definidos,<br />

em fases muito iniciais,<br />

devem ser tratadas com<br />

analgésicos, como o acetaminofen,<br />

de modo a<br />

permitir melhor caracteri-<br />

zação do quadro articular, durante sua evolução, e,<br />

conseqüentemente, diagnóstico e tratamento mais<br />

adequados.<br />

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5. Zangwill KM, Wald ER, Landino A. Acute rheumatic<br />

EVOLUÇÃO E PROGNÓSTICO<br />

Como já foi comentado anteriormente, a artrite da<br />

febre reumática evolui sem deixar seqüelas. No entanto,<br />

existe uma forma rara de artrite não erosiva deformante<br />

— a artrite de Jaccoud — que foi descrita em<br />

alguns casos de febre reumática em adultos. Trata-se,<br />

na verdade, de uma fibrosite periarticular que leva a<br />

deformidades caracterizadas por desvio ulnar, principalmente<br />

do quarto e quinto dedos das mãos, subluxação<br />

e flexão das articulações metacarpofalangeanas e<br />

hiperextensão das interfalangeanas proximais. Esse tipo<br />

de artropatia também pode estar associado ao lúpus<br />

eritematoso sistêmico em adultos. Não existem casos<br />

descritos de artropatia de Jaccoud em crianças (10, 34, 35) .<br />

ARTICULAR INVOLVEMENT IN RHEUMATIC FEVER<br />

VIRGINIA PAES LEME FERRIANI<br />

Arthritis is the most common and less specific manifestation of rheumatic fever.<br />

Some patients may present with atypical arthritis, adding an extra dilemma for the<br />

diagnosis of this disease, mainly when arthritis is the sole major manifestation.<br />

Key words: rheumatic fever, arthritis, arthralgia, post-streptococcal arthritis.<br />

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:79?-84)<br />

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 83


FERRIANI VPL<br />

Manifestações<br />

articulares da febre<br />

reumática<br />

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84 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


TARASOUTCHI F<br />

e col.<br />

Profilaxia da<br />

febre reumática<br />

INTRODUÇÃO<br />

A prevalência de febre reumática e de cardiopatia<br />

reumática crônica em uma determinada comunidade<br />

é reflexo do nível de cuidados preventivos primários<br />

e do acesso à saúde. (1) Em muitos países desenvolvidos<br />

a doença tornou-se rara, enquanto em muitos<br />

países subdesenvolvidos, como o Brasil, a cardiopatia<br />

reumática crônica permanece como a maior causa<br />

de doença cardíaca entre crianças e adultos jovens.<br />

(2)<br />

A febre reumática é seqüela de uma infecção de<br />

orofaringe pelo estreptococo beta-hemolítico do grupo<br />

A de Lancefield, e acomete de 3% a 4% das crianças<br />

não tratadas. A doença reumática cardíaca<br />

aparece no período de quatro a oito semanas ou mais<br />

tardiamente, em aproximadamente 30% das crianças<br />

acometidas por febre reumática. A doença reumática<br />

é uma das afecções que acarretam maiores<br />

custos para o Sistema Único de Saúde e para a co-<br />

PROFILAXIA DA <strong>FEBRE</strong> <strong>REUMÁTICA</strong><br />

FLÁVIO TARASOUTCHI, GUILHERME SOBREIRA SPINA<br />

Unidade Clínica de Valvopatia — Instituto do Coração (InCor) — HC-FMUSP<br />

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 —<br />

Cerqueira César — CEP 05403-900 — São Paulo — SP<br />

A prevenção de surtos iniciais de febre reumática depende do reconhecimento e<br />

do tratamento rápidos da faringoamidalite. A erradicação do estreptococo do grupo<br />

A da orofaringe é essencial. Na seleção de um regime terapêutico, vários fatores<br />

devem ser considerados, incluindo eficácia bacteriológica e clínica, e facilidade de<br />

aderência à terapêutica recomendada. A penicilina é o agente antimicrobiano de<br />

escolha para o tratamento da estreptococcia, exceto em pacientes com história de<br />

alergia à penicilina.<br />

Para os pacientes que já apresentam o diagnóstico de febre reumática é indicada<br />

a profilaxia secundária para a prevenção de novos surtos de febre reumática. Ressalta-se<br />

a necessidade do diagnóstico correto, e a melhor ferramenta para fazê-lo é<br />

a história clínica detalhada e o exame físico minucioso. Assim, em nosso meio, a<br />

profilaxia secundária deve ser realizada com aplicações de penicilina G benzatina<br />

com intervalo máximo de três semanas.<br />

Palavras-chave: profilaxia, febre reumática, doença reumática cardíaca.<br />

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:85-91)<br />

RSCESP (72594)-1512<br />

munidade em geral, pois acomete indivíduos muito<br />

jovens e freqüentemente determina múltiplas internações<br />

hospitalares e cirurgias (2) . Estima-se que 30%<br />

das cirurgias cardíacas no Brasil se devam a seqüelas<br />

de febre reumática, porcentual que se eleva a 90%<br />

quando consideramos apenas as cirurgias cardíacas<br />

infantis. Segundo dados do DATASUS (3) (Fig. 1), nos<br />

últimos 10 anos temos tido uma média de 10 mil casos<br />

de febre reumática aguda por ano que necessitaram<br />

de internação hospitalar. Esse é um valor extremamente<br />

elevado, considerando-se que esta, entre<br />

as doenças cardiológicas, é com certeza a mais<br />

facilmente prevenível. (2)<br />

PROFILAXIA PRIMÁRIA DA <strong>FEBRE</strong> <strong>REUMÁTICA</strong><br />

Para impedir que novos casos continuem surgindo,<br />

o mais importante é realizar adequadamente a profilaxia<br />

primária da febre reumática, impedindo que os indivíduos<br />

suscetíveis venham a contrair a doença. Infec-<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 85


TARASOUTCHI F<br />

e col.<br />

Profilaxia da<br />

febre reumática<br />

ções (faringite reumática e amidalites) por estreptococos<br />

beta-hemolíticos do grupo A não diagnosticadas e<br />

não tratadas adequadamente, em indivíduos sensíveis,<br />

podem levar a um surto de febre reumática. Assim, é necessário<br />

um esquema eficaz não só de tratamento mas<br />

de prevenção de infecções pelos estreptococos (2, 4) .<br />

Devemos lembrar que fatores socioeconômicos<br />

estão relacionados a essas infecções e desenvolvem<br />

a doença reumática. A febre reumática classicamente<br />

é considerada uma doença derivada de más condições<br />

de vida da população, de aglomerações e de<br />

um sistema de saúde que não consegue dar à população<br />

assistência adequada. Assim, o tratamento das<br />

infecções estreptocócicas passa pela melhora das<br />

condições de vida da população, especialmente as<br />

de mais baixa renda, pelas condições favoráveis à<br />

disseminação dos estreptococos (precárias condições<br />

de higiene, aglomerações e maior promiscuidade).<br />

Essa população sem acesso ao sistema de<br />

saúde é a mais suscetível à febre reumática (4) . Um<br />

dos fatores que levaram ao declínio da febre reumática<br />

na Europa e na América do Norte foi a melhoria<br />

das condições de vida da população, associada ao<br />

adequado sistema de tratamento de infecções estreptocócicas,<br />

com identificação e tratamento precoce dos<br />

portadores de amidalites estreptocócicas (2) .<br />

A profilaxia primária é baseada no diagnóstico precoce<br />

dos portadores de infecções de orofaringe pelo<br />

estreptococo beta-hemolítico do grupo A e o tratamento<br />

com antibióticos bactericidas (5) . O diagnóstico rápido<br />

é essencial, e o tratamento deve ser iniciado nos<br />

primeiros dias do quadro, pois a persistência do microrganismo<br />

por mais de uma semana acarretará, nos<br />

indivíduos suscetíveis, a seqüência de reações imunológicas,<br />

que poderá desenvolver o surto de febre reumática<br />

(4) .<br />

O quadro clínico da amidalite estreptocócica inclui<br />

dor de garganta, impedindo a deglutição, febre alta<br />

(mais de 38 o C), adenopatia cervical e submandibular,<br />

e petéquias em palato e úvula. Geralmente não há se-<br />

Figura 1. Número de casos de febre reumática aguda internados por ano.<br />

creção nasal ou tosse, sendo o diferencial feito com<br />

outras infecções das vias aéreas superiores, como as<br />

causadas por vírus. Podem ser realizados exames laboratoriais<br />

para o diagnóstico da estreptococcia, como<br />

cultura de orofaringe (que em geral tem baixa positividade)<br />

e testes rápidos. Esses testes muitas vezes são<br />

de difícil obtenção e retardariam o tratamento adequado<br />

da estreptococcia, motivo pelo qual em geral em<br />

saúde pública o procedimento mais adequado é tratar<br />

com antibióticos todas as infecções de garganta com a<br />

mínima possibilidade de serem bacterianas. Esse regime<br />

mais agressivo de uso de antibióticos é adequado<br />

a situações de alta prevalência de estreptococos no<br />

ambiente ou em surtos epidêmicos de amidalite aguda<br />

(5) .<br />

O antibiótico de eleição para a profilaxia primaria<br />

da febre reumática é a penicilina G benzatina em dose<br />

única de 600.000 UI para crianças de até 25 kg e de<br />

1.200.000 UI para pacientes acima desse peso, em<br />

injeção intramuscular profunda, em dose única. A<br />

grande vantagem desse regime é seu baixo custo e<br />

grande eficácia e a vantagem de não haver necessidade<br />

de repetir o tratamento. Considerando-se o tratamento<br />

por via oral, a droga de escolha ainda é a<br />

fenoximetilpenicilina (penicilina V) (2, 5) na dose de<br />

500.000 UI de 12 em 12 horas para crianças e em<br />

intervalo mais freqüente (de 8 em 8 horas ou de 6<br />

em 6 horas) para adultos. Devemos lembrar que o<br />

tratamento antibiótico deve ser mantido por pelo<br />

menos 10 dias, com o objetivo de prevenir também a<br />

ocorrência de febre reumática. Devemos lembrar que<br />

as penicilinas ocupam lugar de destaque no combate<br />

às estreptococcias também pela ausência de resistência<br />

destes a essas drogas<br />

Novos tratamentos para a amidalite, como, por<br />

exemplo, com macrolídeos (6) ou cefalosporinas (7-10) , podem<br />

ser efetivos na erradicação do estreptococo, mas<br />

por serem medicamentos de alto custo têm seu emprego<br />

limitado na amidalite estreptocócica, principalmente<br />

quando se tem um tratamento tão efetivo e de<br />

86 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


TARASOUTCHI F<br />

e col.<br />

Profilaxia da<br />

febre reumática<br />

baixo custo disponível.<br />

Além disso, até hoje não<br />

foi descrita resistência dos<br />

estreptococos à penicilina.<br />

Para pacientes alérgicos<br />

à penicilina pode-se<br />

usar eritromicina na dose<br />

de 10 mg/kg a 12 mg/kg a<br />

cada 8 horas ou 500 mg a<br />

cada 6 horas, também du-<br />

Tabela 1. Prevenção da febre reumática — profilaxia primária.<br />

Agente Dose Via Duração<br />

Penicilina G benzatina 600.000 IU para IM Dose única<br />

pacientes < 27kg<br />

1.200.000 UI para<br />

pacientes ≥ 27kg<br />

Penicilina V Crianças VO 10 dias<br />

250 mg 2-3 vezes por dia<br />

Adolescentes e adultos<br />

500 mg 2-3 vezes por dia<br />

Para pacientes alérgicos à penicilina<br />

Eritromicina 40 mg/kg/dia VO 10 dias<br />

2-4 vezes por dia<br />

(máximo 1g/dia)<br />

IM = intramuscular; VO = via oral.<br />

rante 10 dias. As sulfas são inadequadas para o tratamento<br />

das amidalites estreptocócicas, pois não são<br />

bactericidas e assim não previnem a febre reumática<br />

(5, 11) (Tab. 1).<br />

Para o diagnóstico de febre reumática é necessário<br />

quadro clínico típico compatível, que, em geral, se instala<br />

após a amidalite, e não durante a mesma. Em estudos<br />

clássicos em populações confinadas em quartéis,<br />

verificou-se que após um surto de amidalites estreptocócicas<br />

apenas 3% dos infectados desenvolveram<br />

quadro clínico compatível com febre reumática.<br />

Assim, não basta a estreptococcia, o paciente tem que<br />

ser suscetível à febre reumática. Títulos elevados de<br />

antiestreptolisina O (ASLO) apenas demonstram estreptococcia<br />

anterior, mas não fazem diagnóstico de<br />

febre reumática.<br />

PROFILAXIA SECUNDÁRIA DA <strong>FEBRE</strong><br />

<strong>REUMÁTICA</strong><br />

Nos pacientes com diagnóstico de febre reumática,<br />

está indicada a profilaxia secundária para a prevenção<br />

de novos surtos. O diagnóstico correto da doença é<br />

fundamental e a melhor ferramenta para isso é a história<br />

clínica detalhada e o exame físico minucioso. Esse<br />

cuidado é fundamental para evitar que pacientes sem<br />

febre reumática recebam profilaxia apenas por serem<br />

portadores de altos títulos de ASLO e pacientes com<br />

valvopatia grave não recebam a adequada profilaxia,<br />

que pode melhorar o prognóstico do paciente a longo<br />

prazo. (2)<br />

A droga de escolha é a penicilina G benzatina, nas<br />

mesmas doses de 600.000 UI para crianças com até<br />

27 kg e de 1.200.000 UI acima desse peso. A freqüência<br />

das doses de penicilina é motivo de controvérsia,<br />

que vem ganhando mais definição graças a muitos estudos<br />

comparando diversos regimes de profilaxia. Segundo<br />

a “American Heart Association” (5) , o uso de aplicações<br />

mensais seria adequado, reservado-se as aplicações<br />

a cada três semanas para localidades com alta<br />

incidência de febre reumática ou de amidalites estreptocócicas.<br />

Entretanto, vários trabalhos demonstram que,<br />

ao menos fora dos Estados Unidos e da Europa, o regime<br />

de uma aplicação de penicilina a cada quatro semanas<br />

é inadequado. (12-15) Em nosso meio, pela alta<br />

prevalência de febre reumática e de infecções esteptocócicas,<br />

não devemos usar aplicações mensais de penicilina<br />

benzatina por não proporcionarem proteção<br />

adequada aos portadores de doença reumática. O risco<br />

de recorrência com aplicações a cada quatro semanas<br />

é cinco vezes maior que com aplicações a cada<br />

três semanas. (12)<br />

Assim, a profilaxia secundária deve ser realizada<br />

com aplicações de penicilina G benzatina com intervalo<br />

máximo de três semanas. Considerando-se que o<br />

maior risco de recorrência da febre reumática ocorre<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 87


