O desafio das diferenças nas escolas - TV Brasil
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SUMÁRIO<br />
PROPOSTA PEDAGÓGICA<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS ............................................................................ 03<br />
Maria Teresa Eglér Mantoan<br />
SUGESTÃO PARA AVALIAÇÃO DA SÉRIE OU PARA INICIAR UMA DISCUSSÃO ...................... 13<br />
PGM 1<br />
O DIREITO À DIFERENÇA NA IGUALDADE DE DIREITOS ........................................................... 23<br />
Inclusão escolar – caminhos e descaminhos, <strong>desafio</strong>s, perspectivas<br />
Maria Teresa Eglér Mantoan<br />
PGM 2<br />
IDENTIDADE E DIFERENÇAS ........................................................................................................ 32<br />
Texto 1: Revisando conceitos: o necessário exercício de construção da identidade a partir da<br />
diferença ............................................................................................................................................ 32<br />
Margarida Seabra de Moura<br />
Texto 2: Indivíduo e massa: uma cilada no discurso da identidade ................................................... 37<br />
Carlos Alberto Marques<br />
PGM 3<br />
ENSINANDO A TURMA TODA: AS DIFERENÇAS NA ESCOLA ..................................................... 42<br />
Texto 1: Educação inclusiva: revisar e refazer a cultura escolar ...................................................... 42<br />
Rosângela Machado<br />
Texto 2: Inclusão: teoria e prática ...................................................................................................... 46<br />
Mara Sartoretto<br />
PGM 4<br />
O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO COMO GARANTIA DA INCLUSÃO DE<br />
ALUNOS COM DEFICIÊNCIA ........................................................................................................... 52<br />
Texto 1: Alunos com deficiência e seu direito à educação: trata-se de uma educação especial? ... 52<br />
Eugênia Augusta Gonzaga Fávero<br />
Texto 2: Atendimento educacional especializado para alunos cegos e com baixa visão .................. 62<br />
Elizabet Dias de Sá<br />
Texto 3: Atendimento educacional especializado para a pessoa com deficiência mental ................ 68<br />
Cristina Abranches Mota Batista<br />
Texto 4: O atendimento educacional especializado como garantia da inclusão de alunos com<br />
deficiência .......................................................................................................................................... 79<br />
Rita Bersch<br />
PGM 5<br />
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A INCLUSÃO E O ACESSO AO ENSINO SUPERIOR ... 85<br />
Texto 1: A formação dos professores no contexto de uma escola aberta às <strong>diferenças</strong> .................. 85<br />
Maria Terezinha C.Teixeira dos Santos<br />
Texto 2: Formação de professores para a inclusão e o acesso ao ensino superior .......................... 92<br />
Rita Vieira de Figueiredo<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 2 .
Considerações iniciais<br />
PROPOSTA PEDAGÓGICA<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS<br />
Maria Teresa Eglér Mantoan 1<br />
A <strong>TV</strong> Escola, por meio do Programa Salto para o Futuro, veiculará, no período de 6 a 10 de<br />
novembro de 2006, uma série intitulada O <strong>desafio</strong> <strong>das</strong> <strong>diferenças</strong> <strong>nas</strong> <strong>escolas</strong>.<br />
O assunto, embora já não seja mais uma novidade, é muito polêmico e controverso e suscita<br />
questões que mexem com as bases de nosso sistema educacional e com as práticas de ensino<br />
que tradicionalmente se desenvolvem <strong>nas</strong> <strong>escolas</strong>, especialmente no nível básico: Educação<br />
Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio.<br />
Nesta série, vamos nos ater mais ao que a inclusão exige e provoca no sentido de transformar<br />
para melhor o ensino básico, mas também abordaremos as suas investi<strong>das</strong> no ensino superior,<br />
pois essa inovação se aplica a to<strong>das</strong> as <strong>escolas</strong> e a todos os alunos, indistintamente.<br />
O que pretendemos é colocar o professor a pensar sobre o seu cotidiano escolar, suas formas<br />
de ensinar, de avaliar o desempenho de seus alunos, seu modo de planejar o trabalho que<br />
desenvolverá em sala de aula. Mas esse objetivo não descarta um apoio teórico necessário à<br />
revisão de práticas que já estão, de certa forma, consagra<strong>das</strong> pelo uso e que, não sendo<br />
devidamente analisa<strong>das</strong> em suas raízes mais profun<strong>das</strong>, continuam sustentando o que precisa<br />
ser modificado.<br />
Precisamos, pois, rever o que está por detrás de nossas escolhas e de tudo o que estamos<br />
desenvolvendo, a partir de referências educacionais que perpetuam a exclusão <strong>nas</strong> <strong>escolas</strong>, há<br />
muito tempo. Essa revisão demanda uma retomada de conceitos e também a apresentação de<br />
outros, novos, que são absolutamente necessários para que a inclusão escolar não seja<br />
considerada mais um “modismo”, uma exigência legal que vem controlar, arbitrariamente, o<br />
trabalho <strong>nas</strong> <strong>escolas</strong>, impondo-lhes novos propósitos e responsabilidades.<br />
Sem o apoio de uma concepção educacional atualizada e aberta às <strong>diferenças</strong>, compatível com<br />
ideais e valores que estão sendo defendidos para combater to<strong>das</strong> as formas de discriminação e<br />
de restrições/limitações que atingem determina<strong>das</strong> minorias <strong>nas</strong> <strong>escolas</strong> e na sociedade em<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 3 .
geral, é impossível penetrar no que a inclusão significa para a formação <strong>das</strong> novas gerações e<br />
para o momento em que vivemos todos nós, neste planeta.<br />
Portanto, não podemos nos restringir, nessa série, a discutir situações de sala de aula e<br />
quaisquer outras que são próprias do universo escolar, sem que tenhamos subjacente a esses<br />
quadros uma posição sobre o que entendemos hoje por processos de identificação, produção<br />
da desigualdade, exclusão, igualdade de oportunidades e outros.<br />
O que temos pela frente é um trabalho bastante complexo, cheio de ramificações e que precisa<br />
de uma base conceitual forte e do conhecimento de novas práticas pedagógicas, para que seja<br />
desenvolvido adequadamente, sem cair nos “achismos e modismos”, <strong>nas</strong> soluções paliativas,<br />
nos desvios que comumente temos presenciado, quando se tem como objetivo a inclusão<br />
escolar.<br />
A verdade é que o tempo vai passando e, infelizmente, não estamos conseguindo encontrar<br />
uma direção que nos leve diretamente ao que nos propõe a inclusão <strong>nas</strong> <strong>escolas</strong>. Os motivos<br />
variam muito, mas estão, no geral, relacionados ao preconceito, à força <strong>das</strong> corporações que<br />
atuam em relação às pessoas com deficiência, à ignorância dos pais, a políticas educacionais,<br />
que neutralizam todo tipo de <strong>desafio</strong>s que as <strong>escolas</strong> têm de enfrentar para aprimorarem suas<br />
práticas, a uma interpretação retrógrada de educação especializada, que substitui e não<br />
complementa o ensino regular, <strong>nas</strong> <strong>escolas</strong> comuns. E que atende, indiscriminadamente, a<br />
alunos com deficiência e a alunos que não as têm, mas que estão com problemas de<br />
aprendizagem...<br />
As distorções conceituais não são poucas também e constituem barreiras ao entendimento do<br />
que a inclusão representa, no sentido de uma ressignificação do ensino, da aprendizagem, da<br />
formação de professores, dos processos avaliativos, do mérito escolar, <strong>das</strong> promoções, <strong>das</strong><br />
categorizações e seriações acadêmicas, dos currículos...<br />
Portanto, há muito a fazer, no sentido de que a inclusão escolar possa ser entendida e posta em<br />
ação nos sistemas de ensino público governamental e privado. O tempo passa e não podemos<br />
continuar perpetuando as injustiças cometi<strong>das</strong> pela educação formal, ao definir o aluno ideal e<br />
ao discriminar os demais, por não se encaixarem nesse modelo.<br />
O trabalho não é dos mais fáceis, porque estamos muito habituados com o modo de as <strong>escolas</strong><br />
se organizarem pedagogicamente, com seus métodos excludentes e conservadores de trabalho,<br />
que estão arraigados à nossa formação básica e profissional. É mais fácil a alguém externo à<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 4 .
educação compreender e defender os propósitos inclusivos do que, muitas vezes, convencer<br />
um educador da importância e <strong>das</strong> exigências dessa inovação, de tal forma as nossas<br />
concepções educacionais carregam o peso de uma escola para alguns, o que vivenciamos, e<br />
que não corresponde ao que a escola para todos preconiza. Esta série, dedicada à inclusão, é<br />
mais uma oportunidade de colocá-la em evidência e em questão. E situações como esta são<br />
sempre bem-vin<strong>das</strong>!<br />
O que pretendemos é que, a partir dos textos e encontros que selecionamos para explorar o<br />
tema descubramos novas possibilidades de trabalho <strong>nas</strong> salas de aula, mas sempre a partir da<br />
compreensão teórica <strong>das</strong> novas medi<strong>das</strong> a serem toma<strong>das</strong>, para que a educação seja cada vez<br />
mais de qualidade e aberta às <strong>diferenças</strong>.<br />
Temas que serão abordados na série O <strong>desafio</strong> <strong>das</strong> <strong>diferenças</strong> <strong>nas</strong> <strong>escolas</strong>,<br />
que será apresentada no programa Salto para o Futuro/<strong>TV</strong><br />
Escola/SEED/MEC de 6 a 10 de novembro de 2006:<br />
PGM 1 – O direito à diferença na igualdade de direitos<br />
Não somos iguais em tudo, mas conquistamos o direito à igualdade e devemos reclamá-lo,<br />
toda vez que as nossas <strong>diferenças</strong> forem motivo de exclusão, discriminação, limitação de<br />
possibilidades, na escola, na sociedade em geral. A discussão da igualdade na escola está<br />
contida no direito de todos à educação. Esse direito é uma conquista democrática e está<br />
expresso em nossa Constituição Federal de 1988. Como assegurá-lo a todos os escolares<br />
brasileiros, sem distinções de qualquer tipo, natureza? Eis um tema de todo interesse para<br />
abrir esta série sobre inclusão.<br />
Precisamos, acima de tudo, perceber a extensão desse direito e respeitá-lo <strong>nas</strong> suas inúmeras<br />
possibilidades de aplicação, além de conhecê-lo em seus detalhes, pois, sendo educadores, nós<br />
somos os profissionais mais diretamente comprometidos com esta conquista social.<br />
O direito à educação não tem uma posição universalista e generalizadora em nosso<br />
Ordenamento Jurídico. Nele também são considera<strong>das</strong> situações em que o direito às<br />
<strong>diferenças</strong> é proclamado. Eis aí uma excelente oportunidade para discutirmos com juristas e<br />
outros profissionais que se dedicam ao estudo desse assunto, o que significa uma escola para<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 5 .
todos na perspectiva dos avanços na legislação que sustenta a organização do Estado<br />
brasileiro.<br />
Consideramos esses conhecimentos básicos, quando discutimos a necessidade de transformar<br />
as nossas <strong>escolas</strong>, para que se tornem ambientes que se propõem a concretizar o que nossas<br />
prescrições legais preconizam, atendendo aos anseios do povo, no seu pacto maior, a nossa<br />
Constituição.<br />
O direito à educação esbarra no problema da igualdade de oportunidades, o que nem sempre<br />
se compatibiliza com os ideais inclusivos, pois muitas vezes essa igualdade está a serviço da<br />
exclusão e até a justifica. De fato, algumas pessoas podem ficar fora da escola por não darem<br />
conta de uma oportunidade igual de educação para todos. Suas <strong>diferenças</strong> não foram<br />
considera<strong>das</strong>, a não ser para que tivéssemos um bom motivo para discriminá-las e colocá-las à<br />
margem em <strong>escolas</strong> especiais, como pessoas que, não conseguindo tirar benefícios dessa<br />
igualdade, precisam se conformar com uma situação marginal, à parte, nos sistemas escolares.<br />
Dificilmente a escola e os pais entendem essa situação e se enganam, achando que os alunos<br />
que não dão certo <strong>nas</strong> <strong>escolas</strong> comuns devem freqüentar o ensino especializado unicamente e<br />
com fins de escolarização.<br />
Mas a questão da igualdade de oportunidades não afeta somente os alunos com dificuldade de<br />
aprender por um tipo de deficiência, mas os demais alunos, que também encontram<br />
dificuldade para acompanhar o ensino regular <strong>nas</strong> <strong>escolas</strong> comuns, em todos os níveis de<br />
ensino.<br />
O direito à educação e à diferença na escola não é um problema típico <strong>das</strong> etapas do nível<br />
básico; no ensino superior ele também está cada vez mais sendo exigido e as universidades<br />
têm procurado atendê-lo, contornando-o com programas de cotas, com financiamentos, bolsas<br />
oferecidos a todos os que necessitam de uma compensação inicial, para que possam dar o<br />
primeiro passo na conquista <strong>das</strong> demais etapas de formação.<br />
Temos, portanto, que, inicialmente, ouvir os juristas e discutir com eles esse direito e, acima<br />
de tudo, precisamos nos empenhar e buscar, fora da educação, elementos que nos façam<br />
clarear o conceito de inclusão, por uma visão multifocal do tema, sempre na firme intenção de<br />
conhecer para melhor fazer acontecer a educação para todos <strong>nas</strong> nossas <strong>escolas</strong>. Esses são os<br />
temas em debate neste primeiro programa da série.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 6 .
PGM 2 – Identidade e <strong>diferenças</strong><br />
A idéia de incluir este assunto no segundo programa da série decorre da grande dificuldade<br />
que temos de entender a construção da identidade e dos desmembramentos da questão, no que<br />
diz respeito à formação escolar, em seu todo.<br />
Formamos pessoas para que elas se identifiquem a algum tipo, modelo, herói, exemplo,<br />
padrão, ou para cultivar o que é próprio de cada uma, o que as distingue, a partir de nossas<br />
tendências, habilidades, escolhas? Formamos pessoas para que possam se recriar<br />
constantemente, ou para que sejam presas de uma identidade que lhes é atribuída e que deve<br />
ser conservada por toda a vida e a todo custo?<br />
Consideramos a discussão desse tema muito pertinente à questão da escola aberta às<br />
<strong>diferenças</strong> e pretendemos abordá-lo em seus contornos mais amplos e restritos, ou seja, em<br />
termos de identidades coletivas e <strong>das</strong> minorias, em termos étnicos, religiosos, de gênero,<br />
quanto às deficiências e outros. A pertinência do tema está no fato de entendermos a<br />
identidade como sendo móvel e não fixada nos indivíduos.<br />
A identidade, na escola inclusiva, não é compreendida pelos cânones tradicionais do seu<br />
entendimento; está voltada para o que é errante, transitório, e que se impõe sobre o perene,<br />
próprio do que ainda permeia as nossas identidades sociais, culturais e profissionais. Os<br />
alunos, na perspectiva de uma escola aberta às <strong>diferenças</strong>, não se reduzem mais a pessoas<br />
rotula<strong>das</strong> por professores, especialistas, que os condenam a categorizações e hierarquizações,<br />
impostas por aparatos psicológicos e pedagógicos (testes, provas, coeficientes, padrões de<br />
desenvolvimento, de desempenho acadêmico, entre outros). Cada aluno é um ser, cuja<br />
complexidade não se mede de fora e que precisa de situações estimuladoras para que cresça e<br />
avance em todos os aspectos de sua personalidade, a partir de uma construção pessoal, que vai<br />
se definindo e transmutando a sua identidade, sem um contorno ao qual deverá se conter e<br />
tendo sempre ocasiões de desenvolver-se, criando e atualizando suas possibilidades.<br />
Para este segundo programa da série, convidaremos para participar de um debate<br />
representantes dessas minorias excluí<strong>das</strong> pela escola, sociólogos e antropólogos, que possam<br />
tratar da questão da identidade em suas nuances de compreensão e ilustraremos o debate com<br />
depoimentos de pais, professores, pessoas que trarão suas experiências de exclusão e de<br />
inclusão no cotidiano.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 7 .
PGM 3 – Ensinando a turma toda: as <strong>diferenças</strong> na escola<br />
O alvo desta série é oferecer aos professores mais uma oportunidade de reconhecer e valorizar<br />
as <strong>diferenças</strong> na escola. Trata-se de mais um <strong>desafio</strong> da série, pois que os professores, em<br />
geral, têm bastante dificuldade de entender os princípios inclusivos, quando aplicados às salas<br />
de aula, diante da formação que tiveram como alunos e como profissionais da educação. De<br />
fato, não é fácil, depois de toda uma experiência de ensino, em que a exclusão é uma <strong>das</strong><br />
situações mais comumente vivi<strong>das</strong>, fazer essa passagem necessária que nos leva a conceber a<br />
escola inclusiva como aquela em que todos, indiscriminadamente, são valorizados em seus<br />
conhecimentos e reconhecidos, como alunos, como pessoas que têm possibilidades diferentes<br />
de construir conhecimentos, a partir de suas vivências culturais, de suas condições de<br />
aprender e de atribuir significado ao mundo que nos cerca. Infelizmente a escola, até os<br />
nossos dias, não se dá bem com as <strong>diferenças</strong>. Suas turmas são constituí<strong>das</strong> a partir da idéia de<br />
que conseguimos homogeneizar os grupos de alunos, segundo um dado desempenho escolar.<br />
Esse critério de agrupamento varia arbitrariamente, hierarquizando-se, ordenando-se, segundo<br />
o que a escola e seus professores definem, para que tal organização pedagógica possa atingir<br />
os seus objetivos, ou seja, igualar níveis de competências escolares por série, ciclos de<br />
desenvolvimento e outros. Admitir que os alunos são diferentes quando entram na escola, seja<br />
em uma dada série, e/ou nível de ensino, é certo e sobre essa condição não existem dúvi<strong>das</strong>.<br />
Mas, como ponto de chegada, todos devem atingir um dado padrão de comportamento<br />
acadêmico, que define o aluno como capaz e dentro do modelo de um aprendiz de 1ª série, de<br />
nível superior etc. Os que não couberem nesse modelo são facilmente excluídos ou limitados<br />
em sua trajetória escolar.<br />
A regra é essa e ela impera na maioria <strong>das</strong> <strong>escolas</strong>, de todos os níveis de ensino – da Educação<br />
Infantil à universidade. Temos, então, que ressignificar essa organização escolar perversa, que<br />
se diz para todos, mas que é planejada para alguns e, para tanto, a releitura do sistema de<br />
ensino pelos que dele fazem parte é fundamental. Também é preciso compreender melhor o<br />
que é a aprendizagem e como esses dois processos são indissociáveis e não correspondentes.<br />
Eis aí uma grande chave para que se possa entender como é possível se ensinar uma turma<br />
toda, sem adotar um ensino diversificado para alguns, que é tão discriminador para certos<br />
alunos como ser encaminhado a uma turma mais fraca, por exemplo.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 8 .
Os professores e a grande maioria <strong>das</strong> pessoas pensam que um conteúdo ensinado deva<br />
corresponder a uma aprendizagem esperada. Se o aluno é capaz de “acompanhar” a turma, do<br />
ponto de vista do seu desempenho intelectual, é assim que deverá acontecer no processo<br />
escolar bem sucedido. Temos, então, que nos empenhar, a todo o custo, para conseguir que os<br />
alunos reproduzam o que definimos como o que deve ser assimilado em uma área do<br />
conhecimento e segundo o conteúdo programático do currículo de uma série, ciclo, nível de<br />
formação escolar. Este é um trabalho estressante para o professor e que dificilmente será<br />
recompensado, pois o que se espera alcançar é inatingível.<br />
PGM 4 - O atendimento educacional especializado como garantia da inclusão de alunos<br />
com deficiência<br />
Pensamos que é extremamente urgente e apropriado divulgar para todos os que atuam <strong>nas</strong><br />
<strong>escolas</strong>, aos pais e especialistas, aos clínicos, enfim a todos os que se dedicam à educação<br />
escolar inclusiva, que o ensino especial, desde a Constituição de 1988, deixou de ser<br />
substitutivo do ensino regular e passou a ser um complemento da formação dos alunos Com<br />
isso queremos dizer que não se pode mais proceder como anteriormente, excluindo alunos <strong>das</strong><br />
salas comuns de ensino regular e encaminhando-os para serem escolarizados em <strong>escolas</strong> e<br />
classes especiais. O ensino especial, como modalidade de ensino, é transversal a todos os<br />
níveis escolares, da Educação Infantil à universidade, mas não pode substituir o ensino regular<br />
e seus professores. Não substitui, igualmente, os professores <strong>das</strong> <strong>escolas</strong> comuns, onde devem<br />
estar matriculados e freqüentando suas salas de aulas.<br />
A intenção é trazer a público essa nova interpretação do ensino especial – o atendimento<br />
educacional especializado – e dirimir essas dúvi<strong>das</strong>, que vêm de longe! Especialistas <strong>das</strong> áreas<br />
da deficiência mental, visual, auditiva, física irão não ape<strong>nas</strong> apresentar o que estão propondo<br />
como novidades, como também demonstrar os resultados que estão conseguindo a partir do<br />
atendimento educacional especializado, na sua versão atualizada.<br />
PGM 5 – Formação de professores para a inclusão e o acesso ao ensino superior<br />
Neste quinto programa da série, o alvo é desconstruir uma política de formação habitualmente<br />
adotada pelas redes de ensino público, que está fundamentada na idéia de que cursos<br />
esporádicos externos, ou mesmo formação em serviço <strong>nas</strong> <strong>escolas</strong>, devem transmitir ao<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 9 .
professor as inovações educacionais para que, conhecendo-as, façam uso delas, em suas salas<br />
de aulas. As práticas de formação obedecem ao mesmo modo tradicional de se ensinar <strong>nas</strong><br />
<strong>escolas</strong>, que traz pronta a novidade, ou seja, o conhecimento a ser aprendido, e espera que o<br />
aluno o reproduza, posteriormente.<br />
A escola para alguns suporta e se beneficia dessa formação, pois o que pretende é que a<br />
educação idealize o educando e selecione os meios para que essa idealização se concretize.<br />
Para alcançar esse objetivo, seus professores nada mais precisam do que conhecer o que deve<br />
ser ensinado e trabalhar para que o educando se “conforme”, adquira o formato desejado pelo<br />
sistema educacional, ignorando as <strong>diferenças</strong>. Sistemas de ensino que assim se comportam<br />
rejeitam os alunos e os professores que não estão dentro do que foi estipulado arbitrariamente<br />
para atender ao perfil do bom professor e do bom aluno. A maioria <strong>das</strong> formações iniciais e<br />
continua<strong>das</strong> de professores pretende que eles façam de seus alunos seres que aceitam<br />
passivamente o que deve ser aprendido e executado <strong>nas</strong> <strong>escolas</strong>.<br />
Pode parecer radical ou mesmo exagerada essa afirmação, porém é o que, infelizmente, temos<br />
presenciado na maioria <strong>das</strong> redes de ensino que conhecemos por esse país afora. Gastam-se<br />
fortu<strong>nas</strong> em formação e o professor se sente cada vez mais despreparado para atender às<br />
pretensões dessas redes, ao veicularem esses novos conhecimentos. Com relação à inclusão<br />
escolar, a grande queixa e justificativa mais freqüente da resistência dos professores em<br />
receber todo e qualquer aluno em suas salas de aula é o despreparo para ensinar a turma toda,<br />
sem discriminações, ensino adaptado, diversificado, <strong>nas</strong> salas de aula <strong>das</strong> <strong>escolas</strong> comuns.<br />
De fato, a formação que estão recebendo não atende aos reclamos de um ensino dessa<br />
natureza, que gira em torno de outro eixo e que não se desenvolve a partir de conhecimentos<br />
previamente selecionados e transmitidos aos professores, como manuais para bem atender às<br />
necessidades e aos interesses de todos os seus alunos.<br />
A escola para todos exige uma virada na formação inicial dos professores, o que é bem mais<br />
difícil e complexo, mas principalmente na formação em serviço, ora proposta e realizada.<br />
O que é essencial, do nosso ponto de vista, é que a formação se centre na discussão dos<br />
problemas relativos ao ensino e às possibilidades de os alunos tirarem proveito dele. Essa é<br />
verdadeiramente uma virada, que tem sido proposta por algumas redes e <strong>escolas</strong> de ensino<br />
público e particular, respaldada pela necessidade de se resolver o problema do despreparo<br />
constante dos professores, para ensinar a todos os alunos.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 10 .
O que se tem como objetivo, nessas formações, quando não se trata de fazer cursos e/ou<br />
estudar textos sobre novos assuntos educacionais e outros de natureza administrativa, é<br />
sempre a aprendizagem, as dificuldades de os alunos darem conta e de acompanharem os<br />
colegas. Assim sendo, não se focam, nessas reuniões, os problemas de ensino, o que é<br />
possível ser mudado para que os alunos tenham outras oportunidades de aprender, a partir do<br />
que são capazes, do que têm interesse e curiosidade de saber.<br />
As discussões de caso, quando ocorrem, apontam o que os alunos não conseguem aprender e<br />
não o que eles aprenderam a partir de em ensino que não tem a pretensão de que todos<br />
cheguem a um mesmo nível e/ou tipo de conhecimento com o mesmo fôlego, no mesmo<br />
tempo... e com facilidade! Os casos não são estudados para serem debatidos em reunião de<br />
professores, com seus diretores e especialistas. Eles são notificados, etiquetados e, a priori,<br />
definidos como sem condições de atender ao exigido para os demais colegas. Assim é que se<br />
carreiam os procedimentos de inclusão. A formação em serviço tem uma grande arte nesses<br />
procedimentos, pois é, no geral, a partir desses encaminhamentos que muitos alunos têm suas<br />
trajetórias educacionais desvia<strong>das</strong> e até mesmo interrompi<strong>das</strong>.<br />
O atendimento educacional especializado, que é ainda pouco entendido pelos que atuam tanto<br />
no ensino comum, regular, como no ensino especial, é necessário para se garantir a inclusão<br />
de alunos com deficiência <strong>nas</strong> salas de aula de ensino regular e esse atendimento deve estar<br />
voltado para os seus problemas, necessidades e peculiaridades.<br />
No ensino regular, o problema de aprendizagem dos alunos terá de ser reconhecido a partir de<br />
uma formação interna às <strong>escolas</strong>, e que terá como objetivo os problemas de ensino, nessa<br />
escola, diante <strong>das</strong> possibilidades de seus alunos.<br />
O acesso ao ensino superior<br />
Penso que é oportuno encerrar esta série sobre educação inclusiva demonstrando o que está<br />
sendo proposto pela Universidade Estadual de Campi<strong>nas</strong> – Unicamp/SP com relação ao<br />
acesso, permanência e continuidade dos estudos de nível superior de todos os alunos com e<br />
sem deficiência.<br />
Aqui abordaríamos não ape<strong>nas</strong> o que diz respeito ao acesso nos exames vestibulares, como o<br />
modo de esta Universidade encarar problemas de justiça social e racial, no ensino superior.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 11 .
O atendimento educacional especializado realizado pela Unicamp, por meio do Laboratório<br />
de Acessibilidade da Biblioteca Central César Lattes, é um trabalho digno de ser divulgado,<br />
assim como o PAAIS, que é o projeto de ação afirmativa de inclusão social da Unicamp.<br />
A propósito da inclusão no ensino superior, visitem o site do Projeto TODOS NÓS –<br />
Unicamp Acessível, do qual sou uma <strong>das</strong> coordenadoras: www.todosnos.unicamp.br<br />
Nota:<br />
1 Doutora em Educação. Professora dos cursos de graduação e de pósgraduação<br />
da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de<br />
Campi<strong>nas</strong>/Unicamp. Coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas<br />
em Ensino e Diversidade – LEPED/Unicamp. Consultora desta série.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 12 .
