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isto é, passou nos exames. O que é prova cabal de que o conhecimento das leis<br />
não é garantia da sabedoria do juiz. Como dizia um homem sábio, na cidade onde<br />
nasci, “duas são as coisas em que não se pode confiar: bunda de criança e cabeça<br />
de juiz...”. Se ele deu entrada nessa ação, imagino, é que deve haver dispositivos<br />
legais para obrigar as pessoas ao tratamento devido, meritíssimo, magnífico,<br />
reverendíssimo, ilustríssimo, excelentíssimo, doutor. Pergunto aos conhecedores da<br />
lei se não haverá dispositivos legais que punam pessoas que usam títulos sem<br />
possuí-los. Um bacharel pode colocar placa de doutor? Engenheiro é doutor?<br />
Lembro-me de um homem, também lá em Minas, que queria ser doutor a qualquer<br />
preço. Para ele, ser doutor era ter diploma de engenheiro agrônomo. Tirou o<br />
diploma. Mas o tiro saiu pela culatra. De caçoada, deram-lhe o apelido de Zé<br />
Doutor. Quando vejo escrito na capa de um livro, como autor, Doutor Fulano de<br />
Tal, não consigo esconder o riso. É uma pena que a lei não tenha provisões para<br />
punir a estupidez e a presunção.<br />
Desembarcar<br />
Bernardo Soares escreveu que nosso problema está em nossa incapacidade de<br />
desembarcar de nós mesmos. É inútil ir até a China se não saímos da bolha onde<br />
vivemos. Tudo o que virmos e pensarmos nessa viagem será uma repetição da<br />
nossa mesmice. Isso vale para viagens. E vale também para a leitura. Porque toda<br />
leitura é uma viagem por um mundo desconhecido. Não, isso que escrevi não está<br />
certo. Há livros que não nos levam a viajar por mundos desconhecidos. Eles apenas<br />
repetem a nossa mesmice. Por isso são de leitura fácil. Há alguns anos, quando<br />
estive preso numa cadeira por causa de uma operação de hérnia de disco, pus-me<br />
a ler uma série de livros que tinham estado à espera, numa prateleira. Mas eles<br />
davam canseira na cabeça de um homem que estava doente. Quem está doente<br />
não quer viajar. Mudei-me então para os policiais da Agatha Christie. Leitura para<br />
passar o tempo, porque não era preciso pensar. Todos eles são iguais. E eu ficava<br />
no meu mundinho. Para se entender um livro de outro mundo, a primeira condição<br />
é sair do nosso mundo. Isso exige uma decisão preliminar: “Vou, provisoriamente,<br />
num jogo de faz de conta, parar de ter minhas ideias. Vou desembarcar do meu<br />
mundo. Vou entrar no mundo do autor. Vou aprender a sua língua...”. Se eu não<br />
fizer isso não terei condições de entendê-lo, se for o caso, ainda que para discordar<br />
dele honestamente. Se eu parto do pressuposto de que o autor só diz besteiras eu<br />
só lerei besteiras – as que estavam dentro de mim. Lembro-me dos meus tempos<br />
de universidade: se alguém ia ler Max Weber, ia sabendo que ele era o “ideólogo<br />
da burguesia”. Se se ia ler Durkheim, sabia-se de antemão que ele era um<br />
“funcionalista conservador”. Para se ler Nietzsche é preciso antes ficar nu e tomar