TARASOUTCHI F<br />

e col.<br />

Profilaxia da<br />

febre reumática<br />

nos dois primeiros anos<br />

após o surto reumático, a<br />

penicilina deve ser administrada<br />

a cada 15 dias (2)<br />

nos dois primeiros anos<br />

após o surto reumático e<br />

após isso deverá ser administrada<br />

com intervalos<br />

de 21 dias. A preferência<br />

pelo regime de 15/15 dias<br />

nos dois primeiros anos<br />

deve-se ao fato de que<br />

nesse período é maior a probabilidade de recorrência<br />

da febre reumática, e com aplicações quinzenais a recorrência<br />

da febre reumática é próxima a zero. (14) Para<br />

pacientes com alergia à penicilina está indicada a sul-<br />

Tabela 2. Prevenção da febre reumática — profilaxia secundária.<br />

Agente Dose Via<br />

Penicilina G benzatina 1.200.000 UI a cada IM<br />

2-3 semanas<br />

Penicilina V 250 mg 2 x por dia VO<br />

Sulfadiazina 0,5 g uma vez por dia VO<br />

para pacientes < 27 kg<br />

1 g uma vez por dia<br />

para pacientes ≥ 27 kg<br />

Para pacientes alérgicos à penicilina e à sulfadiazina<br />

Eritromicina 250 mg 2 x por dia ‘ VO<br />

IM = intramuscular; VO = via oral.<br />

fadiazina (2) , na dose de 1 g/dia, sendo necessário o controle<br />

de possíveis quadros leucopênicos (Tab. 2). Devemos<br />

sempre lembrar que a antibioticoterapia intramuscular<br />

é mais efetiva que aquela por via oral na prevenção<br />

de novos surtos reumáticos. (16)<br />

Os critérios de suspensão à profilaxia são (2) : pacientes<br />

sem acometimento cardíaco, apenas com manifestação<br />

articular ou coréia “pura” — suspender aos 18<br />

anos ou cinco anos após o surto reumático; pacientes<br />

com cardite durante o surto agudo que não apresentam<br />

seqüelas tardias ou apresentam seqüelas muito<br />

discretas — suspender aos 25 anos ou dez anos após<br />

o último surto reumático; pacientes nos quais é retirada<br />

a profilaxia e os sintomas retornam deverão ter profilaxia<br />

mantida por mais cinco anos. Pacientes com acometimento<br />

cardíaco, mesmo discreto, deverão ter profilaxia<br />

prolongada, de preferência por toda a vida; quan-<br />

do isso não for possível, até a quinta década.<br />

(2, 5)<br />

Desde os primeiros trabalhos sobre a profilaxia,<br />

vários centros acadêmicos têm incentivado a forma-<br />

ção de grupos para o acompanhamento da profilaxia<br />

secundária da febre reumática. Esses centros seguiriam<br />

os portadores de febre reumática e seriam capazes<br />

de pesquisa ativa nos casos de absenteísmo, pois<br />

a falta de aderência entre adolescentes e famílias migrantes<br />

leva a grande incidência de recidivas. Em nosso<br />

meio, a Liga de Combate à Febre Reumática desenvolve,<br />

desde 1955, trabalho de acompanhamento<br />

com especial atenção à orientação dos pacientes quanto<br />

ao correto uso da profilaxia (17) e cuidados globais ao<br />

paciente reumático, como a disponibilidade de serviço<br />

de odontologia integrado ao atendimento médico (18) , que<br />

é de extrema importância, visto que pacientes com febre<br />

reumática têm pouco acesso a serviços de saúde<br />

e por isso, em geral, têm saúde bucal precária. A associação<br />

de infecções dentárias a lesões valvares reu-<br />

máticas pode ter conseqüências graves, notadamente<br />

a endocardite Infecciosa.<br />

DURAÇÃO DA PROFILAXIA ANTIBIÓTICA EM<br />

PACIENTES COM <strong>FEBRE</strong> <strong>REUMÁTICA</strong><br />

O risco aumenta com vários ataques prévios, enquanto<br />

o risco diminui quanto maior for o intervalo desde<br />

o ataque mais recente. A probabilidade de se adquirir<br />

infecção estreptocócica de trato respiratório superior<br />

é uma consideração importante. Pacientes com<br />

aumento da exposição a infecções estreptocócicas incluem<br />

crianças e adolescentes, pais de crianças jovens,<br />

professores, médicos, enfermeiras, outros profissionais<br />

de saúde em contato com crianças, recrutas militares<br />

e outros em ambientes cheios e fechados (aglomerações).<br />

Tem-se demonstrado alto risco de recorrência<br />

em populações com dificuldades econômicas.<br />

Médicos devem considerar cada situação individual<br />

quando determinam a duração adequada da profilaxia.<br />

88 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


TARASOUTCHI F<br />

e col.<br />

Profilaxia da<br />

febre reumática<br />

Pacientes que tiveram cardite<br />

reumática são também<br />

de alto risco relativo<br />

de recorrência de cardite<br />

e provavelmente de manter<br />

um envolvimento cardíaco<br />

grave e crescente com<br />

cada recorrência. Por isso,<br />

pacientes que tiveram cardite<br />

reumática devem receber<br />

profilaxia antibiótica<br />

por longos períodos, talvez<br />

por toda a vida. A duração da profilaxia depende de<br />

haver ou não valvulopatia residual. A profilaxia deve<br />

ser mantida mesmo após a cirurgia valvular, incluindo<br />

colocação de prótese valvular. Pacientes que tiveram<br />

febre reumática sem cardite são consideravelmente de<br />

menor risco para envolvimento cardíaco com recorrência.<br />

Portanto, a profilaxia pode ser interrompida nesses<br />

indivíduos após vários anos. Em geral, a profilaxia<br />

deve continuar até cinco anos após o último ataque de<br />

febre reumática ou 21 anos de idade, conforme seja o<br />

tempo. A decisão de interromper ou reiniciar a profilaxia<br />

deve ser feita após discussão com o paciente dos<br />

potenciais riscos e benefícios, além de cuidadosa consideração<br />

dos fatores de risco epidemiológicos citados<br />

anteriormente (Tab. 3). Em pacientes que possuam<br />

exposição ocupacional ao estreptococo, como médicos,<br />

dentistas, enfermeiros, auxiliares de enfermagem,<br />

professores, trabalhadores em creches e que tenham<br />

seqüelas graves decorrentes da febre reumática, a profilaxia<br />

deve ser mantida enquanto persistir a exposição<br />

ocupacional. Dessa forma, esse grupo de pacientes<br />

deve manter a profilaxia enquanto estiverem atuando<br />

profissionalmente.<br />

Tabela 3. Duração da profilaxia antibiótica em pacientes<br />

com febre reumática.<br />

Categoria Duração<br />

Febre reumática com cardite Pelo menos dez anos<br />

e seqüela valvar após o último surto,<br />

pelo menos até os 40<br />

anos<br />

Algumas vezes pela<br />

‘ vida inteira<br />

Febre reumática com cardite Dez anos ou até a<br />

sem seqüela valvar idade adulta,<br />

o que for mais longo<br />

Febre reumática sem cardite Cinco anos ou até os<br />

21 anos, o que for<br />

mais longo<br />

PERSPECTIVAS<br />

O maior desafio para o controle efetivo da febre reumática<br />

é o desenvolvimento de uma vacina contra o<br />

estreptococo beta-hemolítico do grupo A. Essa vacina<br />

traz muitos desafios, sendo o principal deles identificar<br />

um peptídeo que ao mesmo tempo confira proteção e<br />

não desencadeie a reação imune tardia que causa a<br />

febre reumática. No Instituto do Coração (InCor/HC-<br />

FMUSP), o grupo do laboratório de imunologia tem feito<br />

pesquisas relevantes sobre a fisiopatologia da febre<br />

reumática (19) e trabalha atualmente para o desenvolvimento<br />

de vacina, que poderá ser o desenvolvimento<br />

que vai erradicar definitivamente as complicações tardias<br />

de infecções estreptocócicas, como a febre reumática.<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 89


TARASOUTCHI F<br />

e col.<br />

Profilaxia da<br />

febre reumática<br />

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and penicillin in the treatment of group A<br />

streptococcal pharyngitis: a meta-analysis suppor-<br />

RHEUMATIC FEVER PROPHYLAXIS<br />

FLÁVIO TARASOUTCHI, GUILHERME SOBREIRA SPINA<br />

For the prevention of acute rheumatic fever, identification and early treatment of<br />

streptococcal pharingoamigdalytis is essential. Erradication of group A streptococci<br />

is achieved by a single dose of benzathine penicillin G or via a 10-day course of oral<br />

antibiotics. In the antibiotic selection several factors must be considered, such as:<br />

cost, clinical and bacteriological efficacy and compliance to the prescribed regimen.<br />

Still today, penicillin is the antibiotic of choice for primary and secondary prophylaxis<br />

of rheumatic fever, except in patients with penicillin allergy. Patients with a rheumatic<br />

fever diagnosis must undertake secondary prophylaxis for the prevention of recurrent<br />

attacks which can lead to progression of the disease. In countries with high<br />

prevalence of rheumatic fever and rheumatic heart disease secondary prophylaxis<br />

must be achieved with benzathine penicillin G applications with 21-day intervals.<br />

Key words: rheumatic fever, prophylaxis, valvular heart disease.<br />

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:85-91)<br />

RSCESP (72594)-1512<br />

ting the concept of microbial copathogenicity. Pediatr<br />

Infect Dis J. 1991;10:275.<br />

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adolescents. Pediatr Infect Dis J. 1992;11:919.<br />

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pharyngitis/tonsillitis. Pediatr Infect Dis J.<br />

1993;12:275.<br />

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streptococcal pharyngotonsillitis: reports of<br />

penicillin’s demise are premature. J Pediatr.<br />

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and recurrences of rheumatic fever. Pediatrics.<br />

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13. Oran B, Tastekin A, Karaaslan S, Bas L, Aycicek A,<br />

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90 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


TARASOUTCHI F<br />

e col.<br />

Profilaxia da<br />

febre reumática<br />

Benzathine penicillin G for<br />

rheumatic fever prophylaxis:<br />

2-weekly versus 4-weekly<br />

regimens. Indian J<br />

Pediatr. 1992;59(6):741-8.<br />

15. Lue HC, Wu MH, Wang<br />

JK, et al. Long-term outcome<br />

of patients with rheumatic<br />

fever receiving benzathine<br />

penicillin G prophylaxis<br />

every three weeks<br />

versus every four weeks. J.<br />

Pediatr. 1994;125:812.<br />

16. Manyemba J, Mayosi BM. Intramuscular penicillin<br />

is more effective than oral penicillin in secondary<br />

prevention of rheumatic fever — a systematic review.<br />

S Afr Med J. 2003;93(3):212-8.<br />

17. Weiller C, Dias K, Spina GS, Pedrotti I, Zambon L,<br />

Pavani L, et al. Consulta coletiva na Liga de Combate<br />

à Febre Reumática: Uma ferramenta bioética<br />

para educação. Arq Bras Cardiol. 2003;81:118.<br />

18. Moscardi MF, Andrade ACP, Accorsi TAD, Zanbon<br />

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odontológico da liga de combate da Febre<br />

Reumática: uma experiência de integração multidisciplinar.<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo.<br />

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 91


GRINBERG M e col.<br />

Indicação cirúrgica na<br />

febre reumática aguda<br />

INTRODUÇÃO<br />

INDICAÇÃO CIRÚRGICA NA<br />

<strong>FEBRE</strong> <strong>REUMÁTICA</strong> AGUDA<br />

MAX GRINBERG, GUILHERME SOBREIRA SPINA<br />

A prevalência de febre reumática e de cardiopatia<br />

reumática crônica em uma determinada comunidade<br />

são reflexo do nível de cuidados preventivos primários<br />

(1) . Em muitos países desenvolvidos a doença tornou-se<br />

rara, enquanto em países em desenvolvimento,<br />

como o Brasil, a cardiopatia reumática crônica permanece<br />

como a maior causa de doença cardíaca entre<br />

crianças e adultos jovens.<br />

A febre reumática é seqüela de uma infecção de<br />

orofaringe pelo estreptococo beta-hemolítico do grupo<br />

A de Lancefield, e acomete 3% a 4% das crianças não<br />

tratadas. A doença reumática cardíaca aparece no período<br />

de quatro a oito semanas ou mais tardiamente<br />

em cerca de 30% das crianças acometidas por febre<br />

reumática. A doença reumática é das que acarretam<br />

maiores custos para o Sistema Único de Saúde e para<br />

a comunidade em geral, pois acomete indivíduos mui-<br />

Unidade Clínica de Valvopatia — Instituto do Coração (InCor) — HC-FMUSP<br />

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 —<br />

CEP 05403-900 — São Paulo — SP<br />

A febre reumática ainda tem alta prevalência em nosso meio, e sua manifestação<br />

mais temível é a cardite reumática. A cardite acarreta inflamação de todos os folhetos<br />

do coração, mas suas conseqüências manifestam-se de forma mais pronunciada<br />

no miocárdio e no endocárdio. A insuficiência cardíaca na cardite grave ocorre<br />

tanto por disfunção miocárdica como por aparecimento ou aumento de regurgitação<br />

valvar. Nos raros casos de insuficiência cardíaca refratária, a pulsoterapia se faz<br />

necessária; se houver insuficiências graves, pode ser necessária a abordagem cirúrgica<br />

na fase aguda da doença. Tal intervenção, entretanto, deve ser realizada no<br />

período de estado apenas em pacientes com insuficiência cardíaca refratária, pelas<br />

dificuldades técnicas e alta mortalidade.<br />

Palavras-chave: febre reumática, cardite reumática aguda, tratamento, indicação<br />

cirúrgica.<br />

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:92-6)<br />

RSCESP (72594)-1513<br />

to jovens e freqüentemente determina múltiplas internações<br />

hospitalares e cirurgias. Estima-se que 30% das<br />

cirurgias cardíacas no Brasil se devam a seqüelas de<br />

febre reumática, porcentual que se eleva a 90% quando<br />

consideramos apenas as cirurgias cardíacas infantis.<br />

Segundo dados do DATASUS (Fig. 1), nos últimos<br />

dez anos houve uma média de 10 mil casos de febre<br />

reumática aguda por ano que necessitaram de internação<br />

hospitalar. Esse é um valor extremamente elevado,<br />

considerando-se que esta, entre as doenças cardiológicas,<br />

é com certeza a mais facilmente evitável (2) .<br />

A Figura 1 analisa internações por febre reumática aguda,<br />

segundo dados do sistema DATASUS. Devemos<br />

ressaltar que a internação por febre reumática aguda<br />

é evento raro, que ocorre em menos de 5% dos casos.<br />

Em geral, os surtos reumáticos podem ser acompanhados<br />

e medicados ambulatorialmente. A quase totalidade<br />

dos casos de artrite e de coréia reumáticas pode<br />

ser acompanhada sem necessidade de internação.<br />

92 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


GRINBERG M e col.<br />

Indicação cirúrgica na<br />

febre reumática aguda<br />

Dessa forma, a maior<br />

parte dos pacientes com<br />

atividade reumática que<br />

necessita de internação<br />

são aqueles com acometimento<br />

cardíaco de grau<br />

importante. Esses pacientes<br />

têm quadros que podem<br />

variar de leve insuficiência<br />

cardíaca até a cardite<br />

fatal, quadro que ainda<br />

ocorre em países com<br />

Figura 1. Número de casos de febre reumática aguda internados por ano.<br />

alta incidência de febre reumática, como o nosso. Em<br />

casos raros, o acometimento cardíaco pode ser de tal<br />

importância que há a necessidade de tratamento cirúrgico<br />

na fase de estado da doença.<br />

QUADRO CLÍNICO DA CARDITE <strong>REUMÁTICA</strong><br />

A cardite é a mais grave das manifestações da febre<br />

reumática, por deixar seqüelas (cardiopatia reumática<br />

crônica). Em nosso meio, cada vez mais pacientes<br />

têm quadros de cardite e se apresentam assintomáticos<br />

ou oligossintomáticos, tornando cada vez mais difícil<br />

o diagnóstico da cardite aguda. O fato de a cardite<br />

ser uma manifestação predominantemente celular faz<br />

com que possam não haver outros sintomas como artrite<br />

e/ou coréia, manifestações predominantemente<br />

humorais, dificultando assim o reconhecimento da doença.<br />

Outras manifestações celulares como os nódulos<br />

subcutâneos podem acompanhar a cardite, e por<br />

isso são classicamente marcadores de cardite grave.<br />

O uso precoce de antiinflamatórios não-hormonais também<br />

pode dificultar o reconhecimento da cardite reumática,<br />

impedindo seu reconhecimento e tratamento<br />

adequados.<br />

Freqüentemente a cardite aguda reumática é assintomática,<br />

e nem por isso é menos grave: muitos pacientes<br />

apresentam-se tardiamente com sintomas decorrentes<br />

de seqüelas valvares reumáticas, não sabendo<br />

relatar sintomas compatíveis com surto agudo reumático.<br />

Como o uso de antiinflamatórios hormonais e,<br />

principalmente, a instituição precoce da profilaxia secundária<br />

podem mudar radicalmente o prognóstico des-<br />

ses pacientes, o diagnóstico do surto de cardite aguda<br />

é de extrema importância.<br />

Hoje podemos dizer que há dois tipos de cardite<br />

grave: a cardite considerada grave por ter sintomas de<br />

insuficiência cardíaca e miocardite na fase aguda e a<br />

cardite silente na fase aguda, mas que determina importantes<br />

seqüelas valvares, que se tornam clinicamente<br />

aparentes décadas após o surto agudo.<br />

Pode ser didaticamente dividida em :<br />

— Cardite leve — Paciente com quadro de taquicardia<br />

desproporcional à febre, abafamento da primeira bulha,<br />

sopros sistólicos regurgitativos discretos em<br />

área mitral, aumento do intervalo PR no eletroardiograma,<br />

com área cardíaca normal à radiografia. Na<br />

quase totalidade dos casos é assintomática.<br />

— Cardite moderada — Compreende os sintomas da<br />

cardite leve acrescidos de pericardite (dor precordial<br />

que melhora com a posição genopeitoral, e piora<br />

com o decúbito e com a inspiração, acrescida de<br />

atrito pericárdico à ausculta). Os sopros em geral<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 93


