19.10.2015 Views

Ostra Feliz Nao Faz Perola - Rubem Alves

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

infância. Os poetas, somente os poetas, sabem que um ovo é muito mais que um<br />

ovo...<br />

O olhar<br />

Geórgia O’Keeffe foi uma pintora norte-americana. Seus quadros são assombrosos!<br />

Porque seus olhos são assombrosos! “Ninguém vê uma flor, realmente”, ela<br />

observou certa vez. “A flor é tão pequena... Não temos tempo e o ato de ver exige<br />

tempo, da mesma forma como ter um amigo exige tempo.” O ver, como fenômeno<br />

físico, acontece instantaneamente. Basta abrir os olhos... A luz toca a retina e a<br />

imagem se forma nalgum lugar do cérebro. Igual ao que acontece com a máquina<br />

fotográfica. Mas há um outro ver que não é coisa dos olhos. Como quando se<br />

contempla uma criança adormecida. A visão de uma criança adormecida nos<br />

acalma. <strong>Faz</strong>-nos meditar. O olhar se detém. Acaricia vagarosamente. O olhar se<br />

torna, então, uma experiência poética de felicidade. Sentimos que a criança que<br />

vemos dormindo no berço dorme também na nossa alma. E a alma fica tranquila,<br />

como a criança. É por isso que, mesmo depois de apagada a luz, ida a imagem<br />

física, vai conosco a imagem poética como uma experiência de ternura.<br />

Orgulho<br />

Era de manhã. Caminhava por uma praça de La Paz com um grupo de amigos.<br />

Mulheres índias haviam montado suas pequenas bancas de comércio e ofereciam<br />

os seus produtos. Uma delas vendia laranjas. Seu estoque não ultrapassava vinte<br />

laranjas. Pensamos em proporcionar-lhe uma grande alegria. Compraríamos todas<br />

as laranjas. “Não posso vender todas as laranjas agora”, ela disse. “Posso vender<br />

no máximo dez.” “Por quê?”, perguntamos surpresos. “Se eu vender todas as<br />

minhas laranjas agora, o que é que vou fazer no resto do meu dia?” Ela não estava<br />

lá para vender laranjas. Estava lá para ter o orgulho de ser proprietária de um<br />

estabelecimento comercial. Se vendesse todas as suas laranjas, ela ficaria sem um<br />

negócio e com isso seria roubada da sua dignidade.<br />

Patos selvagens<br />

Era uma vez um bando de patos selvagens que voava nas alturas. Lá em cima era<br />

o vento, o frio, os horizontes sem fim, as madrugadas e os poentes coloridos. Tudo<br />

tão bonito! Mas era uma beleza que doía. O cansaço do bater das asas, o não ter<br />

casa fixa, o estar sempre voando e as espingardas dos caçadores... Foi então que<br />

um dos patos selvagens, olhando lá das alturas para a terra aqui embaixo viu um

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!