SUGESTÃO PARA AVALIAÇÃO DA SÉRIE OU PARA INICIAR UMA DISCUSSÃO<br />
Seguem alguns “testes” que elaborei para brincar com os professores e, ao mesmo tempo,<br />
para que eles verifiquem o nível de entendimento da inclusão escolar, especialmente quando<br />
se trata de alunos com deficiência incluídos <strong>nas</strong> <strong>escolas</strong> comuns. Os “testes” abaixo<br />
reproduzidos foram publicados como capítulos do livro Humor e Alegria na Escola,<br />
organizado por Valéria Amorim Araújo, em 2006, e publicado em São Paulo, pela Summus<br />
Editorial.<br />
TESTE SEU PODER DE INCLUSÃO<br />
Maria Teresa Eglér Mantoan<br />
Faculdade de Educação – Unicamp<br />
Caro (a) Professor (a):<br />
A inclusão tem nos preocupado bastante, não é mesmo? Cada um diz uma coisa. Ora são os<br />
pais, ora os especialistas, ora os médicos, além da televisão, dos congressos, cursos, dos livros<br />
em geral, que nos afligem, despencando <strong>nas</strong> nossas cabeças to<strong>das</strong> as responsabilidades por<br />
uma virada do avesso <strong>das</strong> <strong>escolas</strong>. A gente fica desnorteado(a) com tantas idéias, argumentos,<br />
novidades.<br />
E quase sempre sobra para a sala de aula, para o(a) professor(a) a parte mais difícil, não é<br />
mesmo? Mudar as práticas, escolares, aprendi<strong>das</strong> com tanto custo, é um <strong>desafio</strong> daqueles...<br />
Muitos acham que os(as) professores(as) são resistentes, acomodados(as), apegados(as) aos<br />
velhos hábitos de trabalho. Seriam mesmo?<br />
Teste, então, o seu poder de inclusão! Faça um check up inclusivo. O exame é simples,<br />
despretensioso, mas poderá ser útil, e alertar para o risco que se corre de contaminar outros<br />
colegas com o vírus da exclusão, que parece ser endêmico em nossas <strong>escolas</strong>.<br />
Os sintomas que denunciam esse estado doentio de muitos de nós são:<br />
• febre e outros distúrbios que denotam um combate a tudo o que é novo e invade a sala de<br />
aula e a maneira conservadora de atuar nela;<br />
• arrepios ao pensar que é preciso mudar nossas atitudes diante <strong>das</strong> <strong>diferenças</strong>;<br />
• congestão de práticas especializa<strong>das</strong>;<br />
• dores de cabeça para diversificar o ensino;<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 13 .
• problemas de coluna ao carregar o peso de mais alunos (e com problemas bem mais<br />
graves do que os habituais...);<br />
• mal-estar de estômago, ao ouvir o que a inclusão acarreta de novidades na avaliação da<br />
aprendizagem;<br />
• um cansaço generalizado advindo da participação nos encontros de formação sobre<br />
inclusão;<br />
• outros sintomas derivados desses todos e que dependem do estado de saúde educacional e<br />
do estado do sistema imunológico de cada um, para enfrentar o referido vírus!<br />
Para esse breve exame, as regras são:<br />
1. Coloque-se na condição dos professores(as) que aqui apresentaremos;<br />
2. Escolha a alternativa que você adotaria em cada caso, mas sem pensar muito, respondendo<br />
com o que vem mais rápido à cabeça.<br />
3. Descubra e aprenda mais sobre si mesmo(a).<br />
Responda às questões e confira:<br />
1) A professora Sueli procura incluir um aluno com deficiência mental em sua turma de 1ª<br />
série. Tudo caminha bem, em relação à socialização desse educando, mas diante dos demais<br />
colegas, o atraso intelectual desse aluno é bastante significativo. Neste caso, como você<br />
resolveria a situação?<br />
(A) - Encaminharia o aluno para o atendimento educacional especializado oferecido pela<br />
escola?<br />
(B) - Solicitaria a presença de um professor auxiliar para acompanhar o aluno em sala de<br />
aula?<br />
(C) - Esperaria um tempo para verificar se o aluno tem condições de se adaptar ao ritmo da<br />
classe ou precisaria de uma escola ou classe especial?<br />
2) Júlia é uma professora de escola pública. Já faz quatro anos que leciona na 2ª série. Há um<br />
fato que a preocupa muito atualmente: o que fazer com alguns de seus alunos, que estão<br />
fazendo pela terceira vez aquela série? Para acabar com suas preocupações, qual seria a<br />
melhor opção?<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 14 .
(A) - Encaminhá-los a uma sala de alunos repetentes, para serem mais bem atendidos e menos<br />
discriminados?<br />
(B) - Propor à direção da escola que esses alunos sejam distribuídos entre as outras turmas de<br />
2ª série, formada por alunos mais atrasados?<br />
(C) - Reunir-se com os professores e a diretora da escola e sugerir que esses alunos se<br />
transfiram para turmas da mesma faixa etária, até mesmo para as classes de Educação de<br />
Jovens e Adultos (EJA), caso algum já esteja fora da idade própria do Ensino Fundamental?<br />
3) Cecília é uma adolescente com deficiência mental associada a comprometimentos físicos,<br />
que está freqüentando uma turma de 3ª série do Ensino Fundamental, na qual a maioria de<br />
seus colegas é bem mais nova do que ela. A professora percebeu que Cecília está<br />
desinteressada pela escola e muito apática. Qual a melhor saída, na sua opinião, para resolver<br />
este caso?<br />
(A) - Chamar os pais da aluna e relatar o que está acontecendo, sugerindo-lhes que procurem<br />
um psicólogo para resolver o seu problema?<br />
(B) - Avaliar a proposta de trabalho desta série, em busca de novas alternativas pedagógicas?<br />
(C) - Concluir que a aluna precisa de outra turma, pois a sua condição física e problemas<br />
psicológicos prejudicam o andamento escolar dos demais colegas?<br />
4) Numa 2ª série de Ensino Fundamental, em que há alunos com deficiência mental e outros<br />
alunos com dificuldades de aprendizagem por outros motivos, o professor está ensinando<br />
operações aritméticas. Mas estes alunos não conseguem acompanhar o restante da turma na<br />
aprendizagem do conteúdo proposto. O que você faria, se estivesse no lugar desse professor?<br />
(A) - Reuniria esse grupo de alunos e lhes proporia as atividades facilita<strong>das</strong> do currículo<br />
adaptado de Matemática?<br />
(B) - Distribuiria os alunos entre os grupos formados pelos demais colegas e trabalharia com<br />
todos, de acordo com suas possibilidades de aprendizagem?<br />
(C) - Aproveitaria o momento <strong>das</strong> atividades referentes a esse conteúdo para que esses alunos<br />
colocassem em dia outras matérias do currículo, com o apoio da estagiária ou da professora de<br />
apoio?<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 15 .
5) Fábio é um aluno com autismo que freqüenta uma sala de aula da 3ª série. É o seu primeiro<br />
ano em uma escola comum e ele incomoda seus colegas, perambulando pela sala e<br />
interferindo no trabalho dos grupos. Que decisões você tomaria para resolver a situação, caso<br />
fosse a professora desse grupo?<br />
(A) - Solicitaria à direção da escola que retirasse Fábio de sua sala, pois o seu comportamento<br />
está atrapalhando o bom andamento da classe e o desempenho dos demais alunos?<br />
(B) - Marcaria uma reunião com o coordenador da escola e solicitaria uma avaliação e o<br />
encaminhamento desse aluno para uma classe ou para uma escola especial?<br />
(C) - Reuniria os alunos e proporia um trabalho conjunto em que todos se comprometeriam a<br />
manter um clima de relacionamento cooperativo na sala de aula?<br />
6) Guilherme é uma criança que a escola chama de “hiperativa”. Ele gosta muito de folhear<br />
livros de histórias. Ocorre que freqüentemente rasga e/ou suja as pági<strong>nas</strong> dos livros, ao<br />
manuseá-los sem o devido cuidado.<br />
O que você lhe diria, caso fosse sua professora?<br />
(A) - “Hoje você não irá ao recreio, porque rasgou e sujou mais um livro”.<br />
(B) - “Vou ajudá-lo a consertar o livro, para que você e seus colegas possam ler esta linda<br />
história”.<br />
(C) - “Agora você vai ficar sentado nesta mesinha, pensando no que acabou de fazer”.<br />
7) Norma é professora de uma 4ª série de Ensino Fundamental e acabou de receber um aluno<br />
cego em sua turma. Ela não o conhece bem, ainda. No recreio, propõe à turma um jogo de<br />
queimada. É nesse momento que surge o problema: O que fazer com Paulo, o menino cego?<br />
Arrisque uma “solução inclusiva” para este caso.<br />
(A) - Oferecer-lhe uma outra atividade, enquanto os demais jogam queimada, fazendo-o<br />
entender o risco a que esta atividade o expõe e a responsabilidade da professora pela<br />
segurança e integridade de todos os seus alunos?<br />
(B) - Perguntar ao aluno quais os jogos e esportes dos quais ele tem participado e se ele<br />
conhece as regras da queimada.<br />
(C) - Reunir a turma para resolver a situação, ainda que na escola não exista uma bola de meia<br />
com guizos.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 16 .
8) Maria José é professora de escola pública e está às voltas com um aluno de uma turma de<br />
5ª série, de 12 anos, que é muito agressivo, mal-educado e desobediente. Ele não se submete à<br />
autoridade dos professores nem <strong>das</strong> demais pessoas da escola e sempre arruma uma briga com<br />
os colegas, dentro da sala de aula, ameaçando-os com um estilete. O que você faria no lugar<br />
dessa professora aterrorizada?<br />
(A) - Estabeleceria novas regras de convivência entre todos e, em seguida, analisaria com a<br />
turma os motivos que nos levam a agir com violência?<br />
(B) - Enfrentaria as brigas, retirando-o da sala de aula e entregando-o à direção da escola?<br />
(C) - Tentaria controlar essas situações, exigindo que o menino entregasse o estilete, para que<br />
os demais alunos se acalmassem?<br />
9) Sérgio é um aluno surdo, com perda total de audição. Ele tem 13 anos de idade e<br />
freqüentou até o momento uma escola de surdos. Este aluno está no seu primeiro dia de aula,<br />
em uma escola comum. O professor, percebendo que Sérgio não fazia leitura labial, procurou<br />
a diretora da escola para questionar a admissão desse aluno em sua turma, desde que ele não<br />
sabe se comunicar em LIBRAS (Língua <strong>Brasil</strong>eira de Sinais). Se você fosse esse professor,<br />
antes de tomar essa atitude:<br />
(A) - Chamaria os seus pais e os convenceria de que a escola de surdos era mais apropriada<br />
para as necessidades desse aluno?<br />
(B) - Procuraria saber quais as obrigações e os direitos desse aluno, para buscar o recurso<br />
adequado à continuidade de seus estudos na escola comum?<br />
(C) - Providenciaria a presença de um intérprete de LIBRAS, solicitando um convênio com<br />
uma entidade local especializada em pessoas com surdez?<br />
Conte os pontos e confira o seu poder de inclusão, ou melhor, a sua imunidade ao vírus da<br />
exclusão:<br />
1 a) 3 b) 2 c) 1<br />
2a) 1 b) 2 c) 3<br />
3a) 2 b) 3 c) 1<br />
4a) 1 b) 3 c) 2<br />
5a) 1 b) 2 c) 3<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 17 .
6a) 1 b) 3 c) 2<br />
7a) 1 b) 2 c) 3<br />
8a) 3 b) 1 c) 2<br />
9a) 1 b) 3 c) 2<br />
RESULTADOS:<br />
De 27 a 23 pontos<br />
IMUNE A EXCLUSÃO.<br />
Você está apto a enfrentar e vencer o vírus da exclusão, pois já entendeu o que significa uma<br />
escola que acolhe as <strong>diferenças</strong>, sem discriminações de qualquer tipo. Compreendeu também<br />
que a inclusão exige que os professores atualizem suas práticas pedagógicas para que possam<br />
oferecer um ensino de melhor qualidade para todos os alunos. Parabéns! Não se esqueça,<br />
porém, de que o atendimento educacional especializado deve ser assegurado a todos os alunos<br />
com deficiência, como uma garantia da inclusão.<br />
De 22 pontos a 16 pontos<br />
NO LIMITE. VOCÊ PRECISA SE CUIDAR!<br />
Atenção, você está vivendo uma situação de fragilidade em sua saúde educacional! Cuidado!<br />
É preciso que você tome uma decisão e invista na sua capacidade de se defender do vírus da<br />
exclusão! Quem fica indeciso entre enfrentar o novo, no caso a inclusão de to<strong>das</strong> as crianças,<br />
<strong>nas</strong> <strong>escolas</strong> comuns, ou incluir ape<strong>nas</strong> alguns, ou seja, os alunos que conseguem acompanhar<br />
a maioria – está vivendo um momento difícil e perigoso. Você está comprometendo a sua<br />
capacidade de ensinar e a possibilidade dos alunos de aprender com alegria!<br />
D e 1 5 a 9 p o n t o s<br />
ALTAMENTE CONTAMINADO.<br />
Tome to<strong>das</strong> as providências para se curar do mal que o vírus da exclusão lhe causou. Há<br />
muitas maneiras de se cuidar, mas a que recomendamos é um tratamento de choque, porque o<br />
estrago é grande! Você precisa, urgentemente, se tratar, mudando de ares educacionais,<br />
tomando injeções de ânimo para adotar novas maneiras de atuar como professor(a). Outra<br />
medicação recomendada é uma alimentação sadia, no caso, muito estudo, troca de idéias,<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 18 .
experimentações, ousadia para mudar o seu cardápio pedagógico. Tente colocar em prática o<br />
que tem dado certo com outros que se livraram desse vírus tão voraz e readquira o seu poder<br />
de profissional competente. Boa recuperação!<br />
“Pérolas” falsas ou verdadeiras?<br />
Maria Teresa Eglér Mantoan – Faculdade de Educação – Unicamp/SP.<br />
Como distingui-las, quando o assunto é a inclusão de alunos com deficiência <strong>nas</strong> <strong>escolas</strong><br />
comuns?<br />
Marque verdadeiro ou falso e descubra se você é ou não um (a) professor (a) inclusivo (a).<br />
Não seja mais um (a) excluído (a ) da escola!<br />
1) As <strong>escolas</strong> especiais vão acabar, se até os alunos com deficiência grave forem incluídos<br />
<strong>nas</strong> <strong>escolas</strong> comuns.<br />
Verdadeiro ( ) Falso ( )<br />
2) Sem uma preparação anterior e sem conhecimento de como se ensina aos alunos com<br />
diferentes tipos de deficiência - mental, física, auditiva etc. - a professora de escola comum<br />
não poderá aceitar esses alunos em suas salas de aula.<br />
Verdadeiro ( ) Falso ( )<br />
3) Os currículos adaptados não são indicados para alunos com deficiência, que estão incluídos<br />
em turmas comuns de Ensino Fundamental.<br />
Verdadeiro ( ) Falso ( )<br />
4) Alunos com grandes comprometimentos – físicos, mentais, e outros – não podem ser<br />
incluídos em <strong>escolas</strong> comuns de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio.<br />
Verdadeiro ( ) Falso ( )<br />
5) O ensino especial é garantia da inclusão escolar de alunos com deficiência.<br />
Verdadeiro ( ) Falso ( )<br />
6)A escola especial não tem como fim substituir o ensino que é ministrado <strong>nas</strong> <strong>escolas</strong><br />
comuns.<br />
Verdadeiro ( ) Falso ( )<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 19 .
7) A inclusão escolar não implica um ensino diversificado para alguns, como, por exemplo,<br />
os alunos com deficiência.<br />
Verdadeiro ( ) Falso ( )<br />
8) A escola que não se sentir preparada pode se negar a receber determinados alunos que<br />
tenham uma deficiência.<br />
Verdadeiro ( ) Falso ( )<br />
9) O professor deve reconhecer e valorizar diferentes níveis de compreensão <strong>nas</strong> respostas de<br />
seus alunos (com e sem deficiência) a uma mesma pergunta.<br />
Verdadeiro ( ) Falso ( )<br />
10) Não é porque o professor ensinou que o aluno deve, automaticamente, aprender. Os<br />
alunos com deficiência aprendem como os demais colegas, construindo ativamente o<br />
conhecimento.<br />
Verdadeiro ( ) Falso ( )<br />
R E S P O S T A S<br />
1) Falso – porque as <strong>escolas</strong> especiais têm a função de complementar (não substituir) o ensino<br />
de pessoas com deficiência, incluí<strong>das</strong> <strong>nas</strong> <strong>escolas</strong> comuns, por meio do atendimento<br />
educacional especializado. Esse atendimento é diferente do ensino escolar e deverá ser<br />
oferecido, preferencialmente, <strong>nas</strong> <strong>escolas</strong> comuns. Mas nada contra de ele ser também<br />
oferecido em <strong>escolas</strong> especiais.<br />
2) Falso – porque os professores comuns não são responsáveis pelo ensino de conteúdos<br />
especializados para cada tipo de deficiência (código Braille, orientação e mobilidade, uso de<br />
tecnologia assistiva, ensino de LIBRAS e de Português, como segunda língua dos surdos<br />
etc.), que são da competência dos professores do ensino especial. Aos professores do ensino<br />
regular compete ape<strong>nas</strong> o ensino dos conteúdos curriculares. Os alunos com e sem deficiência<br />
aprendem todos juntos esses conteúdos, quando as práticas escolares não são excludentes.<br />
3) Verdadeiro – porque, em uma escola inclusiva, não se discriminam os alunos com<br />
deficiência, oferecendo-lhes atividades facilita<strong>das</strong>, que têm objetivos limitados e que são<br />
diferentes <strong>das</strong> ofereci<strong>das</strong> aos seus colegas. As atividades devem ser diversifica<strong>das</strong> para que<br />
todos os alunos possam escolhê-las e realizá-las, livremente.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 20 .
4) Falso – porque pela Constituição de 1988 todos os brasileiros, incondicionalmente, têm<br />
direito à educação, dos 7 a 14 anos, faixa etária em que o ensino escolar é obrigatório. Não há<br />
nada que impeça esses alunos de freqüentarem as <strong>escolas</strong> comuns, em to<strong>das</strong> as etapas do<br />
ensino básico e no ensino de nível superior. Todos nós aprendemos com a experiência da<br />
diferença <strong>nas</strong> <strong>escolas</strong>!<br />
5) Verdadeiro – porque a nossa Constituição, que garante o ensino regular a todos os<br />
brasileiros, também assegura aos alunos com deficiência o atendimento educacional<br />
especializado. Esse atendimento é complementar e diferente do que é ensinado <strong>nas</strong> salas de<br />
aula comuns e oferecido por professores do ensino especial – uma modalidade que não<br />
substitui ensino regular.<br />
6) Verdadeiro – insistimos nessa situação, porque precisamos ter muito claro que as <strong>escolas</strong><br />
especiais não devem continuar ministrando ensino escolar especializado, como acontece,<br />
habitualmente. Elas devem se dedicar à prestação do atendimento educacional especializado.<br />
7) Verdadeiro – porque em uma escola inclusiva o professor não diversifica o ensino, mas as<br />
atividades que propõe a todos os alunos, com e sem deficiência.<br />
8) Falso – porque pela nossa Constituição não se pode negar ou fazer cessar matrícula escolar<br />
de qualquer aluno, especialmente quando o motivo é a deficiência.<br />
9) Verdadeiro – porque, ao contrário do que a maioria dos professores pensa, ensinar é um<br />
ato coletivo e aprender é um ato individual e intransferível. Com isso queremos dizer que não<br />
se pode exigir que todos aprendam um dado conhecimento, igualmente, e pelos mesmos<br />
caminhos. As respostas diferentes dos alunos refletem esses caminhos do saber que são<br />
singulares, próprios de cada um de nós e que, portanto, devem ser reconhecidos e valorizados.<br />
10) Verdadeiro – porque ensinar é disponibilizar o conhecimento da melhor maneira<br />
possível, para que os alunos aprendam e tenham garantido o seu “lugar de saber” na escola,<br />
conquistado com esforço próprio, interesse e desejo de conhecer cada vez mais!<br />
RESULTADOS<br />
•De 7 a 10 pontos<br />
PRIMEIRA CHAMADA<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 21 .
Parabéns! Você, certamente, procura estar em dia com seus conhecimentos educacionais e é<br />
um (a) profissional que se empenha no sentido de colocar em prática o que aprende de novo,<br />
vencendo os <strong>desafio</strong>s escolares, entre os quais a inclusão de alunos com deficiência <strong>nas</strong><br />
<strong>escolas</strong> comuns. Continue assim e contagie os colegas com seu sucesso!<br />
•De 4 a 6 pontos<br />
LISTA DE ESPERA<br />
• Procure dedicar-se mais a esse estudo, lendo, pesquisando, participando de encontros de<br />
professores, fóruns de educação inclusiva, Conselhos de pessoas com deficiência de sua<br />
cidade etc. Você não deve ficar à margem do que está acontecendo de novo, pois pode perder<br />
o trem do futuro. Não fique mais nessa lista, pois nem sempre estará garantido o seu lugar na<br />
escola inclusiva.<br />
REPROVAÇÃO !!!!!<br />
Procure ler mais, informar-se sobre os direitos <strong>das</strong> pessoas com deficiência à educação. O<br />
professor tem obrigação de conhecer o assunto.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 22 .
Caminhos<br />
PROGRAMA 1<br />
O DIREITO À DIFERENÇA NA IGUALDADE DE DIREITOS<br />
Inclusão escolar – caminhos e descaminhos, <strong>desafio</strong>s, perspectivas<br />
Maria Teresa Eglér Mantoan 1<br />
Os caminhos percorridos até então para que a escola brasileira acolha todos os alunos,<br />
indistintamente, têm se chocado com o caráter eminentemente excludente, segregativo e<br />
conservador do nosso ensino, em todos os seus níveis: básico e superior.<br />
Com a proposta revolucionária de incluir todos os alunos em uma única modalidade<br />
educacional, o ensino regular tem encontrado outras barreiras, entre as quais se destaca a<br />
cultura assistencialista/terapêutica da Educação Especial.<br />
É inegável que, por estarem pauta<strong>das</strong> para atender a um aluno idealizado e ensinando a partir<br />
de um projeto escolar elitista, meritocrático e homogeneizador, nossas <strong>escolas</strong> produzem<br />
quadros de exclusão que têm, injustamente, prejudicado a trajetória educacional de muitos<br />
estudantes.<br />
A situação tem se arrastado pelo tempo e vem perpetuando desmandos e transgressões ao<br />
direito à educação e à não discriminação, grande parte <strong>das</strong> vezes por falta de um controle<br />
efetivo dos pais, <strong>das</strong> autoridades de ensino e da justiça em geral sobre os procedimentos <strong>das</strong><br />
<strong>escolas</strong> para ensinar, promover e atender adequadamente a todos os alunos.<br />
O sentido dúbio da educação especializada, acentuado pela imprecisão dos textos legais, que<br />
fundamentam nossos planos e propostas educacionais, tem acrescentado a essa situação outros<br />
sérios problemas de exclusão, sustentados por um entendimento equivocado dessa<br />
modalidade de ensino. De fato, ainda é difícil distinguir a Educação Especial,<br />
tradicionalmente conhecida e praticada, da sua nova concepção: o atendimento educacional<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 23 .
especializado. No entanto, desde 1988, a Constituição Federal já prescrevia esse atendimento,<br />
que é uma garantia de inclusão educacional para os alunos com deficiência.<br />
Por esses e outros sérios entraves, nossos caminhos educacionais estão se abrindo, à custa de<br />
muito esforço e perseverança de alguns, diante da resistência de muitos. Estamos sempre<br />
travados por uma ou outra situação que impede o desenvolvimento de iniciativas visando à<br />
adoção de posições/medi<strong>das</strong> inovadoras para a escolarização de alunos com e sem deficiência,<br />
<strong>nas</strong> <strong>escolas</strong> comuns de ensino regular e <strong>nas</strong> que oferecem serviços educacionais<br />
especializados.<br />
Não podemos, contudo, negar que o nosso tempo é o tempo <strong>das</strong> <strong>diferenças</strong> e que a<br />
globalização tem sido, mais do que uniformizadora, pluralizante, contestando as antigas<br />
identidades essencializa<strong>das</strong>. Temos o direito de ser, sendo diferentes e, como nos afirma<br />
Pierucci (1999), se já reconhecemos que somos diferentes de fato, a novidade está em<br />
querermos ser também diferentes de direito.<br />
Descaminhos<br />
No desejo de assegurar a homogeneidade <strong>das</strong> turmas escolares, destruíram-se muitas<br />
<strong>diferenças</strong> que consideramos valiosas e importantes, hoje, <strong>nas</strong> salas de aula e fora delas. É<br />
certo que as identidades naturaliza<strong>das</strong> dão estabilidade ao mundo social, mas a mistura, a<br />
hibridização, a mestiçagem as desestabilizam, constituindo uma estratégia provocadora,<br />
questionadora e transgressora de toda e qualquer fixação da identidade (Silva, 2000; Serres,<br />
1993).<br />
Ocorre que as identidades fixas, estáveis, acaba<strong>das</strong>, próprias do sujeito cartesiano unificado e<br />
racional, estão em crise (Hall, 2000) e a idéia de identidades móveis, voláteis, é capaz de<br />
desconstruir o sistema de significação excludente, elitista da escola atual, com suas medi<strong>das</strong> e<br />
mecanismos arbitrários de produção da identidade e da diferença.<br />
Se o nosso objetivo é desconstruir esse sistema temos, então, de assumir uma posição<br />
contrária à perspectiva da identidade “normal”, que justifica essa falsa uniformidade <strong>das</strong><br />
turmas escolares. A diferença é, pois, o conceito que se impõe para que possamos defender a<br />
tese de uma escola para todos.<br />
Embora haja problemas com a igualdade e a diferença, no sentido de se perceber de que lado<br />
nós estamos, quando defendemos uma ou outra, dado que esse bipolarismo tem nos levado a<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 24 .
muitos paradoxos, é preciso que se afirme a intenção de privilegiar a diferença na perspectiva<br />
da máxima proferida por Santos (1999): “temos o direito à igualdade, quando a diferença<br />
nos inferioriza, e direito à diferença, quando a igualdade nos descaracteriza!”<br />
Esta afirmação vem diretamente ao encontro do que a interpretação consentânea e inovadora<br />
de nossas leis oferece como fundamento da transformação <strong>das</strong> <strong>escolas</strong> comuns e especiais.<br />
Temos o dever de oferecer escola comum a todos os alunos, pois a escola especial os<br />
inferioriza, discrimina, limita, exclui, mas também de garantir-lhes um atendimento<br />
educacional especializado paralelo, complementar, de preferência na escola comum, para que<br />
não sejam desconsidera<strong>das</strong> as especificidades de alguns aprendizes, quando apresentam<br />
alguma deficiência. Em uma palavra, a escola comum não pode ser substituída pela escola<br />
especial, no que diz respeito ao ensino acadêmico, pois sua função é complementar o ensino<br />
escolar comum.<br />
A escola comum e a especial têm resistido às mudanças exigi<strong>das</strong> por uma abertura<br />
incondicional às <strong>diferenças</strong>, porque as situações que promovem esse <strong>desafio</strong> e mobilizam os<br />
educadores a reverem e a recriarem suas práticas e a entenderem as novas possibilidades<br />
educativas trazi<strong>das</strong> pela inclusão estão sendo constantemente neutraliza<strong>das</strong> por políticas<br />
educacionais, diretrizes, currículos, programas compensatórios (reforço, aceleração, entre<br />
outros). Esta falsa saída tem permitido às <strong>escolas</strong> comuns e especiais escaparem pela tangente<br />
e se livrarem do enfrentamento necessário com sua organização pedagógica excludente e<br />
ultrapassada.<br />
Desafios<br />
Inúmeras propostas educacionais, que defendem e recomendam a inclusão, continuam a<br />
diferenciar alunos pela deficiência, o que está previsto como desconsideração aos preceitos da<br />
Convenção da Guatemala, assimilada pela nossa Constituição/1988, em 2001, e que deixa<br />
clara a [...] impossibilidade de diferenciação com base na diferença, definindo a<br />
discriminação como toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência[...]<br />
que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício<br />
por parte de pessoas com deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades<br />
fundamentais (art. I, nº 2, “a”). De acordo com o princípio da não discriminação, trazido por<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 25 .
essa Convenção, admitem-se as diferenciações com base na deficiência ape<strong>nas</strong> com o<br />
propósito de permitir o acesso ao direito e não para se negar o exercício dele!<br />
A Convenção precisa ser cumprida e é uma grande contribuição para todos os que pugnam<br />
por uma escola inclusiva e, especialmente, para os que defendem o ingresso de alunos com<br />
deficiência <strong>nas</strong> <strong>escolas</strong> comuns, pelo menos na faixa etária de 07 a 14 anos, quando o ensino<br />
escolar é obrigatório para todo e qualquer aluno, com e sem deficiência. O encaminhamento<br />
direto de alunos com deficiência de <strong>escolas</strong> comuns para <strong>escolas</strong> especiais, ou a matrícula<br />
exclusiva desses alunos em <strong>escolas</strong> especiais, poderiam ser entendidos como uma<br />
diferenciação para incluir, mas incluir na exclusão dos ambientes escolares especiais! Vale<br />
ainda, para melhor entender essa intrincada situação, o que a referida Convenção define como<br />
discriminação: [...] toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência [...]. No<br />
caso de um ambiente escolar segregado, a discriminação é patente e, em conseqüência,<br />
deveria já ter sido banida.<br />
Não se trata de uma “caça às bruxas”, de se exigir um comportamento “politicamente correto”<br />
ao extremo, quando se defende a escola comum como o lugar de todo aluno. Mas de se<br />
assegurar a todo o cidadão brasileiro o direito à não discriminação, em toda e qualquer<br />
circunstância.<br />
Os pais de crianças com deficiência e os educadores brasileiros deveriam ser os primeiros a<br />
levantar a bandeira contra a discriminação e, no entanto, o que muitos ainda fazem,<br />
atualmente, é batalhar para que a exclusão se mantenha e as <strong>escolas</strong> especiais sejam<br />
considera<strong>das</strong> <strong>escolas</strong> de Ensino Fundamental. Chegam até a propor que se faça a “inclusão às<br />
avessas”, admitindo que crianças sem deficiência (felizmente, a maioria desse segmento<br />
populacional) estudem em ambientes escolares para pessoas com deficiência (a maioria,<br />
nesses ambientes educacionais especializados!!!!). Os ambientes especializados, travestidos<br />
de <strong>escolas</strong> comuns, jamais serão inclusivos e compatíveis com o papel social e educacional<br />
<strong>das</strong> <strong>escolas</strong> comuns, lugar de preparação <strong>das</strong> gerações mais novas para fazer a passagem do<br />
meio familiar, para o público, espaço social em que se encontram, indistintamente,<br />
alunos/pessoas, as/os mais diferentes, com e sem deficiências. E ainda cabe perguntar: de que<br />
inclusão educacional nós estamos falando, quando retiramos uma pessoa de seu lar ou de uma<br />
escola comum para inseri-la em um ambiente educacional à parte? Com tudo isso, há ainda os<br />
que insistem em defender que essa inclusão é verdadeira...<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 26 .