são mais intensos e há aumento<br />

discreto a moderado<br />

da área cardíaca, po-<br />

GRINBERG M e col. dendo haver imagem car-<br />

Indicação cirúrgica na díaca sugestiva de derra-<br />

febre reumática aguda me pericárdico. O eletrocardiograma<br />

pode revelar<br />

prolongamento do intervalo<br />

QT, complexos QRS de<br />

baixa voltagem e sobrecarga<br />

de câmaras esquerdas.<br />

A maioria dos pacientes<br />

que não apresenta pericardite é assintomática.<br />

— Cardite grave — O principal sintoma da cardite grave<br />

é a insuficiência cardíaca. Pode ocorrer já no primeiro<br />

surto de febre reumática, mas é mais comum<br />

nas recorrências desta. Pode se iniciar de forma<br />

inespecífica, com anorexia, astenia, palidez e taquipnéia,<br />

principalmente em crianças. Tais sintomas logo<br />

são superajuntados àqueles da insuficiência cardíaca,<br />

como edema de membros inferiores, oropnéia,<br />

dispnéia paroxística noturna e hepatomagalia dolorosa.<br />

FISIOPATOLOGIA DA CARDITE <strong>REUMÁTICA</strong><br />

Hoje na literatura há diversos relatos de que a disfunção<br />

miocárdica na cardite reumática seria decorrente<br />

apenas do grau de regurgitação valvar. Essa teoria<br />

foi baseada no fato de que não foram achadas elevações<br />

dos níveis séricos de troponinas cardíacas na<br />

fase aguda da febre reumática. Discordamos, entretanto,<br />

dessa interpretação. Na cardite aguda, o fator miocárdico<br />

é somado ao fator valvar para, em conjunto,<br />

produzirem os sintomas da insuficiência cardíaca.<br />

Devemos lembrar que nem sempre é necessário que<br />

haja necrose miocárdica para que a disfunção ventricular<br />

se estabeleça. Fatores humorais presentes nos<br />

estados inflamatórios, como as citocinas pró-inflamatórias,<br />

podem produzir disfunção ventricular reversível<br />

sem necrose miocárdica. O fator de necrose tumoral<br />

alfa (TNF) e a interleucina-6 (IL-6) podem produzir disfunção<br />

ventricular por vias dependentes de esfingomielinase<br />

(3, 4) neutra e de óxido nítrico. Assim, a fase aguda<br />

da febre reumática pode produzir disfunção ventricular<br />

reversível sem necrose miocárdica.<br />

É interessante também observarmos que a resposta<br />

inflamatória que ocorre na valva é diferente da resposta<br />

inflamatória que ocorre no miocárdio na febre<br />

reumática. A análise do perfil de citocinas no tecido<br />

cardíaco de pacientes com doença reumática cardíaca<br />

grave mostrou predomínio de células mononucleares<br />

secretoras de TNF alfa e IFNγ (padrão Th1), enquanto<br />

raras células mononucleares infiltrantes das<br />

válvulas produzem IL-4, citocina reguladora da resposta<br />

inflamatória. Considerando-se que as lesões valvulares<br />

reumáticas são lentas e progressivas, a baixa produção<br />

de IL-4 e, conseqüentemente, a manutenção da<br />

inflamação local estão correlacionadas com a progressão<br />

das lesões valvares na doença reumática cardíaca,<br />

enquanto no miocárdio, em que há grande número<br />

de células produtoras de IL-4, ocorre cura da miocardite<br />

após algumas semanas (5) .<br />

QUADRO CLÍNICO<br />

O exame físico na cardite grave em geral revela taquicardia,<br />

sendo característicos os sopros mitrais. O<br />

aumento do volume de sangue proveniente do átrio esquerdo<br />

pode também gerar um sopro diastólico, especialmente<br />

quando os folhetos mitrais estão espessados,<br />

como acontece na doença reumática. Na fase ativa<br />

dessa doença, observamos hipofonese de B1, associada<br />

a sopro sistólico regurgitativo e sopro diastólico<br />

em ruflar sem reforço pré-sistólico (sopro de Carey-<br />

Coombs). A valvulite aguda leva à insuficiência mitral<br />

aguda, que determina aumento do volume em átrio<br />

esquerdo e aumento do fluxo sanguíneo na diástole<br />

atrial, que faz vibrar a valva espessada pelo processo<br />

inflamatório agudo. Pelos motivos acima descritos, esse<br />

sopro é indicativo de valvulite reumática ativa. Diferenciamos<br />

esse sopro da dupla disfunção mitral estabelecida<br />

por não haver hiperfonese de B1, estalido de abertura<br />

de mitral ou reforço pré-sistólico no sopro diastólico,<br />

além do quadro clínico, que é bastante diferente<br />

nas duas doenças. O sopro mais comum na cardite<br />

reumática é o sopro sistólico regurgitativo mitral.<br />

O eletrocardiograma pode revelar sobrecarga de câmaras<br />

esquerdas e, por vezes, arritmias atriais. Um sinal<br />

importante nesse exame é a presença de bloqueio<br />

atrioventricular do primeiro grau, que inclusive é critério<br />

menor de Jones para o diagnóstico. A radiografia<br />

de tórax em geral apresenta grande aumento da área<br />

cardíaca e da congestão pulmonar. O ecocardiograma,<br />

especialmente o transesofágico, além do espessamento<br />

valvar e das insuficiências valvares, pode mostrar as<br />

pequenas verrucosidades reumáticas na borda das<br />

valvas características de atividade reumática. Outro<br />

exame de imagem que pode ser útil nessa fase é a<br />

cintilografia cardíaca com gálio-67, que tem boa especificidade<br />

para a miocardite reumática.<br />

TERAPÊUTICA<br />

As medidas gerais são muito importantes, como restrição<br />

hidrossalina e repouso absoluto, por quatro a seis<br />

semanas no caso da cardite leve e moderada e até o<br />

controle da insuficiência cardíaca no caso da cardite<br />

grave, com retorno gradual às atividades após esse<br />

período. Embora alguns grupos tenham utilizado an-<br />

94 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


GRINBERG M e col.<br />

Indicação cirúrgica na<br />

febre reumática aguda<br />

tiinflamatórios não-hormonais<br />

no tratamento da cardite,<br />

entendemos que<br />

como mais grave manifestação<br />

da doença reumática,<br />

a cardite deve ser tratada<br />

necessariamente<br />

com antiinflamatórios hormonais.<br />

Também destacamos<br />

que atualmente,<br />

como a maioria (mais de<br />

80%) dos casos de cardi-<br />

te reumática aguda é assintomática, a identificação de<br />

cardite reumática, mesmo que subclínica, demonstra<br />

que há grande inflamação miocárdica, que deve ser<br />

tratada vigorosamente por sua gravidade. Dessa forma,<br />

não aconselhamos o uso de antiinflamatórios nãohormonais<br />

para o tratamento da cardite.<br />

O antiinflamatório de escolha é a prednisona, na<br />

dose de 1 mg/kg para os casos leves e de 2 mg/kg nos<br />

casos graves, máximo de 60 mg/dia, com uma dose<br />

por dia, pela manhã. Em pacientes com insuficiência<br />

cardíaca de difícil controle está indicada a pulsoterapia<br />

com metilprednisolona, na dose de 1 g por três dias<br />

consecutivos (diluído em soro e administrado lentamente),<br />

podendo ser repetida até quatro vezes. Em crianças<br />

a dose é de 10 mg/kg a 40 mg/kg de metilprednisolona,<br />

e após a pulsoterapia os pacientes devem continuar<br />

com corticoterapia oral. Os corticóides devem ser<br />

mantidos por três a quatro semanas em dose máxima,<br />

quando então deve ser feita a retirada gradual, e média<br />

de 20% por semana, não sendo necessária, em<br />

nossa experiência, associação de ácido acetilsalicílico<br />

na retirada do corticóide. A duração da corticoterapia<br />

pode ser guiada por parâmetros clínicos, como a taquicardia<br />

(o mais sensível marcador clínico de atividade<br />

reumática) ou o grau de insuficiência cardíaca. Parâmetros<br />

laboratoriais como mucoproteínas, alfa-1 glicoproteína<br />

ácida e fração alfa-2 da eletroforese de proteínas<br />

também devem ser usados para acompanhamento<br />

da terapêutica.<br />

TRATAMENTO CIRÚRGICO<br />

O tratamento cirúrgico em pacientes com febre reumática<br />

pode ser considerado uma medida de exceção.<br />

A maioria dos pacientes tem boa resposta clínica quando<br />

realizada corticoterapia, seja por via oral seja endovenosa,<br />

na forma de pulsoterapia, nos casos mais graves.<br />

Apenas pacientes que têm insuficiência cardíaca<br />

refratária, associada a importante disfunção ventricular,<br />

devem ser considerados para tratamento cirúrgico<br />

na fase aguda da doença. De modo geral, os pacientes<br />

que são considerados para tratamento cirúrgico devem<br />

ter ao menos realizado tratamento com corticóide em<br />

altas doses (pulsoterapia com metil-prednisolona) antes<br />

de serem considerados para cirurgia.<br />

A valvulite reumática aguda pode produzir lesões<br />

valvares de importante repercussão hemodinâmica na<br />

fase aguda, podendo levar à rotura de cordas tendíneas<br />

da valva mitral. Essa insuficiência mitral aguda é de<br />

difícil compensação clínica, e freqüentemente pode necessitar<br />

de correção cirúrgica ainda na fase aguda da<br />

doença. A febre reumática aguda também pode levar,<br />

embora mais raramente, a graves disfunções e até rotura<br />

da valva aórtica.<br />

O tratamento cirúrgico na fase aguda traduz-se em<br />

maior risco para o paciente, pois, em decorrência da<br />

inflamação, as estruturas estão mais friáveis e mesmo<br />

o acesso ao campo cirúrgico pode estar prejudicado,<br />

caso esteja presente a pericardite fibrinosa da febre<br />

reumática.<br />

CUIDADOS COM O CANDIDATO A CIRURGIA NA<br />

FASE AGUDA DA <strong>FEBRE</strong> <strong>REUMÁTICA</strong><br />

Pacientes com febre reumática aguda que estão<br />

sendo considerados para cirurgia cardíaca representam<br />

uma população de extrema gravidade e, dessa forma,<br />

devem ser preferencialmente cuidados em ambiente<br />

de terapia intensiva, com monitorização constante.<br />

O uso de diuréticos venosos (digital) é útil e como a<br />

quase totalidade das lesões agudas da febre reumática<br />

consiste de regurgitações valvares, está indicado o<br />

uso de vasodilatadores, como os inibidores da enzima<br />

conversora de angiotensina ou, nos casos críticos, o<br />

nitroprussiato de sódio venoso. Esses pacientes freqüentemente<br />

necessitam também se suporte inotrópico<br />

com dobutamina na dose de 5 µg/kg/min a 20 µg/<br />

kg/min. Casos com congestão pulmonar refratária podem<br />

se beneficiar de pressurização das vias aéreas<br />

com ventilação não-invasiva e CPAP. Devemos ressaltar<br />

que não devem ser esperadas grandes melhoras<br />

hemodinâmicas para a indicação cirúrgica.<br />

Técnica cirúrgica<br />

Apesar da gravidade do quadro, o tratamento cirúrgico<br />

na fase aguda da febre reumática nem sempre é<br />

sinônimo de troca valvar. Em nosso meio, procedimentos<br />

conservadores têm sido descritos para o tratamento<br />

das lesões decorrentes da febre reumática aguda (6) .<br />

Crianças e adolescentes constituem a maioria dos pacientes<br />

reumáticos com cardite grave, e sabe-se que<br />

nessa faixa etária o implante de prótese biológica está<br />

associado a alto índice de calcificação e necessidade<br />

precoce de reoperação por disfunção protética. Como<br />

solução alternativa, o implante de prótese metálica<br />

mostra-se pouco satisfatória em nossa realidade, pois<br />

o fato de serem portadores de febre reumática já demonstra<br />

que esses pacientes provêm de áreas e de<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005 95


GRINBERG M e col.<br />

Indicação cirúrgica na<br />

febre reumática aguda<br />

REFERÊNCIAS<br />

realidades com difícil<br />

acesso à assistência médica,<br />

e assim têm muitas<br />

SURGICAL INDICATION IN ACUTE RHEUMATIC FEVER<br />

MAX GRINBERG, GUILHERME SOBREIRA SPINA<br />

1. Massel B. Rheumatic Fever and Streptococcal Infection:<br />

Unraveling the Mysteries of a Dread Disease.<br />

Harvard University Press; 1997.<br />

2. Snitcowsky R. Rheumatic fever prevention in industrializing<br />

countries: problems and approaches. Pediatrics.<br />

1996;97(6 Pt 2):996-8.<br />

3. Cain BS, Meldrum DR, Dinarello CA, et al. Tumor<br />

necrosis factor α and interleukin 1ß synergistically<br />

depress human myocardial function. Crit Care Med.<br />

1999;27(7):1309-16.<br />

dificuldades para se adequar às necessidades de seguimento<br />

e cuidado demandadas pela anticoagulação<br />

oral.<br />

Rheumatic fever is still frequent and its most dreadful feature is the rheumatic<br />

carditis. Carditis leads to inflammation of all layers of the heart, but the myocarditis<br />

and the rheumatic endocarditis are the features that lead to severe consequences.<br />

Heart failure ensues due to myocarditis and also due to new or increased valvular<br />

regurgitation. In the rare cases of heart failure resistant to conventional treatment<br />

high-dose intravenous corticosteroid therapy is essential and surgical correction of<br />

the valvular regurgitations may be necessary. However, the surgery correction, due<br />

to its high risk, must only be performed in patients who fail to improve with medical<br />

treatment.<br />

Key words: rheumatic fever, acute rheumatic carditis, treatment, surgical indication.<br />

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1:92-6)<br />

RSCESP (72594)-1513<br />

4. Yokoyama T, Vaca L, Rossen RD, DuranteW, Hazarika<br />

P, Mann DL. Cellular basis for the negative inotropic<br />

effects of tumor necrosis factor-alpha in the adult mammalian<br />

heart. J Clin Invest. 1993;92:2303-12.<br />

5. Guilherme L, Cury P, Demarchi LM, Coelho V, Abel<br />

L, Lopez AP, et al. Rheumatic heart disease: proinflammatory<br />

cytokines play a role in the progression<br />

and maintenance of valvular lesions. Am J Pathol.<br />

2004;165(5):1583-91.<br />

6. Pomerantzeff PM, Brandao CM, Faber CM, et al. Mitral<br />

valve repair in rheumatic patients. Heart Surg<br />

Forum. 2000;3(4):273-6.<br />

96 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 — Janeiro/Fevereiro de 2005


OLIVEIRA KCS e col.<br />

Fatores de risco em<br />

pacientes com infarto<br />

agudo do miocárdio em<br />

hospital privado<br />

INTRODUÇÃO<br />

As doenças não-transmissíveis são responsáveis<br />

pelas principais causas de morte e incapacidade no<br />

mundo e representam grande desafio para o setor de<br />

saúde no que se refere ao desenvolvimento global (1, 2) .<br />

Na América Latina e no Caribe, as doenças nãotransmissíveis<br />

de maior importância para a Saúde Pública<br />

são as cardiovasculares, o câncer e o diabetes<br />

melito. As doenças cardiovasculares abrangem a doença<br />

isquêmica cardíaca, a doença cerebrovascular, a<br />

hipertensão arterial, a falência cardíaca e a doença cardíaca<br />

reumática (1-3) .<br />

Dentre as doenças cardiovasculares, destacamos<br />

a doença isquêmica cardíaca, que está intimamente<br />

ligada ao processo de aterosclerose, em decorrência<br />

do aumento da vida média e do envelhecimento da<br />

FATORES DE RISCO EM PACIENTES COM INFARTO<br />

AGUDO DO MIOCÁRDIO EM HOSPITAL PRIVADO<br />

KELLI CRISTINA SILVA DE OLIVEIRA, MARIA LÚCIA ZANETTI<br />

Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo<br />

Av. Bandeirantes, 3900 — Bairro Monte Alegre — Campus Universitário — USP —<br />

CEP 14040-902 — Ribeirão Preto — SP<br />

Este estudo descritivo teve como objetivo identificar os fatores de risco relacionados<br />

ao meio ambiente, à biologia humana, ao estilo de vida e aos serviços de saúde<br />

dos pacientes internados em um hospital privado, até 48 horas após o infarto agudo<br />

do miocárdio. Foram entrevistados 31 pacientes infartados, no período de janeiro a<br />

julho de 2003. Os resultados apontam que, dos 31 (100%) pacientes investigados, a<br />

maioria era alfabetizada (93,5%), do sexo masculino (61,3%), encontrava-se na faixa<br />

etária de 40 a 49 anos (54,9%), com sobrepeso ou obesidade classes I e II<br />

(58,1%), e apresentava antecedentes familiares de hipertensão arterial sistêmica<br />

