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Ostra Feliz Nao Faz Perola - Rubem Alves

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especial, me deixou feliz. Porque eu já fiz a sugestão (minhas sugestões,<br />

usualmente, não são levadas a sério. Aqueles que as leem acham que estou<br />

brincando, fazendo gozação. Tudo o que é diferente espanta!)... eu já fiz a<br />

sugestão de que se criasse um novo tipo de professor: professor de espantos.<br />

Mas... todo professor não deveria ser um professor de espantos?<br />

Bestiário<br />

O meu imaginário está cheio de animais. Pássaros, gatos, ratos, galos, águias,<br />

onças, elefantes, sapos, porcos, lobos, dinossauros, cobras, patos, gansos: já<br />

escrevi estórias sobre todos eles. Sinto um enorme carinho pelas coisas vivas e me<br />

espanto diante delas. Por vezes, lá em Pocinhos do Rio Verde, fico parado diante<br />

da parede da casa, a admirar as mariposas que nela pousaram, atraídas pela luz.<br />

Suas asas são assombros estéticos. Depois de admirar, fico a pensar no mistério da<br />

vida. Como é possível? De que fundura de mistério surge tanta beleza? Gosto dos<br />

patos. Novinhos, acabados de sair do ovo, amarelinhos, fofos, sem que ninguém<br />

lhes tenha ensinado, já sabem nadar. Mesmo que tenham sido chocados por uma<br />

galinha. E como é tranquilizante vê-los deslizando calmos sobre as águas de um<br />

lago. Vai aí um conselho terapêutico para a tranquilidade: ficar a ver os patos a<br />

nadar por meia hora. <strong>Faz</strong> bem para a cabeça. Sobre eles escrevi a estória O<br />

patinho que não aprendeu a voar. Uma livreira me contou que um pai, indignado,<br />

devolveu o livro que havia comprado sob a alegação de que o seu filho, ao final da<br />

estória, se pôs a chorar. Ele achava que livros para crianças devem sempre<br />

terminar em riso. Mas, que posso fazer? Escrevi a estória pra fazer chorar. Parte da<br />

educação é mostrar às crianças que a vida se faz também com o choro. Está dito<br />

nas Sagradas Escrituras: “Os que com lágrimas semeiam com alegria ceifarão”.<br />

Escrevi outra sobre gansos, animais que conheci lendo as estórias de Andersen. Por<br />

isso tratei de povoar meu lugarzinho em Pocinhos do Rio Verde, o sítio Mar de<br />

Minas, com patos e gansos. Lá eles podiam viver tranquilos, sob a minha proteção.<br />

Eu jamais mataria um deles para fazer um assado. Não troco a alegria permanente<br />

de vê-los pelo prazer glutão de comê-los que termina em poucos minutos. Cada um<br />

tem sua própria dignidade. Os gansos são arrogantes, têm consciência da sua<br />

importância, andam sempre com o nariz empinado, assoprando. Os patos,<br />

desajeitados no andar, são garças ao voar. Sobem até o alto do morro e, de lá,<br />

voam brancos numa curva para descer no lago. Sim, lá eles estão seguros.<br />

Morrerão de velhice.<br />

Badulaque

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