Que motivos alimentam a dificuldade de se desobstruírem os caminhos que nos levam a uma<br />
escola para todos, como aqui nos referimos? O que tem impedido o processo de construção de<br />
uma escola inclusiva que, em função do ensino que ministra, não discrimina, nem mesmo<br />
quando diferencia pela deficiência, ao oferecer um atendimento especializado complementar<br />
para os que dele necessitam?<br />
Estamos vivendo um momento de tomada de decisão, em que não adianta mais “tapar o sol<br />
com a peneira”, dado que o próprio tempo já foi suficiente para que se entendesse o que é<br />
proposto como uma escola para todos. Se ainda não conseguimos avançar, é porque pesam<br />
muito essas conten<strong>das</strong> e esses desencontros entre os que se dispõem a progredir, a revirar as<br />
<strong>escolas</strong> comuns e especiais do avesso e os que querem conservá-las como estão, para garantir<br />
outros benefícios, para impedir avanços, para barrar o novo.<br />
O <strong>desafio</strong> maior que temos hoje é convencer os pais, especialmente os que têm filhos<br />
excluídos <strong>das</strong> <strong>escolas</strong> comuns, de que precisam fazer cumprir o que nosso ordenamento<br />
jurídico prescreve quando se trata do direito à educação. Os professores deveriam ser os<br />
guardiões desse direito e apoiar os pais <strong>nas</strong> suas dificuldades de compreendê-lo e exigi-lo a<br />
todo custo.<br />
Há ainda a se considerar a resistência <strong>das</strong> organizações sociais às mudanças e às inovações<br />
que, dada a rotina e a burocracia nelas instala<strong>das</strong>, enrijecem suas estruturas, arraiga<strong>das</strong> às<br />
tradições e à gestão de seus serviços. Tais serviços, no geral, para atender às características<br />
desse tipo de organização, fragmentam e distanciam, categorizam e hierarquizam os seus<br />
assistidos, como constatamos freqüentemente, <strong>nas</strong> <strong>escolas</strong> comuns e especiais e <strong>nas</strong><br />
instituições dedica<strong>das</strong> ao atendimento exclusivo de pessoas com deficiência. Por outro lado,<br />
há que se admitir que as instituições têm seus fins próprios e nem sempre um novo propósito,<br />
como é o caso da inclusão, encaixa-se no foco de seus interesses imediatos.<br />
Temos ainda outros entraves a enfrentar, como os que provêm da neutralização dos <strong>desafio</strong>s<br />
à inclusão. Medi<strong>das</strong> que propiciam o aparecimento de falsas soluções para atender aos<br />
princípios escolares inclusivos estão evidentes no impasse integração X inclusão – uma <strong>das</strong><br />
intermináveis ce<strong>nas</strong> do debate da inserção de alunos com deficiência <strong>nas</strong> <strong>escolas</strong> comuns.<br />
Apesar dos avanços na conceituação e na legislação pertinente, vigoram ainda três possíveis<br />
encaminhamentos escolares para alunos com deficiência: a) os dirigidos unicamente ao ensino<br />
especial; b) os que implicam uma inserção parcial, ou melhor, a integração de alunos em<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 27 .
salas de aula de <strong>escolas</strong> comuns, mas na condição de estarem preparados e aptos a freqüentá-<br />
las e c) os que determinam a inclusão total e incondicional de todos os alunos com<br />
deficiência no ensino regular, provocando a transformação <strong>das</strong> <strong>escolas</strong> para atender às suas<br />
<strong>diferenças</strong> e às dos demais colegas, sem deficiência. A coexistência de situações<br />
intermediárias de inserção com as que têm, verdadeiramente, o propósito de incluir todos os<br />
alunos cria dificuldades e mantém o uso <strong>das</strong> medi<strong>das</strong> paliativas de inserção que se arrastam,<br />
desde os anos 90, alimentando infindáveis polêmicas.<br />
Nosso convívio com as pessoas com deficiência <strong>nas</strong> <strong>escolas</strong> comuns é recente e gera ainda<br />
muito receio entre aqueles que as compõem. O preconceito justifica as práticas de<br />
distanciamento dessas pessoas, devido às suas características pessoais (como também ocorre<br />
com outras minorias), que passam a ser o alvo de nosso descrédito; essas pessoas têm<br />
reduzi<strong>das</strong> as oportunidades de se fazerem conhecer e as possibilidades de conviverem com<br />
seus colegas de turma, sem deficiência.<br />
Os territórios corporativos constituem um outro alvo desafiante para a inclusão,<br />
especialmente quando se trata dos profissionais ligados à Educação Especial. Eles lutam por<br />
conservar seus privilégios, identidades corporativas e o reconhecimento social, que<br />
adquiriram em todos esses anos. Não admitem que sua formação se descaracterize, suas<br />
práticas sejam abala<strong>das</strong> pela inclusão, temendo perder seus espaços, duramente conquistados,<br />
de uma hora para outra. Com isso ficam cegos diante do que a inclusão lhes propiciaria, desde<br />
que conseguissem admitir o caráter complementar conferido à Educação Especial, pela nossa<br />
Constituição, quando propõe o atendimento educacional especializado em todos os níveis<br />
de ensino (do básico ao superior) e destinando-se à eliminação <strong>das</strong> barreiras que as pessoas<br />
com deficiência têm para se relacionarem com o meio externo.<br />
Grande parte dos professores <strong>das</strong> <strong>escolas</strong> comuns acredita que ensino escolar<br />
individualizado e adaptado é o mais adequado para atender, em suas necessidades escolares,<br />
aos que têm dificuldades de aprender e aos alunos com deficiência, principalmente quando se<br />
trata de educandos com deficiência mental. Os professores especializados, por sua vez,<br />
acreditam que o ensino escolar especializado é o ideal para os alunos com deficiência e que<br />
só alguns casos (os menos problemáticos) poderiam freqüentar as salas de aula de ensino<br />
regular, <strong>nas</strong> <strong>escolas</strong> comuns.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 28 .
Adaptar o ensino para alguns alunos de uma turma de escola comum não condiz com a<br />
transformação pedagógica dessas <strong>escolas</strong>, exigida pela inclusão, nem conduz a essa<br />
transformação. A inclusão implica uma mudança de paradigma educacional, que gera uma<br />
reorganização <strong>das</strong> práticas escolares: planejamentos, formação de turmas, currículo,<br />
avaliação, gestão do processo educativo.<br />
Especializar o ensino escolar para alguns, em ambientes escolares à parte, não é compatível<br />
com o que se espera da escola, como já nos referimos inicialmente, pois nesses espaços não<br />
conseguimos preparar cidadãos para enfrentar todos os <strong>desafio</strong>s. O ensino assim concebido se<br />
baseia em propósitos e procedimentos que decidem “o que falta” ao aluno e a sua adaptação a<br />
essa “falta” funciona como um processo regulador externo da aprendizagem. Na versão<br />
inclusiva, a adaptação tem sentido oposto e é testemunho de emancipação intelectual e<br />
conseqüência do processo de auto-regulação da aprendizagem, em que o aluno assimila o<br />
novo conhecimento, de acordo com suas possibilidades de incorporá-lo ao que já conhece.<br />
Perspectivas<br />
Entender este sentido emancipador da adaptação intelectual é tão importante quanto estender<br />
esse sentido para outras dimensões da vida humana; social, familiar, profissional e outras.<br />
Sabemos da necessidade e da urgência de se enfrentar o <strong>desafio</strong> da inclusão escolar e de<br />
colocar em ação os meios pelos quais ela verdadeiramente se concretiza. Por isso, temos de<br />
recuperar o tempo perdido, arregaçar as mangas e promover uma reforma estrutural e<br />
organizacional de nossas <strong>escolas</strong> comuns e especiais. Ao conservadorismo dessas instituições<br />
precisamos responder com novas propostas, que demonstram nossa capacidade de nos<br />
mobilizar para pôr fim ao protecionismo, ao paternalismo e a todos os argumentos que<br />
pretendem justificar a nossa incapacidade de fazer jus ao que todo e qualquer aluno merece:<br />
uma escola capaz de oferecer-lhe condições de aprender, na convivência com as <strong>diferenças</strong>, e<br />
que valoriza o que consegue entender do mundo e de si mesmo.<br />
As práticas escolares inclusivas, por serem emancipadoras, reconduzem os alunos<br />
“diferentes”, entre os quais os que têm uma deficiência, ao lugar do saber, de que foram<br />
excluídos, na escola ou fora dela.<br />
A condição primeira para que a inclusão deixe de ser uma ameaça ao que hoje a escola<br />
defende e adota habitualmente como prática pedagógica é abandonar tudo o que a leva a<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 29 .
tolerar as pessoas com deficiência, <strong>nas</strong> turmas comuns, por meio de arranjos criados para<br />
manter as aparências de “bem intencionada”, sempre atribuindo a esses alunos o fracasso, a<br />
incapacidade de acompanhar o ensino comum. Para reverter esse sentimento de superioridade<br />
em relação ao outro, especialmente quando se trata de alunos com deficiência, a escola terá de<br />
enfrentar a si mesma, reconhecendo o modo como produz as <strong>diferenças</strong> <strong>nas</strong> salas de aula:<br />
agrupando-as por categorias ou considerando cada aluno o resultado da multiplicação infinita<br />
<strong>das</strong> manifestações da natureza humana e, portanto, sem condições de ser encaixado em<br />
nenhuma classificação artificialmente atribuída, como prescreve a inclusão.<br />
Em síntese, a inclusão escolar é um forte chamamento para que sejam revistas as direções em<br />
que estamos alinhando nosso leme, na condução de nossos papéis como cidadãos, educadores,<br />
pais. Precisamos sair <strong>das</strong> tempestades, destes tempos conturbados, perigosos e a grande<br />
virada é decisiva.<br />
Muito já tem sido feito no sentido de um convencimento <strong>das</strong> vantagens da inclusão escolar.<br />
Embora não pareçam, as perspectivas são animadoras, pois as experiências inclusivas vigentes<br />
têm resistido às críticas, ao pessimismo, ao conservadorismo, às resistências. A verdade é<br />
implacável e o tempo e a palha estão amadurecendo as ameixas.<br />
BIBLIOGRAFIA<br />
BRASIL. Decreto 3.956/ de 08 /10/2001 promulga a Convenção Interamericana para<br />
Eliminação de to<strong>das</strong> as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras<br />
de Deficiência. Organização dos Estados Americanos: Assembléia Geral:<br />
Guatemala, 28 de maio de 1999.<br />
HALL, Stuart. A identidade cultural na Pós-Modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva<br />
e Guacira Lopes Louro. 4ª edição. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.<br />
SANTOS, Boaventura de Souza. A construção multicultural da igualdade e da<br />
diferença. Coimbra: Centro de Estudos Sociais. Oficina do CES nº 135, janeiro<br />
de 1999.<br />
SILVA, Tomás Tadeu da (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos<br />
culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 30 .
SERRES, Michel. Filosofia mestiça: le tiers – instruit. Trad. Maria Ignez D. Estrada.<br />
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.<br />
PIERUCCI, Antonio Flávio. Cila<strong>das</strong> da diferença. São Paulo: Editora 34, 1999.<br />
Nota:<br />
Doutora em Educação. Professora dos cursos de graduação e de pósgraduação<br />
da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de<br />
Campi<strong>nas</strong>/Unicamp. Coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas<br />
em Ensino e Diversidade – LEPED/Unicamp. Consultora desta série.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 31 .
PROGRAMA 2<br />
IDENTIDADE E DIFERENÇAS<br />
Texto 1: Revisando conceitos: o necessário exercício de construção da<br />
identidade a partir da diferença<br />
Margarida Seabra de Moura 1<br />
Ao longo da História, as pessoas “diferentes” têm sido aprisiona<strong>das</strong> em rótulos<br />
ideologicamente engendrados e repassados pela sociedade e pela cultura, arcando com um<br />
ônus que lhes vem custando caro! Entre essas estão incluí<strong>das</strong> as pessoas com deficiência,<br />
cujos traços têm delineado significações que vão sendo concebi<strong>das</strong> segundo os sentidos que<br />
lhes são atribuídos ante cada olhar.<br />
Significa que cada nomenclatura expõe um aspecto, projeta uma face, forma, conforma e/ou<br />
deforma de um jeito. É quando os diversos olhares ocasionam as múltiplas conotações,<br />
denotações e terminologias definidoras daqueles que “desviam”, ou “subvertem” a ordem<br />
considerada normal da genética, seja pela anatomia, seja pela fisiologia, fugindo portanto ao<br />
“padrão” social dominante.<br />
Na verdade, a necessidade de o homem ter a sua própria marca, sua individualidade, é algo<br />
inerente ao próprio ser social, cuja identidade preserva-o em originalidade e <strong>diferenças</strong> como<br />
indivíduo, ao qual supõe-se que sejam assegura<strong>das</strong> as condições de realizar seu potencial<br />
criador, o que lhe possibilita desenvolver sua própria identidade no mundo. Conforme se<br />
percebe, trata-se de uma construção tecida em meio a um processo de desenvolvimento de<br />
talentos e que tem na educação a perspectiva de realização, uma vez que à educação compete<br />
possibilitar que a criança descubra e se descubra, transforme e se transforme a cada dia,<br />
segundo lhe seja oportunizada a experimentação do que for necessário ao seu crescimento.<br />
Cabe a pais e professores, portanto, ofertarem a seus filhos e alunos o ensejo de poderem<br />
percorrer caminhos – por vezes equivocados – a fim de que se constituam entre seus próprios<br />
erros e acertos. Tarefa árdua, complexa e sem receitas, que se torna infinitamente mais difícil<br />
quando se trata de criança com alguma deficiência. Não pela deficiência em si mas,<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 32 .
principalmente, pelo preconceito que permeia a nossa sociedade, ainda incrustado<br />
culturalmente em cada um de nós...<br />
Nem sei bem se tinha claro dentro de mim essas assertivas, quando, em 15 de julho de 1981,<br />
<strong>nas</strong>ceu minha filha Débora, com a síndrome de Down.<br />
A síndrome de Down, na época denominada “mongolismo”, significava uma condição prenhe<br />
de discriminação, de ausência de perspectivas, uma verdadeira ameaça. Essa discriminação<br />
me agrediu, me desnorteou, me pôs pelo avesso. E me fez desejar morrer e que ela, “a<br />
menina” morresse antes de sair da maternidade. O <strong>nas</strong>cimento de Débora foi marcado por<br />
sofrimento intenso, mescla de frustração, rejeição e desespero. Entendemos hoje, com clareza,<br />
que o nível da dor sequer pôde ser amenizado por estímulos de histórias bem-sucedi<strong>das</strong>, pois,<br />
à época, a desinformação em nossa cidade (Natal/RN), sobre a síndrome de Down, era<br />
absoluta. As referências eram totalmente desastrosas, marca<strong>das</strong> pelo preconceito e abandono:<br />
as famílias que tinham a “desventura” de ter filhos “diferentes” os escondiam, nada lhes<br />
oportunizando, pois os tinham como absolutamente incapazes.<br />
Foi longo, muito longo, o caminho para se chegar a um equilíbrio, sobretudo no sentido de se<br />
retomar o nível de felicidade pessoal, o que somente se tornou possível à medida que juntos –<br />
meu marido e eu –, com apoio de familiares e amigos, enfrentamos o problema. Suas<br />
contínuas verbalizações contribuíram para que fôssemos entendendo nossos próprios<br />
sentimentos, que eram, inclusive, seriamente marcados pela rejeição.<br />
Pois bem. Num determinado momento, nem sei bem quando e como, senti algo maior que o<br />
sofrimento que vivenciava. Pensei: “ É... ela é mongol, mongolóide, seja lá que terrível rótulo<br />
se lhe dê... mas é a minha filha. E vai ser do jeito DELA e não estereotipada como as poucas e<br />
maltrata<strong>das</strong> pessoas com síndrome de Down que permeavam as minhas lembranças, que<br />
raramente vi, na infância e adolescência”.<br />
A partir de então entramos – o casal em uníssono – num outro momento de viver a<br />
experiência de ter uma filha com síndrome de Down e não mongol ou mongolóide, com a<br />
clareza de que lhe seriam enseja<strong>das</strong> as mesmas oportunidades que ao filho mais velho,<br />
Frederico. Naturalmente com os facilitadores que lhe fossem necessários, numa prática de<br />
tratar desigualmente os desiguais, em algumas situações, a fim de que pudesse alcançar o<br />
mesmo objetivo do irmão, por um caminho para ela possível.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 33 .
Nesse passo, a escola para onde deveria ir sempre foi pensada como A ESCOLA. Sem “o<br />
especial”.<br />
Buscamos uma escola onde ela fosse simplesmente uma criança, uma aluna. Com suas<br />
<strong>diferenças</strong>, preferências, necessidades. Não necessidades especiais – pois entendo que to<strong>das</strong> o<br />
são! – mas com o seu cabedal de talentos a desenvolver e a ser estimulado. Deixando-a livre<br />
para optar – desde muito, muito cedo – sobre o que gostava de vestir, de fazer/brincar,<br />
oferecendo meios de eleger amigos, convidá-los, organizar suas próprias festinhas,<br />
aniversários desde a parte temática até a lista de convidados e o cardápio a ser servido. Jamais<br />
lhe impondo a presença do filho do parente, do vizinho ou seja lá quem fosse que da sua lista<br />
não constasse.<br />
Aos seis anos de idade Débora foi competente para desenhar sua comemoração, mostrando<br />
suas preferências e rejeitando o que não lhe convinha!<br />
Na idade adequada desejou estudar balé. Chegou a dançar na apresentação anual da Escola de<br />
Danças, que freqüentava por três vezes na semana. E mais tarde desistiu. Qualquer<br />
ponderação de continuidade lhe soava como imposição, e ela argumentava: “Não quero ser<br />
bailarina!” Só fica no balé, além da adolescência, quem tem essa vontade... E, dessa forma,<br />
mostrava o seu querer, o seu não-desejo...<br />
Não foi perdido o tempo de estudo de balé clássico: não perde apresentações de danças –<br />
optando pelas clássicas – e surpreendentemente para muitos, adora assistir a óperas,<br />
independentemente do tempo do espetáculo.<br />
Na adolescência “brigou” com a síndrome, sobre a qual ouviu falar abertamente em casa, de<br />
forma espontânea e sem reserva, melindres ou mesmo dificuldade. O luto já estava superado!<br />
E nesse seu conflito com a própria condição, argumentava que sua diferença, em verdade,<br />
seria mais “chata” que a <strong>das</strong> demais pessoas considera<strong>das</strong> normais, que diferentes entre si não<br />
sofrem a rejeição dos que trazem uma marca como a da síndrome de Down. E nós, os pais,<br />
reforçávamos: “Muito bem... é mais chata, sim, a sua diferença... Mas olhe, você tem que ser<br />
feliz do JEITO QUE É!” E, um belo dia, ela me confessou que já não se sentia incomodada<br />
em razão da sua diferença...<br />
É verdade que, eventualmente, ela pontua o fato de não ser olhada/desejada por jovens<br />
considerados normais... E credita esse fato à síndrome. A despeito de se gostar, de ter uma<br />
auto-estima invejável!<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 34 .
Tais reações a mim se me afiguram como exteriorização de crescimento, o que tem um preço:<br />
o alcance da realidade que lhe enseja uma dose de sofrimento INERENTE AO SER<br />
HUMANO, em qualquer condição.<br />
Ponho esses relatos como forma de evidenciar que a identidade de minha filha com síndrome<br />
de Down foi construída na tessitura da oportunização de diversas experiências, tais como as<br />
vivi<strong>das</strong> para eleger a atividade profissional que abraçou: foi estagiária em pré-escola,<br />
trabalhou <strong>nas</strong> férias em duas lojas/boutique, experimentou ser manequim em dois desfiles.<br />
Trabalhou como recepcionista de eventos, o que às vezes ainda faz... E concluiu: “Quero ser<br />
professora!”<br />
Escolheu namorados, rejeitou alguns, viajou para a casa de um deles que reside em outra<br />
cidade no Sudeste e foi fazendo suas opções, que a levaram a ser, por enquanto e sob protesto,<br />
uma jovem sem parceiro.<br />
No exercício de sua cidadania vota desde os 18 anos, escolhendo seus próprios candidatos,<br />
fazendo suas opções mediante observação, análise e críticas que desfia sobre o candidato A ou<br />
B.<br />
Vivenciou sofrimentos – crises que a fizeram crescer! – e pôde superá-los. Sem prejuízo de –<br />
como qualquer um de nós – ser reincidente na avaliação da própria vida.<br />
Uma coisa é certa: Débora tem sua identidade. Marcada. Bem marcada. E tem demonstrado<br />
isso fortemente no combate ao preconceito, uma vez que se impôs e se impõe em qualquer<br />
situação, como as que já teve e tem oportunidade de enfrentar.<br />
Portanto, tenho claro que a identidade de uma pessoa também se constrói no estímulo de seus<br />
talentos e de sua capacidade de superação.<br />
Mas, principalmente acredito que (i) flui a partir da real inclusão na família; (ii) se desenvolve<br />
no ambiente saudável da escola regular; (iii) se reforça na vida social; (iv) se solidifica no<br />
exercício de uma atividade profissional e (v) atinge sua plenitude no encontro do amor, no<br />
desenvolvimento da sexualidade e na formação de um núcleo próprio.<br />
Impõe-se, por fim, uma reflexão: toda essa caminhada somente se completa se as etapas<br />
referi<strong>das</strong> não sofrerem solução de continuidade, por serem naturalmente decorrentes umas <strong>das</strong><br />
outras, e que sejam permea<strong>das</strong> do mais vital sentimento, o amor. Que jamais poderá ser o<br />
amor-coitado, o amor-caritativo, o amor-superprotetivo. Mas o amor genuíno, que engloba<br />
um plexo de fazeres que legitimam o educar na acepção mais ampla da palavra, oferecendo<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 35 .
limites, sempre sob a égide da ternura, acreditando <strong>nas</strong> possibilidades desse filho ou desse<br />
aluno.<br />
Nota:<br />
Promotora/Ordem dos Advogados do <strong>Brasil</strong>. Natal-RN.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 36 .
PROGRAMA 2<br />
IDENTIDADE E DIFERENÇAS<br />
Texto 2: Indivíduo e massa: uma cilada no discurso da identidade<br />
Carlos Alberto Marques 1<br />
A análise da dinâmica social deve ser feita no conjunto <strong>das</strong> relações e <strong>das</strong> correlações de<br />
forças que formam esse todo social. Tudo o que somos e fazemos está, de alguma forma,<br />
relacionado aos vetores que caracterizam o tempo e o espaço vividos. É formada, assim, uma<br />
grande teia de relações, na qual to<strong>das</strong> as pessoas estão diretamente envolvi<strong>das</strong>.<br />
Importa frisar, todavia, que esta rede não tem a intenção de se apropriar dos corpos<br />
dominados, mas, sim, da ideologia que norteia os valores a que se prestam. Nesse sentido,<br />
ressalta Foucault (1989, p. 29):<br />
[...] o estudo dessa microfísica supõe que o poder nela exercido não seja concebido como<br />
uma propriedade, mas como uma estratégia, que seus efeitos de dominação não sejam<br />
atribuídos a uma ‘apropriação’, mas a disposições, a manobras, a táticas, a técnicas, a<br />
funcionamentos; que se desvende nele antes uma rede de relações sempre tensas, sempre<br />
em atividade, que um privilégio que se pudesse deter; que lhe seja dado como modelo<br />
antes a batalha perpétua que o contrato que faz uma cessão ou a conquista que se apodera<br />
de um domínio. [...] que esse poder se exerce mais que se possui, que não é o ‘privilégio’<br />
adquirido ou conservado da classe dominante, mas o efeito de conjunto de suas posições<br />
estratégicas - efeito manifestado e às vezes reconduzido pela posição dos que são<br />
dominados.<br />
Esse mecanismo funciona como um eficiente regulador social, no sentido amplo, e individual,<br />
no sentido mais estrito.<br />
Outro dado interessante a ser ressaltado é a multiplicidade de instâncias (instituições, órgãos e<br />
pessoas) autoriza<strong>das</strong> a fazerem a vigilância e o controle do(s) outro(s), tanto no plano físico<br />
quanto no simbólico, através de registros, laudos e encaminhamentos, exercendo, direta ou<br />
indiretamente, o poder de decidir sobre a vida ou sobre a morte <strong>das</strong> pessoas.<br />
Sant`Anna (1988, p. 92) critica severamente o papel dos especialistas que emitem laudos<br />
incapacitantes sobre os indivíduos deficientes, fortalecendo o poder institucional sobre a<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 37 .
potencialidade humana. Diz ele que “Toda uma equipe de técnicos, com instrumentos de<br />
validade duvidosa, emite laudos cuja função é configurar o rótulo de deficiente, classificar e<br />
segregar os desviantes”.<br />
Poder e saber estão, pois, intimamente relacionados. Diz Vaz (1997, p. 81):<br />
Fazer dos indivíduos objetos sobre os quais o poder se aplica e dos quais extrai um saber<br />
requer a constituição de aparelhos de observação e registro.<br />
A vigilância hierárquica faz do olhar do superior o sinal simples que obriga. Junção de<br />
poder e saber: a observação do comportamento produz efeitos de poder e vice-versa.<br />
Estranho problema arquitetural <strong>das</strong> discipli<strong>nas</strong>. [...]<br />
O poder disciplinar, porém, quer tornar visível quem habita o espaço que delimitou; quer<br />
ser absolutamente indiscreto, mas anônimo, invisível. Seu princípio arquitetural será o<br />
encaixamento espacial <strong>das</strong> visibilidades: que os próprios vigilantes sejam vigiados.[...]<br />
O poder funcionará perfeitamente quando sua fiscalização perpétua produzir o sujeito,<br />
este ser que objetiva a si mesmo. Cada um trará em si um superior que julga em verdade o<br />
que pensa e faz.<br />
A Modernidade, descrita por Foucault (1989), Deleuze (1992) e Bauman (1998), dentre<br />
outros, como sociedade disciplinar ou normalizadora, pode ser caracterizada como um<br />
ambiente repleto de confinamentos, cada qual com suas leis e sanções disciplinadoras<br />
próprias. A instituição da norma constitui, assim, um eficiente mecanismo de manutenção da<br />
ideologia dominante. Absolutizando atitudes e pensamentos, o controle passa a ser uma<br />
questão de estar "dentro" ou "fora" dos padrões estabelecidos como normais.<br />
Segundo França, citado por Marques (2001, p. 32),<br />
Se a Modernidade constitui-se como uma sociedade disciplinar, isto é, fabrica sujeitos por<br />
intermédio de uma tecnologia de poder que toma os indivíduos como objeto e instrumento<br />
de seu exercício, a norma é seu princípio de unidade, à medida que aprecia o que é<br />
conforme a regra e o que dela diverge - o que torna possível a comparação e a<br />
individualização.<br />
Se as discipli<strong>nas</strong> visam aos corpos para o adestramento, e os mecanismos disciplinares<br />
funcionam em estado livre, dirigindo-se a todos sem distinção, pois objetivam tornar tudo<br />
visível, é a norma que permite às discipli<strong>nas</strong> neutralizar perigos, fixar populações errantes<br />
e aumentar a utilidade dos indivíduos. É a norma que vai disparar, em função do homem<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 38 .