(74,2%). Observou-se que 93,6% deles utilizavam frituras nas refeições, 58,1% faziam<br />

uso de bebida alcoólica, 32,2% eram fumantes e 29,0% eram ex-fumantes, 58,1%<br />

não praticavam atividade física, e 54,8% estavam realizando tratamento de hipertensão<br />

arterial e diabetes melito. Com isso, ficou demonstrada a necessidade de<br />

implementação de programa educativo específico para a prevenção de condições<br />

crônicas de saúde para essa clientela.<br />

Palavras-chave: fatores de risco, infarto do miocárdio, enfermagem.<br />

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1 Supl A:1-11)<br />

RSCESP (72594)-1514<br />

população. Esse fenômeno, que foi observado principalmente<br />

nos países desenvolvidos, hoje vem ocorrendo<br />

também nas áreas mais desenvolvidas dos chamados<br />

países de Terceiro Mundo (4, 5) .<br />

Numa revisão da literatura, as pesquisadoras verificaram<br />

que a classificação dos fatores de risco para as<br />

doenças cardiovasculares, em particular o infarto agudo<br />

do miocárdio, tem sido ampliada. Dentre os fatores<br />

de risco que predispõem as pessoas às doenças cardiovasculares<br />

estão: hábitos do estilo de vida (aumento<br />

da ingesta de gordura saturada, colesterol, sedentarismo,<br />

tabagismo, hipertensão arterial, dislipidemias,<br />

intolerância à glicose, resistência à insulina) e história<br />

familiar de doença cardiovascular prematura (obesidade,<br />

alcoolismo e estresse) (6) .<br />

Assim, quando as pessoas se expõem a esses fatores<br />

de risco, ficam sujeitas a essas doenças. No en-<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 (supl) — Janeiro/Fevereiro de 2005 1


OLIVEIRA KCS e col.<br />

Fatores de risco em<br />

pacientes com infarto<br />

agudo do miocárdio em<br />

hospital privado<br />

tanto, devemos considerar<br />

que a exposição a tais fatores<br />

também é decorrente<br />

de pobreza, baixos níveis<br />

de escolaridade, alimentação<br />

inadequada, falta<br />

de saneamento básico<br />

e qualidade do ambiente<br />

em que o indivíduo vive,<br />

situações que levam à<br />

maior exposição de agentes<br />

patológicos (1) .<br />

Então, é necessário que o profissional de saúde e<br />

os tomadores de decisão da área da saúde compreendam<br />

o conceito de risco. Os fatores de risco referemse<br />

a qualquer atributo de exposição do indivíduo que<br />

aumente a probabilidade de que ele padeça de enfermidade<br />

não-transmissível. No contexto da Saúde Pública,<br />

as verificações desses fatores nos auxiliam a<br />

descrever a distribuição de uma enfermidade futura<br />

numa população e não a predizer a saúde de uma pessoa<br />

em particular (2) .<br />

Cabe ressaltar que a construção do risco tem caráter<br />

coletivo e, portanto, a associação de condições de<br />

risco faz parte do processo de produção de doenças.<br />

Outro ponto a considerar é que a concepção de risco<br />

difere de pessoa para pessoa, pois a percepção acerca<br />

desse mesmo risco é influenciada pela cultura, pelo<br />

meio ambiente, pela mídia e por grupos de interesse e<br />

acesso aos produtos, e motivada pelo processo de globalização,<br />

que ocorre nas últimas décadas (2) .<br />

Mesmo considerando que não é possível modificar<br />

muitos dos fatores de risco associados às doenças, os<br />

pesquisadores têm procurado identificá-los e quantificá-los<br />

para a saúde.<br />

Partindo dessas considerações, procuramos identificar,<br />

por meio deste estudo, o estilo de vida dos pacientes<br />

com infarto agudo do miocárdio, tendo em vista<br />

os avanços tecnológicos e terapêuticos que auxiliam<br />

no tratamento da doença isquêmica do coração, prolongando,<br />

assim, a vida do paciente.<br />

REFERENCIAL TEÓRICO<br />

Diante da abrangência dos fatores de risco que envolvem<br />

os pacientes com infarto agudo do miocárdio,<br />

ou seja, os fatores biológicos, sociais, culturais e o sistema<br />

de saúde, optamos por utilizar o referencial teórico<br />

de Campo de Saúde (7) . Essa escolha possibilitará a<br />

análise de aspectos que abrangem o processo de doença<br />

dos pacientes, os quais apresentam essa condição<br />

crônica sob diferentes formas, ou seja, meio ambiente,<br />

biologia humana, estilo de vida e organização do<br />

sistema de saúde.<br />

O conceito de Campo de Saúde é composto por<br />

quatro elementos principais: meio ambiente, biologia<br />

humana, estilo de vida e organização do sistema de<br />

saúde. Construídos a partir da identificação das causas<br />

e dos fatores que desencadeavam doenças e mortes<br />

no Canadá, esses elementos possibilitaram estabelecer<br />

o nível de saúde da população, naquele país.<br />

Quanto ao conceito de meio ambiente, este inclui<br />

todos os aspectos relacionados à saúde externos ao<br />

corpo humano e relacionados ao ambiente tanto físico<br />

como social dos indivíduos. A biologia humana abrange<br />

os aspectos físicos e mentais da saúde, que se referem<br />

ao corpo humano e à constituição orgânica do<br />

indivíduo. Já o estilo de vida consiste no conjunto de<br />

decisões tomadas pelo indivíduo, sobre as quais ele<br />

possui maior ou menor controle e que afetam sua saúde.<br />

Do ponto de vista da saúde, decisões e hábitos<br />

pessoais insatisfatórios criam os riscos autocriados. Por<br />

fim, a organização do sistema de saúde é definido quanto<br />

a qualidade, quantidade, administração, natureza e<br />

relações de pessoas e recursos, no oferecimento do<br />

cuidado de saúde, do qual fazem parte a equipe e as<br />

instituições de saúde.<br />

OBJETIVO<br />

Identificar os fatores de risco relacionados ao meio<br />

ambiente, à biologia humana, ao estilo de vida e aos<br />

serviços de saúde de pacientes internados em hospital<br />

privado, até 48 horas após o infarto agudo do miocárdio.<br />

MATERIAL E MÉTODOS<br />

Delineamento do estudo<br />

Utilizamos, para esse fim, o método descritivo.<br />

Local do estudo<br />

A pesquisa foi desenvolvida no Hospital São Francisco<br />

e no Hospital do Coração de Ribeirão Preto, no<br />

Estado de São Paulo.<br />

População e amostra do estudo<br />

No período de janeiro a julho de 2003, 42 pacientes<br />

foram internados na Unidade Coronariana do hospital<br />

em estudo, com suspeita diagnóstica de infarto agudo<br />

do miocárdio. A amostragem feita por conveniência<br />

atendeu aos seguintes critérios de inclusão: o paciente<br />

deveria apresentar diagnóstico de infarto agudo do<br />

miocárdio, confirmado mediante a realização de exame<br />

clínico pelo médico; eletrocardiograma e alterações<br />

dos exames laboratoriais de dosagem de enzimas da<br />

creatina-cinase-CK com as isoenzimas; desidrogenase<br />

lática-LDH e músculo cardíaco-CKMB; encontrarse<br />

no segundo dia de infarto agudo do miocárdio, ou<br />

seja, até 48 horas após o infarto agudo do miocárdio;<br />

2 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 (supl) — Janeiro/Fevereiro de 2005


OLIVEIRA KCS e col.<br />

Fatores de risco em<br />

pacientes com infarto<br />

agudo do miocárdio em<br />

hospital privado<br />

estar sem dor e concordar<br />

em participar da pesquisa<br />

após assinatura do termo<br />

de consentimento informado.<br />

Assim, a amostra foi<br />

constituída por 31 pacientes<br />

internados com infarto<br />

agudo do miocárdio.<br />

Variáveis do estudo<br />

As variáveis do estudo<br />

foram relacionadas à identificação<br />

(nome, registro, enfermaria, leito, endereço<br />

completo e tipo de plano de saúde), ao meio ambiente<br />

(nível de instrução, profissão, ocupação, turno de trabalho,<br />

número de empregos, renda familiar, estado civil,<br />

número de filhos, procedência e local de residência),<br />

à biologia humana (sexo, idade, peso, altura, índice<br />

de massa corporal, história familiar de doenças cardiovasculares,<br />

antecedentes familiares de morte por<br />

doença cardiovascular e uso de hormônio feminino),<br />

ao estilo de vida (causas atribuídas pelo paciente para<br />

a ocorrência do infarto agudo do miocárdio, hábitos alimentares,<br />

consumo de bebidas alcoólicas, atividade<br />

física, tabagismo, estresse e padrão do sono), e ao sistema<br />

de saúde (informações referentes à doença atual,<br />

conhecimento do diagnóstico, dúvidas quanto à doença,<br />

tratamentos médicos e utilização de outro sistema<br />

de saúde).<br />

Elaboração do instrumento de coleta de dados<br />

Elaboramos um roteiro sistematizado, considerando<br />

as variáveis do estudo, a experiência pessoal do<br />

pesquisador e a revisão da literatura. Esse instrumento,<br />

composto de cinco partes, continha 42 questões<br />

semi-abertas e três abertas.<br />

Estudo piloto<br />

O estudo piloto foi realizado na Unidade Coronariana<br />

do hospital em estudo, em janeiro de 2003, com<br />

cinco pacientes infartados.<br />

Coleta de dados<br />

Obtivemos os dados das variáveis do estudo mediante<br />

entrevistas dirigidas, realizadas na Unidade Coronariana,<br />

ocasião em que o pesquisador registrou no<br />

instrumento os dados colhidos.<br />

Organização dos dados para análise<br />

Os dados contidos no formulário receberam códigos<br />

específicos, quando selecionamos as variáveis, que<br />

eram transportadas para uma planilha. Montamos a<br />

estrutura do banco de dados a partir das planilhas,<br />

sendo o mesmo formatado no programa SPSS 9.0 for<br />

Windows. Para análise dos dados, utilizamos normas<br />

preconizadas para um estudo descritivo, sendo a mesma<br />

fundamentada no referencial teórico do Modelo de<br />

Campo de Saúde.<br />

Aspectos éticos<br />

Submetemos o estudo à análise do Comitê de Ética<br />

da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade<br />

de São Paulo e, após sua aprovação, esclarecemos<br />

aos sujeitos participantes os objetivos e a natureza<br />

da investigação. Antes de iniciarmos as entrevistas,<br />

os participantes assinaram o termo de consentimento.<br />

RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />

Análise das variáveis relacionadas à identificação<br />

e ao meio ambiente<br />

Dos 31 (100%) pacientes investigados, 21 (67,7%)<br />

receberam atendimento do plano de saúde São Francisco<br />

Clínicas; 2 (6,5%), da Cooperativa de Trabalho<br />

Médico Unimed-Ribeirão Preto-SP; 1 (3,2%), particularmente;<br />

e 7 (22,6%), de outros planos de saúde.<br />

Em relação ao nível de instrução, os dados mais<br />

expressivos apontam que 5 (16,1%) cursaram o primeiro<br />

grau incompleto e 11 (35,5%), o primeiro grau<br />

completo (Tab. 1).<br />

Estudo randomizado realizado no Brasil, sobre os<br />

fatores de risco para o infarto agudo do miocárdio, demonstrou<br />

que, quanto ao grau de instrução, os pacientes,<br />

em sua maioria, eram analfabetos ou com baixo<br />

grau de escolaridade. Demonstrou, ainda, que não houve<br />

diferenças significativas entre os pacientes investigados<br />

quanto ao nível de escolaridade e risco para o<br />

desenvolvimento do infarto agudo do miocárdio (8) .<br />

Quanto à profissão, os dados desta pesquisa demonstraram<br />

que 12,9% e 9,7% dos pacientes eram empresários<br />

e comerciantes, respectivamente, o que leva<br />

a pensar que esses indivíduos podiam estar de alguma<br />

forma sob estresse ocupacional (Tab. 1).<br />

Em relação ao turno de trabalho, 24 (77,4%) pacientes<br />

com infarto agudo do miocárdio desenvolviam<br />

seu trabalho no período diurno; 1 (3,2%), no vespertino;<br />

4 (12,9%) deles encontravam-se sem trabalho; e 2<br />

(6,5%), em outros turnos.<br />

Em relação a estarem ou não empregados, dos 31<br />

(100%) pacientes investigados, 24 (77,4%) tinham um<br />

emprego; 2 (6,5%), dois; 1 (3,2%), quatro ou mais; e 4<br />

(12,9%) encontravam-se sem trabalho.<br />

A renda familiar dos pacientes com infarto agudo<br />

do miocárdio variou de 2 a 15 salários mínimos ou mais<br />

(Tab. 1). Em contrapartida, a renda familiar da maioria<br />

dos pacientes com infarto agudo do miocárdio atendida<br />

em hospital público era inferior a 3 salários-mínimos<br />

(9) .<br />

A associação entre um pobre estado de saúde e<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 (supl) — Janeiro/Fevereiro de 2005 3


OLIVEIRA KCS e col.<br />

Fatores de risco em<br />

pacientes com infarto<br />

agudo do miocárdio em<br />

hospital privado<br />

baixo nível socioeconômico tem sido observada no último<br />

século; assim, há fortes evidências de que a baixa<br />

condição econômica constitui fator independente de<br />

risco para a doença (10) .<br />

Analisando o estado civil (Tab. 1) dos pacientes com<br />

infarto agudo do miocárdio, observou-se que 22 (70,9%)<br />

eram casados/amasiados. Estudo realizado em um<br />

hospital público universitário de grande porte demonstrou<br />

que a maior parte dos pacientes era casada e tinha<br />

filhos (9) .<br />

Além da relação entre situação conjugal do indivíduo<br />

e índices de morbidade e mortalidade por doença<br />

Tabela 1. Distribuição numérica e porcentual de pacientes com infarto agudo do<br />

miocárdio, internados em hospital privado, segundo escolaridade, profissão, ocupação,<br />

renda familiar e estado civil — Ribeirão Preto, SP, 2003.<br />

n %<br />

Escolaridade<br />

— Analfabeto 2 6,5<br />

— Primeiro grau incompleto 5 16,1<br />

— Primeiro grau completo 11 35,5<br />

— Segundo grau incompleto 3 9,7<br />

— Segundo grau completo 6 19,3<br />

— Nível superior incompleto 1 3,2<br />

— Nível superior completo 3 9,7<br />

Profissão<br />

— Médico 1 3,2<br />

— Professor 1 3,2<br />

— Administrador de empresa 1 3,2<br />

Ocupação<br />

— Dona de casa 6 19,3<br />

— Aposentado 5 16,1<br />

— Empresário 4 12,9<br />

— Comerciante 3 9,7<br />

— Representante comercial 2 2,5<br />

— Artesão 2 2,5<br />

— Trabalhador rural 2 2,5<br />

— Vendedor 2 2,5<br />

— Outros 5 16,1<br />

Renda familiar<br />

— Menor que 3 salários mínimos 4 12,9<br />

— 3 a 5 salários mínimos 10 32,2<br />

— 5 a 10 salários mínimos 10 32,2<br />

— 15 ou mais salários mínimos 7 22,6<br />

Estado civil<br />

— Casado/amasiado 22 70,9<br />

— Viúvo 4 12,9<br />

— Desquitado/divorciado 3 9,7<br />

— Solteiro 2 2,5<br />

n = número de pacientes.<br />

isquêmica cardíaca (11) , ressaltamos a importância da<br />

participação da família no processo de reabilitação da<br />

pessoa acometida por infarto agudo do miocárdio para<br />

sua reintegração social (12) .<br />

No que se refere ao número de filhos, 8 (25,8%)<br />

pacientes tinham mais de três filhos; 7 (22,6%), três<br />

filhos; 7 (22,6%), dois filhos; 6 (19,3%), um filho; e 3<br />

(9,7%) não possuíam filhos. Ainda quanto ao número<br />

de filhos, cabe ressaltar que em todo o mundo as taxas<br />

de natalidade estão recuando, as expectativas de<br />

vida avançando e as populações envelhecendo. Na<br />

década de 50, por exemplo, a média de filhos em uma<br />

4 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 (supl) — Janeiro/Fevereiro de 2005


