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sessão de autógrafos, vieram primeiro os velhos, os deficientes... Aproximou-se<br />
uma anciã que eu desconhecia numa cadeira de rodas, olhou para mim e disse:<br />
“Nunca te vi e sempre te amei”. E começou a chorar. Eu chorei também.<br />
Quantos anos você não tem?<br />
Quando eu desfiz sessenta anos... Desfiz: é a forma correta de dizer. Porque esses<br />
sessenta são os anos que não tenho mais. Quantos eu tenho, só Deus sabe...<br />
Quando desfiz sessenta anos consolei-me poeticamente com a palavra<br />
“sexagenário”: sex + agenário = idade do sexo. Para trás ficou a década dos<br />
sessenta. Chegou a década dos setenta. Agora, quanto ao sexo que ficou para trás,<br />
se tenta...<br />
Assustei-me<br />
Um homem, cabeleira branca, estava com os braços levantados, como se estivesse<br />
sendo assaltado, no aeroporto. Aproximei-me. De fato, era um velho. Devia ter<br />
aproximadamente a minha idade. De fato, estava com os braços levantados.<br />
Estavam apoiados no vidro que separa os que partem dos que ficam. Ele era um<br />
dos que ficavam. Lágrimas escorriam dos seus olhos. Alguém partira. Seus braços<br />
levantados, encostados no vidro, diziam da inutilidade das suas lágrimas. Há um<br />
momento na vida em que cada separação anuncia a Grande Separação. Olhei para<br />
o porteiro que verificava os cartões de embarque. Ele entendeu a pergunta que<br />
estava no meu olhar e só disse: “O filho partiu...”. Tive vontade de abraçá-lo.<br />
Porque eu também tenho despedidas a cumprir.<br />
Sobre a velhice<br />
Por oposição aos gerontologistas, que analisam a velhice como um processo<br />
biológico, eu estou interessado na velhice como um acontecimento estético. A<br />
velhice tem a sua beleza, que é a beleza do crepúsculo. A juventude eterna, que é<br />
o padrão estético dominante em nossa sociedade, pertence à estética das manhãs.<br />
As manhãs têm uma beleza única, que lhes é própria. Mas o crepúsculo tem um<br />
outro tipo de beleza, totalmente diferente da beleza das manhãs. A beleza do<br />
crepúsculo é tranquila, silenciosa – talvez solitária. No crepúsculo, tomamos<br />
consciência do tempo. Nas manhãs, o céu é como um mar azul, imóvel. Nos<br />
crepúsculos, as cores se põem em movimento: o azul vira verde, o verde vira<br />
amarelo, o amarelo vira abóbora, o abóbora vira vermelho, o vermelho vira roxo –<br />
tudo rapidamente. Ao sentir a passagem do tempo, nós percebemos que é preciso