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Ostra Feliz Nao Faz Perola - Rubem Alves

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viver num mundo encantado em que era proprietária de uma infinidade de castelos<br />

espalhados por todo o mundo. Generosa que era, dava um castelo de presente a<br />

todos os que a visitavam. Eu mesmo ganhei dela um castelo na Escócia, que ainda<br />

não visitei. Fico a imaginar como será. É possível que eu me mude para ele se um<br />

dia um mal de Alzheimer gracioso me tocar. Então receberei a dona Guilhermina<br />

como hóspede no meu castelo e conversaremos sobre os bons tempos de<br />

antigamente enquanto tomamos café com pão de queijo...<br />

Cânticos dos cânticos<br />

Escrevi um texto sobre o Cântico dos cânticos. Uma senhora, aflita, escreveu-me<br />

para dizer que o livro Cântico dos cânticos era sagrado, um poema de amor de<br />

Salomão dedicado à sua esposa. Ela pensou que eu estava achando o poema<br />

imoral. Nada mais distante das minhas intenções. Acho aquele poema lindíssimo,<br />

puro, cheio de amor, um exemplo de amor a ser seguido (enquanto for possível...).<br />

Deveria ser objeto de estudo constante nas escolas dominicais e aulas de<br />

catecismo. A minha lamentação está precisamente nisso; que, durante todos os<br />

meus anos de vida, nunca ouvi um sermão sobre esse poema. Acho que os<br />

pregadores têm vergonha desse livro inspirado das Sagradas Escrituras. Um outro<br />

pensou que eu estava menosprezando Jesus Cristo ao dizer que, para mim, do<br />

cristianismo só sobrava a arte. Eu não disse “de Jesus”; disse “do cristianismo”.<br />

“Cristianismo” são as coisas que os homens disseram e fizeram a propósito de<br />

Jesus. Teologia é parte do cristianismo, um conjunto de palavras de homens. O que<br />

os homens disseram sobre Jesus não é aquilo que Jesus disse. Eu amo as coisas<br />

que Jesus disse, muito embora não tenha compreendido muitas delas, como<br />

“granjeai amigos com as riquezas da iniquidade”. O sermão do monte, as<br />

parábolas, os diálogos são todos maravilhosos e sobre eles escrevi muitas vezes.<br />

Amo o que Jesus falou. Mas não presto muita atenção naquilo que os teólogos<br />

falaram...<br />

A casa<br />

Três homens conversam. Assentados, olham para o horizonte. Um deles diz: “Vejo<br />

uma casa e dentro dela está um homem”. Outro diz: “Vejo a casa, mas não vejo<br />

nenhum homem dentro dela”. Um terceiro comenta: “Não vejo a casa. Não vejo um<br />

homem. Só vejo o mar imenso, sem fim...”. Assim são os três. O primeiro é o que<br />

vê uma Presença habitando os espaços invisíveis do universo. Acredita em Deus. O<br />

segundo vê os espaços invisíveis do universo, mas não encontra neles nenhuma<br />

presença. Eles estão vazios. A essa pessoa dão o nome de ateu. Porém, que nome

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