OLIVEIRA KCS e col.<br />

Fatores de risco em<br />

pacientes com infarto<br />

agudo do miocárdio em<br />

hospital privado<br />

família era de seis, porém<br />

hoje a taxa de fecundidade<br />

total diminuiu para três<br />

filhos. Os dados encontrados<br />

neste estudo também<br />

refletem essas mudanças<br />

(2) .<br />

Quanto ao local de moradia,<br />

os 31 (100%) pacientes<br />

residiam em área urbana,<br />

com infra-estrutura<br />

(rede de energia elétrica e<br />

pavimentação das ruas). No entanto, estudando a procedência<br />

dos 31 (100%) pacientes com infarto agudo<br />

do miocárdio, verificamos que 14 (45,2%) eram procedentes<br />

de Ribeirão Preto (SP); 7 (22,6%), da região de<br />

Ribeirão Preto (SP DIR XVIII) e 10 (32,2%), de outras<br />

cidades do Estado de São Paulo.<br />

Achamos importante investigar os aspectos relacionados<br />

ao meio ambiente, pois o bom estado de saúde<br />

é influenciado pelo estilo de vida, que guarda relação<br />

direta com qualidade de vida e com clima harmonioso<br />

no ambiente de trabalho e social e consigo mesmo<br />

(13) .<br />

Análise das variáveis relacionadas à biologia<br />

humana<br />

Em relação à faixa etária, constatamos que, dos 31<br />

(100%) pacientes investigados, 2 (6,5%) se encontravam<br />

na faixa etária de 30 a 39 anos; 7 (22,6%), de 40 a<br />

49 anos; 10 (32,2%), de 50 a 59 anos; 6 (19,3%), de 60<br />

a 69 anos; 5 (16,1%), de 70 a 79 anos; e 1 (3,2%), de<br />

Tabela 2. Distribuição numérica e porcentual de pacientes com infarto agudo do miocárdio, internados em um<br />

hospital privado, segundo sexo e faixa etária. Ribeirão Preto, SP, 2003.<br />

80 anos ou mais. No que diz respeito ao sexo, 19<br />

(61,3%) eram do sexo masculino e 12 (38,7%), do sexo<br />

feminino (Tab. 2).<br />

Os dados do presente estudo apontam que 41,9%<br />

dos homens e 19,4% das mulheres, ou seja, 61,3%<br />

Faixa etária (em anos)<br />

30-39 40-49 50-59 60-69 70-79 80 ou mais Total<br />

n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%) n (%)<br />

Sexo<br />

— Masculino 1 (3,2) 5 (16,1) 7 (22,6) 3 (9,7) 2 (6,5) 1 (3,2) 19 (61,3)<br />

— Feminino 1 (3,2) 2 (6,5) 3 (9,7) 3 (9,7) 3 (9,7) 0 (0,0) 12 (38,7)<br />

Total 2 (6,5) 7 (22,6) 10 (32,2) 6 (19,3) 5 (16,1) 1 (3,2) 31 (100)<br />

n = número de pacientes.<br />

dos pacientes, se encontravam na faixa etária de 30 a<br />

59 anos de idade. Cabe destacar, no entanto, que 2<br />

(6,5%) infartados se encontravam na faixa etária de 30<br />

a 39 anos, mostrando uma tendência para o infarto<br />

agudo do miocárdio em adultos jovens, uma vez que a<br />

ocorrência do infarto agudo do miocárdio no Brasil foi<br />

de 58 anos (8) .<br />

Considerando que ocorre maior freqüência de pacientes<br />

infartados entre os elementos do sexo masculino<br />

e que tradicionalmente são as mulheres que mais<br />

procuram os serviços de saúde para os cuidados de<br />

prevenção e/ou tratamento, estratégias efetivas são necessárias<br />

para atingir a população masculina como um<br />

todo, no sentido de incentivá-la a buscar práticas de<br />

saúde saudáveis. As estratégias reportam-se a intervenções<br />

comportamentais e técnicas para aumentar a<br />

aderência do indivíduo ao autocuidado, visando a diminuir<br />

os fatores de risco para o infarto agudo do miocárdio.<br />

Por outro lado, é preciso que, para aqueles pacientes<br />

que já sofreram o primeiro infarto agudo do<br />

miocárdio, os enfermeiros busquem estratégias educativas<br />

que dêem autonomia ao paciente, envolvendoo<br />

e responsabilizando-o pelo seu cuidado, mediante<br />

interação efetiva paciente-enfermeiro.<br />

No que se refere ao índice de massa corporal, constatou-se<br />

que 13 (41,9%) pacientes com infarto agudo<br />

do miocárdio apresentaram índice de massa corporal<br />

normal; 8 (25,8%), sobrepeso; 8 (25,8%), obesidade<br />

classe I; e 2 (6,5%), obesidade classe II.<br />

Cabe ressaltar que dos 31 (100%) pacientes investigados,<br />

10 (32,2%) estavam com obesidade classes I<br />

e II (Tab. 3).<br />

Também verificamos, na Tabela 3, que a obesidade<br />

classe II foi encontrada somente entre pacientes com<br />

infarto agudo do miocárdio do sexo feminino. A esse<br />

respeito, estudo realizado em um hospital público demonstrou<br />

que a maioria dos pacientes apresentou ín-<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 (supl) — Janeiro/Fevereiro de 2005 5


OLIVEIRA KCS e col.<br />

Fatores de risco em<br />

pacientes com infarto<br />

agudo do miocárdio em<br />

hospital privado<br />

dice de massa corporal normal,<br />

enquanto estudo de<br />

fatores de risco para infarto<br />

agudo do miocárdio em<br />

mulheres indicou presença<br />

de sobrepeso e obesidade<br />

(14) .<br />

Considerando que pacientes<br />

com sobrepeso ou<br />

obesidade apresentam au-<br />

Tabela 3. Distribuição numérica e porcentual de pacientes com infarto agudo do miocárdio, internados em um<br />

hospital privado, segundo sexo e índice de massa corporal — Ribeirão Preto, SP, 2003.<br />

Índice de massa corporal (kg/m²)<br />

Obesidade Obesidade<br />

Normal Sobrepeso classe I classe II Total<br />

n (%) n (%) n (%) n (%) n (%)<br />

Sexo<br />

— Masculino 9 (29,0) 5 (16,1) 5 (16,1) 0 (0,0) 19 (61,3)<br />

— Feminino 4 (12,9) 3 (9,7) 3 (9,7) 2 (6,5) 12 (38,7)<br />

Total 13 (41,9) 8 (25,8) 8 (25,8) 2 (6,5) 31 (100)<br />

n = número de pacientes.<br />

mento da morbidade e da mortalidade cardiovasculares<br />

quando comparados a pacientes com índice de massa<br />

corporal normal, e que 58,1% dos pacientes estudados<br />

se encontravam com sobrepeso ou obesidade, urge o<br />

estabelecimento de protocolos de orientação que contemplem<br />

a obesidade como fator de risco para infarto<br />

agudo do miocárdio. No caso, os profissionais devem iniciar<br />

tais orientações já no período de internação, com<br />

acompanhamento durante o processo de reabilitação, evitando<br />

assim novas recidivas. Devem, ainda, nortear sua<br />

prática em evidências científicas e acreditar que os programas<br />

de saúde que proporcionam aconselhamento,<br />

educação, retroalimentação e outros auxílios aos pacientes<br />

podem oferecer resultados satisfatórios.<br />

Dentre os 31 (100%) pacientes investigados, as principais<br />

doenças referidas na família estavam relacionadas<br />

a hipertensão arterial, diabetes melito, angina do peito,<br />

infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e<br />

morte súbita.<br />

Em relação aos antecedentes familiares para doença<br />

cardiovascular, a hipertensão arterial foi citada por 23<br />

(74,2%) pacientes, na seguinte ordem: mãe, pai e irmãos.<br />

Apenas 7 (22,6%) deles referiram que a família não apresentava<br />

hipertensão arterial e 1 (3,2%) desconhecia essa<br />

informação. A hipertensão arterial sistêmica foi a mais<br />

prevalente nos hospitais públicos em pacientes com in-<br />

farto agudo do miocárdio, como antecedente pessoal (15) .<br />

Ao analisarmos os antecedentes familiares dos pacientes<br />

infartados de um hospital privado, encontramos que<br />

16 (51,6%) deles mencionaram os pais como hipertensos.<br />

Os filhos de pais hipertensos são mais propensos a<br />

desenvolver a doença do que aqueles de pais normotensos,<br />

pois quando pai e mãe são hipertensos a chance de<br />

o filho desenvolver a doença fica em torno de 50% (16, 17) .<br />

Quanto aos antecedentes familiares para diabetes<br />

melito, 15 (48,3%) referiram a doença entre seus familiares.<br />

Destes, 6 (19,3%) indicaram a mãe; 3 (9,7%), os irmãos;<br />

3 (9,7%), mãe/irmãos; 2 (6,5%), o pai; e 17 (54,8%)<br />

desconheciam a presença de diabetes melito na família.<br />

A mortalidade de pacientes diabéticos com infarto agudo<br />

do miocárdio é maior que entre os não-diabéticos, em<br />

decorrência da extensão da área de necrose, da freqüência<br />

de choque e de insuficiência cardíaca (18) .<br />

Cabe ressaltar que 17 (54,8%) dos pacientes investigados<br />

não sabiam informar se havia diabetes melito na<br />

família, o que nos leva a pensar que os pacientes infartados<br />

desconheciam a presença de diabetes melito como<br />

fator de risco para o infarto agudo do miocárdio. A importância<br />

da educação em saúde na abordagem desse fator<br />

de risco justifica-se, pois os indivíduos diabéticos apresentam<br />

risco quatro a cinco vezes maior que a população<br />

geral de desenvolver insuficiência cardíaca (19) .<br />

Ao considerarmos que 29,0% dos pacientes infartados<br />

participantes dessa investigação se encontravam na<br />

faixa etária de 30 a 49 anos, e que 48,3% deles apresentavam<br />

o diabetes melito como antecedente familiar, consideramos<br />

necessário dispensar maior atenção aos cuidados<br />

com as doenças associadas às cardiovasculares,<br />

no que se refere à prevenção e à exposição de novos<br />

fatores de risco, por meio da implementação de programas<br />

educativos específicos para essa população.<br />

6 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 (supl) — Janeiro/Fevereiro de 2005


OLIVEIRA KCS e col.<br />

Fatores de risco em<br />

pacientes com infarto<br />

agudo do miocárdio em<br />

hospital privado<br />

Quanto à angina do peito,<br />

apenas 7 (22,6%) pacientes<br />

mencionaram antecedentes<br />

familiares: 1<br />

(3,2%) citou o pai; 5<br />

(16,1%), a mãe; 1 (3,2%), o<br />

irmão; 22 (70,9%) não tinham<br />

nenhum caso de angina<br />

do peito na família; e 2<br />

(6,5%) não souberam informar.<br />

No que se refere ao infarto<br />

agudo do miocárdio,<br />

17 (54,8%) referiram ocorrência de infarto agudo do miocárdio<br />

na família: 5 (16,1%) citaram a mãe; 8 (25,8%), o<br />

pai; 2 (6,5%), os irmãos; 1 (3,2%), pai e irmão; 1 (3,2%),<br />

mãe e irmão; e 14 (45,2%) não tiveram nenhum caso de<br />

infarto agudo do miocárdio na família.<br />

Verificamos que 15 (48,4%) pacientes infartados, investigados<br />

em hospital privado, apresentavam história<br />

familiar para o infarto agudo do miocárdio, sendo o pai o<br />

antecedente mais freqüente.<br />

Quando indagamos a respeito dos antecedentes familiares<br />

para acidente vascular cerebral, apenas 6 (19,3%)<br />

referiram história familiar: 3 (9,7%) indicaram o irmão; 2<br />

(6,5%), a mãe; 1 (3,2%), o pai; 24 (77,5%) não tinham<br />

antecedentes familiares para acidente vascular cerebral;<br />

e 1 (3,2%) não soube informar.<br />

Os dados deste estudo demonstram que apenas<br />

19,3% dos pacientes infartados de um hospital privado<br />

referiram antecedentes familiares para doença cerebrovascular.<br />

Isso se justifica porque no Brasil essa doença<br />

supera a coronariana, exceto em cidades como São Paulo,<br />

onde esta última representa contingente maior de vítimas<br />

que a afecção cerebrovascular (20) .<br />

Ao analisarmos o uso de hormônio feminino, constatamos<br />

que das 12 (38,7%) pacientes do sexo feminino<br />

com infarto agudo do miocárdio, 7 (22,6%) faziam uso de<br />

hormônio. Quanto ao tipo de hormônio, 3 (9,7%) não sabiam<br />

o nome do medicamento; 2 (6,5%) usavam livial; 1<br />

(3,2%), gincobiloba; e 1 (3,2%), estrogenol. Cabe mencionar<br />

que todas as mulheres que faziam uso de hormônio<br />

feminino referiram encontrar-se na menopausa.<br />

Quanto ao início da menopausa, 4 (12,9%) indicaram<br />

tempo de 1 a 9 anos; 4 (12,9%), de 20 a 29 anos; 1 (3,2%),<br />

de 10 a 19 anos; e 1 (3,2%), de 30 anos ou mais.<br />

Investigar esse fator de risco é importante, pois a proteção<br />

das mulheres em relação aos homens para o aparecimento<br />

do infarto agudo do miocárdio antes da menopausa<br />

parece estar relacionada a alguns mecanismos da<br />

fisiologia reprodutiva, responsável por menor tendência<br />

trombolítica e proteção hormonal (21) . Desse modo, o conhecimento<br />

da história familiar do paciente é um dado<br />

extremamente importante, uma vez que podemos estimar<br />

riscos para a ocorrência do infarto agudo do miocárdio<br />

e, conseqüentemente, a adoção de medidas visando<br />

a sua prevenção.<br />

Análise das variáveis relacionadas ao estilo de vida<br />

Ao investigarmos as principais causas para ocorrência<br />

do infarto agudo do miocárdio, observamos que 9<br />

(29,0%) pacientes referiram o estresse; 5 (16,1%) não<br />

souberam indicá-la; 3 (9,7%) mencionaram sedentarismo<br />

e estresse; e 2 (6,5%) indicaram estresse e nervosismo.<br />

Esses dados apontam que o estresse foi a causa<br />

referida como a mais importante para o desencadeamento<br />

do infarto agudo entre os pacientes investigados.<br />

Estudo realizado com trabalhadores de uma destilaria<br />

demonstrou que a maioria deles tinha algum conhecimento<br />

sobre os fatores de risco para as doenças cardiovasculares,<br />

como dieta inadequada, falta de exercícios,<br />

tabagismo, ingestão excessiva de sal, álcool, estresse e<br />

obesidade (22) . Desse modo, constatamos que os riscos<br />

mais referidos estão ligados aos hábitos do estilo de vida<br />

e que alguns grupos específicos conhecem os hábitos<br />

autocriados. As principais causas atribuídas para a ocorrência<br />

do infarto, entre os pacientes de um hospital público,<br />

foram estresse e tabagismo (14) .<br />

Assim, torna-se necessária a realização de outros estudos<br />

para conhecermos o significado da palavra estresse<br />

para os pacientes e quais as implicações para sua<br />

qualidade de vida, considerando que as evidências científicas<br />

acerca do estresse, como fator de risco para o desencadeamento<br />

do infarto agudo do miocárdio, ainda são<br />

inconclusivas.<br />

Quando investigamos o número de refeições realizadas<br />

no dia anterior ao infarto agudo do miocárdio, verificamos<br />

que dos 31 (100%) pacientes infartados, 24<br />

(77,4%) realizaram o desjejum corretamente; 5 (16,1%),<br />

incorretamente; e 2 (6,5%), nada ingeriram no desjejum.<br />

No almoço, 24 (77,4%) alimentaram-se corretamente e 7<br />

(22,6%), incorretamente. No jantar, 16 (51,6%) procederam<br />

corretamente; 11 (35,5%), incorretamente; e 4 (12,9%)<br />

nada ingeriram nessa refeição.<br />

A maioria dos pacientes estudados informou que não<br />

tinha o hábito de fazer lanche noturno. Os números obtidos<br />

nesse item foram: 18 (58,1%) pacientes não tomavam<br />

lanche noturno; 9 (29,0%) o faziam de forma correta;<br />

e 4 (12,9%), de forma incorreta.<br />

No entanto, sabemos que a alimentação saudável é<br />

importante para a manutenção da qualidade de vida, para<br />

a redução do peso corporal e, conseqüentemente, para o<br />

bem-estar (13) . Em relação ao consumo de gordura, dos<br />

31 (100%) pacientes infartados, 27 (87,1%) faziam uso<br />

de frituras e 4 (12,9%), não. Quando indagados a respeito<br />

da inclusão de frituras nas refeições, 12 (38,7%) as<br />

ingeriam duas ou mais vezes por semana; 8 (25,8%), raramente;<br />

e 7 (22,6%), diariamente.<br />

Quanto ao tipo de gordura utilizado no preparo das<br />

refeições, 27 (87,1%) utilizavam gordura vegetal; 2 (6,5%),<br />

gordura animal; e 2 (6,5%) não utilizavam qualquer tipo<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 (supl) — Janeiro/Fevereiro de 2005 7


