miolo final 1 - Revista Panamericana de Infectología

Revista Panamericana de Infectología • Volumen 6 • Nº 1 • Ene-Mar/2004
Também, a identificação do HTLV-I e do HTLV-II,
no início da década de 80, veio chamar a atenção
para o papel dos vírus na patogenia de certas neoplasias
(figura 1). Aceita-se hoje que cerca de 16% dos
tumores têm etiologia infecciosa, com particular realce
para o papel desempenhado pelos vírus das hepatites
B e C, e do papiloma humano, e pelo H. pylori (7) .
A descoberta dos vírus Hantaan, exemplo de uma
zoonose que infecta várias espécies de roedores, sem
lhes causar doença, e com especial incidência na Ásia,
leste e centro da Europa e continente americano (figura
2), permitiu explicar uma série de quadros clínicos de
gravidade variável, muitas vezes fatais, traduzidos por
febre hemorrágica com atingimento renal ou por doença
pulmonar, que até então não tinham tido esclarecimento.
A contaminação humana é resultado do
contacto com esses roedores, prova da importância de
que se reveste a penetração do homem nesses nichos
ecológicos (8) . Idêntica situação se verifica com a doença
de Lyme, cujo agente só foi identificado em 1982,
apesar de desde o início do século passado terem sido
descritas as manifestações cutâneas da doença (9) . O
aumento da incidência da doença registado a partir
dos anos setenta em certos Estados americanos da
Nova Inglaterra resultou da reflorestação aí verificada,
que teve como consequência o acréscimo local de
veados e de roedores selvagens, animais reservatórios
da Borrelia, bem como a sua proximidade com áreas
habitadas, o que facilitou a ocorrência da doença
humana, transmitida pela mordedura da carraça.
O aparecimento de surtos de febre de Ebola em
áreas rurais africanas, causados por um filovírus cujo
reservatório não foi ainda identificado, levanta também
preocupação, dada a sua elevada mortalidade e
ausência de tratamento etiológico. É também uma
potencial ameaça que pode surgir em qualquer país,
dada a frequência crescente de deslocações para áreas
tropicais por razões profissionais ou de lazer.
A eclosão da pandemia da infecção pelo vírus da
imunodeficiência humana, questão que presentemente
aflige a Humanidade, dadas a sua extensão e repercussões,
com mais de 42 milhões de casos estimados
a nível mundial e com cerca de três milhões de mortes
registadas em 2002 (10)
, é outro exemplo de como as
alterações dos comportamentos humanos e sociais
favorecem a rápida difusão de uma doença. Também o
estudo da origem desta infecção mostra mais uma
patologia que do animal passou para o Homem (11)
.
A ocorrência do surto de doença do legionário que
em 1976 se verificou em Filadélfia, durante uma
convenção da Legião Americana e que afectou 182
participantes, 29 dos quais tiveram evolução fatal,
levou a uma exaustiva investigação até à identificação
da Legionella, bactéria Gram-negativa de crescimento
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Figura 1. Neoplasias de causa infecciosa.
HIV – Vírus da imunodeficiência humana;
HHV-8 – Vírus herpes 8; EBV - Vírus Epstein-Barr;
HTLV-1 – Vírus linfotrópico T humano.
(adaptado da referência 7)
fastidioso, encontrada nos sistemas de canalização e
de refrigeração do ar de hotéis, centros de congressos
e hospitais, desse modo podendo causar surtos locais,
sendo pois, uma patologia cujo aparecimento foi
favorecido pelo desenvolvimento tecnológico (12) .
Outras doenças cuja contaminação se deveu ao
contacto intímo com animais podem ser referidas,
como o surto de encefalite provocado pelo vírus Nipah,
que surgiu em 1998 na Malásia e em Singapura, tendo
sido registados 265 casos humanos e 105 óbitos; a
quase totalidade dos doentes trabalhava em explorações
suínas ou em matadouros, só tendo terminado
o surto após o abate de mais de um milhão de suínos,
conquanto outros mamíferos domésticos fossem
também afectados (13,14) . Admite-se que o reservatório
deste vírus, identificado como um novo paramixovírus,
seja um morcego, ocorrendo a transmissão da doença
por via respiratória. Poucos anos antes, em 1994, tinha
sido já registado na Austrália um outro surto de doença
respiratória grave, que afectou 20 cavalos de raça e
dois dos seus tratadores: 13 dos cavalos e um dos
tratadores morreram, sendo isolado um outro
paramixovírus, denominado vírus Hendra, cujo
reservatório parece ser também um morcego (13) .
Um outro exemplo de zoonose que de um momento
para outro assumiu relevo preocupante é a febre do
Nilo Ocidental. Causada por um flavírus identificado
no Uganda em 1937, a ocorrência de surtos nos
últimos anos na Europa, de que se cita o registado na
Roménia em 1996, que obrigou a mais de 500
internamentos hospitalares e teve uma mortalidade de
cerca de cinco por cento, e mais recentemente, o que
se verificou em Nova Iorque no verão de 1999,
causando 62 casos de encefalite, sete dos quais fatais,