médio, de um princípio de equivalência, os mecanismos disciplinares de vigilância<br />
hierárquica, as tecnologias de exame e a sanção normalizadora.<br />
Um traço marcante da sociedade disciplinar é, segundo Deleuze (1992, p. 222), a sua<br />
bipolaridade indivíduo/massa. Nas suas palavras:<br />
As sociedades disciplinares têm dois pólos: a assinatura que indica o indivíduo, e o<br />
número de matrícula que indica sua posição numa massa. É que as discipli<strong>nas</strong> nunca<br />
viram incompatibilidade entre os dois, e é ao mesmo tempo que o poder é massificante e<br />
individuante, isso é, constitui num corpo único aquele sobre os quais se exerce e molda a<br />
individualidade de cada membro do corpo.<br />
Deve-se estabelecer, com isto, a diferenciação – básica, por sinal – entre identificação e<br />
individualização. Enquanto a individualidade busca a afirmação do sujeito como um ser<br />
único, autêntico, indivisível, a identidade visa ao reconhecimento do mesmo como um dado<br />
estatístico. O mecanismo social do controle disciplinar passa, necessariamente, pela<br />
introjeção, por cada indivíduo, <strong>das</strong> noções de "massa" e de "membro". A massa deve ser<br />
homogênea, harmoniosa, ordeiramente funcional. O membro, por sua vez, deve se reconhecer<br />
como parte dessa massa, o que é promovido pela sua inscrição, por meio de diversos registros,<br />
como filho, aluno, eleitor, motorista, paciente, tributário, morador etc.<br />
Para cada situação um número. Só que esse arsenal de registros possui uma dupla função<br />
social: a de inscrever o indivíduo <strong>nas</strong> diversas situações – função manifesta – e a de<br />
identificá-lo como "infrator". Em suma, documentar é criar mecanismos de identificação e de<br />
controle sobre qualquer infrator potencial. Quanto menos identificado e utilizado como<br />
mecanismo de controle, mais eficiente e justificável é o registro.<br />
Essa estratégia de se posicionar o indivíduo na massa é descrita por Foucault (1985) como o<br />
fenômeno do quadriculamento. Segundo ele, cada pessoa tem definido seu espaço de<br />
realização. E é sobre esse espaço de possibilidades que se estabelece a vigilância sobre cada<br />
um dos indivíduos. Nas palavras de Vaz (1997, p. 80):<br />
[...]a disciplina quadricula um espaço fechado, qualificando-o funcionalmente. Técnica<br />
arquitetural para localizar os indivíduos, hierarquizá-los segundo o lugar que ocupam e,<br />
portanto, torná-los cambiáveis. Quadro vivo que impõe "ordem ao múltiplo": estabelece<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 39 .
canais adequados de transmissão de informações, evita as conjunções horizontais, a<br />
circulação difusa e incerta dos indivíduos. Cada qual no seu lugar e no seu caminho; a<br />
massa se torna assim uma multiplicidade de indivíduos isolados e manejáveis.<br />
Concebido a partir de limites rígidos e quase sempre fisicamente definidos, o espaço, na visão<br />
da Modernidade, tende para a centralização, ou seja, para a convergência do olhar e da ação<br />
humanos para pontos específicos do espaço vivido.<br />
O reflexo imediato de tal concepção se dá de forma incisiva no corpo. A redução espacial a<br />
pontos determinados implica necessariamente a produção de um corpo retraído e aprisionado.<br />
Politicamente, esse corpo embotado se torna um objeto de fácil dominação. Foucault (1989)<br />
demonstra como se dá o processo de quadriculamento do espaço e sua eficiência no processo<br />
de produção dos, por ele chamados, corpos dóceis. Ao se delimitar fisicamente o espaço do<br />
corpo, determina-se também o seu espaço social e o seu grau de liberdade de ação. Assim, a<br />
posição de cada indivíduo estaria definida conforme o espaço a ele destinado em um<br />
determinado ambiente sociocultural. Essa apreensão do outro nos seus próprios limites tem no<br />
portador de deficiência um exemplo clássico. Muito da sua dificuldade de inserção social e de<br />
expansão de seus horizontes de realização decorre do seu enquadramento num espaço ínfimo<br />
para ele reservado e por ele ocupado no cenário social.<br />
Cabe a nós, educadores, compreendermos nosso papel nesse jogo de relações que constitui a<br />
dinâmica social e educacional. Até onde estamos servindo aos ditames da dominação e da<br />
preservação dos dispositivos de vigilância e de controle, utilizando, para tal, dos atributos e<br />
dos mecanismos de que somos investidos no cenário cultural e político do país? Até que<br />
ponto estamos contribuindo com o movimento de mudança que pode levar a uma melhoria na<br />
qualidade de vida <strong>das</strong> pessoas e na construção de uma sociedade mais justa e democrática?<br />
Como estamos lidando com a diversidade na escola e na sociedade? De onde e de que<br />
estamos falando quando nos referimos às <strong>diferenças</strong>? Onde pensamos tocar quando agimos no<br />
presente, empreendendo um salto para o futuro? Presente e futuro que estão, inexoravelmente,<br />
<strong>nas</strong> nossas mãos, nos nossos pés, <strong>nas</strong> nossas mentes e nos nossos corações.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 40 .
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar<br />
Editor, 1998.<br />
DELEUZE, Gilles. Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.<br />
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 5. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985.<br />
______. Vigiar e punir: história da violência <strong>nas</strong> prisões. 7. ed. Petrópolis: Vozes,<br />
1989.<br />
MARQUES, Carlos Alberto. A imagem da alteridade na mídia. Rio de Janeiro, 2001.<br />
Tese (Doutorado em Comunicação e Cultura) – Escola de Comunicação, CFCH,<br />
UFRJ.<br />
SANT'ANNA, Gilson Carlos. O excepcional e a excepcionalidade da ordem sócio-<br />
cultural. Forum Educacional. Rio de Janeiro: FGV, v. 12, n. 4, p. 86-97,<br />
out./dez. 1988.<br />
______. O inconsciente artificial. São Paulo: Unimarco, 1997.<br />
Nota:<br />
Doutor em Comunicação e Cultura – Universidade Federal do Rio de<br />
Janeiro. Professor da Universidade Federal de Juiz de Fora.<br />
PROGRAMA 3<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 41 .
ENSINANDO A TURMA TODA: AS DIFERENÇAS NA ESCOLA<br />
Texto 1: Educação inclusiva: revisar e refazer a cultura escolar<br />
Rosângela Machado 1<br />
A escola, bem sabemos, é uma invenção da modernidade e traz, em suas raízes, o modelo<br />
cartesiano/positivista, que exerce forte influência <strong>nas</strong> práticas escolares, privilegiando, entre<br />
outros aspectos, uma única forma de conhecimento – o conhecimento científico. Com base<br />
nesse paradigma, a escola classifica os alunos de acordo com níveis de desenvolvimento, e o<br />
que está em jogo é sempre, e principalmente, quanto esses alunos assimilaram dos conteúdos<br />
acadêmicos. Esse modelo escolar não leva em consideração a subjetividade e a<br />
multidimensionalidade humana, que fica reduzida ao aspecto cognitivo tão somente.<br />
Há, contudo, hoje, no âmbito educacional, movimentos que visam romper com o paradigma<br />
educacional dominante e que propõem outros modos de pensar a escola. Eles buscam outras<br />
maneiras de conceber o conhecimento escolar, revêem os seus sistemas de avaliação,<br />
promovendo uma releitura dos processos de ensinar e aprender. A inclusão escolar situa-se<br />
entre esses movimentos.<br />
É nesta perspectiva que a inclusão escolar, entendendo-a como uma inovação educacional,<br />
decorre de um paradigma educacional que vira a escola do avesso!<br />
A inclusão escolar leva em consideração a pluralidade <strong>das</strong> culturas, a complexidade <strong>das</strong> redes<br />
de interação huma<strong>nas</strong>. Ela não está limitada à inserção de alunos com deficiência <strong>nas</strong> redes<br />
regulares de ensino, pois beneficia todos os alunos, com e sem deficiência, que são excluídos<br />
<strong>das</strong> <strong>escolas</strong> comuns e denuncia o caráter igualmente excludente do ensino tradicional<br />
ministrado <strong>nas</strong> salas de aulas do ensino regular, motivando um profundo redimensionamento<br />
nos processos de ensino e de aprendizagem.<br />
O movimento em favor da inclusão escolar é mundial, envolve diversos países que defendem<br />
o direito de to<strong>das</strong> as crianças e jovens à educação e condena toda forma de segregação e<br />
exclusão.<br />
A inclusão denuncia o esgotamento <strong>das</strong> práticas <strong>das</strong> salas de aula comuns, com base no<br />
modelo transmissivo do conhecimento, na espera pelo aluno ideal, na padronização dos<br />
resultados esperados pela avaliação classificatória, no currículo organizado de forma<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 42 .
disciplinar e universal, na repetência, na evasão, <strong>nas</strong> turmas organiza<strong>das</strong> por série, enfim, em<br />
tantos outros elementos que compõem o universo <strong>das</strong> práticas escolares.<br />
Como afirma Moraes (2003, p. 16):<br />
Acreditamos que as coisas não mudam na escola, principalmente, pelas dificuldades<br />
enfrenta<strong>das</strong> por todos aqueles que nela exercem as suas atividades profissionais ao<br />
tentarem se adaptar a uma nova cultura de trabalho, que, por sua vez, requer uma<br />
profunda revisão na maneira de ensinar e aprender. Embora quase todos percebam que o<br />
mundo ao redor está se transformando de forma bastante acelerada, a educação continua<br />
apresentando resultados cada vez mais preocupantes em todo o mundo e a grande maioria<br />
dos professores ainda continua privilegiando a velha maneira como foram ensinados,<br />
reforçando o velho ensino, afastando o aprendiz do processo de construção do<br />
conhecimento, conservando um modelo de sociedade que produz seres incompetentes,<br />
incapazes de criar, pensar, construir e reconstruir conhecimento.<br />
Portanto, se nossa meta é trabalhar em favor da educação inclusiva, nossas concepções de<br />
aprendizagem e de ensino devem ser revisa<strong>das</strong>. Um ponto de partida para a compreensão da<br />
aprendizagem é ter claro que todo aluno é capaz de aprender. No entanto, os alunos não têm o<br />
mesmo tempo de aprendizagem e traçam diferentes caminhos para aprender. Cabe ao<br />
professor disponibilizar o melhor do ensino, as mais varia<strong>das</strong> atividades, e cabe ao aluno a<br />
liberdade de escolher a tarefa que lhe interessa. O ensino democrático é aquele que considera<br />
as <strong>diferenças</strong> de opiniões, de interesses, de necessidades, de idéias e de escolhas.<br />
No processo de escolarização inclusivo, o erro deve ser considerado parte integrante da<br />
aprendizagem, não pode ser sinônimo de nota baixa ou de “caneta vermelha” <strong>nas</strong> produções<br />
de alunos. A aprendizagem sugere dúvi<strong>das</strong>, acertos, erros, avanços, descobertas. Suas fases<br />
não são lineares e constituem processos coletivos e ou individuais, daí a importância do grupo<br />
e da colaboração entre os alunos da turma. Quando o conhecimento está imerso em uma rede<br />
de significações, o aluno efetivamente aprende, seja em grupo, seja individualmente.<br />
Na perspectiva inclusiva e de uma escola de qualidade, os professores não podem duvidar <strong>das</strong><br />
possibilidades de aprendizagem dos alunos, nem prever quando esses alunos irão aprender. A<br />
deficiência de um aluno também não é motivo para que o professor deixe de proporcionar-lhe<br />
o melhor <strong>das</strong> práticas de ensino e, também, não justifica um ensino à parte, diversificado, com<br />
atividades que discriminam e que se dizem “adapta<strong>das</strong>” às possibilidades de entendimento de<br />
alguns. Ele deve partir da capacidade de aprender desses e dos demais alunos, levando em<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 43 .
consideração a pluralidade <strong>das</strong> manifestações intelectuais. A aprendizagem, também, é<br />
imprevisível, por isso, não cabem as rotulações e categorizações para distinguir um aluno do<br />
outro por sua capacidade de aprender. O professor precisa considerar que o aluno é um ser em<br />
constante vir a ser e que precisa de liberdade para aprender e para produzir livremente o<br />
conhecimento, no nível em que for capaz de assimilar um tema ou assunto de aula.<br />
O objetivo da escola não é levar todos os alunos a um nível de desenvolvimento padrão e se<br />
esse desenvolvimento almejado pela escola não se realiza, pois não é alcançado, os alunos não<br />
devem sofrer as conseqüências da reprovação. Por mais que tenha sido imposta a idéia de<br />
homogeneização <strong>das</strong> turmas, o que as move é a heterogeneidade, a multiplicidade e a<br />
complexidade. Fazer com que todos os alunos pensem como o professor ou reproduzam os<br />
conteúdos ministrados em aula é fazer com que 30 ou 40 inteligências sejam subordina<strong>das</strong> a<br />
uma única inteligência – a do professor. Considerar as 30 ou 40 diferentes manifestações<br />
intelectuais é trabalhar a favor da emancipação dos alunos. Rancière (2002, p. 31) afirma: “Há<br />
embrutecimento quando uma inteligência é subordinada a outra inteligência.”<br />
O professor deve, então, abandonar as práticas de ensino transmissivas, a ênfase no domínio<br />
pleno dos conteúdos programáticos, o livro didático como único recurso para trabalhar o<br />
conhecimento e to<strong>das</strong> as outras práticas embrutecedoras.<br />
A forma de conceber o ensino e a aprendizagem está atrelada às concepções de currículo, e a<br />
organização curricular que faz parte da grande maioria <strong>das</strong> <strong>escolas</strong> é aquela que estrutura o<br />
conhecimento escolar em discipli<strong>nas</strong>. Também fazem parte dessa organização as turmas<br />
dividi<strong>das</strong> em séries e a manipulação dos tempos e dos espaços do cotidiano escolar, pois o<br />
tempo de aprender está estruturado de acordo com as convenções da escola e não com o<br />
tempo dos alunos. Todo esse tipo de organização dificulta a consolidação da escola inclusiva.<br />
As discipli<strong>nas</strong> escolares passam a ser o único meio de conhecimento.<br />
Há, entretanto, <strong>escolas</strong> que contestam o currículo disciplinar, pois percebem que essa forma<br />
de organização não estabelece redes de significações para os alunos; ao contrário, leva-os ao<br />
desinteresse.<br />
Alguns estudos já apontam a substituição do conhecimento disciplinar pela lógica do<br />
conhecimento em rede. Neste sistema, o aluno navega por diversos campos do saber,<br />
incluindo aqueles saberes que não entram na organização disciplinar da escola.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 44 .
O conhecimento em rede consiste na possibilidade de rompimento com o pensamento da<br />
ciência moderna, a qual instituiu que todo conhecimento é linear, que existe somente uma<br />
maneira de responder às questões do mundo e que categorizou os indivíduos em normais e<br />
anormais.<br />
Sob a lógica do conhecimento em rede não há a separação entre conhecimento científico e<br />
cotidiano. Esse sistema leva em conta a multiplicidade humana, a religação dos saberes e as<br />
relações cotidia<strong>nas</strong>, cuja compreensão, por sua vez, requer um paradigma da complexidade.<br />
Este questiona a ciência moderna, de maneira que possamos refletir sobre essas relações e<br />
suas múltiplas manifestações.<br />
O advento da inclusão, então, faz emergir a multiplicidade e a complexidade do mundo e do<br />
interior de nossas <strong>escolas</strong>, que impedem que os alunos continuem a memorizar e a repetir sem<br />
significado aquilo que o conhecimento universal e hegemônico lhes impõe.<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente. 9 a . ed. Campi<strong>nas</strong>:<br />
Papirus, 2003.<br />
RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação<br />
intelectual. Trad. Lílian do Valle. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.<br />
Nota:<br />
Coordenadora de Educação Especial da Prefeitura do município de<br />
Florianópolis –SC.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 45 .
A TEORIA<br />
PROGRAMA 3<br />
ENSINANDO A TURMA TODA: AS DIFERENÇAS NA ESCOLA<br />
Texto 2: Inclusão: teoria e prática<br />
Mara Sartoretto 1<br />
Existe em grego uma palavra que significa a possibilidade de ver e analisar uma figura de<br />
todos os seus lados, sob todos os ângulos. A palavra é épora. Esse termo está sendo usado<br />
para definir a concepção essencial da inclusão escolar, isto é, a possibilidade de ver, de<br />
refletir, de analisar a escola sob todos os seus aspectos.<br />
A primeira evidência que surge desse tipo de análise, desse modo de ver a escola, é o fato de<br />
que a escola não esgota sua tarefa na mera transmissão de informações. Sua missão vai muito<br />
além. Mais do que nunca, torna-se clara a necessidade de uma educação voltada para os<br />
valores humanos, uma educação que permita a transformação da sociedade, uma escola que<br />
acredite <strong>nas</strong> diferentes possibilidades e nos diferentes caminhos que cada um traça para a sua<br />
aprendizagem, e que possibilite a convivência e o reconhecimento do outro, em to<strong>das</strong> as suas<br />
dimensões.<br />
Se consultarmos o dicionário, verificamos que a palavra incluir significa compreender,<br />
abranger, fazer parte, pertencer, processo que pressupõe, necessariamente e antes de tudo,<br />
uma grande dose de respeito. A inclusão só é possível onde houver respeito à diferença e,<br />
conseqüentemente, a adoção de práticas pedagógicas que permitam às pessoas com<br />
deficiências aprender, e a ter, reconhecidos e valorizados, os conhecimentos que são capazes<br />
de produzir, segundo seu ritmo, e na medida de suas possibilidades. Qualquer procedimento,<br />
pedagógico ou legal que não tenha, como pressuposto, o respeito à diferença e a valorização<br />
de to<strong>das</strong> as possibilidades da pessoa deficiente não é inclusão.<br />
Sabemos que o processo de transformação da escola comum é lento e exige uma ruptura com<br />
os modelos pedagógicos vigentes. E sabemos também que em muitas <strong>escolas</strong> especiais os<br />
alunos lutam para aprender a mesma coisa que as <strong>escolas</strong> comuns tentam lhes ensinar, por<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 46 .
tempo indefinido e indeterminado, sem que esses conhecimentos lhes possibilitem construir<br />
habilidades e competências para a vida.<br />
Se acreditarmos que o papel da escola é construir cidadania através do acesso ao<br />
conhecimento, isto só será possível se dentro da escola tivermos uma verdadeira<br />
representação do grupo social que está fora da escola: pessoas com diferentes credos, de raças<br />
diferentes, com saberes diferentes, pessoas sem deficiências (existem?) e pessoas com<br />
deficiência. A experiência de conviver com a diversidade, tão necessária para a vida, nunca<br />
será exercida num ambiente educacional segregado, onde a diversidade humana não esteja<br />
representada.<br />
As <strong>escolas</strong> especiais têm um papel muito importante a cumprir. Pedagogicamente – e<br />
constitucionalmente! – elas existem para oferecer atendimento educacional especializado, e<br />
não educação especial. E o atendimento educacional especializado tem por escopo garantir<br />
aos alunos com deficiências especiais a possibilidade de aprenderem o que é diferente do<br />
ensino comum e desenvolver aquelas habilidades de que eles necessitam para poderem<br />
ultrapassar as barreiras impostas pela deficiência.<br />
Mas, para que o processo de inclusão realmente aconteça, precisamos abandonar o<br />
comodismo decorrente <strong>das</strong> nossas práticas homogeneizadoras, meritocráticas, paternalistas e<br />
corporativistas, sobretudo, e particularmente, quando trabalhamos com pessoas com<br />
deficiência mental.<br />
Como bem diz a Profa. Maria Teresa Mantoan, “resistimos à inclusão escolar porque ela nos<br />
faz lembrar que temos uma dívida a saldar em relação aos alunos que excluímos, por motivos<br />
muitas vezes banais e inconsistentes, apoiados por uma organização pedagógica escolar que<br />
se destina a alunos ideais, padronizados por uma concepção de normalidade e de deficiência<br />
arbitrariamente definida”.<br />
Alunos com e sem deficiência são excluídos da escola há muito tempo, sem que mudanças<br />
efetivas sejam feitas para resolver esse problema, uma vez que as medi<strong>das</strong> até agora<br />
implanta<strong>das</strong> não passam de paliativos.<br />
Agora, porém, são os alunos com deficiência que freqüentam as <strong>escolas</strong> comuns que estão<br />
impondo a nós, professores, uma reflexão mais séria acerca da nossa concepção de escola e<br />
<strong>das</strong> nossas práticas pedagógicas. E já existem, no país todo, tanto em <strong>escolas</strong> comuns quanto<br />
em <strong>escolas</strong> especiais, inúmeras experiências bem sucedi<strong>das</strong> de pessoas e entidades que, com<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 47 .
esponsabilidade, sem alarde e com fundamentação científica sólida, estão abrindo o caminho<br />
da educação inclusiva e eliminando as velhas e bolorentas práticas excludentes da pedagogia<br />
tradicional.<br />
Há muitas <strong>escolas</strong> regulares que abriram as suas portas para alunos com deficiências especiais<br />
e tentam, seriamente, fazer uma escola de qualidade, com respeito a todos os alunos,<br />
deficientes ou não. E há também muitas <strong>escolas</strong> especiais que optaram por atender a seus<br />
alunos no turno oposto ao que freqüentam na escola comum, com resultados altamente<br />
positivos.<br />
O argumento do despreparo dos professores não pode continuar sendo álibi para impedir a<br />
inclusão escolar de pessoas com deficiências. Se não estamos preparados, precisamos<br />
urgentemente nos preparar. E uma verdadeira preparação começa com o <strong>desafio</strong> de acolher as<br />
<strong>diferenças</strong> na sala de aula, com a busca de novas respostas educacionais e com a<br />
possibilidade de tornar essa inclusão uma realidade. Nesse processo, a responsabilidade é de<br />
todos – pais, diretores, supervisores, orientadores educacionais, professores, alunos – e,<br />
principalmente, <strong>das</strong> autoridades responsáveis pela definição e implementação <strong>das</strong> políticas<br />
educacionais.<br />
Discutir e propor alternativas para a consolidação de uma escola inclusiva é direito e dever de<br />
todos os que acreditam que a escola é o local privilegiado, e muitas vezes único, onde, de fato,<br />
os sujeitos de sua própria educação, quaisquer que sejam suas limitações, podem fazer a<br />
experiência fundamental, e absolutamente necessária, da cidadania, em toda sua plenitude.<br />
A PRÁTICA<br />
A Associação dos Familiares e Amigos do Down de Cachoeira do Sul – sua experiência<br />
de inclusão através do Atendimento Educacional Especializado<br />
A Associação dos Familiares e Amigos do Down de Cachoeira do Sul, Rio Grande do Sul<br />
(AFAD), é uma organização não governamental que, desde a sua fundação, assumiu a luta<br />
pela inclusão.<br />
Além de atender a alunos com Síndrome de Down no turno inverso ao da escola comum que<br />
o aluno freqüenta, a AFAD atua sistematicamente na formação de professores, o que vem<br />
produzindo mudanças importantes <strong>nas</strong> práticas pedagógicas escolares e, conseqüentemente,<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 48 .
melhores condições de aprendizagem para to<strong>das</strong> as crianças com ou sem deficiência <strong>nas</strong> redes<br />
regulares.<br />
A parte mais desafiadora de seu trabalho consiste no assessoramento às <strong>escolas</strong> – públicas e<br />
priva<strong>das</strong> – e a instituições não governamentais que se dedicam ao atendimento de pessoas<br />
com deficiências especiais e que acreditam que somente através da convivência com as<br />
<strong>diferenças</strong> a escola cumprirá uma de suas principais finalidades: preparar cidadãos<br />
autônomos, solidários e sem preconceitos. Esse assessoramento é realizado através da<br />
formação continuada em serviço, que inclui os professores e as equipes diretivas <strong>das</strong> <strong>escolas</strong><br />
e secretarias.<br />
Atualmente, além <strong>das</strong> atividades realiza<strong>das</strong> em Cachoeira do Sul, que envolvem o<br />
atendimento a pessoas com deficiências e suas famílias, a AFAD executa cursos de<br />
capacitação em Tecnologia Assistiva com ênfase na Comunicação Aumentativa e Alternativa,<br />
na perspectiva da educação inclusiva, nos Estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul,<br />
Alagoas, Bahia, Amazo<strong>nas</strong> e Goiás, e também coordena um Curso de Educação Infantil com<br />
ênfase na inclusão e na estimulação precoce na Paraíba, Bahia, Pernambuco, Amazo<strong>nas</strong>,<br />
Ceará e Pará. Este curso, proposto e administrado pela Associação <strong>Brasil</strong>eira <strong>das</strong> Associações<br />
de Síndrome de Down, é financiado pelo MEC, sob a orientação da Secretaria de Educação<br />
Especial.<br />
Os <strong>desafio</strong>s da prática e os problemas do dia-a-dia nos mostraram a necessidade de uma<br />
fundamentação teórica sólida e permanente. Para tanto, os professores <strong>das</strong> <strong>escolas</strong> com as<br />
quais trabalhamos se reúnem, periodicamente, para trocar experiências e para se atualizar em<br />
relação à mais recente reflexão pedagógica, não para utilizá-la como receita ou panacéia, ou<br />
como forma de adesão a modismos que a qualquer momento poderão ser substituídos, mas<br />
para dar rumo e consistência ao seu trabalho. Sem essa fundamentação, o próprio conceito de<br />
inclusão, muitas vezes tão mal compreendido, pode descambar para uma caricatura da<br />
proposta original e levar a resultados contrários aos desejados.<br />
Esse trabalho e essa experiência nos têm levado a concluir que investir na formação do<br />
professor é tarefa bastante complexa porque, além da fundamentação teórica, envolve o<br />
<strong>desafio</strong> da reflexão sobre a prática cotidiana e, em decorrência disso, a necessidade da<br />
mudança, fundamental para que a inclusão se efetive. O pano de fundo dessa nova postura,<br />
diante e com os alunos, deverá ser, necessariamente, o conhecimento de como o aluno<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 49 .
aprende, a ousadia de acreditar nos seus talentos, e, acima de tudo – e apesar de tudo – o gosto<br />
de ser professor.<br />
Obviamente, como em qualquer experiência inovadora, a concretização de projetos<br />
pedagógicos inclusivos encontra obstáculos. Dentre eles destacamos:<br />
•a falta de políticas públicas adequa<strong>das</strong>;<br />
•o grande número de <strong>escolas</strong> sem as mínimas condições de acessibilidade física;<br />
•a falta de equipamentos e materiais didáticos indispensáveis ao atendimento <strong>das</strong><br />
necessidades educacionais dos alunos;<br />
•o não funcionamento do atendimento educacional especializado decorrente da inexistência<br />
de Salas de Recursos Multifuncionais ou a utilização inadequada desses espaços,<br />
principalmente na área da Deficiência Mental;<br />
•a inexistência de projetos sérios de formação continuada para os professores, baseados <strong>nas</strong><br />
suas reais necessidades;<br />
•a normalidade com que encaramos o fato de um professor que, ao longo de sua trajetória<br />
profissional, foi responsável pela educação de tantos médicos, advogados, arquitetos, chegar<br />
ao fim de sua carreira ganhando salário mínimo.<br />
Todos esses fatores, e mais alguns, dificultam e, por vezes, frustram a implantação de práticas<br />
inclusivas <strong>nas</strong> <strong>escolas</strong>, mas, em nenhum momento, deve servir de pretexto ou desculpa para<br />
impedir a consolidação de <strong>escolas</strong> verdadeiramente inclusivas.<br />
Uma nova escola é perfeitamente possível, porque muitos são os professores que, apoiados<br />
pelas famílias e assessorados por seus diretores e supervisores, estão acreditando em outros<br />
modos de pensar a educação e de fazê-la acontecer na sala de aula, onde cada um tem a sua<br />
identidade respeitada e onde velhas práticas possam ser transforma<strong>das</strong> em novas<br />
oportunidades de aprendizagem, para todos os alunos, mais ou menos deficientes.<br />
BIBLIOGRAFIA:<br />
LARROSA, J.; SKLIAR, C. Habitantes de Babel. Belo Horizonte, Autêntica, 2001.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 50 .
MANTOAN, M. T. E. To<strong>das</strong> as crianças são bem-vin<strong>das</strong> à escola. Campi<strong>nas</strong>, SP,<br />
LEPED/FE/UNICAMP.<br />
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.<br />
Nota:<br />
Consultora da Federação <strong>Brasil</strong>eira <strong>das</strong> Associações de Síndrome de Down.<br />
Diretora da AFAD, de Cachoeira do Sul, RS.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 51 .