OLIVEIRA KCS e col.<br />

Fatores de risco em<br />

pacientes com infarto<br />

agudo do miocárdio em<br />

hospital privado<br />

de gordura no preparo das<br />

refeições.<br />

Os dados obtidos nesta<br />

investigação, acerca dos hábitos<br />

alimentares dos pacientes<br />

infartados de um hospital<br />

privado, levam-nos a pensar<br />

que a estratégia a ser adotada<br />

para a prevenção do infarto<br />

deve ter como foco um<br />

modelo voltado à população<br />

em geral. No entanto, propor-<br />

cionar atenção à saúde e à educação a um membro da família,<br />

durante o período de internação, pode resultar na redução<br />

de riscos para os membros mais próximos, visto que os<br />

fatores de risco tendem a se concentrar nas famílias.<br />

No que se refere à atividade física, dos 31 (100%) pacientes<br />

com infarto agudo do miocárdio, apenas 13 (41,9%)<br />

realizavam algum tipo de atividade física: 9 (29,0%) faziam<br />

caminhada; 1 (3,2%), caminhada e bicicleta; 1 (3,2%), musculação;<br />

1 (3,2%), caminhada e hidroginástica; 1 (3,2%), caratê;<br />

e 18 (58,1%) não praticavam qualquer atividade física.<br />

Verificando a freqüência e a duração da atividade física, percebemos<br />

que 7 (22,6%) pacientes realizavam uma vez por<br />

semana, com duração de 60 minutos ou mais; 4 (12,9%),<br />

três vezes por semana, com duração de 30 a 39 minutos; e 2<br />

(6,5%), duas vezes por semana, com duração de 40 a 49<br />

minutos.<br />

A prática adequada e regular de atividade física tem sido<br />

admitida como uma das mais importantes e eficazes medidas<br />

para a prevenção da doença arterial coronariana, para a<br />

preservação da saúde e para a qualidade de vida das pessoas,<br />

uma vez que um dos fatores de risco para doenças<br />

coronarianas é o sedentarismo (13, 23-25) .<br />

A falta de exercícios físicos regulares, caracterizando o<br />

sedentarismo, foi o fator de risco mais prevalente encontrado<br />

na maioria dos pacientes infartados de um hospital público<br />

(15) .<br />

Ao se constatar que a maioria, 18 (58,1%) pacientes investigados,<br />

era sedentária, foi apresentado a esses pacientes<br />

um programa de orientação acerca da importância da<br />

atividade física, antes da alta hospitalar, com o qual tentouse<br />

motivá-los a buscar apoio e engajamento em programas<br />

dessa natureza oferecidos à comunidade.<br />

Outro fator de risco autocriado que investigamos foi o tabagismo.<br />

Dos 31 (100%) pacientes com infarto agudo do<br />

miocárdio, 10 (32,2%) eram fumantes, sendo 6 (19,3%) do<br />

sexo masculino e 4 (12,9%) do sexo feminino; 12 (38,7%)<br />

não fumavam; e 9 (29,0%) eram ex-fumantes. Quanto à quantidade<br />

de cigarros consumidos, 6 (19,3%) fumavam um maço<br />

de cigarros por dia e 4 (12,9%), dois maços. Em relação ao<br />

tempo que faziam uso de cigarro, 5 (16,1%) informaram um<br />

período de 30 a 39 anos; 3 (9,7%), de 20 a 29 anos; e 2<br />

(6,5%), de 10 a 19 anos. Quando investigamos qual motivo<br />

levou os ex-tabagistas a pararem de fumar, todos apontaram<br />

como justificativa o prejuízo que o cigarro trazia para a saúde.<br />

O estudo com pacientes com infarto agudo do miocárdio<br />

de hospital público demonstrou que os fumantes se encontravam,<br />

predominantemente, na faixa etária dos 50 aos 70<br />

anos, sendo um quarto de ex-fumantes que haviam parado<br />

de fumar há mais de cinco anos (15) . Esse dado é relevante,<br />

pois o tabagismo é mais prevalente entre os homens que<br />

entre as mulheres, tanto no caso dos fumantes como no dos<br />

ex-fumantes (2) . Em contrapartida, o risco de primeiro infarto<br />

para as mulheres fumantes é 3,6 vezes maior, quando comparado<br />

ao risco de mulheres não-fumantes (26) . Ainda em relação<br />

ao risco de infarto agudo do miocárdio em ex-fumantes,<br />

esse risco decresce rapidamente nos primeiros cinco<br />

anos, mas naqueles que consomem mais de 20 cigarros por<br />

dia o risco se iguala ao dos não-fumantes após 15 anos de<br />

abandono do vício (27) . Já na tentativa do abandono do tabagismo<br />

pode-se constatar declínio imediato da freqüência cardíaca<br />

(28, 29) .<br />

Considerando que 10 (32,2%) dos pacientes investigados<br />

eram fumantes e que o hábito de fumar tem forte associação<br />

com a ocorrência de infarto agudo do miocárdio, o<br />

profissional deve utilizar o período de internação hospitalar<br />

para motivar o paciente a abandonar o tabagismo. No entanto,<br />

sabemos que resultados efetivos serão conseguidos somente<br />

por meio de intervenções comportamentais, a longo<br />

prazo.<br />

No que se refere ao consumo de bebidas alcoólicas, dentre<br />

os 31 (100%) pacientes investigados, observamos que 18<br />

(58,1%) faziam uso de algum tipo de bebida alcoólica. Destes,<br />

5 (16,1%) a ingeriam todos os dias; 6 (19,3%), nos finais<br />

de semana; 4 (12,9%), semanalmente; 3 (9,7%), esporadicamente;<br />

e 13 (41,9%) não faziam uso de bebida alcoólica.<br />

Quanto ao tipo de bebida alcoólica, 11 (35,5%) pacientes<br />

consumiam cerveja; 3 (9,7%), cerveja e vinho; 2 (6,5%), chope<br />

e cerveja; 1 (3,2%), cerveja e batidas; 1 (3,2%), cerveja,<br />

whisky e vinho; e 13 (41,9%) não faziam uso de bebidas<br />

alcoólicas.<br />

O alcoolismo tem representado um problema de Saúde<br />

Pública importante, na atualidade, pela sua alta prevalência,<br />

que abrange cerca de 10%. Segundo dados do Ministério da<br />

Saúde, 32,0% dos leitos em diversos hospitais foram ocupados<br />

por pacientes que apresentavam doenças decorrentes<br />

do abuso de bebida alcoólica (30) .<br />

Analisando o consumo de bebida alcoólica em pacientes<br />

infartados de um hospital privado, vimos que esse fator de<br />

risco também deve ser contemplado no programa educativo<br />

para prevenção dos fatores de risco para o infarto agudo do<br />

miocárdio. Por isso, a abordagem ao paciente deve ser pautada<br />

pelo valor calórico da bebida alcoólica, pelo ganho de<br />

peso corporal e pelo risco de hipoglicemia naqueles com<br />

diagnóstico de diabetes melito. A interação com a família é<br />

fundamental para auxiliar na busca de ajuda nos grupos de<br />

apoio da comunidade.<br />

Em relação ao local que mais causava estresse nos 31<br />

8 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 (supl) — Janeiro/Fevereiro de 2005


OLIVEIRA KCS e col.<br />

Fatores de risco em<br />

pacientes com infarto<br />

agudo do miocárdio em<br />

hospital privado<br />

(100%) pacientes infartados,<br />

12 (38,7%) indicaram o local<br />

de trabalho; 7 (22,6%), a<br />

casa; 6 (19,3%), a rua; 1<br />

(3,2%), a casa e o local de<br />

trabalho; 1 (3,2%) sentia estresse<br />

o tempo todo; e 4<br />

(12,9%), em lugar nenhum.<br />

O estresse também tem<br />

se constituído em fator de risco<br />

importante para doença<br />

isquêmica cardíaca, tema<br />

que se encontra em discussão na atualidade. No entanto, ele<br />

pode ser desencadeador de angina do peito, infarto agudo<br />

do miocárdio e morte súbita (31) . Pacientes infartados de um<br />

hospital público denominaram o estresse de tensão nervosa,<br />

nervosismo e angústia (15, 32) .<br />

Estresse é apontado, ainda, como fator importante para<br />

o desenvolvimento da hipertensão arterial (33) e como um dos<br />

fatores que afetam a qualidade de vida, estando relacionado<br />

a doenças cardiovasculares (34) . Estudos acerca do padrão<br />

do sono dos pacientes demonstraram que 10 (32,2%) deles<br />

referiram o hábito de dormir em torno de seis a sete horas<br />

por noite; 10 (32,2%), de oito a nove horas; 6 (19,3%), de<br />

quatro a seis horas; 2 (6,5%), de três a quatro horas; 1 (3,2%),<br />

de duas a três horas; e 2 (6,5%), nove horas ou mais.<br />

O estudo sobre o padrão do sono como fator de risco<br />

psicossocial para a doença isquêmica cardíaca tem sido recomendado<br />

(21) .<br />

Variáveis relacionadas ao sistema de saúde<br />

Ao investigarmos o conhecimento que os 31 (100%) pacientes<br />

infartados tinham a respeito da doença, obtivemos<br />

que a maioria, 16 (51,6%), mencionou algum conhecimento<br />

sobre a doença e 15 (48,4%) nada sabiam sobre ela.<br />

Mesmo considerando que vários fatores de risco para o<br />

infarto agudo do miocárdio foram citados, é preciso salientar<br />

que somente o conhecimento desses fatores não modifica<br />

os hábitos de estilo de vida; é preciso ir além, ou seja, aplicar<br />

intervenções comportamentais, as quais deverão despertar<br />

o paciente para aderir ao processo educativo contínuo e permanente.<br />

Investigando as dúvidas que os pacientes infartados tinham<br />

em relação à doença, obtivemos que dentre os 31<br />

(100%), 12 (38,7%) apresentaram dúvidas acerca do processo<br />

de doença e 11 (35,5%), não.<br />

O interesse do paciente de hospital público, quanto aos<br />

aspectos relacionados à fisiopatologia da doença, ao prognóstico<br />

e à recuperação, após a ocorrência do infarto agudo<br />

do miocárdio também foi mensurado (15) .<br />

Assim, conhecer as dúvidas dos pacientes de um hospital<br />

privado acerca de determinada doença, em particular o<br />

infarto agudo do miocárdio, também pode levar os enfermeiros<br />

a obter conhecimentos específicos para que saibam lidar<br />

com as condições crônicas. A importância de iniciar o pro-<br />

cesso educativo, durante a internação, coloca o paciente com<br />

infarto agudo do miocárdio como co-partícipe no gerenciamento<br />

de sua doença, pois seu envolvimento o responsabiliza<br />

pelo autocuidado.<br />

Pesquisando tratamentos médicos para outras doenças,<br />

observamos que 6 (19,3%) pacientes realizavam tratamento<br />

para o controle da hipertensão arterial do e diabetes melito; 6<br />

(19,3%), para hipertensão arterial; 2 (6,5%), para diabetes<br />

melito; 2 (6,5%), para hipertireoidismo; 1 (3,2%), para catarata/diabetes<br />

melitus; 1 (3,2%), para doença de Chagas/diabetes<br />

melito; 1 (3,2%), para hipertensão arterial/enfizema pulmonar;<br />

5 (16,1%), para outras doenças; e 7 (22,6%) não<br />

faziam nenhum tratamento.<br />

Entre os 31 (100%) pacientes investigados, observamos<br />

que 8 (25,8%), além de diabetes melito, eram portadores de<br />

outras doenças; 7 (22,6%) apresentavam hipertensão arterial<br />

em conjunto com outras doenças; e 17 (54,8%) eram portadores<br />

de diabetes melito e/ou hipertensão arterial, doenças<br />

desencadeadas pela exposição aos fatores de risco para<br />

doenças cardiovasculares.<br />

Grande parcela de pacientes infartados de hospital<br />

público apresentou doenças associadas à isquemia cardíaca,<br />

tais como hipertensão arterial, diabetes melito e<br />

dislipidemia (14, 32) .<br />

A importância do tratamento e da manutenção dos níveis<br />

pressóricos e glicêmicos dentro dos valores de normalidade<br />

deve constituir preocupação constante tanto da equipe de<br />

saúde como dos pacientes, pois a ocorrência de hipertensão<br />

arterial e diabetes melito multiplica os fatores de risco<br />

para a doença micro e macrovascular, coronariana, insuficiência<br />

cardíaca congestiva, doença cerebrovascular e doença<br />

vascular periférica (35) .<br />

Quando as pesquisadoras investigaram a respeito da utilização<br />

pelos pacientes de outros serviços de saúde, além<br />

dos prestados pelo seu plano de saúde, a maioria, 21 (67,7%),<br />

referiu que utilizava somente os serviços oferecidos pelo plano<br />

de saúde e 10 (32,2%) informaram utilizar outros serviços.<br />

Dos 10 (32,2%) pacientes infartados que faziam uso de<br />

outros serviços, 5 (16,1%) mencionaram utilizá-los em situações<br />

de urgência e outros 5 (16,1%), esporadicamente.<br />

Reconhecemos que o hospital em estudo tem serviço<br />

especializado para o acompanhamento dos portadores de<br />

condições crônicas de saúde; no entanto, verificamos que os<br />

enfermeiros pouco têm indicado esse serviço aos pacientes<br />

infartados. Diante desse fato, indagamos se os enfermeiros<br />

reconhecem a importância da educação contínua e permanente<br />

de pacientes que apresentam doenças desencadeadas<br />

por exposição aos fatores de risco.<br />

Assim, é papel do enfermeiro de uma unidade coronariana<br />

motivar o paciente com infarto agudo do miocárdio a buscar<br />

ajuda para o gerenciamento de sua doença no serviço<br />

especializado do hospital, pois no período de internação ele<br />

se encontra fragilizado e sem condições de elaborar as mudanças<br />

comportamentais necessárias quanto a seu estilo<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 (supl) — Janeiro/Fevereiro de 2005 9


OLIVEIRA KCS e col.<br />

Fatores de risco em<br />

pacientes com infarto<br />

agudo do miocárdio em<br />

hospital privado<br />

REFERÊNCIAS<br />

de vida, a fim de manter boa<br />

qualidade de vida.<br />

CONCLUSÕES<br />

O conjunto de dados obtidos<br />

nesta investigação,<br />

com base no referencial teórico<br />

adotado, possibilitou<br />

identificar alguns fatores ligados<br />

aos elementos do<br />

Campo de Saúde presen-<br />

1. Organização Mundial da Saúde. Cuidados Inovadores<br />

para Condições Crônicas: componentes estruturais<br />

de ação. Relatório mundial/Organização Mundial<br />

da Saúde (OMS). Brasília, 2003. 105p.<br />

2. Organização Pan-Americana da Saúde. Carmen-Iniciativa<br />

para a prevenção integrada de doenças nãotrasmissíveis<br />

nas Américas. Brasília, 2003. 32p.<br />

RISK FACTORS IN PATIENTS WITH MYOCARDIAL<br />

INFARCTION IN A PRIVATE HOSPITAL<br />

KELLI CRISTINA SILVA DE OLIVEIRA, MARIA LÚCIA ZANETTI<br />

This is a descriptive investigation, which intended to identify the risk factors related<br />

to the environment, human biology, life style and health services of patients<br />

admitted in a private hospital, until 48 hours after the myocardial infarction. We interviewed<br />

31 internee patients in a private hospital, from January through July 2003.<br />

Results showed that 93.5% of the patients were literate; 61.3% were male; 54.9%<br />

were aged between 40 and 49 years old; 58.1% were over weighted or fat, belonging<br />

to classes I and II; related to familiar antecedences 74.2% presented systemic arterial<br />

hypertension; 93.6% were accustomed to eat fried food; 58.1% used to drink<br />

alcoholic drinks; 32.2% were smokers and 29.0% were ex-smokers; 58.1% were<br />

sedentary; and 54.8% were under arterial hypertension and mellitus diabetes treatment.<br />

