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Um diário novo não diz nada. É o silêncio. Ele só começará a dizer depois que eu<br />
escrever nele as minhas coisas. Num diário eu me leio porque ele é um espelho<br />
que guarda minhas imagens passadas. Esses pensamentos sobre um diário fizeram<br />
minha imaginação voar. E eu pensei se a palavra “Deus” não é também o nome de<br />
um livro em branco à espera da minha escritura. O que escrevo nesse livro?<br />
Escrevo os meus suspiros, as minhas dores, o pulsar de um coração num mundo<br />
sem coração, as minhas esperanças, canções de ninar que desejo ouvir. Orações<br />
são palavras que eu desejo eternas. Não há um só diário que seja igual a outro.<br />
Quem está dentro do livro é o escritor. Nossos deuses são nossas imagens num<br />
espelho. Cada um tem a sua.<br />
Os 3 nomes de Deus<br />
De vez em quando perguntam-me se acredito em Deus. Mas é claro. Acredito mais<br />
que a maioria das pessoas. Tenho até 33 nomes para ele. Esses nomes foi a<br />
Marguerite Yourcenar que me contou. Foi ela que escreveu o livro Memórias de<br />
Adriano, quem lê nunca mais esquece, quer ler de novo. Pois esses são os 33<br />
nomes de Deus que ela me ensinou. É só falar o nome, ver na imaginação o que o<br />
nome diz, para que a alma se encha de uma alegria que só pode ser um pedaço de<br />
Deus... Mas é preciso ler bem devagarinho... Os 33 nomes de Deus... O mar da<br />
manhã. O barulho da fonte nos rochedos sobre as paredes de pedra. O vento do<br />
mar de noite, numa ilha... Uma abelha. O voo triangular dos cisnes. Um cordeirinho<br />
recém-nascido... O mugido doce da vaca e o mugido selvagem do touro. O mugido<br />
paciente do boi. O fogo vermelho no fogão. O capim. O perfume do capim. Um<br />
passarinho no céu. A terra boa... A garça que esperou toda a noite, meio gelada, e<br />
que vai matar sua fome ao nascer do sol. O peixinho que agoniza no papo da<br />
garça. A mão que entra em contato com as coisas. A pele, toda a superfície do<br />
corpo. O olhar e tudo o que ele olha. As nove portas da percepção. O torso<br />
humano. O som de uma viola e de uma flauta indígena. Um gole de uma bebida<br />
fria ou quente. Pão. As flores que saem da terra na primavera. O sono na cama.<br />
Um cego que canta e uma criança enferma. Um cavalo correndo livre. A cadela e os<br />
cãezinhos. O sol nascente sobre um lago gelado. Um relâmpago silencioso. O<br />
trovão que estronda. O silêncio entre dois amigos. A voz que vem do leste, entra<br />
pela orelha direita e ensina uma canção... Não é preciso que esses 33 nomes sejam<br />
os seus. Faça a sua própria lista. Eu incluiria: a sonata Appassionata, de<br />
Beethoven. Sapos coaxando no charco. O canto do sabiá. Banho de cachoeira. A<br />
tela Mulher lendo uma carta, de Vermeer. O sorriso de uma criança. O sorriso de<br />
um velho. Balançar num balanço tocando com o pé as folhas da árvore... Morder<br />
uma jabuticaba... Todas essas coisas são os pedaços de Deus que conheço... Sim,