PROGRAMA 4<br />
O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO COMO<br />
GARANTIA DA INCLUSÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA<br />
Texto 1: Alunos com deficiência e seu direito à educação: trata-se<br />
de uma educação especial?<br />
Eugênia Augusta Gonzaga Fávero 1<br />
Quando se fala em pessoas com deficiência e seu direito à educação surge, de imediato, a<br />
noção de que estamos falando de uma educação especial, diferenciada, talvez em ambientes<br />
segregados, de tão acostumados que todos estão a identificar tais pessoas como titulares de<br />
um ensino especial. Mas já é momento de colocarmos em xeque esse costume de associar<br />
pessoas com deficiência a um ensino diferente e apartado, porque as soluções que podem<br />
surgir da mudança desse paradigma, além de garantirem às pessoas com deficiência o seu<br />
direito à igualdade, talvez sejam uma contribuição para a melhoria da qualidade do ensino em<br />
geral.<br />
A educação é um direito humano, fundamental e, portanto, deve ser colocado à disposição de<br />
todos os seres humanos. Assim, é óbvia a conclusão de que as pessoas com deficiência<br />
também são seus titulares.<br />
Esse direito de todos à educação tem peculiaridades: não é qualquer tipo de acesso à educação<br />
que atende ao princípio da igualdade de acesso e permanência em escola (art. 206, I, CF), bem<br />
como a garantia de Ensino Fundamental obrigatório (art. 208, I, CF).<br />
Em se tratando de crianças a adolescentes, principalmente, o seu direito à educação só estará<br />
totalmente preenchido: a) se o ensino recebido visar ao pleno desenvolvimento da pessoa e<br />
seu preparo para o exercício da cidadania, entre outros objetivos (art. 205, CF); b) se for<br />
ministrado em estabelecimentos oficiais de ensino, em caso do ensino básico e superior, nos<br />
termos da legislação brasileira de regência (CF, LDBEN, ECA e normas infralegais); c) se<br />
tais estabelecimentos não forem separados por grupos de pessoas, nos termos da Convenção<br />
relativa à Luta contra a Discriminação no Campo do Ensino (1960).<br />
Insistimos: é deste direito que as pessoas com deficiência também são titulares. Quando se<br />
fala em educação inclusiva, em direito de acesso à mesma sala de aula <strong>das</strong> demais crianças, e<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 52 .
adolescentes, o objetivo é simplesmente garantir às pessoas com deficiência o acesso a esse<br />
direito humano, básico e fundamental.<br />
É certo que, além dos objetivos, requisitos e garantias para a educação, acima citados, nossa<br />
Constituição garante, agora, para as pessoas com deficiência, ape<strong>nas</strong> o atendimento<br />
educacional especializado (art. 208, III, CF).<br />
Trata-se, pois, de tratamento diferenciado, que tem sede constitucional, mas que não exclui as<br />
pessoas com deficiência dos demais princípios e garantias relativos à educação. Ao contrário,<br />
é previsto como acréscimo e não como alternativa. Portanto, o atendimento educacional<br />
especializado será válido ape<strong>nas</strong> e tão-somente se levar à concretização do direito à educação,<br />
conforme descrevemos acima.<br />
Todavia, é preciso lembrar que o atendimento educacional especializado, chamado pela Lei<br />
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de educação especial, vem sendo visto de duas<br />
maneiras, bastante distintas, e uma delas pode resultar em discriminação e frustração do<br />
direito de acesso à educação. Por isso iremos nos ater, neste texto, a desvendar as<br />
peculiaridades desse direito a um atendimento educacional especializado, pontuando, no final,<br />
os requisitos que ele deve obedecer para não se tornar ape<strong>nas</strong> mais uma forma de<br />
discriminação, ainda que disfarçada com as vestes da proteção.<br />
A primeira maneira de executar o atendimento educacional especializado, e a mais conhecida,<br />
é a que levou à organização de <strong>escolas</strong> separa<strong>das</strong>, chama<strong>das</strong> de especiais ou especializa<strong>das</strong>,<br />
volta<strong>das</strong> ape<strong>nas</strong> para pessoas com deficiência, <strong>nas</strong> quais normalmente se pode cursar a<br />
Educação Infantil e o Ensino Fundamental, ou seja, substituem totalmente o acesso a uma<br />
escola comum. Para os defensores desse tipo de ensino segregado, o aluno ali matriculado<br />
está tendo acesso à educação, pois eles simplesmente desconsideram os requisitos que<br />
mencionamos para esta, extraídos da Constituição e dos tratados e convenções internacionais<br />
pertinentes, inclusive a Declaração Universal de Direitos Humanos.<br />
A segunda é a que vem sendo bastante propagada pelos movimentos que defendem a inclusão<br />
escolar, ou seja, a freqüência a um mesmo ambiente por alunos com e sem deficiência, entre<br />
outras características. Esta segunda maneira é a que trata o atendimento educacional<br />
especializado como apoio e complemento, destinado a oferecer aquilo que há de específico na<br />
formação de um aluno com deficiência, sem impedi-lo de freqüentar, quando na idade<br />
própria, ambientes comuns de ensino, em estabelecimentos oficiais comuns.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 53 .
O atendimento educacional especializado, ou educação especial, se realizado dessa forma,<br />
como apoio, não se traduz em negação de acesso a direitos. Ao contrário, é extremamente<br />
válido e recomendável. Isto não ocorre no primeiro caso: ao substituir totalmente os serviços<br />
oficiais comuns, a educação especial faz com que fique caracterizada a negação ou restrição<br />
de direitos (discriminação). Toda criança, mesmo que apresente características muito<br />
diferentes da maioria, precisa conviver e se desenvolver com sua geração, sendo que o espaço<br />
privilegiado para que isto ocorra é a escola. Por isso o Ensino Fundamental é obrigatório (art.<br />
208, I, CF), e o especializado, ape<strong>nas</strong> preferencial (art. 208, III, CF).<br />
Crenças tradicionais no sentido de que o ambiente de ensino, quanto mais especializado,<br />
melhor, no sentido da obtenção de sucesso com base na concorrência entre os alunos por<br />
notas, entre outros fatores, vêm revelando-se insuficientes e até prejudiciais aos alunos em<br />
geral.<br />
O que se persegue, especialmente em fase de Ensino Fundamental, é a formação humana e a<br />
preparação, inclusive emocional e cidadã, do aluno para prosseguir nos estudos. Não se<br />
descuida da matéria, mas esta deixa de ser o eixo principal da escola que a Constituição<br />
brasileira de 1988 previu, adotando uma tendência mundial. As <strong>escolas</strong> que seguem essa<br />
tendência, modificando suas práticas pedagógicas, recebem com sucesso todos os alunos,<br />
inclusive os que têm algum tipo de deficiência.<br />
As <strong>escolas</strong> tradicionais alegam um antigo despreparo para receber alunos com deficiências –<br />
visual, auditiva, mental e até físicas –, mas nada ou muito pouco fazem no sentido de virem a<br />
se preparar. Há também uma constante alegação de que essa inclusão escolar é muito boa,<br />
mas não pode servir para o aluno que tem deficiências muito graves. Ora, alunos em tais<br />
condições estão à procura de tratamentos relacionados à área da saúde e são em número<br />
bastante reduzido. As crianças que vêm sendo recusa<strong>das</strong> constantemente <strong>nas</strong> <strong>escolas</strong> são<br />
crianças cegas, sur<strong>das</strong>, com limitações intelectuais e/ou físicas, mas não associa<strong>das</strong> a doenças.<br />
São, ape<strong>nas</strong>, crianças com deficiência.<br />
O fato é que a presença desses alunos em salas de aula comuns pode até ser novidade, mas é<br />
um direito e, no tocante ao Ensino Fundamental, também um dever do Estado e de seus<br />
responsáveis. Dessa maneira, o atendimento educacional especializado, quando ministrado de<br />
forma a impedir ou restringir esse direito, fere o princípio da igualdade.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 54 .
Mas, como já dissemos, há aqueles (e são a maioria) que não levam em conta a importância<br />
da convivência entre as crianças e os adolescentes, considerando que a freqüência exclusiva a<br />
uma escola especial atenderia ao direito de acesso à educação. Eles teimam em interpretar o<br />
ordenamento jurídico de maneira a confirmar a sua intenção de manter alunos com deficiência<br />
exclusivamente em ambientes segregados.<br />
Essa postura resulta, muitas vezes, de uma total insensibilidade, mas também de uma<br />
resistência muito forte ao contato diário e intenso entre crianças com e sem deficiência, até<br />
porque os alunos com deficiência têm limitações físicas, sensoriais ou intelectuais<br />
significativas por definição e necessitam de instrumentos e apoios que os demais alunos não<br />
necessitam. Só que esses apoios podem perfeitamente ocorrer de maneira concomitante com o<br />
acesso à escola comum, de várias formas. O que não pode é se admitir a educação especial,<br />
totalmente substitutiva do ensino comum, como sistema de ensino à parte, pois isso resultaria<br />
no exercício de “direitos separados”, o que é historicamente vedado pelos tratados e<br />
convenções internacionais 2 que tratam do direito à não discriminação. Fora isso, a falta desse<br />
contato diário e intenso gera um prejuízo para to<strong>das</strong> as crianças, com e sem deficiência.<br />
Infelizmente, a educação especial, totalmente substitutiva do ensino comum, ainda é<br />
amplamente admitida pelas autoridades, independentemente da idade do aluno. Temos nos<br />
deparado, em muitas cidades, com <strong>escolas</strong> de Ensino Fundamental (comuns) e <strong>escolas</strong> de<br />
Ensino Fundamental especial (especiais), estas últimas volta<strong>das</strong> para pessoas com deficiência<br />
e outras que foram recusa<strong>das</strong> pelas <strong>escolas</strong> de ensino comum.<br />
Isto é lamentável porque, além de tudo, é uma teratologia jurídica. Trata-se de uma conduta<br />
que gera o exercício separado de direitos; que confunde o Ensino Fundamental, etapa<br />
obrigatória do ensino escolar (para alunos na idade própria), com educação especial,<br />
modalidade de ensino escolar (perpassa os níveis de ensino sem se transformar em um deles);<br />
e o que é pior, que faz “instituir ou manter sistemas ou estabelecimentos de ensino separados<br />
para pessoas ou grupos de pessoas”, já vedada pelo Artigo I, da vetusta Convenção relativa à<br />
Luta contra a Discriminação no Campo do Ensino, de 15.12.1960, ratificada pelo <strong>Brasil</strong> em<br />
19.04.1968 e promulgada pelo Decreto nº 63.223, de 6.09.1968.<br />
Para que não pairem dúvi<strong>das</strong> esclarecemos: nada temos contra o atendimento educacional<br />
especializado que não impede o acesso às turmas comuns, pois em tal caso não há que se falar<br />
em negação de direitos, como já afirmamos. E também não se trata do exercício separado de<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 55 .
direitos, tendo em vista que não existem cursos semelhantes voltados para pessoas que não<br />
tenham deficiência. Quando estas querem aprender o Braille, a Língua de Sinais, elas<br />
procuram <strong>escolas</strong> e instituições especializa<strong>das</strong> e podem se matricular normalmente.<br />
Só lembramos que é preciso que o atendimento educacional especializado, mesmo ministrado<br />
como apoio, não gere uma situação por si só constrangedora para quem recebe o tratamento<br />
desigual. Por exemplo: exigir que uma criança com deficiência, para que possa freqüentar<br />
uma turma comum, seja permanentemente acompanhada por assistentes, até em situações em<br />
que isto é plenamente dispensável (recreio, brincadeiras, etc.).<br />
Finalmente, outro requisito para que o atendimento educacional especializado seja uma<br />
diferenciação válida é o de que não haja obrigatoriedade na sua freqüência. Isto ocorre porque<br />
o ensino que nossa Constituição prevê como obrigatório é o fundamental. O atendimento<br />
educacional especializado, bem como qualquer um dos apoios e instrumentos que ele<br />
compreende, é uma faculdade do aluno ou seus responsáveis. Sendo assim, ele jamais poderia<br />
ser imposto pelo sistema de ensino, ou eleito como condição para aceitação da matrícula do<br />
aluno em estabelecimento comum, sob pena de acarretar restrição ou imposição de<br />
dificuldade no acesso ao direito à educação 3 .<br />
Sabemos que tais considerações estão bastante longe do que vem sendo praticado na maioria<br />
<strong>das</strong> <strong>escolas</strong> brasileiras, as quais se acham no direito de matricular ape<strong>nas</strong> os alunos que<br />
julgam terem condições de freqüentar suas salas de aula, como se não bastasse o fato de ser<br />
uma criança ou adolescente na idade própria para essa matrícula.<br />
Mesmo as autoridades consulta<strong>das</strong> sobre o tema, quando se deparam com a recusa de um<br />
aluno com deficiência por uma escola que, como sempre, se diz “despreparada” para recebê-<br />
lo, às vezes aceitam essa recusa como sendo razoável. Além disso, tais autoridades não<br />
adotam, em regra, nenhuma medida para garantir que essa preparação (que poderia ter início<br />
com a matrícula daquele aluno) um dia venha a ocorrer. Ainda que a recusa da matrícula reste<br />
totalmente caracterizada, essas mesmas autoridades jamais fazem uso da legislação penal (Lei<br />
n. 7.853/89, art. 8º) para punir criminalmente os responsáveis por tal conduta.<br />
Acreditamos, contudo, que esse tipo de inércia está chegando ao fim. Cada vez mais os<br />
movimentos sociais, os pais de crianças com deficiência, membros do Ministério Público e do<br />
Poder Judiciário vêm se dando conta do quanto as <strong>escolas</strong> brasileiras são discriminatórias,<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 56 .
especialmente em relação aos alunos com deficiência, e que é preciso encontrar alternativas<br />
para a melhoria da qualidade do ensino para todos, sem exclusões.<br />
Assim, louvamos os termos da Constituição brasileira e <strong>das</strong> convenções internacionais que<br />
nos permitem concluir que o atendimento educacional especializado, destinado a alunos com<br />
deficiência, também chamado de educação especial, é uma forma válida de se garantir o<br />
acesso <strong>das</strong> pessoas com deficiência ao direito à educação, desde que:<br />
1) seja adotado quando realmente exista uma necessidade educacional especial, ou seja, algo<br />
do qual os alunos sem deficiência não precisam;<br />
2) seja oferecido preferencialmente no mesmo ambiente (sala de aula) freqüentado pelos<br />
demais alunos (exemplo: intérprete de língua de sinais, computadores com teclados<br />
adaptados ou sistema de voz), mas sem substituição do professor comum;<br />
3) se houver necessidade de ser oferecido à parte, que isto ocorra sem dificultar ou impedir<br />
que crianças e adolescentes com deficiência tenham acesso às salas de aula do ensino<br />
comum, no mesmo horário que os demais alunos as freqüentam;<br />
4) não seja adotado de forma obrigatória, ou como condição para o acesso do aluno com<br />
deficiência ao ensino comum;<br />
5) exista uma consciência clara e intransigente quanto ao direito dessa criança de estar na<br />
escola comum e que, para tanto, to<strong>das</strong> as dificuldades devem ser enfrenta<strong>das</strong>, em nome do<br />
direito dela à cidadania e à dignidade, sem ter que viver à margem do desenvolvimento de<br />
sua geração.<br />
BIBLIOGRAFIA<br />
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WERNECK, Cláudia. Sociedade inclusiva. Quem cabe no seu TODOS? Rio de Janeiro:<br />
WVA Editora, 1997.<br />
Notas:<br />
Procuradora da República. Mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP.<br />
Autora do livro Direitos <strong>das</strong> pessoas com deficiência: garantia de igualdade<br />
na diversidade, pela WVA Editora, e co-autora da cartilha “Acesso de alunos<br />
com deficiência às classes e <strong>escolas</strong> comuns da rede regular”, pela<br />
PFDC/MPF.<br />
2 Estamos falando, basicamente, dos seguintes documentos internacionais:<br />
- Convenção concernente à Discriminação em Matéria de Emprego e<br />
Profissão, de 05.06.1958: promulgada pelo Decreto nº 62.150, de<br />
19.01.1968, ratificada em 26.11.65;<br />
- Convenção relativa à Luta contra a Discriminação no campo do<br />
Ensino, de 15.12.1960: ratificada em 19.04.1968 e promulgada pelo Decreto<br />
nº 63.223, 6.09.1968;<br />
- Convenção Internacional sobre a Eliminação de to<strong>das</strong> as formas de<br />
Discriminação Racial, de 21.12.1965: ratificada em 27.03.1968, promulgada<br />
pelo Decreto nº 65.810, de 08.12.1969;<br />
- Convenção sobre a Eliminação de to<strong>das</strong> as formas de Discriminação<br />
contra a Mulher, de 18.12.1979: ratificada em 01.02.1984. Promulgada pelo<br />
Decreto nº 89.460, de 20.03.1984, que foi revogado pelo Decreto nº 4.377, de<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 60 .
13.09.2002, o qual promulgou novamente a Convenção sem as reservas<br />
anteriormente feitas;<br />
- Declaração para a Eliminação de to<strong>das</strong> as formas de Intolerância e de<br />
Discriminação baseada em Religião ou Crença, de 25.11.1981;<br />
- Convenção relativa aos Povos Indíge<strong>nas</strong> e Tribais em Países<br />
Independentes, de 27.06.1989: ratificada em 25.07.2002, promulgada pelo<br />
Decreto 5.051, de 19.04.04;<br />
- Convenção sobre os Direitos da Criança, de 20.11.1989: ratificada em<br />
24.09.1990, promulgada pelo Decreto 99.710, de 21.11.1990;<br />
- Convenção Interamericana para a Eliminação de to<strong>das</strong> as formas de<br />
Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, de 08.06.1999:<br />
promulgada pelo Decreto 3.956, de 08.10.2001.<br />
3 Nos casos em que a escola acha necessário que a criança tenha algum tipo<br />
de apoio complementar especializado, principalmente no campo da saúde, e<br />
os pais se recusam a providenciá-lo, mesmo tendo condições para tanto,<br />
cabe à escola registrar essa recomendação e, se verificar que a criança está<br />
sendo prejudicada, deve denunciar o fato ao Conselho Tutelar.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 61 .
PROGRAMA 4<br />
O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO COMO<br />
GARANTIA DA INCLUSÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA<br />
Texto 2: Atendimento educacional especializado para alunos cegos e<br />
com baixa visão<br />
Elizabet Dias de Sá 1<br />
A visão detecta e integra, de forma instantânea e imediata, mais de 80% dos estímulos no<br />
ambiente, ocupando uma posição central no que se refere à percepção e à integração de<br />
formas, contornos, tamanhos, cores e imagens. É o elo de ligação que integra os outros<br />
sentidos, permite associar som e imagem, imitar um gesto ou comportamento, e exercer uma<br />
atividade exploratória circunscrita a um espaço delimitado. Sem a visão, os outros sentidos<br />
passam a receber a informação de forma intermitente, fugidia e fragmentária.<br />
A criança que enxerga estabelece uma comunicação visual com o mundo exterior, desde os<br />
primeiros meses de vida, porque é estimulada a olhar para tudo o que está à sua volta, sendo<br />
possível acompanhar o movimento <strong>das</strong> pessoas e dos objetos sem sair do lugar.<br />
As crianças cegas e com baixa visão crescem e desenvolvem-se em um contexto impregnado<br />
de padrões de referências e experiências eminentemente visuais. Por isto, necessitam de<br />
recursos e meios específicos no ambiente familiar e escolar para receber e organizar a<br />
informação. Neste processo, o atendimento educacional especializado deve ser viabilizado<br />
desde a Educação Infantil e no decorrer do percurso escolar.<br />
Na escola, os professores costumam confundir ou interpretar erroneamente algumas atitudes e<br />
condutas de alunos com baixa visão, que oscilam entre o ver e o não ver. Estes alunos<br />
manifestam algumas dificuldades de percepção em determina<strong>das</strong> circunstâncias tais como:<br />
objetos situados em ambientes mal iluminados; ambiente muito claro ou ensolarado; objetos<br />
ou materiais que não proporcionam contraste; objetos e seres em movimento; visão de<br />
profundidade; percepção de formas complexas; representação de objetos tridimensionais;<br />
tipos impressos ou figuras muito peque<strong>nas</strong> ou muito grandes.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 62 .
Neste caso, alguns comportamentos, sinais ou sintomas físicos podem ser observados:<br />
Tentar remover mancha, esfregar excessivamente os olhos, franzir a testa. Fechar e cobrir um<br />
dos olhos, balançar a cabeça ou movê-la para frente ao olhar para um objeto próximo ou<br />
distante. Levantar para ler o que está escrito no quadro de giz, em cartazes ou mapas. Copiar<br />
do quadro faltando letras, tendência de trocar palavras e mesclar sílabas. Ter dificuldade na<br />
leitura ou em outro trabalho que exija o uso concentrado dos olhos. Piscar mais que o<br />
habitual, chorar com freqüência ou irritar-se com a execução de tarefas. Tropeçar ou<br />
cambalear diante de pequenos objetos. Manter livros ou objetos miúdos bem perto dos olhos.<br />
Mostrar desconforto ou intolerância à claridade. Trocar a posição do livro e perder a<br />
seqüência <strong>das</strong> linhas em uma página ou mesclar letras semelhantes. Demonstrar falta de<br />
interesse ou dificuldade em participar de jogos que exijam visão de distância.<br />
A cegueira e a baixa visão não limitam a capacidade de aprender. Estes alunos têm as mesmas<br />
potencialidades do que os outros e, portanto, não se deve ter uma baixa expectativa em<br />
relação a eles. As estratégias de aprendizagem, os procedimentos, os meios de acesso ao<br />
conhecimento e à informação, bem como os instrumentos de avaliação, devem ser adequados<br />
às condições visuais destes educandos.<br />
Estes alunos devem desenvolver a formação de hábitos e de postura, destreza tátil, o sentido<br />
de orientação, o reconhecimento de desenhos, gráficos e maquetes em relevo, dentre outras<br />
habilidades. As estratégias e as situações de aprendizagem devem valorizar o comportamento<br />
exploratório, a estimulação dos sentidos remanescentes, a iniciativa e a participação ativa.<br />
- Atividades<br />
Algumas atividades predominantemente visuais devem ser adapta<strong>das</strong> com antecedência, e<br />
outras durante a sua realização, por meio de descrição, informação tátil, auditiva, olfativa e<br />
qualquer outra referência que favoreça a configuração do cenário ou do ambiente. É o caso,<br />
por exemplo, de exibição de filmes ou documentários, excursões e exposições. A<br />
apresentação de vídeo requer a descrição oral de imagens, ce<strong>nas</strong> mu<strong>das</strong> e leitura de legenda<br />
simultânea, se não houver dublagem, para que as lacu<strong>nas</strong> sejam preenchi<strong>das</strong> com dados da<br />
realidade e não ape<strong>nas</strong> com a imaginação. É recomendável apresentar um resumo ou<br />
contextualizar a atividade programada para estes alunos.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 63 .
Os esquemas, símbolos e diagramas presentes <strong>nas</strong> diversas discipli<strong>nas</strong> devem ser descritos<br />
oralmente. Os desenhos, gráficos e ilustrações devem ser adaptados e representados em<br />
relevo.<br />
O ensino de língua estrangeira deve priorizar a conversação, em detrimento de recursos<br />
didáticos visuais, que devem ser explicados verbalmente. Experimentos de Ciências e<br />
Biologia devem remeter ao conhecimento por meio de outros canais de coleta de informação.<br />
As atividades de Educação Física podem ser adapta<strong>das</strong> com o uso de barras, cor<strong>das</strong>, bolas<br />
com guizo, etc. O aluno deve ficar próximo do professor, que recorrerá a ele para demonstrar<br />
os exercícios ao mesmo tempo em que ele aprende.<br />
Outras atividades que envolvem expressão corporal, dramatização, arte, música podem ser<br />
desenvolvi<strong>das</strong> com pouca ou nenhuma adaptação. Em resumo, os alunos cegos ou com baixa<br />
visão podem e devem participar de praticamente to<strong>das</strong> as atividades, com diferentes níveis e<br />
modalidades de adaptação, que envolvem criatividade, confecção de material e cooperação<br />
entre os participantes.<br />
- Avaliação<br />
Alguns procedimentos e instrumentos de avaliação baseados em referências visuais devem<br />
ser alterados ou adaptados por meio de representações e relevo. É o caso, por exemplo, de<br />
desenhos, gráficos, diagramas, gravuras, uso de microscópios. Em algumas circunstâncias, é<br />
recomendável valer-se de exercícios orais. A adaptação, a produção de material e a<br />
transcrição de provas, de exercícios e de textos em geral para o Sistema Braille podem ser<br />
realiza<strong>das</strong> em salas de multimeios, núcleos, serviços ou centros de apoio pedagógico. Se não<br />
houver ninguém na escola que domine o Sistema Braille, será igualmente necessário fazer a<br />
conversão da escrita Braille para a escrita em tinta.<br />
Convém observar a necessidade de estender o tempo da avaliação, considerando-se as<br />
peculiaridades em relação à percepção não visual. Os alunos podem realizar trabalhos e<br />
tarefas escolares utilizando a máquina de escrever em Braille ou o computador, sempre que<br />
possível.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 64 .
- O Sistema Braille<br />
Criado por Louis Braille, em 1825, na França, o Sistema Braille baseia-se na combinação de<br />
66 pontos que representam as letras do alfabeto, os números e outros símbolos gráficos. A<br />
combinação dos pontos é obtida pela disposição de seis pontos básicos, organizados<br />
espacialmente em duas colu<strong>nas</strong> verticais, com três pontos à direita e três à esquerda de uma<br />
cela básica, denominada cela Braille.<br />
A escrita Braille é realizada por meio de uma reglete e/ou uma punção, ou de uma máquina de<br />
escrever Braille. A reglete é uma régua de madeira, metal ou plástico com um conjunto de<br />
celas Braille dispostas em linhas horizontais sobre uma base plana. A punção é um<br />
instrumento em madeira ou plástico, no formato de pêra ou anatômico, com ponta metálica<br />
utilizada para a perfuração dos pontos na cela Braille. O movimento de perfuração deve ser<br />
realizado da direita para a esquerda para produzir a escrita em relevo de forma não espelhada,<br />
enquanto a leitura é realizada da esquerda para a direita. Este processo de escrita tem a<br />
desvantagem de ser mais lento, devido à perfuração de cada ponto, exige boa coordenação<br />
motora e dificulta a correção de erros.<br />
A máquina de escrever tem seis teclas básicas correspondentes aos pontos da cela Braille. O<br />
toque simultâneo de uma combinação de teclas produz os pontos que correspondem aos<br />
sinais e símbolo desejados. É um mecanismo de escrita mais rápido, prático e eficiente.<br />
A escrita em relevo e a leitura tátil baseiam-se em componentes específicos no que diz<br />
respeito ao movimento <strong>das</strong> mãos, mudança de linha, adequação da postura e manuseio do<br />
papel. Este processo requer o desenvolvimento de habilidades do tato, que envolve conceitos<br />
espaciais e numéricos, sensibilidade, destreza motora, coordenação bimanual, discriminação,<br />
dentre outros aspectos. Por isto, o aprendizado do Sistema Braille deve ser realizado em<br />
condições adequa<strong>das</strong>, de forma simultânea, e complementar ao processo de alfabetização dos<br />
alunos cegos.<br />
Os meios informáticos ampliam as possibilidades de produção e impressão Braille. Existem<br />
diferentes tipos de impressoras, com capacidade de produção de pequeno, médio e grande<br />
porte, que representam um ganho qualitativo e quantitativo no que se refere à produção<br />
Braille em termos de velocidade, eficiência, desempenho e sofisticação.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 65 .