Data showed the existence of “self created” habits, which may be modified. It<br />

is important to mention the necessity of raising educative programs searching for<br />

chronicle diseases prevention.<br />

Key words: risk factors, myocardial infarction, nursing.<br />

tes nos indivíduos estudados, dentre eles os hábitos autocriados,<br />

que se constituem em agravos para a ocorrência<br />

da doença. Identificamos, ainda, que os pacientes infartados<br />

possuíam certo conhecimento dos fatores de risco<br />

cardiovasculares e que, mesmo conhecendo-os, se<br />

expunham a eles, não incorporando atitudes saudáveis<br />

em seu cotidiano. Cabe destacar o interesse das pesquisadoras<br />

em buscar uma via de comunicação entre os<br />

enfermeiros e os pacientes com infarto agudo do miocárdio,<br />

assim como fornecer subsídios para a elaboração<br />

futura de um protocolo educativo específico para essa<br />

população, durante o período de internação.<br />

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1 Supl A:1-11)<br />

RSCESP (72594)-1514<br />

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10 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 (supl) — Janeiro/Fevereiro de 2005


OLIVEIRA KCS e col.<br />

Fatores de risco em<br />

pacientes com infarto<br />

agudo do miocárdio em<br />

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 (supl) — Janeiro/Fevereiro de 2005 11


TROMBETTA IC e col.<br />

Efeito do exercício físico<br />

e da dieta hipocalórica<br />

na obesidade<br />

INTRODUÇÃO<br />

A obesidade caracteriza-se por excesso de tecido<br />

adiposo, e ocorre pelo balanço energético positivo de<br />

forma crônica, isto é, uma ingestão calórica que sobrepassa<br />

o gasto calórico. É obeso o indivíduo do sexo<br />

masculino com quantidade de gordura corporal maior<br />

que 20% do peso corporal, sendo o ideal de 12% a15%,<br />

e do sexo feminino com quantidade maior que 30%,<br />

sendo o ideal de 22% a 25% (1) . No entanto, em estudos<br />

epidemiológicos e na clínica é muito utilizado o índice<br />

de massa corporal (IMC) como determinante dos níveis<br />

de obesidade, pois é uma medida facilmente obti-<br />

EFEITO DO EXERCÍCIO FÍSICO E DA<br />

DIETA HIPOCALÓRICA NA OBESIDADE<br />

IVANI CREDIDIO TROMBETTA, PAULO HIRAI SUZUKI<br />

Unidade de Reabilitação Cardiovascular e Fisiologia do Exercício —<br />

Instituto do Coração (InCor) — HC-FMUSP<br />

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 —<br />

1º subsolo — Cerqueira César — CEP 05403-900 — São Paulo — SP<br />

A obesidade é uma doença multifatorial complexa, que se associa a outros fatores<br />

de risco cardiovascular. O aumento da prevalência global da obesidade resulta<br />

da combinação de suscetibilidade genética com fatores ambientais. O tratamento<br />

não-farmacológico da obesidade por meio de dieta hipocalórica e com baixa quantidade<br />

em gorduras associada à atividade física regular constitui a base do tratamento<br />

para a diminuição dos riscos de doenças cardiovasculares em indivíduos obesos.<br />

Os principais efeitos do treinamento físico referem-se às adaptações metabólicas<br />

que favorecem o controle dos fatores de risco de doença cardiovascular. Pode-se<br />

dizer que a prática regular de exercício físico, apesar de não provocar perda de peso<br />

corporal tão intensa quanto a dieta hipocalórica, preserva a massa magra, atenua<br />

expressivamente outros fatores de risco cardiovascular e evita o reganho de peso. A<br />

prática regular de exercício físico, portanto, constitui-se em benefício independente<br />

nas várias co-morbidades da obesidade, notadamente na hipertensão arterial, na<br />

hiperglicemia e na resistência à insulina. Dessa forma, um estilo de vida ativo, com<br />

conseqüente aumento da capacidade física, pode atenuar o risco de morbidade e<br />

mortalidade em indivíduos com sobrepeso ou obesos.<br />

Palavras-chave: obesidade, treinamento físico, dieta hipocalórica, risco cardiovascular.<br />

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1 Supl A:12-20)<br />

RSCESP (72594)-1515<br />

da pela razão do peso (em quilogramas) dividido pela<br />

altura ao quadrado (em metro). Na população em geral,<br />

essa medida tem alta correlação positiva com a<br />

quantidade de gordura corporal. Embora os mecanismos<br />

que determinam a obesidade não sejam totalmente<br />

conhecidos, sabe-se que alguns fatores interagem e<br />

caracterizam a multifatoriedade da doença.<br />

Parte do mais recente levantamento do “Nutrition<br />

Examination Survey” (NHANES) demonstrou aumento<br />

significativo da prevalência de obesidade de 22,9%<br />

(NHANES III — 1988-1994) para 30,5% (1999-2000),<br />

e do sobrepeso de 55,9% para 64,5%, numa amostra<br />

representativa da população americana (2) . Dados recen-<br />

12 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 (supl) — Janeiro/Fevereiro de 2005


TROMBETTA IC e col.<br />

Efeito do exercício físico<br />

e da dieta hipocalórica<br />

na obesidade<br />

tes demonstram comportamento<br />

semelhante no<br />

Brasil, com aumento da<br />

prevalência da obesidade<br />

em todos os grupos populacionais.<br />

Em nosso país,<br />

porém, observou-se redução<br />

do número de casos<br />

de obesidade em mulheres<br />

de nível socioeconômico<br />

mais elevado que habitam<br />

áreas urbanas (3) .<br />

É consenso que o aumento da obesidade em níveis<br />

epidêmicos no mundo é causado pelo consumo de<br />

grande proporção de calorias derivadas da gordura (4) ,<br />

que são alimentos de baixo custo e mais saborosos,<br />

associado a um estilo de vida sedentário (5, 6) . De forma<br />

simplista, pode-se dizer que a obesidade resulta de um<br />

desequilíbrio entre ingestão e gasto calórico. No entanto,<br />

os mecanismos que levam ao fenótipo obesidade<br />

são muito mais complexos. Fatores de suscetibilidade,<br />

como os fatores genéticos (genes suscetíveis),<br />

desempenham importante papel de ação permissiva<br />

para os fatores ambientais, e, em alguns casos, podem<br />

ser determinantes da obesidade. Além disso, outros<br />

fatores participam das variações interindividuais<br />

da composição corporal. São eles: idade, sexo, metabolismo<br />

de repouso, oxidação lipídica, atividade nervosa<br />

simpática, metabolismo do tecido adiposo e do<br />

músculo esquelético, tabagismo, e níveis hormonais de<br />

leptina, insulina, esteróides sexuais e cortisol (7) .<br />

Apesar das evidências de que fatores genéticos têm<br />

grande importância na etiologia da obesidade, é evidente<br />

que o fator ambiental é o principal determinante<br />

da epidemia da obesidade, uma vez que algumas décadas,<br />

período em que houve o aumento expressivo<br />

da obesidade no mundo, não seriam suficientes para<br />

estabelecer alterações genéticas substanciais, enquanto<br />

a mudança nos hábitos e no estilo de vida foram<br />

enormes.<br />

EXERCÍCIO FÍSICO E PERDA DE<br />

PESO CORPORAL<br />

O exercício físico adiciona um déficit calórico sinérgico<br />

à dieta hipocalórica, que produz equilíbrio energético<br />

negativo expressivo com efetiva redução do peso<br />

corporal, potencializando a redução do peso corporal.<br />

Alguns estudos têm demonstrado o efeito da dieta<br />

e do exercício isoladamente ou combinados sobre a<br />

perda de peso corporal. Há consenso na literatura sobre<br />

o efeito da dieta na redução do peso corporal; entretanto,<br />

a inclusão de exercícios nem sempre resulta<br />

em perda adicional de peso (8-10) .<br />

O exercício produz gasto de energia por meio do<br />

efeito direto no nível metabólico. Entretanto, esse nível<br />

é pequeno em relação ao balanço energético. O aumento<br />

do gasto energético por meio do exercício, sem<br />

o aumento correspondente do consumo energético,<br />

pode reduzir o peso corporal. No entanto, qualquer<br />

perda de peso alcançada com exercício físico moderado<br />

pode ser facilmente revertida por pequeno aumento<br />

compensatório no consumo de alimentos. Na maioria<br />

dos estudos, o treinamento físico provoca gasto calórico<br />

adicional pouco expressivo na redução do peso corporal<br />

em indivíduos obesos sob orientação dietética hipocalórica.<br />

Não podemos esquecer, no entanto, que<br />

pessoas que se mantêm ativas ao longo da vida têm<br />

menores chances de se tornar obesas e melhor distribuição<br />

corporal, com menores depósitos de gordura<br />

intra-abdominal.<br />

Outro aspecto de interesse é o papel do exercício<br />

no reganho de peso após programas de emagrecimento.<br />

Nesse sentido, o exercício físico regular têm se mostrado<br />

extremamente eficiente. A manutenção do peso<br />

corporal após um período de dieta hipocalórica é mais<br />

efetivamente alcançada com o treinamento físico (11) .<br />

Mais importante de que seu efeito direto na perda<br />

de peso corporal, a prática de exercício físico apresenta<br />

aspectos importantes relacionados ao efeito agudo<br />

e também crônico sobre a mobilização e a utilização<br />

de gordura, que influenciam o emagrecimento. Além<br />

do efeito direto no gasto calórico, a atividade física mantém<br />

o metabolismo aumentado por longo período após<br />

sua execução. Isso significa dizer que, mesmo após o<br />

exercício, a mobilização e a oxidação de lípides permanece<br />

aumentada. Os principais efeitos do treinamento<br />

físico no controle do peso corporal, porém, são obtidos<br />

cronicamente. Alguns efeitos de grande importância<br />

referem-se ao aumento da atividade da enzima lipase<br />

hormônio sensível (enzima responsável pela maior<br />

mobilização de lípides no tecido adiposo) (12) e ao aumento<br />

da densidade mitocondrial, potencializando a<br />

oxidação de lípides e favorecendo, assim, o emagrecimento<br />

(13) .<br />

Na célula adiposa, o exercício físico aumenta a sensibilidade<br />

ß-adrenérgica (14) , o que sugere maior modulação<br />

do sistema nervoso simpático no tecido adiposo<br />

(15) . Além disso, o treinamento físico acelera a perda<br />

de massa gorda em decorrência do aumento da capacidade<br />

de oxidação de ácidos graxos livres nas células<br />

musculares (12, 13) .<br />

Outro benefício alcançado pela associação de dieta<br />

hipocalórica e treinamento físico diz respeito à redistribuição<br />

da gordura corporal. Observa-se em programas<br />

de exercício físico que, apesar da redução de<br />

todos os depósitos de gordura, há uma preferência para<br />

a redução de gordura na região abdominal. Essas células<br />

são ricas em receptores ß3-adrenérgicos e, por<br />

isso, mais suscetíveis à lipólise (16) .<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 (supl) — Janeiro/Fevereiro de 2005 13


TROMBETTA IC e col.<br />

Efeito do exercício físico<br />

e da dieta hipocalórica<br />

na obesidade<br />

Portanto, combinar restrição<br />

calórica ao treinamento<br />

físico é uma excelente<br />

intervenção não-farmacológica<br />

para se tratar<br />

a obesidade.<br />

EXERCÍCIO FÍSICO<br />

E METABOLISMO<br />

DE REPOUSO<br />

Está bem documentada,<br />

na literatura, a redução do metabolismo de repouso<br />

com a perda de peso por dietas hipocalóricas (17-20) .<br />

Essa redução é de cerca de 20% e permanece em níveis<br />

inferiores por longo período, mesmo após a ingestão<br />

calórica normal ser restabelecida (18) .<br />

Os mecanismos que regulam a menor taxa metabólica<br />

por baixo consumo calórico não estão totalmente<br />

esclarecidos. No entanto, sabe-se que seu decréscimo<br />

é proporcional à perda de massa magra, representada<br />

na sua maior proporção pelo tecido muscular esquelético<br />

(21, 22) . Isso ocorre porque qualquer perda de<br />

peso resulta em perda de tecido muscular, adquirido<br />

para suportar o excesso de tecido adiposo (18) . Além disso,<br />

outras adaptações ocorrem durante a diminuição<br />

de peso corporal, como a diminuição do efeito térmico<br />

dos alimentos, pela diminuição da quantidade total de<br />

calorias ingeridas, e a menor quantidade de energia<br />

gasta nos movimentos e deslocamentos corporais pela<br />

obtenção de um peso corporal menor (22) .<br />

É proposto que esse ajuste energético do metabolismo<br />

de repouso nas diversas situações nutricionais<br />

serviria como defesa do organismo contra o ganho ou<br />

a perda do peso e representaria uma característica individual<br />

de cada ser humano, talvez de origem genética.<br />

Há evidências de que a inclusão de exercícios físicos<br />

nos programas de controle do peso corporal pode<br />

minimizar a redução da taxa metabólica de repouso<br />

que ocorre como conseqüência das dietas hipocalóricas<br />

(17, 19, 23) . No entanto, a interferência do exercício físico<br />

no metabolismo de repouso é ainda controversa em<br />

razão de diferenças quanto ao tipo, à intensidade e à<br />

duração do programa de treinamento (24) . Os mecanismos<br />

que norteiam o efeito protetor do treinamento físico<br />

sobre o metabolismo de repouso ainda não são totalmente<br />

claros. Entretanto, é possível que a preservação<br />

de massa magra, provocada pelo exercício físico,<br />

auxilie na manutenção do metabolismo de repouso, uma<br />

vez que a musculatura esquelética é um dos componentes<br />

corporais que mais contribui para o metabolismo<br />

energético (21) . Além disso, alguns estudos associam<br />

o aumento do metabolismo de repouso pelo treinamento<br />

físico a maior “turnover” de noradrenalina (24, 25) .<br />

Em nossa experiência, um programa de doze semanas<br />

de associação de treinamento físico aeróbio de<br />

intensidade moderada e dieta hipocalórica foi capaz<br />

de preservar a massa magra e o metabolismo de repouso,<br />

reduzidos no emagrecimento por dieta hipocalórica<br />

isoladamente (26) . A inclusão de treinamento físico<br />

em programas de emagrecimento, portanto, pode<br />

atenuar a redução de massa magra e minimizar a diminuição<br />

do metabolismo de repouso ocasionados pela<br />

perda de peso (1) .<br />

EXERCÍCIO FÍSICO E FATORES DE<br />

RISCO CARDIOVASCULAR<br />

Mesmo havendo consenso na literatura sobre os fatores<br />

de risco associados ao sobrepeso e à obesidade,<br />

ainda se discute muito sobre o melhor tratamento,<br />

já que a maioria deles falha na manutenção da perda<br />

de peso em longo prazo. Os freqüentes insucessos na<br />

manutenção da perda de peso e a realização de dietas<br />

consecutivas, levando ao conhecido efeito “iô-iô”, têm<br />

um potencial efeito negativo para a saúde.<br />

Dados epidemiológicos demonstram haver várias<br />

co-morbidades ligadas à obesidade, entre elas o diabetes<br />

tipo II, a hipertensão, a dislipidemia e a doença<br />

coronária. Além disso, a obesidade está associada com<br />

o aumento de mortalidade por todas as causas (27) .<br />

A distribuição do tecido adiposo influencia na morbidade<br />

e na mortalidade causadas pela obesidade. A<br />

obesidade andróide, ou seja, a obesidade com distribuição<br />

central de gordura, observada na circunferência<br />

abdominal acima de 88 cm na mulher e de 102 cm<br />

no homem, tem importante papel no risco de morte<br />

por doença cardiovascular (28, 29) . Esse tipo de obesidade<br />

compõe o quadro de alterações metabólicas que<br />

caracterizam a chamada síndrome metabólica, e são<br />

elas intolerância à glicose, diabetes, hipertensão, baixos<br />

níveis de lipoproteína de alta densidade (HDL), altos<br />

níveis de lipoproteína de baixa densidade (LDL) e<br />

de triglicérides, e resistência insulínica, que parece ser<br />

o mecanismo primário da síndrome (30, 31) . As alterações<br />

fisiológicas e, conseqüentemente, da saúde na obesidade<br />

são atribuídas, em parte, a maior ativação do sistema<br />

nervoso simpático, resistência à insulina e hiperinsulinemia<br />

(32, 33) .<br />

Muitas vezes, a diminuição do peso corporal é suficiente<br />

para normalizar a glicemia sanguínea e os níveis<br />

de pressão arterial (34) . No entanto, a prática regular<br />

de exercício físico tem efeitos favoráveis nos fatores<br />

de risco de doenças cardiovasculares, mesmo quando<br />

não há diminuição do peso corporal (35) . Estilo de vida<br />

ativo e capacidade física elevada podem atenuar o risco<br />

de morbidade e mortalidade em indivíduos com sobrepeso<br />

e obesos. Além disso, existem evidências recentes<br />

de que a taxa de mortalidade é menor em indi-<br />

14 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 (supl) — Janeiro/Fevereiro de 2005