- Sorobam<br />
Instrumento utilizado para trabalhar cálculos e operações matemáticas; espécie de ábaco que<br />
contém 5 contas em cada eixo e borracha compressora para deixar as contas fixas.<br />
- Livro Didático Adaptado<br />
Os livros didáticos são ilustrados com desenhos, gráficos, cores, diagramas, fotos e outros<br />
recursos inacessíveis para os alunos com limitação visual. A transcrição de um texto ou de um<br />
livro para o Sistema Braille tem características específicas em relação ao tamanho, à<br />
paginação, à representação gráfica, aos mapas e ilustrações, devendo ser fiel ao conteúdo e<br />
respeitar normas e critérios estabelecidos pela Comissão <strong>Brasil</strong>eira do Braille.<br />
A adaptação parcial ou integral destes livros é complexa e pode ser realizada nos Centros de<br />
Apoio Pedagógico aos Deficientes Visuais (CAPs) ou em serviços similares, enquanto a<br />
produção em grande escala fica sob a responsabilidade <strong>das</strong> instituições especializa<strong>das</strong>, em<br />
parceria com o Ministério da Educação.<br />
- Livro Acessível<br />
O livro acessível visa contemplar a todos os leitores. Para isto, deve ser concebido como um<br />
produto referenciado no modelo do desenho universal. Isto significa que deve ser concebido a<br />
partir de uma matriz que possibilite a produção de livros em formato digital, em áudio, em<br />
Braille e com fontes amplia<strong>das</strong>. É o livro ideal e, portanto, ainda não disponível <strong>nas</strong><br />
prateleiras <strong>das</strong> livrarias e <strong>das</strong> bibliotecas. Por ora, figura como objeto de contenda que<br />
depende de regulamentação e de negociação entre o Governo e os elos da cadeia produtiva do<br />
livro. Enquanto isso, surgem os primeiros livros de literatura infantil em áudio-livro ou<br />
impressos em tinta e em Braille, com desenhos em relevo ou descrição sucinta <strong>das</strong> ilustrações.<br />
Trata-se de iniciativas pontuais e isola<strong>das</strong>, que representam um grão de areia no universo da<br />
cultura e da leitura para as pessoas cegas e com baixa visão.<br />
- Recursos ópticos e não-ópticos<br />
Recursos ou auxílios ópticos são lentes de uso especial ou com dispositivo formado por um<br />
conjunto de lentes, geralmente de alto poder, com o objetivo de magnificar a imagem da<br />
retina. Estes recursos são utilizados mediante prescrição e orientação oftalmológicas. É<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 66 .
importante lembrar que a indicação de recursos ópticos depende de cada caso ou patologia.<br />
Por isso, não são todos os indivíduos com baixa visão que os utilizam. Convém lembrar<br />
também que o uso de lentes, lupas, óculos, telescópios representa um ganho valioso em<br />
termos de qualidade, conforto e desempenho visual para perto, mas não descartam a<br />
necessidade de adaptação de material e de outros cuidados.<br />
- Tipos ampliados<br />
Ampliação de fontes, de sinais e símbolos gráficos em livros, apostilas, textos avulsos, jogos,<br />
agen<strong>das</strong>, dentre outros.<br />
- Recursos Tecnológicos<br />
Os meios informáticos facilitam a vida de educadores e educandos porque possibilitam a<br />
comunicação, a pesquisa e o acesso ao conhecimento. Existem programas leitores de tela com<br />
síntese de voz, concebidos para usuários cegos, que possibilitam a navegação na Internet, o<br />
uso do correio eletrônico, o processamento de textos, de planilhas e uma infinidade de<br />
aplicativos operados por meio de comandos de teclado que dispensam o uso do mouse.<br />
Existem, ainda, outras ferramentas que possibilitam a produção de livros em formato digital,<br />
em áudio e em Braille. É necessário que estas ferramentas estejam disponíveis no âmbito do<br />
Sistema Escolar, e nos Serviços e Centros de Apoio que visam promover a inclusão escolar e<br />
social.<br />
Os laboratórios de informática, os telecentros e os programas de inclusão digital devem contar<br />
com ferramentas concebi<strong>das</strong> para pessoas cegas e com baixa visão, porque o uso de<br />
computadores e de outros recursos tecnológicos é tão fundamental para elas quanto os olhos<br />
são para quem enxerga.<br />
Nota:<br />
1 Psicóloga e educadora. Consultora em Educação Inclusiva. Secretaria<br />
Municipal de Educação da Prefeitura de Belo Horizonte- MG.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 67 .
PROGRAMA 4<br />
O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO COMO<br />
GARANTIA DA INCLUSÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA<br />
Texto 3: Atendimento educacional especializado para a pessoa<br />
com deficiência mental<br />
Cristina Abranches Mota Batista 1<br />
O atendimento educacional especializado decorre de uma nova visão da Educação Especial,<br />
sustentada legalmente, e é uma <strong>das</strong> condições para o sucesso da inclusão escolar dos alunos<br />
com deficiência. Esse atendimento existe para que os alunos possam aprender o que é<br />
diferente do currículo do ensino comum, e que é necessário para que possam ultrapassar as<br />
barreiras impostas pela deficiência.<br />
As barreiras da deficiência mental diferem muito <strong>das</strong> barreiras encontra<strong>das</strong> <strong>nas</strong> demais<br />
deficiências. Trata-se de barreiras referentes à maneira de lidar com o saber em geral, o que se<br />
reflete preponderantemente na construção do conhecimento escolar. Por esse motivo, a<br />
educação especializada, realizada nos moldes do treinamento e da adaptação, reforça a<br />
condição de deficiente desse aluno. Essas formas de intervenção mantêm o aluno em um nível<br />
de compreensão que é muito primitivo e que a pessoa com deficiência mental tem dificuldade<br />
de ultrapassar – <strong>nas</strong> chama<strong>das</strong> regulações automáticas, de Piaget. É necessário que se<br />
estimule o aluno com deficiência mental a progredir nos níveis de compreensão, criando<br />
novos meios para que possa se adequar às novas situações, ou melhor, desafiando-o a realizar<br />
regulações ativas. Assim sendo, o aluno com deficiência mental precisa adquirir, através do<br />
atendimento educacional especializado, condições de passar de um tipo de ação automática e<br />
mecânica diante de uma situação de aprendizado/experiência para um outro tipo, que lhe<br />
possibilite selecionar e optar por meios mais convenientes de atuar intelectualmente.<br />
O atendimento educacional para tais alunos deve, portanto, privilegiar o desenvolvimento e a<br />
superação daquilo que lhe é limitado, exatamente como acontece com as demais deficiências,<br />
como por exemplo: para o cego, a possibilidade de ler pelo Braille; para o surdo, a forma mais<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 68 .
conveniente de se comunicar e para a pessoa com deficiência física, o modo mais adequado<br />
de se orientar e se locomover.<br />
Para a pessoa com deficiência mental, a acessibilidade não depende de suportes externos ao<br />
sujeito, mas tem a ver com a saída de uma posição passiva e automatizada diante da<br />
aprendizagem para o acesso e apropriação ativa do próprio saber.<br />
De fato, a pessoa com deficiência mental encontra inúmeras barreiras <strong>nas</strong> interações que<br />
realiza com o meio para assimilar, desde os componentes físicos do objeto de conhecimento,<br />
como por exemplo, o reconhecimento e a identificação da cor, forma, textura, tamanho e<br />
outras características que ela precisa retirar diretamente desse objeto. Isso ocorre porque são<br />
pessoas que apresentam prejuízos no funcionamento, na estruturação e na reelaboração do<br />
conhecimento. Exatamente por isso não adianta propor atividades que insistem na repetição<br />
pura e simples de noções de cor, forma etc. para que, a partir desse suposto aprendizado, o<br />
aluno consiga dominar essas noções e as demais propriedades físicas dos objetos, e ainda<br />
possa transpô-las para um outro contexto. A criança sem deficiência mental consegue<br />
espontaneamente retirar informações do objeto e construir conceitos, progressivamente. Já a<br />
criança com deficiência mental precisa de outra atenção, ou seja, de exercitar sua atividade<br />
cognitiva, de modo que consiga o mesmo, ou uma aproximação do mesmo.<br />
Esse exercício implica trabalhar a abstração por meio da projeção <strong>das</strong> ações práticas em<br />
pensamento. A passagem <strong>das</strong> ações práticas e a coordenação dessas ações em pensamento são<br />
partes de um processo cognitivo que é natural para aqueles que não têm deficiência mental. E<br />
para aqueles que têm uma deficiência mental, essa passagem deve ser estimulada e provocada,<br />
de modo que o conhecimento possa se tornar consciente e interiorizado.<br />
O atendimento educacional especializado para as pessoas com deficiência mental está<br />
centrado na dimensão subjetiva do processo de conhecimento, complementando o<br />
conhecimento acadêmico e o ensino coletivo que caracterizam a escola comum. O<br />
conhecimento acadêmico exige o domínio de um determinado conteúdo curricular; o<br />
atendimento educacional, por sua vez, refere-se à forma pela qual o aluno trata todo e<br />
qualquer conteúdo que lhe é apresentado e como consegue significá-lo, ou seja, compreendê-<br />
lo.<br />
É importante esclarecer que o atendimento educacional especializado não é ensino particular,<br />
nem reforço escolar. Ele pode ser realizado em grupos, porém atento para as formas<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 69 .
específicas de cada aluno se relacionar com o saber. Isso também não implica atender a esses<br />
alunos formando grupos homogêneos com o mesmo tipo de problema (patologias) e/ou<br />
desenvolvimento. Pelo contrário, os grupos devem se constituir obrigatoriamente por alunos<br />
da mesma faixa etária e em vários níveis do processo de conhecimento. Alunos com síndrome<br />
de Down, por exemplo, poderão compartilhar esse atendimento com seus colegas autistas,<br />
com outras síndromes, seqüelas de paralisia cerebral e ainda outros com ou sem uma causa<br />
orgânica esclarecida de sua deficiência e com diferentes possibilidades de acesso ao<br />
conhecimento.<br />
O atendimento educacional especializado para o aluno com deficiência mental deve permitir<br />
que esse aluno saia de uma posição de “não-saber”, ou de “recusa de saber” para se apropriar<br />
de um saber que lhe é próprio, ou melhor, que ele tem consciência de que o construiu.<br />
A inibição, definida na teoria freudiana, ou a “posição débil” enunciada por Lacan provocam<br />
atitudes particulares diante do saber, influenciando a pessoa na aquisição do conhecimento<br />
acadêmico. É importante ressaltar que o saber da Psicanálise é o “saber inconsciente”, relativo<br />
à verdade do sujeito. Em outras palavras, trata-se de um processo inconsciente e o que o<br />
sujeito recusa saber é sobre a própria incompletude, tanto dele, quanto do outro. O aluno com<br />
deficiência mental, nessa posição de recusa e de negação do saber, fica passivo e dependente<br />
do outro (do seu professor, por exemplo), ao qual outorga o poder de todo o saber. Se o<br />
professor assume o lugar daquele que sabe tudo e oferece to<strong>das</strong> as respostas para seus alunos,<br />
o que é muito comum <strong>nas</strong> <strong>escolas</strong> e principalmente na prática da Educação Especial, ele<br />
reforça essa posição débil e de inibição, não permitindo que esse aluno se mobilize para<br />
adquirir/construir qualquer tipo de conhecimento.<br />
Quando o atendimento educacional permite que o aluno traga a sua vivência e que se<br />
posicione de forma autônoma e criativa diante do conhecimento, o professor sai do lugar de<br />
todo o saber. Dessa maneira, o aluno pode se questionar e modificar sua atitude de recusa do<br />
saber e sua posição de “não saber”. Ele, então, pode se mobilizar e buscar o saber. Na<br />
verdade, é tomando consciência de que não sabe que o aluno pode se mobilizar e buscar o<br />
saber. A liberdade de criação e de posicionamento autônomo do aluno diante do saber permite<br />
que sua verdade seja colocada, o que é fundamental para os alunos com deficiência mental.<br />
Ele deixa de ser o “repeteco”, o eco do outro e se torna um ser pensante e desejante de saber.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 70 .
Mas o atendimento educacional não deve funcionar como uma análise interpretativa, própria<br />
<strong>das</strong> sessões psicanalíticas, e nem como uma intervenção psicopedagógica, tradicionalmente<br />
praticada. Esse atendimento deve permitir ao aluno elaborar suas questões, suas idéias, de<br />
forma ativa e não corroborar para sua alienação diante de todo e qualquer saber.<br />
A escola (especial e comum), ao desenvolver o atendimento educacional especializado, deve<br />
oferecer to<strong>das</strong> as oportunidades possíveis para que, nos espaços educacionais em que ele<br />
acontece, o aluno seja incentivado a se expressar, pesquisar, inventar hipóteses e reinventar o<br />
conhecimento livremente. Assim, ele pode trazer para os atendimentos os conteúdos advindos<br />
da sua própria experiência, segundo seus desejos, necessidades e capacidades. O exercício da<br />
atividade cognitiva ocorrerá a partir desses conteúdos.<br />
Devem ser ofereci<strong>das</strong> situações, envolvendo ações em que o próprio aluno teve participação<br />
ativa na sua execução e/ou façam parte da experiência de vida dele. Essa prática difere de<br />
todo modelo de atuação privilegiado até então pela Educação Especial. Trabalhar a ampliação<br />
da capacidade de abstração não significa ape<strong>nas</strong> desenvolver a memória, a atenção, as noções<br />
de espaço, tempo, causalidade, raciocínio lógico, em si mesmas. Nem tão pouco tem a ver<br />
com a desvalorização da ação direta sobre os objetos de conhecimento, pois a ação é o<br />
primeiro nível de toda a construção mental.<br />
O objetivo do atendimento educacional especializado é propiciar condições e liberdade para<br />
que o aluno com deficiência mental possa construir a sua inteligência, dentro do quadro de<br />
recursos intelectuais que lhe é disponível, tornando-se agente capaz de produzir<br />
significado/conhecimento.<br />
O contato direto com os objetos a serem conhecidos – ou seja, com a sua “concretude” – não<br />
pode ser descartado, mas o importante é intervir no sentido de fazer com que esses alunos<br />
percebam a capacidade que têm de pensar, de realizar ações em pensamento, de tomar<br />
consciência de que são capazes de usar a inteligência de que dispõem e de ampliá-la, pelo seu<br />
esforço de compreensão, ao resolver uma situação-problema qualquer. Mas sempre agindo<br />
com autonomia para escolher o caminho da solução e a sua maneira de atuar inteligentemente.<br />
O aluno com deficiência mental, como qualquer outro aluno, precisa desenvolver a sua<br />
criatividade, a capacidade de conhecer o mundo e a si mesmo, não ape<strong>nas</strong> superficialmente ou<br />
por meio do que o outro pensa. O nosso maior engano é generalizar a dotação mental <strong>das</strong><br />
pessoas com deficiência mental em um nível sempre muito baixo, carregado de preconceitos<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 71 .
sobre a sua capacidade de, como alunos, progredirem na escola, acompanhando os demais<br />
colegas. Desse engano derivam to<strong>das</strong> as ações educativas que desconsideram o fato de que<br />
cada pessoa é uma pessoa, que tem antecedentes diferentes de formação, experiências de vida<br />
e que sempre é capaz de aprender e de exprimir um conhecimento.<br />
O atendimento educacional especializado não deve ser uma atividade que tenha como<br />
objetivo o ensino escolar especial adaptado para desenvolver conteúdos acadêmicos, tais<br />
como a Língua Portuguesa, a Matemática, dentre outros. Com relação à Língua Portuguesa e à<br />
Matemática, o atendimento educacional especializado buscará o conhecimento que permite ao<br />
aluno a leitura, a escrita e a quantificação, sem o compromisso de sistematizar essas noções,<br />
como é o objetivo da escola.<br />
Para possibilitar a produção do saber e preservar sua condição de complemento do ensino<br />
regular, o atendimento educacional especializado tem de estar desvinculado da necessidade<br />
típica da produção acadêmica. A aprendizagem do conteúdo acadêmico limita as ações do<br />
professor especializado, principalmente quanto a permitir a liberdade de tempo e de criação<br />
que o aluno com deficiência mental precisa ter para organizar-se diante do <strong>desafio</strong> do<br />
processo de construção do conhecimento. Esse processo de conhecimento, ao contrário do que<br />
ocorre na escola comum, não é determinado por metas a serem atingi<strong>das</strong> em uma determinada<br />
série, ou ciclo, ou mesmo etapas de níveis de ensino ou de desenvolvimento.<br />
O processo de construção do conhecimento, no atendimento educacional especializado, não é<br />
ordenado de fora, e não é possível ser planejado sistematicamente, obedecendo a uma<br />
seqüência rígida e predefinida de conteúdos a serem assimilados. E assim sendo, não persegue<br />
a promoção escolar, mesmo porque esse aluno já está incluído.<br />
Na escola comum, o aluno constrói um conhecimento necessário e exigido socialmente e que<br />
depende de uma aprovação e do reconhecimento da aquisição desse conhecimento por<br />
outro(s): o professor, pais, autoridades escolares, exames e avaliações institucionais.<br />
No atendimento educacional especializado, o aluno constrói conhecimento para si mesmo, o<br />
que é fundamental para que consiga alcançar o conhecimento acadêmico. Aqui, ele não<br />
depende de uma avaliação externa, calcada na evolução do conhecimento acadêmico, mas de<br />
novos parâmetros relativos às suas conquistas diante do <strong>desafio</strong> da construção do<br />
conhecimento.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 72 .
Portanto, os dois – escola comum e atendimento educacional especializado – precisam<br />
acontecer concomitantemente, pois um beneficia o desenvolvimento do outro e jamais esse<br />
beneficio deverá caminhar linear e seqüencialmente, como se acreditava antes.<br />
Por maior que seja a limitação do aluno com deficiência mental, ir à escola comum para<br />
aprender conteúdos acadêmicos e participar do grupo social mais amplo favorece o seu<br />
aproveitamento no atendimento educacional especializado e vice-versa. O atendimento<br />
educacional especializado é, de fato, muito importante para o progresso escolar do aluno com<br />
deficiência mental.<br />
Aqui é importante salientar que a “socialização”, justificada como único objetivo da entrada<br />
desses alunos na escola comum, especialmente para os casos mais graves, não permite essa<br />
complementação e muito menos significa que está havendo uma inclusão escolar. A<br />
verdadeira socialização, em todos os seus níveis, exige construções cognitivas e compreensão<br />
da relação com o outro. O que tem acontecido, em nome dessa suposta socialização, é uma<br />
espécie de tolerância da presença do aluno em sala de aula e o que decorre dessa situação é a<br />
perpetuação da segregação, mesmo que o aluno esteja freqüentando um ambiente escolar<br />
comum.<br />
O arranjo físico do espaço reservado ao atendimento precisa coincidir com o seu objetivo de<br />
enriquecer o processo de desenvolvimento cognitivo do aluno com deficiência mental e de<br />
oferecer-lhe o maior número possível de alternativas de envolvimento e interação com o que<br />
compõe esse espaço. Portanto, não pode reproduzir uma sala de aula comum e tradicional. O<br />
espaço físico para o atendimento educacional especializado deve ser preservado, tanto na<br />
escola especial como na escola comum, ou seja, deve ser criado e utilizado unicamente para<br />
esse fim.<br />
O tempo reservado para esse atendimento será definido conforme a necessidade de cada aluno<br />
e as sessões acontecerão sempre no horário oposto ao <strong>das</strong> aulas do ensino regular.<br />
As <strong>escolas</strong> especiais, diante dessa proposta, tornam-se espaços de atendimento educacional<br />
especializado <strong>nas</strong> diferentes deficiências para as quais foram cria<strong>das</strong> e devem guardar suas<br />
especificidades. Elas não podem justificar a manutenção da estrutura e modelo da escola<br />
comum, recebendo alunos sem deficiência – a chamada “inclusão ao contrário” – nem mesmo<br />
atender a todo o tipo de deficiência em um mesmo espaço especializado. As instituições<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 73 .
especializa<strong>das</strong> devem fazer o mesmo com suas <strong>escolas</strong> especiais e também conservar o<br />
atendimento clínico especializado.<br />
A avaliação do atendimento educacional especializado, no início e ao final do processo, tem o<br />
objetivo de conhecer o ponto de partida e o de chegada do aluno, no processo de<br />
conhecimento. Para que se possa montar um plano de trabalho para esse atendimento, o mais<br />
importante para o professor não é saber o que o aluno “não sabe”, e sim se informar sobre o<br />
que ele já conhece a respeito de um dado assunto.<br />
A terminalidade desse atendimento deve ocorrer independentemente do desempenho escolar<br />
desses alunos na escola comum, porque o que se pretende com essa complementação não se<br />
reduz ao que é próprio da escola comum.<br />
A interface entre o atendimento educacional especializado e a escola comum acontecerá<br />
conforme a necessidade de cada caso, sem a intenção primeira de ape<strong>nas</strong> garantir o bom<br />
desempenho escolar do aluno com deficiência mental, mas muito mais para que ambos os<br />
professores se empenhem em entender a maneira de esse aluno lidar com o conhecimento no<br />
seu processo construtivo. Esse esforço de entendimento conjunto não caracteriza uma forma<br />
de orientação pedagógica do professor especializado para o professor comum e vice-versa,<br />
mas a busca de soluções que venham a beneficiar o aluno de to<strong>das</strong> as maneiras possíveis e não<br />
ape<strong>nas</strong> para avançar no conteúdo escolar.<br />
Atendimento educacional especializado e o atendimento clínico<br />
Assim como o movimento inclusivo exige mudanças estruturais para as <strong>escolas</strong> comuns e<br />
especiais, ele também propõe modificações para o atendimento clínico.<br />
Da mesma forma que a educação especial se norteou pela tentativa de adaptação dos alunos<br />
visando à inserção familiar, social ou mesmo escolar, no atendimento clínico também se<br />
buscou a normalização da pessoa com deficiência mental para conviver na sociedade.<br />
Sem querer invadir o espaço reservado à clínica e aos seus especialistas, é primordial que eles<br />
acompanhem a evolução do atendimento educacional especializado, especialmente na<br />
deficiência mental. Nesse caso, a intervenção desses profissionais, buscando a normalização,<br />
caminha na direção contrária e destoa dos princípios inclusivos.<br />
A grande maioria desses especialistas fragmenta o atendimento a pessoas com deficiência,<br />
concentrando-se ape<strong>nas</strong> em suas especialidades e <strong>nas</strong> manifestações e sintomas da deficiência.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 74 .
No geral, desconsideram o que as outras áreas entendem sobre um caso e não reconhecem o<br />
atendimento prescrito por outros especialistas, ficando limitados a suas intervenções. Por se<br />
fixarem no lugar de todo o saber, não conseguem perceber/conhecer muitas capacidades e<br />
possibilidades <strong>das</strong> pessoas com deficiência, principalmente no caso dos alunos com<br />
deficiência mental.<br />
Os especialistas que se mantêm nessa posição dirigem-se aos profissionais da educação e até<br />
mesmo adentram as salas de aula para prescrever o que deve ser feito na educação escolar,<br />
infringindo os limites de seu conhecimento e agindo, na maioria <strong>das</strong> vezes, de forma<br />
dominadora diante dos professores e pais.<br />
Esse domínio acontece desde o encaminhamento dos casos, determinando quem deve ou não<br />
ser incluído, e até mesmo aconselhando os professores a adotar determina<strong>das</strong> práticas.<br />
Existem profissionais que ainda indicam o ensino especial como um substituto de um trabalho<br />
clínico, com os professores fazendo as vezes de um auxiliar de reabilitação.<br />
Se o atendimento educacional descrito é pautado na autonomia de seus alunos, deve também<br />
reconhecer e valorizar a autonomia de um saber do professor especializado. O diálogo entre<br />
diversos profissionais é necessário para o aprofundamento e para o melhor desempenho, seja<br />
do aluno, do professor ou do especialista. No entanto, o diálogo só acontece quando as partes<br />
que dialogam respeitam-se mutuamente e não assumem uma posição de superioridade de<br />
conhecimento e de dominação sobre o outro.<br />
Além disso, o atendimento educacional especializado, na construção do conhecimento, toca<br />
em questões subjetivas para o aluno, o que fatalmente acarretará conseqüências no seu<br />
desenvolvimento global e, conseqüentemente, na resposta ao atendimento clínico. O aluno é<br />
um ser indivisível, em que cada uma de suas partes interage com a outra, influenciando e<br />
determinando a condição do seu funcionamento e crescimento como pessoa.<br />
Se uma instituição especializada mantém o atendimento educacional e clínico, esses devem<br />
interagir e conversar constantemente, embora cada um mantenha os limites de suas<br />
especificidades. E mesmo naquelas <strong>escolas</strong> especiais e comuns que não têm o propósito de<br />
desenvolver o atendimento clínico, o diálogo com os especialistas é fundamental. E que esse<br />
diálogo não se estabeleça para encerrar as possibilidades do aluno, em um diagnóstico que<br />
contempla ape<strong>nas</strong> as deficiências, mas para descobrir saí<strong>das</strong> conjuntas de atuação em cada<br />
caso.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 75 .
Em suma, o atendimento clínico é essencial para o sucesso da evolução dos casos de pessoas<br />
com deficiência mental. Mas esse atendimento não deve nunca se sobrepor à educação escolar<br />
e ao atendimento educacional especializado. Todos esses três saberes: o clínico, o escolar e o<br />
especializado devem fazer suas diferentes ações convergirem para um mesmo objetivo: o<br />
desenvolvimento <strong>das</strong> pessoas com deficiência.<br />
Existem casos em que esse diálogo determina todo o tratamento, desde o encaminhamento até<br />
outras prescrições, como práticas, horários e tipos de atendimento, ou seja, um plano<br />
completo de atendimento conjunto.<br />
Esses casos acontecem, principalmente, quando a doença mental vem junto com a deficiência<br />
mental, ou quando a criança apresenta dificuldades em se identificar com os valores da escola,<br />
ou seja, quando o social representado pela escola é ameaçador para a criança. Por exemplo,<br />
quando existe uma situação de perda muita grave, como a dos pais, por exemplo, abuso<br />
sexual, agressões físicas etc.<br />
A formação de professores para o ensino regular e para o atendimento educacional<br />
especializado<br />
O atendimento educacional especializado, a partir da Constituição de 1988 e dos princípios<br />
de uma educação escolar inclusiva, deixou de ser uma terminologia diferente para designar a<br />
Educação Especial e passou a ser, de fato, o seu grande <strong>desafio</strong>. Trata-se de uma nova<br />
proposta, que marca uma grande virada no entendimento que a Educação Especial propiciará<br />
em favor da inclusão, em todos os níveis de ensino.<br />
O atendimento educacional especializado garante a inclusão escolar de alunos com<br />
deficiência, na medida em que lhes oferece o aprendizado de conhecimentos, técnicas,<br />
utilização de recursos informatizados, enfim tudo que difere dos currículos acadêmicos que<br />
eles aprenderão <strong>nas</strong> salas de aula <strong>das</strong> <strong>escolas</strong> comuns. Esse atendimento é necessário e mesmo<br />
imprescindível, para que sejam ultrapassa<strong>das</strong> as barreiras que certos conhecimentos,<br />
linguagens, recursos representam para que os alunos com deficiência possam aprender <strong>nas</strong><br />
salas de aulas comuns do ensino regular. Portanto, esse atendimento não é facilitado, mas<br />
facilitador, não é adaptado, mas permite ao aluno adaptar-se às exigências do ensino comum,<br />
não é substitutivo, mas complementar ao ensino regular.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 76 .
A partir da Constituição de 1988 e da LDBEN/1996, cabe à Educação Especial e a seus<br />
professores a realização desse atendimento, que deve continuar presente em todos os níveis de<br />
ensino – do básico ao superior – como uma modalidade de ensino.<br />
Esta nova função da Educação Especial muda muita coisa, principalmente a formação dos<br />
professores especializados, que precisa ser urgentemente revista e adequada ao que esse<br />
profissional deve conhecer para desenvolver práticas educacionais próprias do atendimento<br />
educacional especializado.<br />
A formação de professores do ensino regular precisa, então, ser retomada, visando atender<br />
aos princípios inclusivos. Essa revisão não se restringirá a incluir uma ou mais discipli<strong>nas</strong> nos<br />
cursos de formação de professores para fazê-los conhecer o que significam esses princípios e<br />
suas conseqüências na organização pedagógica <strong>das</strong> <strong>escolas</strong> comuns. Para torná-los capazes de<br />
desenvolver uma educação inclusiva, o curso de formação de professores de ensino regular<br />
tem de estar inteiramente voltado para práticas que acompanham a evolução <strong>das</strong> ciências da<br />
Educação e que não excluem qualquer aluno. O conhecimento teórico dos avanços científicos<br />
em Educação é fundamental para que esses professores possam inovar a maneira de ensinar<br />
alunos com e sem deficiência, <strong>nas</strong> salas de aula de ensino regular.<br />
Na formação dos professores especializados, o que se propõe é uma revisão do nível de<br />
graduação desses profissionais. A proposta é a de se criarem cursos de especialização lato<br />
sensu em educação de pessoas com deficiência, cada um deles focando uma <strong>das</strong> deficiências,<br />
além de diferenciar essa formação daquela para professores do ensino regular, mas a<br />
formação em ciência da Educação continua sendo a base da formação desses e de todos os<br />
professores.<br />
Nos cursos de pós-graduação lato sensu para professores de alunos com deficiência<br />
mental, a programação incluirá o conhecimento profundo dessa deficiência, do ponto de vista<br />
<strong>das</strong> diferentes áreas do conhecimento. Para esses professores especialistas, por exemplo, a<br />
maneira pela qual se adquire/constrói o saber é conteúdo fundamental de formação. Mas a<br />
essa formação tem-se de acrescentar uma parte prática, em que eles aprenderão a criar<br />
estratégias de estimulação da atividade cognitiva.<br />
A formação especializada incluirá também, além da execução, o planejamento, a seleção de<br />
atividades e a avaliação do aproveitamento dos alunos, que é básica para que os planos de<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 77 .
atendimento educacional especializado sejam constantemente reavaliados, melhorados e<br />
ajustados ao que os grupos, ou cada aluno, necessitam.<br />
A formação continuada de professores é mais uma estratégia fundamental para atualização<br />
e aprofundamento do conhecimento pedagógico comum e especializado. Esta formação,<br />
preferencialmente, acontecerá a partir dos próprios casos em atendimento, pois esse é um<br />
material vivo, que propicia uma visão subjetiva que o professor responsável pela sala de aula,<br />
ou por esse atendimento, terá para dar conta da complexidade dos alunos e do seu processo de<br />
aprendizagem. É primordial que se leve em consideração o caráter subjetivo dessa formação,<br />
para que não se caia <strong>nas</strong> malhas da generalização do atendimento, seja por patologias, por<br />
métodos, técnicas, receituários pedagógicos e/ou fornecidos por outras especialidades.<br />
Não se pretende, através dessa formação, tornar o professor especializado em deficiência<br />
mental ou em outras deficiências um profundo conhecedor de psicologia, psicanálise,<br />
sociologia, fonoaudiologia, fisioterapia ou mesmo medicina.<br />
Para a realização da formação continuada, que seja previsto um número significativo de horas<br />
para esse trabalho no cronograma e no calendário escolar, sem o que não será possível<br />
distribuir, por todo o ano letivo, o tempo necessário para a atualização teórica, o estudo e a<br />
discussão dos casos. Nessa formação haverá momentos em que só os professores estarão<br />
juntos, e também os encontros com especialistas de outras áreas.<br />
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA<br />
Este texto é parte do livro Atendimento Educacional Especializado para a Deficiência<br />
Mental, publicado pela SEESP/MEC em 2005, escrito pela autora em conjunto<br />
com a professora Maria Teresa Eglér Mantoan.<br />
Nota:<br />
1 Mestre em Ciências Sociais pela PUC – MG. Diretora da APAE de<br />
Contagem – MG.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 78 .