TROMBETTA IC e col.<br />

Efeito do exercício físico<br />

e da dieta hipocalórica<br />

na obesidade<br />

víduos com sobrepeso ou<br />

moderadamente obesos<br />

ativos que em indivíduos<br />

sedentários (36) .<br />

Um dos principais mecanismos<br />

de diminuição<br />

de risco após emagrecimento<br />

está na redução da<br />

atividade nervosa simpática<br />

(26) .<br />

DIABETES MELITO<br />

TIPO II<br />

Embora a relação entre obesidade e diabetes melito<br />

tipo II não esteja totalmente clara, dois fatos são indiscutíveis.<br />

Excesso de gordura corporal leva ao aumento<br />

da resistência à insulina, e resistência à insulina<br />

predispõe ao diabetes (37, 38) .<br />

Tem sido demonstrado que a redução do peso corporal<br />

em indivíduos obesos promove diminuição da resistência<br />

à insulina (39, 40) , prevenindo o aparecimento da<br />

intolerância à glicose e do diabetes melito tipo II (41) . Da<br />

mesma forma, dados epidemiológicos (42) têm indicado<br />

que a prática regular de atividade física está associada<br />

a menor peso corporal e maior sensibilidade à insulina.<br />

O efeito sobre a sensibilidade à insulina, porém,<br />

ocorre mesmo sem o emagrecimento, o que sugere<br />

que o exercício físico isoladamente ou associado à<br />

perda de peso corporal retarda a transição da diminuição<br />

da tolerância à glicose para o diabetes tipo II (35) .<br />

O aumento da sensibilidade à insulina ocasionado<br />

pelo treinamento físico já é observado 14 a 48 horas<br />

após uma única sessão de exercícios (39, 40) . Dados de<br />

literatura, porém, fortalecem a hipótese de que o efeito<br />

do treinamento físico sobre a sensibilidade à insulina<br />

reflete uma adaptação crônica (43) .<br />

Cizmic e colaboradores (44) demonstraram que duas<br />

semanas de atividade física com freqüência de cinco<br />

vezes por semana são suficientes para se ter melhora<br />

da sensibilidade da insulina e da capacidade aeróbia.<br />

Acredita-se que os mecanismos responsáveis pelo<br />

efeito do treinamento físico em aumentar a ação da<br />

insulina sobre a captação de glicose são: aumento do<br />

fluxo sanguíneo muscular (45) ; aumento da agregação<br />

da insulina a seu receptor, em decorrência de maior<br />

número de receptores (46) ; aumento do metabolismo nãooxidativo<br />

da glicose, em decorrência do aumento da<br />

atividade da enzima glicogênio-sintase (47) ; e aumento<br />

da concentração de transportadores de glicose<br />

(GLUT4) na membrana celular (45) .<br />

Em resumo, a redução de peso corporal por dieta<br />

auxilia nesse contexto, aumentando a tolerância à glicose<br />

e a sensibilidade à insulina. Da mesma forma, a<br />

prática regular de exercícios físicos, mesmo na ausên-<br />

cia de perda de peso corporal, promove aumento da<br />

ação da insulina, o que reflete adaptação crônica ao<br />

treinamento. A associação dessas duas condutas, portanto,<br />

é a melhor recomendação para o aumento da<br />

sensibilidade à insulina na população obesa.<br />

HIPERTENSÃO ARTERIAL<br />

Tem sido descrito que existe alta associação entre<br />

a obesidade e a hipertensão arterial, e que indivíduos<br />

normotensos obesos apresentam maior chance de se<br />

tornarem hipertensos que indivíduos normotensos nãoobesos<br />

(48) . Além do efeito direto da perda de peso na<br />

tolerância à glicose, uma pequena redução do peso<br />

corporal (5% a 10% do peso inicial) pode normalizar<br />

os níveis de pressão arterial, mesmo quando não se<br />

alcança o peso corporal ideal (49) . A diminuição da pressão<br />

arterial como causa da perda de peso corporal é<br />

resultado do aumento da sensibilidade à insulina e da<br />

diminuição da atividade nervosa simpática, e ocorre<br />

independentemente da restrição dietética de sal (50) .<br />

A prática regular de exercícios físicos tem sido freqüentemente<br />

recomendada como uma conduta nãofarmacológica<br />

no tratamento da hipertensão arterial,<br />

tanto em obesos como em não-obesos. O treinamento<br />

aeróbio entre 50% e 70% do VO 2 máx pode resultar no<br />

decréscimo de 4 mmHg a 10 mmHg da pressão arterial<br />

sistólica (51) . No entanto, os dados de literatura são<br />

controversos sobre a relativa contribuição do exercício<br />

físico e da dieta hipocalórica sobre o efeito hipotensor<br />

em indivíduos obesos.<br />

Os mecanismos responsáveis pela diminuição da<br />

pressão arterial após o treinamento físico têm sido bastante<br />

estudados. Reid e colaboradores (52) observaram<br />

que a queda pressórica em indivíduos obesos, alcançada<br />

com o treinamento físico ou com a associação de<br />

treinamento físico e dieta hipocalórica, se deve à redução<br />

da resistência vascular periférica, em decorrência<br />

da diminuição dos níveis de norepinefrina plasmática.<br />

Também com relação à maior redução pressórica,<br />

os estudos apontam como melhor conduta a associação<br />

da dieta hipocalórica e do exercício físico regular<br />

em obesos.<br />

DISLIPIDEMIA<br />

Os indivíduos obesos geralmente apresentam perfil<br />

lipídico desfavorável, isto é, hipertrigliceridemia, baixo<br />

HDL-colesterol e alta concentração de partículas pequenas<br />

e densas de LDL-colesterol, com grande poder<br />

aterogênico (53) .<br />

As dislipidemias estão associadas particularmente<br />

à obesidade abdominal e, conseqüentemente, relacionam-se<br />

a distúrbios metabólicos. A obesidade visceral<br />

leva ao aumento da oferta de ácidos graxos livres para<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 (supl) — Janeiro/Fevereiro de 2005 15


TROMBETTA IC e col.<br />

Efeito do exercício físico<br />

e da dieta hipocalórica<br />

na obesidade<br />

o fígado. Esse aumento<br />

estimula diretamente a<br />

produção de glicose hepática,<br />

ocasionando hiperinsulinemia.<br />

Essa combinação<br />

de hiperinsulinemia e<br />

aumento da oferta de ácidos<br />

graxos livres para o<br />

fígado pode resultar em<br />

produção exacerbada de<br />

partículas ricas em triglicérides<br />

(33) .<br />

Embora existam ainda pontos controversos quanto<br />

ao efeito específico do exercício físico sobre os lípides<br />

sanguíneos, sabe-se que a associação do exercício físico<br />

regular à dieta hipocalórica é uma conduta importante<br />

para a redução do peso corporal, o que leva, indubitavelmente,<br />

à redução dos níveis de lípides circulantes<br />

(54) .<br />

O exercício físico melhora o perfil lipídico a partir de<br />

mudanças na atividade da enzima lipase lipoprotéica<br />

presente no músculo esquelético. Essa enzima, que é<br />

responsável pela reposição dos estoques de triglicérides<br />

intramiofibrilares, tem sua atividade aumentada<br />

após uma sessão de exercício. Isso explica a diminuição<br />

aguda dos níveis plasmáticos de triglicérides após<br />

o exercício físico. Tal efeito ocorre, principalmente, após<br />

exercícios prolongados e com intensidade moderada,<br />

situação caracterizada pelo aumento da utilização de<br />

gordura como fonte energética. O aumento da atividade<br />

da lipase lipoprotéica e o catabolismo de triglicérides<br />

também resultam em um dos maiores efeitos do<br />

exercício no colesterol plasmático, que é o aumento do<br />

HDL-colesterol (55) .<br />

Programas de exercício físico com gasto energético<br />

de 1.200 kcal a 2.200 kcal por semana podem aumentar<br />

o HDL-colesterol e diminuir os triglicérides. No<br />

entanto, o colesterol total e o LDL-colesterol melhoram<br />

quando se associa exercício físico a uma dieta balanceada.<br />

Um interessante estudo, com 18 mulheres obesas,<br />

demonstrou que um programa de exercício físico<br />

a 70% do VO 2 máx diminui os níveis de ácidos graxos<br />

não esterificados, de gordura corporal, de triglicérides,<br />

do “pool” de lipoproteínas de densidade muito baixa<br />

(VLDL) apoB, além de melhorar a sensibilidade à insulina<br />

(56) .<br />

Dados recentes demonstram que exercício físico<br />

moderado a intenso em longo prazo melhora o quadro<br />

de dislipidemia, com melhora do HDL e diminuição dos<br />

triglicérides em adultos com sobrepeso e obesos com<br />

síndrome metabólica (57) .<br />

Devemos atentar também para a gravidade da prevalência<br />

da obesidade infantil. Um estudo australiano<br />

demonstrou que mais de 20% das crianças e adolescentes<br />

desse país são obesas ou estão com sobrepe-<br />

so (58) . Para essa população jovem também é aconselhada<br />

a dieta hipocalórica associada ao treinamento<br />

físico em conjunto com mudança comportamental (58) .<br />

Dentro desse quadro, as famílias devem ser motivadas<br />

a mudar os hábitos sedentários, aumentando os níveis<br />

de atividade física e melhorando a alimentação (59) .<br />

PROGRAMA DE EXERCÍCIO FÍSICO<br />

PARA O PACIENTE OBESO<br />

Em nossa experiência, quatro meses de treinamento<br />

físico aeróbio associado a dieta hipocalórica, mesmo<br />

sem haver a normalização do peso corporal, propiciam<br />

grandes benefícios adaptativos, principalmente pelo<br />

aumento da capacidade física representado pelo aumento<br />

do consumo de oxigênio de pico (26) .<br />

Sugerimos para o paciente obeso que, antes de iniciar<br />

um programa de exercício físico, se submeta a um<br />

teste ergométrico ou, melhor ainda, a um teste ergoespirométrico,<br />

para a avaliação do funcionamento do sistema<br />

cardiovascular durante o exercício e a análise da<br />

capacidade física de pico. A avaliação cardiovascular<br />

tem por objetivo diagnosticar uma doença cardiovascular<br />

subclínica, enquanto a avaliação cardiopulmonar<br />

serve para determinar a capacidade física, além de fornecer<br />

parâmetros para a prescrição mais adequada de<br />

treinamento físico.<br />

O programa de treinamento físico tem como parte<br />

principal exercícios aeróbios, cíclicos e contínuos, que<br />

envolvam grandes grupos musculares, tais como caminhada,<br />

ciclismo, natação. É importante a inclusão de<br />

exercícios de resistência muscular localizada, de baixa<br />

sobrecarga e muitas repetições, pois auxiliam na<br />

manutenção da massa magra.<br />

O volume e a intensidade do exercício físico devem<br />

ser aumentados gradativamente, para que haja adaptações<br />

adequadas ao exercício. O tempo total da sessão<br />

de exercício físico é de aproximadamente 60 minutos,<br />

podendo progredir para uma duração de 90 minutos.<br />

A sessão pode ser subdividida em um período<br />

de aquecimento, em torno de 5 minutos, seguido por<br />

período específico de exercício aeróbio, com duração<br />

de 40 minutos, período de exercícios de resistência<br />

muscular localizada, com duração em torno de 15 a 20<br />

minutos, e período de relaxamento com duração aproximada<br />

de 5 minutos. O tempo gasto pode aumentar,<br />

principalmente no exercício específico aeróbio, com a<br />

finalidade de aumentar o gasto energético e melhorar<br />

a adaptação cardiovascular.<br />

A freqüência sugerida é de no mínimo três dias por<br />

semana, podendo chegar à freqüência de cinco ou mais<br />

dias semanais.<br />

A intensidade do exercício deve se basear no resultado<br />

do teste ergométrico/ergoespirométrico. Com base<br />

no teste ergométrico, a intensidade do treinamento fí-<br />

16 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 (supl) — Janeiro/Fevereiro de 2005


TROMBETTA IC e col.<br />

Efeito do exercício físico<br />

e da dieta hipocalórica<br />

na obesidade<br />

sico deverá ser de 50% a<br />

70% da freqüência cardíaca<br />

de reserva. Essa freqüência<br />

cardíaca de treino é calculada<br />

pela fórmula de Karvonen,<br />

que corresponde a:<br />

FC ALVO =<br />

(FC MÁX - FC REP ) x % + FC REP ,<br />

onde FC ALVO = freqüência<br />

cardíaca de treino, FC MÁX =<br />

freqüência cardíaca máxima atingida no teste ergométrico,<br />

e FC REP = freqüência cardíaca de repouso. Quando<br />

for possível o teste ergoespirométrico, a intensidade<br />

de exercício deve progredir do limiar anaeróbio até<br />

10% abaixo do ponto de compensação respiratória.<br />

Essa intensidade poderá ser aferida nas sessões de<br />

treinamento pela freqüência cardíaca correspondente<br />

ao limiar anaeróbio e os 10% abaixo do ponto de compensação<br />

respiratória.<br />

Cuidados preventivos relativos a problemas osteomioarticulares,<br />

comuns na obesidade, devem ser ado-<br />

Tabela 1. Índice de massa corporal e risco de morbidade e de mortalidade.<br />

IMC (peso/<br />

Classificação altura² = kg/m²) Riscos de co-morbidades<br />

Baixo peso < 18,5 Baixo (porém maiores riscos<br />

de outros problemas clínicos)<br />

Normal 18,5-24,9 Ausente<br />

Excesso de peso > 25<br />

Pré-obeso ou com sobrepeso 25-29,9 Aumentado<br />

Obeso classe I 30-34,9 Moderado<br />

Obeso classe II 35-39,9 Grave<br />

Obeso classe III > 40 Muito grave<br />

IMC = índice de massa corporal.<br />

tados na tentativa de se evitar lesões durante a sessão<br />

de treinamento.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Em conjunto, uma dieta hipocalórica e baixa em<br />

gorduras, associada ao exercício físico regular, constitui<br />

a base do tratamento para diminuição dos riscos<br />

de doenças cardiovasculares em indivíduos obesos.<br />

Os benefícios obtidos com a inclusão de um programa<br />

de exercícios nos programas de emagrecimento<br />

podem favorecer o controle metabólico, facilitando<br />

a manutenção da perda de peso, além de provocar<br />

adaptações favoráveis, diminuindo com isso o quadro<br />

geral do risco cardiovascular associado à obesidade.<br />

CLASSIFICAÇÃO DE OBESIDADE<br />

A Organização Mundial de Saúde (60) classifica o adulto<br />

como obeso de acordo com o cálculo do peso relacionado a<br />

sua altura (índice de massa corporal) e correlaciona tais números<br />

a riscos de saúde para o indivíduo (Tab. 1).<br />

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 (supl) — Janeiro/Fevereiro de 2005 17


TROMBETTA IC e col.<br />

Efeito do exercício físico<br />

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PHYSICAL EXERCISE AND HYPOCALORIC DIET<br />

EFFECTS ON OBESITY<br />

IVANI CREDIDIO TROMBETTA, PAULO HIRAI SUZUKI<br />

Obesity is a multifactorial disease that is associated with other cardiovascular<br />

risk factors. The increased prevalence of obesity has been caused by combination of<br />

genetic susceptibility and environmental factors. The non-pharmacological treatment<br />

of obesity by low fat hypocaloric diet, associated to physical exercise, has been<br />

considered as basic treatment for the reduction of cardiovascular disease risk factors<br />

in obese individuals. The main effects of physical exercise are the metabolic<br />

adaptations, which benefit the control of cardiovascular risk factors. Despite the fact<br />

that exercise training does not provoke as great body weight reduction as hypocaloric<br />

diet, it preserves lean body mass during hypocaloric diet, attenuates significantly<br />

other cardiovascular risk factors, and avoids body weight regain. In consequence,<br />

exercise training can be considered an independent benefit in some co-morbidity of<br />

obesity, such as hypertension, hyperglicemia and insulin resistance. Therefore, an<br />

active life style, and consequently, a high physical capacity can attenuate morbidity<br />

and mortality in obese individuals.<br />

Key words: obesity, physical training, hypocaloric diet, cardiovascular risk.<br />

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;1 Supl A:12-20)<br />

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Efeito do exercício físico<br />

e da dieta hipocalórica<br />

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20 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 1 (supl) — Janeiro/Fevereiro de 2005

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