PROGRAMA 4<br />
TEXTO 4:<br />
O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO COMO<br />
GARANTIA DA INCLUSÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA<br />
Rita Bersch 1<br />
O ensino especial, desde a Constituição de 1988, deixou de ser substitutivo do ensino regular<br />
e passou a ser um complemento da formação dos alunos com deficiência. A educação especial<br />
deve então ministrar o atendimento educacional especializado a todos os alunos com<br />
deficiência, que dele necessitarem, de forma complementar e em turno oposto àquele que eles<br />
freqüentam na escola. O ensino especial, como modalidade de ensino, perpassa todos os<br />
níveis escolares e deve acompanhar o aluno, desde a Educação Infantil à universidade.<br />
Este texto procura mostrar o que é o atendimento educacional especializado, sua organização<br />
na escola regular, e também apresenta o conceito da tecnologia assistiva, que recentemente foi<br />
inserido no âmbito da educação brasileira.<br />
Em 2004, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão publica a cartilha intitulada O<br />
Acesso de Alunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns da Rede Regular. Este<br />
referencial, que contém uma análise da legislação pertinente à educação especial, orientações<br />
pedagógicas e práticas educacionais da educação inclusiva, fala, entre outros, do direito ao<br />
Atendimento Educacional Especializado - AEE, afirmando que ele é:<br />
“[...] aquilo que é necessariamente diferente do ensino escolar para melhor atender às<br />
especificidades dos alunos com deficiência. Isto inclui, principalmente, instrumentos<br />
necessários à eliminação de barreiras que as pessoas com deficiência têm para relacionar-<br />
se com o ambiente externo” (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, 2004).<br />
O professor especializado será aquele que trabalhará objetivando dar ao aluno com deficiência<br />
aquilo que é específico à sua necessidade educacional e que o auxiliará a romper as barreiras<br />
que o impedem de estar, interagir, participar, acessar espaços, relações e conhecimentos.<br />
Desta forma, a Educação Especial sai de uma prática substitutiva, à parte, e se transforma em<br />
uma prática complementar e interligada à escolaridade comum e a todos os <strong>desafio</strong>s que a<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 79 .
inclusão escolar impõe ao aluno com deficiência. O atendimento especializado realiza práticas<br />
educacionais específicas, como o aprendizado do BRAILLE, sorobam, orientação e<br />
mobilidade, LIBRAS, comunicação alternativa, introdução e ensino de recursos de tecnologia<br />
assistiva, entre outros.<br />
No ano de 2006 a Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação publicou o<br />
documento "Salas de Recursos Multifuncionais. Espaço do Atendimento Educacional<br />
Especializado", no qual afirma:<br />
“Salas de recursos multifuncionais são espaços da escola onde se realiza o atendimento<br />
educacional especializado para os alunos com necessidades educacionais especiais, por<br />
meio de desenvolvimento de estratégias de aprendizagem, centra<strong>das</strong> em um novo fazer<br />
pedagógico que favoreça a construção de conhecimentos pelos alunos, subsidiando-os<br />
para que desenvolvam o currículo e participem da vida escolar” (MEC, 2006).<br />
A inclusão traz consigo o <strong>desafio</strong> de não só acolhermos os alunos com deficiência, mas de<br />
garantirmos condições de acesso e de aprendizagem, em todos os espaços, programas e<br />
atividades do cotidiano escolar. Por isso, o atendimento educacional especializado aparece<br />
como garantia da inclusão.<br />
A política de inclusão desafia o sistema educacional a reestruturar-se:<br />
"A educação inclusiva, a partir do reconhecimento e valorização da diversidade como<br />
fator de enriquecimento do processo educacional, tem provocado mudanças na escola e na<br />
formação docente, propondo uma reestruturação da escola que beneficie a todos os<br />
alunos. A organização de uma escola para todos prevê o acesso à escolarização e o<br />
atendimento às necessidades educacionais especiais” (MEC, 2006).<br />
Na perspectiva da educação inclusiva, o espaço escolar deverá também se organizar como<br />
aquele que oferece o serviço de tecnologia assistiva – TA e esta prática deverá ser<br />
implementada <strong>nas</strong> salas de recursos multifuncionais:<br />
A TA é assim apresentada pela SEESP/MEC:<br />
“Tecnologia assistiva é um termo recentemente inserido na cultura educacional brasileira,<br />
utilizado para identificar todo arsenal de recursos e serviços que contribuem para<br />
proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência e<br />
conseqüentemente promover vida independente e inclusão”(MEC, 2006).<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 80 .
A TA é composta de Recursos e Serviços. O recurso é o equipamento utilizado pelo aluno e<br />
que lhe permite ou favorece o desempenho de uma tarefa. E o serviço de TA na escola é<br />
aquele que buscará resolver os problemas funcionais deste aluno, encontrando alternativas<br />
para que ele participe e atue positivamente <strong>nas</strong> várias atividades do contexto escolar.<br />
Fazer TA na escola é buscar, com criatividade, uma alternativa para que o aluno realize o que<br />
deseja ou precisa. É encontrar uma estratégia para que ele possa “fazer” de outro jeito. É<br />
valorizar o seu jeito de fazer e aumentar suas capacidades de ação e interação, a partir de suas<br />
habilidades. É conhecer e criar novas alternativas para a comunicação, a escrita, a mobilidade,<br />
a leitura, as brincadeiras e as artes, com a utilização de materiais escolares e pedagógicos<br />
especiais. É a utilização do computador como alternativa de escrita, fala e acesso ao texto. É<br />
prover meios para que o aluno possa desafiar-se a experimentar e conhecer, permitindo assim<br />
que construa individual e coletivamente novos conhecimentos. É retirar do aluno o papel de<br />
espectador e atribuir-lhe a função de ator.<br />
Será no espaço <strong>das</strong> salas de recursos, que é destinado ao atendimento especializado, na escola,<br />
que o aluno experimentará várias opções de equipamentos, até encontrar o que melhor se<br />
ajusta à sua condição e à sua necessidade. Após identificar que o aluno obteve sucesso com a<br />
utilização do recurso de TA, o professor especializado deverá providenciar que este seja<br />
transferido para a sala de aula ou permaneça com o aluno, como um material pessoal.<br />
[...] as aju<strong>das</strong> técnicas e a tecnologia assistiva constituem um campo de ação da educação<br />
especial que têm por finalidade atender o que é específico dos alunos com necessidades<br />
educacionais especiais, buscando recursos e estratégias que favoreçam seu processo de<br />
aprendizagem, habilitando-os funcionalmente na realização <strong>das</strong> tarefas escolares (MEC,<br />
2006).<br />
Os serviços de TA são geralmente de característica multidisciplinar e devem envolver<br />
profundamente o usuário da tecnologia e sua família, bem como os profissionais de várias<br />
áreas, já envolvidos no atendimento deste aluno. Fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais,<br />
fisioterapeutas e psicólogos muito poderão auxiliar os professores na busca do recurso que<br />
melhor atenda às necessidades do aluno com deficiência. Arquitetos, engenheiros,<br />
marceneiros e demais pessoas criativas poderão ser parceiros, fazendo parte da equipe de TA.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 81 .
A TA se organiza em modalidades e esta forma de classificação varia conforme diferentes<br />
autores que trabalham com o tema. Podemos citar como modalidades importantes para a<br />
inclusão educacional de alunos com deficiência:<br />
• Auxílios para a vida diária e vida prática – materiais pedagógicos e escolares especiais.<br />
• Comunicação aumentativa e alternativa.<br />
• Recursos de acessibilidade ao computador.<br />
• Adequação postural (mobiliário e posicionamento) e mobilidade.<br />
• Recursos para cegos ou pessoas com visão subnormal.<br />
• Recursos para surdos ou pessoas com déficits auditivos.<br />
• Projetos arquitetônicos para acessibilidade.<br />
• Adaptações em veículos escolares para acessibilidade.<br />
São exemplos de TA na escola os lápis, as canetas e os pincéis engrossados; adaptações que<br />
facilitam virar pági<strong>nas</strong>; mobiliário adequado e personalizado; pranchas de comunicação<br />
alternativa; material pedagógico ampliado ou em relevo; impressões em Braille; lupas;<br />
máquina Braille; teclados especiais que facilitam acesso na deficiência física, mouses<br />
alternativos, softwares com acessibilidade, entre outros. Adaptações arquitetônicas como<br />
rampas e elevadores; sinalizações visuais e em Braille e portas largas são importantes fatores<br />
de acessibilidade, bem como adaptações veiculares, como plataformas de embarque para<br />
acesso autônomo de cadeirantes.<br />
Fotografias de Recursos de TA<br />
Materiais escolares e pedagógicos especiais – Baixa tecnologia<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 82 .
Prancha de comunicação impressa Vocalizador – Prancha com voz<br />
Acesso alternativo ao computador: Teclado IntelliKeys, PlugMouse e acionador de pressão<br />
Atuando com a tecnologia assistiva na escola o professor especializado:<br />
· Atuará de forma colaborativa com o professor da classe comum para definições de<br />
estratégias pedagógicas que favoreçam o acesso do aluno ao currículo;<br />
· Identificará, apoiado pela equipe, qual o melhor recurso de TA considerando a necessidade<br />
educacional de seu aluno;<br />
· Capacitará o aluno a utilizar o recurso de TA;<br />
· Trabalhará em parceria com a escola para que o recurso de TA seja implementado na sala de<br />
aula comum, sempre que necessário;<br />
· Levará formação e informações aos professores da escola comum e buscará apoios da equipe<br />
diretiva da escola;<br />
· Realizará ações compartilha<strong>das</strong> com as famílias, buscando sua participação no processo<br />
educacional e,<br />
· Estabelecerá contatos de parcerias com outros profissionais e instituições, também<br />
envolvi<strong>das</strong> com o atendimento de seu aluno, para a implementação do projeto.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 83 .
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
ALVES, Denise de O. Sala de Recursos Multifuncionais: Espaço para o Atendimento<br />
Educacional Especializado. Brasília: Ministério da Educação. Secretaria de<br />
Educação Especial, 2006.<br />
Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos. O Acesso dos alunos com Deficiência<br />
Crédito de fotografias<br />
às Escolas e Classes Comuns da Rede Regular. Ministério Público Federal:<br />
Fundação Procurador Pedro Jorge de Melo e Silva. 2ª ed. Brasília, 2004.<br />
Fotografias: Recursos de tecnologia assistiva desenvolvidos no CEDI – Centro Especializado<br />
em Desenvolvimento Infantil de Porto Alegre – RS.<br />
Fotografias de crianças: CEDI – Centro Especializado em Desenvolvimento Infantil, Porto<br />
Alegre, RS. www.cedionline.com.br<br />
Fotografias extraí<strong>das</strong> de sites:<br />
www.attainmentcompany.com<br />
www.clik.com.br<br />
www.expansao.com<br />
Nota:<br />
Fisioterapeuta, especialista em reeducação <strong>das</strong> funções neuro-motoras,<br />
consultora em tecnologia assistiva pela CSUN – Califórnia State University<br />
Northridge, diretora do CEDI- Centro Especializado em Desenvolvimento<br />
Infantil – Porto Alegre, RS.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 84 .
PROGRAMA PROGRAMA 5<br />
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A INCLUSÃO E O ACESSO<br />
AO ENSINO SUPERIOR<br />
Texto 1: A formação dos professores no contexto de uma escola aberta<br />
às <strong>diferenças</strong><br />
Maria Terezinha C.Teixeira dos Santos 1<br />
“O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito do mundo, é isto: que as pessoas não<br />
estão sempre iguais, ainda não foram termina<strong>das</strong> – mas que elas vão sempre mudando.<br />
Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou.” (João Guimarães<br />
Rosa)<br />
Iniciar a reflexão em favor de uma escola aberta às <strong>diferenças</strong> através da sensibilidade do<br />
mestre Guimarães Rosa é privilégio. A citação acima remete à beleza da diversidade humana:<br />
ao mundo concreto, feito de gente de carne e osso.<br />
Em termos de escola, Mantoan (2003) assim se expressa: “Os alunos não são virtuais,<br />
objetos categorizáveis. Eles existem de fato, são pessoas que provêm de contextos culturais<br />
os mais variados, representam diferentes segmentos sociais, produzem e ampliam<br />
conhecimentos e têm desejos, aspirações, valores, sentimentos e costumes com os quais se<br />
identificam”.<br />
Eis, portanto, o território escola, espaço e tempo do fazer educação em ritmo de diversidade.<br />
Há que se abominar pensares e fazeres abstratos que predefinem o ser humano,<br />
consubstanciados nos padrões de um tecnicismo mecanicista, contornos fragmentados do<br />
paradigma da Ciência Moderna, entendida aqui como a racionalidade totalitária construída a<br />
partir dos séculos 15 e 16 e hegemônica até os dias atuais.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 85 .
Uma Escola para Todos significa abertura total às <strong>diferenças</strong> huma<strong>nas</strong> e representa, ao mesmo<br />
tempo, uma transformação radical na escola existente atual, que é excludente, pois não<br />
enxerga cada aluno como um ser concreto.<br />
O mais incrível que acontece na realidade (e nessa hora dá para pensar que a realidade supera<br />
a ficção!) é que a escola ainda existente insiste, teimosamente, em ser a mesma através dos<br />
séculos e séculos, embora os tempos mutáveis se alterem em velocidade vertiginosa.<br />
A própria preocupação em adjetivar a escola ou a educação como inclusiva é sintoma maior<br />
da exclusão existente, pois se o adjetivo é necessário, isso significa que a discriminação, o<br />
preconceito, a padronização engessante estão presentes. É preciso caminhar em direção a uma<br />
educação simplesmente escolar, significando com isso que existe uma escola de qualidade<br />
para todos, de fato e de direito.<br />
ESCOLA com letras maiúsculas, acolhendo Todos e onde a inclusão é inerente em seu ethos,<br />
e com isso estará beneficiando cada aluno, deficiente ou não.<br />
O texto da Cartilha publicada pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (2004)<br />
enriquece a reflexão, dizendo:<br />
“A inclusão é um <strong>desafio</strong> que, ao ser devidamente enfrentado pela escola comum, provoca<br />
a melhoria da qualidade da Educação Básica e Superior, pois, para que os alunos com e<br />
sem deficiência possam exercer o direito à educação em sua plenitude, é indispensável que<br />
essa escola aprimore suas práticas, a fim de atender às <strong>diferenças</strong>. Esse aprimoramento é<br />
necessário, sob pena de os alunos passarem pela experiência educacional sem tirar dela o<br />
proveito desejável, tendo comprometido um tempo que é valioso e irreversível em suas<br />
vi<strong>das</strong>: o momento do desenvolvimento”.<br />
“A transformação da escola não é, portanto, uma mera exigência da inclusão escolar de<br />
pessoas com deficiência e/ou dificuldades de aprendizado. Assim sendo, ela deve ser<br />
encarada como um compromisso inadiável <strong>das</strong> <strong>escolas</strong>, que terá a inclusão como<br />
conseqüência.”<br />
É interessante assinalar que o perfil de uma escola de qualidade para todo e qualquer tipo de<br />
aluno possui as mesmas características assinala<strong>das</strong> de uma escola inclusiva e que o modelo<br />
atual da escola existente está longe de preenchê-lo. Por que será?<br />
Uma <strong>das</strong> razões mais fortes consiste na teimosia em não enxergar as <strong>diferenças</strong>. A escola<br />
continua a trabalhar com um padrão único (e aí, ela jamais será de Todos e sim de alguns!).<br />
No cotidiano, o que predomina é o ritual do regular em espaços e tempos formatados,<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 86 .
métodos e técnicas inflexíveis, planejamentos e avaliações modelizados, contribuindo mais e<br />
mais para a indiferença que anula <strong>diferenças</strong> e se alastra no pisoteamento de seres humanos.<br />
E aí? Como fica o professor nesse cenário? A escola é feita por pessoas huma<strong>nas</strong> e<br />
principalmente os professores que a vivenciam são a mola mestra <strong>das</strong> transformações<br />
necessárias e <strong>das</strong> características existentes.<br />
Viver a realidade complexa e vivenciar as <strong>diferenças</strong> vai exigir um perfil de professor, como<br />
pessoa em desenvolvimento, possibilidade, ser de esperança no dizer de Paulo Freire e,<br />
portanto, projeto de vida, de escola e de educação.<br />
Esse professor concreto, também de carne e osso, não pode categorizar os alunos, nem<br />
qualquer pessoa, de forma apriorística, separando-os em fracos, médios e fortes.<br />
O professor precisa acreditar que o aluno não é “estaca zero” e que a construção do<br />
conhecimento é de uma riqueza ímpar, pois as identidades culturais mutantes a fertilizam.<br />
Na escola aberta às <strong>diferenças</strong>, o papel do professor não é de regular, mas sim de qualificar.<br />
Dessa forma, ele não pode eliminar as <strong>diferenças</strong>, em nome de uma pseudo-igualdade.<br />
Cabe ao professor a tarefa de mediar, desafiar, oportunizar, utilizando técnicas de construção<br />
de conhecimento e, para isso, precisa saber fazer intervenções pedagógicas coerentes e<br />
consistentes aos processos em movimento.<br />
Esse perfil desenhado para o professor, necessário na escola de todos, parece de um super-<br />
herói. Mas não é verdade. É perfil de uma existência concreta. Não existem seres prontos e<br />
formatados para nenhuma situação. O que existe, sim, são pessoas em construção e que<br />
precisam estar estudando sempre, repartindo experiências e expondo as dificuldades e<br />
<strong>desafio</strong>s num coletivo escolar que irá ajudar na busca do saber fazer diversificado.<br />
Com esse perfil de professor, como se configura essa formação? O processo para construir o<br />
professor de uma escola aberta às <strong>diferenças</strong> não passa pelos mesmos caminhos instalados <strong>nas</strong><br />
formações iniciais e em serviço da escola atual.<br />
Seria mesmo ingenuidade, ou até mesmo loucura, querer conseguir resultados diferentes e<br />
insistir em fazer as coisas do mesmo jeito que sempre foram feitas. Como garantir a<br />
construção de conhecimento em aulas expositivas meramente transmissivas, que marcam as<br />
<strong>escolas</strong> formadoras de professores?<br />
Nesse sentido, as políticas de formação de professores precisam ser altera<strong>das</strong> radicalmente,<br />
pois perfis ativos e interativos não são construídos com as velhas práticas da academia.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 87 .
Como pensar um professor que contemple as <strong>diferenças</strong>, gestado num formato padrão,<br />
modelizado e apriorístico? Como acreditar que os professores irão estudar sempre, buscar e<br />
pesquisar conhecimentos numa formação passiva com conteúdos pedagógicos fechados e<br />
prontos?<br />
As indagações são óbvias, mas o incrível é que as políticas públicas de formação de<br />
professores, ainda utilizam:<br />
•Cursos esporádicos e eventos periódicos que não desenvolvem processos sistemáticos de<br />
estudo e que ape<strong>nas</strong> pontuam de quando em quando reflexões pedagógicas, muitas vezes de<br />
forma transmissiva e não ativas e interativas;<br />
•Esquemas multiplicadores, que consistem em treinar ape<strong>nas</strong> alguns professores, os quais se<br />
incumbem de repassar a outros as informações que obtiveram nos respectivos cursos, de<br />
forma mecânica e que não envolvem sujeitos de aprendizagem;<br />
•Pacotes prontos de metodologias e técnicas de educação, como mera novidade de consumo e<br />
de modismos inconseqüentes;<br />
•Aulas tradicionais no esquema bancário (expressão cunhada por Paulo Freire) e que<br />
consagram a passividade e a hierarquia do saber;<br />
•Planejamentos únicos e modelizados em ensinamentos de Didática que ainda acreditam em<br />
alunos proclamados iguais <strong>nas</strong> salas de aula, e que não contemplam as <strong>diferenças</strong>.<br />
Políticas de formação de professores dessa natureza precisam ser elimina<strong>das</strong> e há necessidade<br />
de articular outras escolhas e prioridades no território de uma escola para todos, construindo<br />
uma Política Pública significativa rumo à escola aberta às <strong>diferenças</strong>.<br />
Torna-se fácil identificar a existência de uma preocupação de tal natureza: em primeiro lugar,<br />
constatar o investimento financeiro proposto e realizado para a formação dos professores:<br />
maciço ou tímido? Prioridades são concretas e não abstrações vagas, e em um orçamento, por<br />
mais incrível que pareça, os percentuais aqui aplicados não são os custos mais altos. Despesas<br />
com transporte, infra-estrutura, alimentação e outros tópicos de consumo são muito mais<br />
onerosos.<br />
Em segundo lugar, os processos de formação precisam estar atrelados a esquemas ativos,<br />
interativos, com articulação entre teoria e prática, realizados através de estudos dinâmicos,<br />
vivenciados por todos os professores: viabilização de horários de estudos<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 88 .
semanais/quinzenais/mensais remunerados, configurando-se como espaços e tempos<br />
operacionais de fato.<br />
Outra característica nesse processo é a preocupação com plano de cargos, funções, carreira<br />
para valorização do professor e possibilidade de reflexões e estudos sistemáticos<br />
acompanhados de monitoramento e avaliação dos respectivos desempenhos.<br />
A gestão escolar aparece aqui como necessidade a ser priorizada: investimentos na formação e<br />
gerenciamento devem ser adotados, evitando amadorismos na liderança e no desenvolvimento<br />
dos projetos político-pedagógicos de cada escola.<br />
A criação e manutenção de infra-estrutura material e pedagógica é também fator de base na<br />
construção de conhecimentos, com preocupação na acessibilidade e desenvolvimento de<br />
diferentes linguagens para to<strong>das</strong> as pessoas.<br />
O Atendimento Educacional Especializado é outra prioridade de políticas públicas<br />
comprometi<strong>das</strong> com a inclusão de todos. A legislação solicita que ele seja oferecido em todos<br />
os níveis de ensino, de preferência <strong>nas</strong> <strong>escolas</strong> comuns, em caráter complementar e não para<br />
substituir a escola regular.<br />
A existência de todos esses indicadores irá sinalizar uma efetiva preocupação com a Escola de<br />
Todos, e na medida em que providências concretas forem toma<strong>das</strong>, a realidade irá se<br />
configurando com qualidade e excelência. Em cada canto da escola, em cada sala de aula, é<br />
preciso que sejam, de acordo com Santos (2006):<br />
- excluí<strong>das</strong> as práticas que dividem conteúdos, cadernos, horários, saberes;<br />
- elimina<strong>das</strong> as roti<strong>nas</strong> inalteráveis, livros prontos, ditados e pontos a serem copiados, pois são<br />
mortes de iniciativa;<br />
- suprimi<strong>das</strong> as discipli<strong>nas</strong> estanques, discipli<strong>nas</strong> mais valoriza<strong>das</strong> que outras, e as grades<br />
curriculares inflexíveis;<br />
- extintas as práticas pedagógicas discriminatórias, as tarefas não comuns a todos;<br />
- abolidos os planos de aula únicos e fixos;<br />
- bani<strong>das</strong> as salas inteiramente homogeneiza<strong>das</strong> ou supostamente heterogêneas, segmenta<strong>das</strong><br />
em grupos fortes, fracos e médios;<br />
- aboli<strong>das</strong> as misturas inconseqüentes de métodos, procedimentos e intervenções equivoca<strong>das</strong><br />
de professores inseguros e despreparados;<br />
- exterminados os espaços padronizados;<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 89 .
- proscritas as avaliações arquiteta<strong>das</strong> e elabora<strong>das</strong> em função de erros e de castigos;<br />
- dissolvi<strong>das</strong> as solidões pedagógicas dos professores pelo exercício do estudo em grupo e<br />
pela troca contínua de experiências;<br />
- extintas as <strong>escolas</strong> que não sabem o que querem, cuja proposta é só de papel.<br />
Quando to<strong>das</strong> essas práticas existem realmente vivencia<strong>das</strong> em ritmo de aprendizagem e<br />
como verdadeiro processo de formação em serviço (as <strong>escolas</strong> e sistemas de ensino, que já<br />
estão implementando, que o digam!), a indisciplina escolar cai a níveis assustadores, as<br />
competições são diluí<strong>das</strong>, as discriminações esvazia<strong>das</strong>, os preconceitos desmontados, e<br />
principalmente não há lugar para a Síndrome do Ainda Não, expressão batizada por Santos<br />
(2006), e que acomete a maioria dos professores e <strong>escolas</strong> na busca de alguma desculpa para<br />
não trabalhar com as <strong>diferenças</strong>. Essa Síndrome está explicitada na atitude de recusa a receber<br />
crianças, deficientes ou não, com a justificativa de que ainda não estão preparados para a<br />
inclusão. Esse Ainda Não é quase um sinônimo de um Não definitivo, que para não ser dado<br />
de forma ostensiva, ganha o formato de uma pseudo-provisoriedade.<br />
O <strong>desafio</strong> de construir uma escola diferente que contemple as <strong>diferenças</strong> está convalidado.<br />
Pode-se, enfim, sacramentar ainda mais uma razão para uma escola de todos, com o pensar de<br />
Ítalo Calvino, escritor do século 20 que, ao tentar argumentar porque as pessoas devem ler as<br />
obras clássicas, termina com um raciocínio simples e brilhante: Diz ele: “ler os clássicos é<br />
melhor do que não ler”.<br />
Mãos à obra: o mundo nos convida a estarmos fazendo uma escola no século 21. Fazer uma<br />
Escola para Todos, com certeza, é melhor do que não fazer. Pode crer!!!<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
BRASIL. Ministério Público Federal. Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. O<br />
acesso de pessoas com deficiência às classes e <strong>escolas</strong> comuns da rede regular<br />
de ensino. Brasília, DF: 2003.<br />
CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos? São Paulo: Companhia <strong>das</strong> Letras, 1993.<br />
MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Ser ou estar, eis a questão. Compreendendo o déficit<br />
intelectual. Rio de Janeiro: WVA Editores, 1997.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 90 .
________________________ (org.). Pensando e fazendo educação de qualidade. São<br />
Paulo: Editora Moderna, 2001.<br />
_________________________ .Inclusão Escolar : o que é? por quê? como fazer? São<br />
Paulo: Editora Moderna, 2003.<br />
MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Portugal: Publicações Europa-América,<br />
1994.<br />
_______________. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo:<br />
Cortez, 2000.<br />
SANTOS, Maria Terezinha C.Teixeira dos. Bem-vindo à escola: a inclusão <strong>nas</strong> vozes<br />
do cotidiano. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2006.<br />
______________________________. Caminhos interrompidos? Descontinuidades/<br />
continuidades: uma análise de políticas públicas em educação. In: Caminhos<br />
pedagógicos da inclusão. MANTOAN, Maria Teresa Eglér (org.). São Paulo:<br />
Editora Memnon/Edições Científicas, 2002.<br />
Nota:<br />
Professora e coordenadora do Mestrado em Educação da Universidade Vale<br />
do Rio Verde (UninCor) de Três Corações – MG. Ocupa pela terceira vez o<br />
cargo de Secretária Municipal de Educação e Cultura dessa cidade.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 91 .
PROGRAMA 5<br />
TEXTO 2:<br />
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A INCLUSÃO E O ACESSO<br />
AO ENSINO SUPERIOR<br />
Rita Vieira de Figueiredo 1<br />
Gosto de pensar na formação de professores (inspirada no poema de Guimarães Rosa) sob a<br />
perspectiva de que o belo da vida é essa possibilidade de que todos nós somos inacabáveis,<br />
estamos sempre mudando, afinando (acertando) e desafinando (errando). Essa talvez seja a<br />
Verdade Maior e um aprendizado da própria existência, da própria vida.<br />
O permanente movimento na sociedade humana implica o redimensionamento de papéis <strong>das</strong><br />
agências ou instituições sociais e dos profissionais que as integram. Nesse contexto, a<br />
formação de professores passa por uma redefinição <strong>das</strong> competências e <strong>das</strong> principais funções<br />
a eles atribuí<strong>das</strong>. A formação inicial, bem como a formação continuada de professores,<br />
visando à inclusão de todos os alunos e ao acesso deles ao ensino superior, precisa levar em<br />
conta princípios de base que os instrumentalizem para a organização do ensino e a gestão da<br />
classe, bem como princípios éticos, políticos e filosóficos que permitam a esses profissionais<br />
compreenderem o papel deles e da escola frente ao <strong>desafio</strong> de formar uma nova geração<br />
capaz de responder às deman<strong>das</strong> do nosso século. No que consiste a educação, o cotidiano da<br />
escola e da sala de aula exige que o professor seja capaz de organizar as situações de<br />
aprendizagem considerando a diversidade de seus alunos. Essa nova competência implica a<br />
organização dos tempos e dos espaços de aprendizagem, nos agrupamentos dos alunos e nos<br />
tipos de atividades para eles planeja<strong>das</strong>. Dentre outros aspectos do ensino e da gestão da<br />
classe, oferecer uma variedade e uma seqüenciação organizada de atividades facilita a<br />
possibilidade de realizar um programa educativo adaptado às necessidades reais de seus<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 92 .
alunos, para que possam adquirir e consolidar suas aprendizagens. Nesta perspectiva de<br />
ensino, o professor situa-se como mediador, considerando aspectos tais como: atenção às<br />
<strong>diferenças</strong> dos alunos; variação de papéis que o professor assume, diferentes situações de<br />
aprendizagem; a organização dos alunos de forma que se possibilitem interações em<br />
diferentes níveis, de acordo com os propósitos educativos (grupo-classe, grupos pequenos,<br />
grupos maiores, grupos fixos).<br />
Para ser capaz de se situar numa nova organização de ensino e de gestão da classe, o professor<br />
precisa redimensionar seu sistema de crenças e valores. Dentre as diversas crenças que<br />
respaldam as práticas pedagógicas, ainda é muito forte a idéia de controle, especialmente no<br />
que se refere ao espaço. As mesas e as cadeiras são organiza<strong>das</strong> de forma que todos dirijam o<br />
olhar para a professora que, na maioria <strong>das</strong> vezes, está na frente dando as orientações do que<br />
os alunos devem fazer e, quase sempre, utilizando o quadro. Os materiais não ficam ao<br />
alcance <strong>das</strong> crianças, a professora controla o material e a forma como espaço é organizado. O<br />
espaço é realmente um elemento essencial da abordagem educacional. É preciso revisitar essa<br />
noção de espaço educativo: espaço em torno da escola e da cidade; espaço hospitaleiro e<br />
acolhedor; espaço apropriado para diferentes idades e níveis de desenvolvimento; espaço<br />
organizado e espaço ativo; espaço que documenta; espaço que ensina. Compreender esse<br />
espaço é compreender uma gama de possibilidades, partindo da prática educativa dos<br />
professores.<br />
Para ser capaz de organizar situações de ensino e de gestar o espaço da sala de aula com o<br />
intuito que todos os alunos possam ter acesso a to<strong>das</strong> as oportunidades educacionais e sociais<br />
ofereci<strong>das</strong> pela instituição escolar, este professor deve ter consciência de que o ensino<br />
tradicional deverá ser substituído por uma pedagogia de atenção à diversidade.<br />
O paradigma de escola que inclui remete à reflexão de conceitos relativos à diversidade e à<br />
diferença. É importante assinalar – embora pareça óbvio – que diversidade e diferença são<br />
manifestações eminentemente huma<strong>nas</strong>, elas resultam <strong>das</strong> <strong>diferenças</strong> raciais e culturais, e<br />
também <strong>das</strong> respostas dos indivíduos relativamente à educação <strong>nas</strong> salas de aula. A<br />
diversidade é tão natural quanto a própria vida. Essa diversidade é formada pelo conjunto de<br />
singularidades, mas também pelas semelhanças, que une o tecido <strong>das</strong> relações sociais.<br />
Entretanto, parece que, na tentativa de garantir a promoção da igualdade, a escola está<br />
confundindo <strong>diferenças</strong> com desigualdades. Aquelas são inerentes ao humano, enquanto estas<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 93 .
são socialmente produzi<strong>das</strong>. As <strong>diferenças</strong> enriquecem, ampliam, são desejáveis para a<br />
identificação/diferenciação, por conseguinte, contribuem para o crescimento. As<br />
desigualdades, ao contrário, produzem inferioridade.<br />
A escola, para se tornar inclusiva, deve acolher todos os seus alunos, independentemente de<br />
suas condições sociais, emocionais, físicas, intelectuais, lingüísticas, entre outras. Ela deve ter<br />
como princípio básico desenvolver uma pedagogia capaz de educar e incluir todos, aqueles<br />
com necessidades educacionais especiais e também os que apresentam dificuldades<br />
temporárias ou permanentes na escola, pois a inclusão não se aplica ape<strong>nas</strong> aos alunos que<br />
portam algum tipo de deficiência.<br />
Na compreensão de Booth e Ainscow (2000), a inclusão e a exclusão exprimem-se por três<br />
dimensões inter-relaciona<strong>das</strong>. São elas: política inclusiva, cultura inclusiva e práticas<br />
inclusivas. A primeira refere-se à inclusão como o centro do desenvolvimento e de<br />
transformação da escola, permeando to<strong>das</strong> as ações que visem à melhoria da aprendizagem e à<br />
participação de todos os alunos. Com efeito, são considera<strong>das</strong> como apoio às atividades que<br />
ampliem e fortaleçam a capacidade da escola de responder, de forma eficaz, à diversidade dos<br />
seus alunos.<br />
A dimensão da cultura inclusiva traz a possibilidade de se criar na escola uma comunidade<br />
acolhedora e colaboradora, em que todos sejam respeitados e valorizados. A comunidade<br />
inclusiva é a base para que todos os alunos obtenham êxito em suas aprendizagens.<br />
A dimensão <strong>das</strong> práticas educativas reflete as duas já apresenta<strong>das</strong>: a política e a cultural. Este<br />
aspecto assegura que to<strong>das</strong> as atividades, tanto as de sala de aula como as extra-escolares,<br />
promovam a participação e o engajamento de todos os alunos, considerando os seus<br />
conhecimentos e as suas vivências dentro ou fora do âmbito escolar. Nesta perspectiva, o<br />
ensino e os apoios se integram, a fim de promover, gerir e suprir barreiras <strong>nas</strong> aprendizagens,<br />
bem como <strong>nas</strong> dificuldades de participação efetiva do todos os alunos <strong>nas</strong> práticas<br />
pedagógicas. De acordo com Booth e Ainscow (2000), a mudança necessária para tornar a<br />
escola inclusiva transita pelas três dimensões. Deste modo, é o desenvolvimento de uma<br />
cultura inclusiva que possibilita mudanças na política e, conseqüentemente, <strong>nas</strong> práticas<br />
pedagógicas. Assim, é fundamental olhar para escola na sua totalidade e articular as práticas<br />
educativas e intervenções na óptica destas dimensões.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 94 .
Para que a diversidade <strong>nas</strong> práticas educativas se efetive, se faz necessário um clima global<br />
sensível, que possibilite melhorar a situação de cada membro da comunidade educativa,<br />
pautada no compromisso e <strong>nas</strong> atitudes, em que aluno e professor se percebam partícipes de<br />
uma comunidade onde possam encontrar apoio mútuo.<br />
No percurso da inclusão, os professores irão ampliar e elaborar suas competências e<br />
habilidades a partir <strong>das</strong> experiências que já têm. A formação continuada considera a<br />
formulação dos conhecimentos do professor, sua prática pedagógica, seu contexto social, sua<br />
história de vida, suas singularidades e os demais fatores que o conduziram a uma prática<br />
pedagógica acolhedora.<br />
Nessa perspectiva, os professores também são aprendentes. Leva-se em conta a diversidade e<br />
as <strong>diferenças</strong> que compõem o corpo docente da escola. É neste lugar que o professor avança<br />
no modo de produzir a sua ação e, assim, vai transformando a sua prática. É importante<br />
considerar o ponto de vista de cada professor, respeitar as <strong>diferenças</strong> de percursos, pois,<br />
apesar de estes profissionais compartilharem experiências semelhantes, cada um reage de<br />
acordo com as características de sua personalidade, seus recursos intelectuais, emocionais,<br />
afetivos, seu estilo de aprendizagem, crenças, experiências pessoais e profissionais, entre<br />
outras. É importante ter uma escuta da prática pedagógica destes profissionais, criar situações<br />
para que possam refletir sobre o que significa aquela forma de atuar em sala de aula. Portanto,<br />
não se pode esperar que, na formação dos professores, todos desenvolvam no mesmo ritmo e<br />
no mesmo nível to<strong>das</strong> as competências necessárias ao trabalho profissional.<br />
Com bases nos princípios da escola inclusiva, a formação dos professores só poderá acontecer<br />
inscrita no espaço coletivo, que possibilitará uma mudança de cultura na escola, criando<br />
mecanismos para o desenvolvimento de uma cultura colaboradora, em que a reflexão sobre o<br />
próprio trabalho pedagógico seja um de seus componentes. Assim, diversidade implica<br />
também vias formativas, que contemplam aspectos teóricos, práticos e atitudinais. A atenção<br />
ao princípio da diversidade assegura que todos os alunos possam dividir um espaço de<br />
aprendizagem, de interação e cooperação, no qual professores, alunos, adultos, crianças e<br />
famílias possam conviver com semelhanças e <strong>diferenças</strong>, o que legitima o contexto da<br />
diversidade.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 95 .
Nota:<br />
Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará.<br />
Doutora (Ph.D) em Psicopedagogia pela Université Laval, Quebec, Canadá.<br />
Texto para Leitura Complementar<br />
Ambientes Inclusivos na Universidade: Todos Nós – Unicamp Acessível<br />
Contexto<br />
M. Cecília C. Baranauskas 1<br />
Em dezembro de 2003, vi-me frente ao <strong>desafio</strong> de pensar um projeto de pesquisa,<br />
desenvolvimento e formação que buscasse entender, propor e desenvolver espaços inclusivos<br />
no contexto da Universidade. Foi assim que, em parceria com a Profa. M. Teresa E. Mantoan,<br />
da Faculdade de Educação, e com apoio da Pró-Reitoria de Pós-Graduação (PRPG), Pró-<br />
Reitoria de Pesquisa (PRP) e Pró-Reitoria de Desenvolvimento Universitário (PRDU) de<br />
nossa universidade (Universidade Estadual de Campi<strong>nas</strong> - UNICAMP), propusemos à<br />
CAPES o projeto “Acesso, Permanência e Prosseguimento da Escolaridade de Nível Superior<br />
de Pessoas com Deficiência: Ambientes Inclusivos”.<br />
O Projeto tem como norte buscar soluções que garantam aos alunos com deficiência o direito<br />
de realizar seus estudos de nível superior em ambientes inclusivos de ensino e aprendizagem.<br />
É claro que o objetivo do Projeto é ambicioso e complexo e esforços de pesquisa e<br />
colaboração interdisciplinar são necessários para tratar tal complexidade. Atualmente o<br />
Projeto conta com o envolvimento de pesquisadores, professores e alunos dos cursos de pós-<br />
graduação stricto sensu da Unicamp, sediados na Faculdade de Educação (FE) e no Instituto<br />
de Computação (IC); pesquisadores, professores e especialistas do Centro de Estudos e<br />
Pesquisas em Reabilitação Professor Dr. Gabriel Porto, da Faculdade de Ciências Médicas<br />
(CEPRE/FCM), alunos e pesquisadores de outras unidades da Unicamp, tais como a<br />
Faculdade de Engenharia Mecânica, Elétrica, a Faculdade de Engenharia Civil e Arquitetura,<br />
o Núcleo de Informática Aplicada à Educação, entre outras.<br />
Para pensar um ambiente inclusivo na Universidade, o projeto estabeleceu, já em sua<br />
concepção, uma simbiose com o Laboratório de Acessibilidade da Biblioteca Central César<br />
Lattes da Unicamp (LAB/BCCL). O LAB foi inaugurado em 2002, como resultado de<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 96 .
Projetos Fapesp 2 de infra-estrutura, que possibilitaram a criação de uma sala de acesso à<br />
informação e um laboratório de apoio didático. O LAB foi uma resposta inicial da<br />
Universidade para a necessidade de adequar o ensino superior à legislação brasileira 3 vigente,<br />
que propõe o acesso <strong>das</strong> pessoas com deficiências a todos os níveis de ensino público e<br />
privado. Nesse Laboratório, promovem-se situações cujo enfoque é estimular a autonomia e a<br />
independência acadêmica dos usuários, a produção de material adaptado, além do<br />
desenvolvimento e aplicação de softwares destinados a usuários com deficiência,<br />
especialmente para aqueles com problemas físicos e sensoriais.<br />
A multiplicidade de temas envolvida no Projeto, que abrange desde aspectos de mobilidade, a<br />
aspectos comunicacionais e de legislação, não pode prescindir de uma equipe interdisciplinar<br />
e de um espaço aglutinador como o que o LAB oferece. O espaço físico, entretanto, faz-se<br />
cada vez mais acompanhar dos espaços virtuais na World Wide Web. A Internet já possibilita<br />
uma extensão atemporal de nossos escritórios, salas de estar, laboratórios, aulas... Os alunos<br />
já não precisam dirigir-se à Diretoria Acadêmica ou à Secretaria para buscarem formulários e<br />
fazerem suas matrículas, consultarem calendários de aulas e catálogos de cursos. Eles<br />
tampouco precisam ir fisicamente à Biblioteca para localizar livros de interesse, obter teses e<br />
artigos publicados em periódicos científicos. Pensar ambientes inclusivos na Universidade<br />
passa também, e principalmente, pela criação de espaços de acesso ao conhecimento, e esse se<br />
faz cada vez mais via Web. Em particular, o modelo adotado para o design e desenvolvimento<br />
de um espaço inclusivo do projeto na Web baseia-se nos princípios do Design Universal e é<br />
projetado a partir da perspectiva inclusiva de participação <strong>das</strong> várias partes interessa<strong>das</strong>,<br />
incluindo-se aí pessoas com diferentes tipos de deficiência – Design Participativo.<br />
Pressupostos para o Design de Ambientes Virtuais Inclusivos<br />
Voltando ao tema de nosso Projeto, “Acesso, Permanência e Prosseguimento da Escolaridade<br />
de Nível Superior de Pessoas com Deficiência: Ambientes Inclusivos”, vale aqui uma<br />
retomada dos significados subjacentes à acessibilidade como qualidade do que é acessível,<br />
para se ter em conta as dimensões envolvi<strong>das</strong> nesta empreitada. Há que se considerar o<br />
aspecto do acesso físico (a um local, uma rede, por exemplo), o econômico (de valor, que tem<br />
custo associado), o da aproximação e comunicação, o aspecto da inteligibilidade: aquilo que<br />
pode ser facilmente compreendido.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 97 .
Como pensar o acesso ao conhecimento a todos, independentemente de suas capacidades?<br />
Essa questão convida-nos a uma reflexão em vários níveis: no nível conceitual, buscando<br />
fundamentos em abordagens inclusivas para a criação de tecnologias da informação e<br />
comunicação; no nível metodológico, buscando novos modelos de práticas que pensem o uso<br />
da tecnologia e suas interfaces segundo uma visão sociotécnica; no nível de formação de<br />
nossos profissionais, repensando o currículo de forma alinhada às necessidades que essa<br />
realidade nos coloca. Certamente, soluções devem ser construí<strong>das</strong> por e com seus próprios<br />
atores: comunidade acadêmica a par e passo com o aluno e as organizações universitárias.<br />
Os pressupostos básicos para um ambiente inclusivo, em nossa visão, envolvem o conceito de<br />
design universal e são centrados em práticas participativas e na construção compartilhada de<br />
significados. Entendemos por design todo o processo de criação de um produto (conceito,<br />
projeto, engenharia, métodos e artefatos etc.), no nosso caso, um sistema computacional<br />
interativo, um sistema educacional. Designers são todos os envolvidos nesse processo<br />
(equipes multidisciplinares de desenvolvimento e criação, partes interessa<strong>das</strong>, que incluem<br />
necessariamente os usuários). O processo de design deve ser conduzido de maneira a<br />
possibilitar a esse grupo diverso de pessoas interagir e compartilhar conhecimento e decisões<br />
de design para lidar com a complexidade do design para todos. Quando isso acontece,<br />
chamamos esse processo de Design Inclusivo. A diversidade de usuários, interesses,<br />
situações de uso, capacidades são ape<strong>nas</strong> aspectos sugestivos dos <strong>desafio</strong>s que se apresentam<br />
ao design de ambientes virtuais inclusivos. Princípios do Design Universal, práticas de<br />
Design Participativo e conceitos e artefatos da Semiótica Organizacional formam o referencial<br />
teórico-metodológico que sustenta nossa concepção e práticas de Design Inclusivo neste<br />
Projeto.<br />
Em vez de buscar soluções específicas que adaptem o produto/serviço a uma incapacidade<br />
específica do sujeito, o Design Universal 4 busca pensar a criação de produtos para todos,<br />
apesar <strong>das</strong> <strong>diferenças</strong> ou inabilidades de cada usuário, sem discriminar. Para ilustrar esse<br />
conceito, utilizemos uma situação concreta extraída do contexto arquitetônico: um prédio<br />
público (um hospital, por exemplo) pode ter uma mesma porta de entrada por onde passam<br />
todos, independentemente de alguns estarem em cadeiras de ro<strong>das</strong>. Se tivéssemos um local<br />
específico para os cadeirantes, também lhes teríamos possibilitado o acesso, mas essa não<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 98 .
teria sido uma solução universal, acessível a todos, independentemente de sua condição<br />
específica. O mesmo conceito se aplica a espaços virtuais; na Web, por exemplo, as interfaces<br />
devem ser cria<strong>das</strong> de maneira a servirem tanto ao usuário regular quanto ao usuário que faz<br />
uso de um leitor de telas (um cego, por exemplo), para acesso ao seu conteúdo. Princípios do<br />
DU devem ser considerados no processo de design de sistemas educacionais interativos, como<br />
os propostos neste projeto.<br />
No Design Participativo 5 , o artefato criado não é somente projetado para os usuários, mas<br />
com eles, colaborativamente. Isso significa que os produtos e serviços não são construídos do<br />
entendimento de um designer para a situação de design, mas necessitam da interação de todos<br />
e da significação compartilhada para o que seria o objeto de design. O envolvimento do<br />
usuário não acontece ape<strong>nas</strong> na fase de elucidação de requisitos (respondendo às perguntas do<br />
designer) ou de testes do produto ou serviço para sua avaliação, mas deve ocorrer durante<br />
todo o processo de design. Pressupõe-se que é o usuário quem mais sabe sobre seu domínio<br />
de tarefas e necessidades de uso dos sistemas e esse conhecimento não se “extrai” com<br />
perguntas, mas se constrói com seu envolvimento efetivo como co-autor em práticas de<br />
design.<br />
A Semiótica Organizacional 6 oferece artefatos que possibilitam e mediam as ações dos<br />
sujeitos na situação de design. Trata-se de uma disciplina que propõe teoria e métodos que<br />
permitem analisar sistemas de informação a partir de três funções de informação humana:<br />
expressão de significados, comunicação de intenções e criação de conhecimento.<br />
Princípios do Design Universal, técnicas do Design Participativo e conceitos e artefatos da<br />
Semiótica Organizacional têm sido utilizados no processo de construção de nossos espaços<br />
virtuais inclusivos. Nosso propósito fundamental é a participação do usuário na expressão de<br />
significados, na comunicação de intenções e na construção conjunta do conhecimento. Tal<br />
processo está sendo desenvolvido iterativa e interativamente pelo grupo de pessoas envolvi<strong>das</strong><br />
na criação dos produtos de design do projeto. O grupo trabalha dentro de uma visão inclusiva<br />
de pesquisa, contando com a participação de pessoas com e sem deficiência e também com a<br />
colaboração de profissionais que não têm um vínculo formal com a Unicamp. A cada ação e<br />
dentro do escopo do projeto, outras pessoas estão se agregando ao grupo inicial, ampliando a<br />
abrangência de suas ações e diversificando-as.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 99 .
Alguns Resultados de Ações do Projeto<br />
Neste projeto, as ações desenvolvi<strong>das</strong> buscam mobilizar toda a comunidade acadêmica, dado<br />
que os ambientes inclusivos são construídos com participação de cada um, ou seja, implicam<br />
“estar com” o outro, compartilhar, cooperar. A inclusão tem a ver com solidariedade e atuação<br />
conjunta, em busca de soluções que atinjam e beneficiem a todos, sem discriminações,<br />
segregação, preconceitos. Entre as principais ações do Projeto incluem-se:<br />
• Ofici<strong>nas</strong> Participativas com representantes de toda a comunidade para clarificação <strong>das</strong><br />
partes interessa<strong>das</strong> e suas percepções sobre a questão da acessibilidade em todos os seus<br />
aspectos, no contexto da Universidade e identificação <strong>das</strong> estratégias formais e informais<br />
utiliza<strong>das</strong> pela Unicamp para prover acesso, permanência e prosseguimento dos estudos<br />
de alunos com deficiência, no ensino por ela oferecido.<br />
• Os resultados da Primeira Oficina Participativa foram analisados e sintetizados no livro:<br />
Todos Nós – Unicamp Acessível 7 , editado e produzido em 3.000 cópias. O livro reflete, em<br />
sua concepção e forma, o paradigma em que nos baseamos para assegurar o acesso de<br />
todos ao conhecimento, independentemente de serem ou não pessoas com deficiência<br />
(apresentado com contraste de cores e tamanho de fontes, em Braille e em formato<br />
digital).<br />
• O Portal Todos Nós 8 foi desenhado dentro dos pressupostos teórico-metodológicos<br />
propostos pelo próprio projeto, como um ambiente virtual inclusivo. O Portal atua como<br />
canal de comunicação acessível entre a comunidade e a equipe do projeto, fomentando a<br />
troca de idéias e experiências sobre a inclusão no ensino superior, disponibilizando<br />
informação sobre questões relaciona<strong>das</strong> ao tema do projeto (textos, legislação, outros sites<br />
e projetos, notícias) para as comunidades interna e externa à Unicamp. O Portal Todos<br />
Nós configura uma organização em permanente mudança, um espaço por meio do qual<br />
novas ações do projeto tomam forma.<br />
• Entre as ações viabiliza<strong>das</strong> pelo Portal, várias têm sido realiza<strong>das</strong> para envolver os<br />
calouros da Unicamp na idéia de ambientes inclusivos no campus; ambientes entendidos<br />
de forma ampla, considerando aspectos físicos e arquitetônicos, atitudinais e virtuais.<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 100 .
Entre elas está o Trotum: Um Trote que Interessa a Todos Nós, um espaço de discussão<br />
sobre questões relaciona<strong>das</strong> ao convívio com as <strong>diferenças</strong> dentro e fora do campus.<br />
• Inspeção de Acessibilidade do portal da Diretoria Acadêmica e seu Re-design dentro dos<br />
referenciais teórico-metodológicos do Design Inclusivo. Ambientes virtuais inclusivos são<br />
essenciais para que o aluno possa de fato “habitar” estes ambientes nesta Universidade.<br />
Esta atividade é essencial ao processo de matrículas do aluno e seu acesso a informações e<br />
serviços, por exemplo, que se dão via sistemas na Web.<br />
• Atendimento para Todos ou Teste seu Poder de Inclusão: Ação de formação entre setores<br />
que lidam diretamente com o atendimento de pessoas na Universidade; inclui-se aqui<br />
desde secretários de cursos de graduação e pós-graduação, pessoal de atendimento de<br />
balcão, coordenadores de cursos de graduação e pós-graduação, entre outros.<br />
Várias outras ações de formação, trabalhos de Doutorado, Mestrado e Iniciação Científica<br />
estão em andamento no âmbito do projeto e de suas iniciativas. Vale mencionar a formação<br />
<strong>das</strong> pessoas do próprio grupo envolvido no Projeto, que se constituem em multiplicadores de<br />
suas ações dentro e fora da Universidade.<br />
Considerações Finais<br />
Constituir uma cultura de acesso ao conhecimento envolve o entrelaçamento <strong>das</strong> culturas que<br />
permeiam o campus, em suas várias dimensões: educacional, acadêmica, administrativa.<br />
Nosso esforço em favor da criação de ambientes inclusivos nesta Universidade chama a<br />
atenção para a responsabilidade intelectual e as repercussões sociais <strong>das</strong> transformações<br />
decorrentes dos princípios inclusivos na educação, que decorrem de uma visão de ciência<br />
humanizada e humanizadora, que a Universidade precisa admitir, praticar e refletir.<br />
Outro <strong>desafio</strong> que enfrentamos neste projeto é também uma <strong>das</strong> grandes questões da Ciência<br />
da Computação no cenário brasileiro, ou seja, o de estabelecer sistemas computacionais e<br />
métodos que sustentem a formação de uma cultura digital em nossa sociedade. Estamos nos<br />
referindo ao design para todos, às interfaces flexíveis e ajustáveis, que ganham maiores<br />
proporções no cenário de uma população com a diversidade e os problemas da nossa<br />
(analfabetismo funcional, entre outros).<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 101 .
Ações de formação no contexto de ambientes inclusivos passam pelo entendimento desse<br />
novo paradigma, em que os sistemas (educacionais, técnicos e sociotécnicos) são construídos<br />
a partir do entendimento compartilhado e participação <strong>das</strong> partes interessa<strong>das</strong>. As atitudes<br />
nos seus vários níveis – do currículo às práticas – serão reflexo da construção dessa cultura<br />
que queremos para o campus e para uma sociedade mais justa e inclusiva.<br />
Contatos:<br />
Notas:<br />
Antonio Carlos Sestaro<br />
Instituto de Computação & NIED – Unicamp.<br />
2 Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.<br />
3 Art. 1º, Art. 3º, Art. 205, Art. 206, Art. 208, V, Art. 209, CF/88; Art. 58 e<br />
seguintes, LDB; portaria do MEC 3284/2003.<br />
4 http://www.todosnos.unicamp.br/acessibilidade/design_universal/<br />
5 Schüler, D. E Namioka, A. (1993) Participatory design: Principles and<br />
Practices. EUA: Lawrence Erlbaum Associates.<br />
6 Liu, K., (2000). Semiotics in information systems engineering. Cambridge<br />
University Press.<br />
E-mail: conade@sedh.gov.br<br />
www.mj.gov.br/sedh<br />
7 Mantoan, M.T.E.; Baranauskas, M.C.C. (org.) (2005) TODOS NÓS -<br />
Unicamp acessível: resultados da primeira oficina participativa do projeto<br />
"Acesso, permanência e prosseguimento da escolaridade em nível superior<br />
de pessoas com deficiência: ambientes inclusivos" - PROESP/CAPES.<br />
Universidade Estadual de Campi<strong>nas</strong>. 48 p.<br />
8 http://www.todosnos.unicamp.br/<br />
Eugênia Augusta Gonzaga Fávero<br />
www.prsp.mpf.gov.br<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 102 .
Presidência da República<br />
Ministério da Educação - MEC<br />
Secretaria de Educação a Distância – SEED<br />
<strong>TV</strong> ESCOLA/ SALTO PARA O FUTURO<br />
Diretoria do Departamento de Produção e Capacitação em Educação a Distância<br />
Coordenação Geral de Produção e Programação<br />
Coordenação Geral de Capacitação<br />
Supervisora Pedagógica<br />
Rosa Helena Mendonça<br />
Coordenadora de Utilização e Avaliação<br />
Mônica Mufarrej<br />
Copidesque e Revisão<br />
Magda Frediani Martins<br />
Diagramação e Editoração<br />
Equipe do Núcleo de Produção Gráfica de Mídia Impressa<br />
Gerência de Criação e Produção de Arte<br />
Consultora especialmente convidada<br />
Maria Teresa Eglér Mantoan<br />
Email: salto@tvebrasil.com.br<br />
Home page: www.tvebrasil.com.br/salto<br />
Rua da Relação, 18, 4º andar. Centro.<br />
CEP: 20231-110 – Rio de Janeiro (RJ)<br />
Novembro 2006<br />
O DESAFIO DAS DIFERENÇAS NAS ESCOLAS. 103 .