UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ André Luiz Torquato ...

4.2.1 - Motivos para a manutenção.
A constituição de uma organização visa estabelecer, mediante normas explícitas,
relações relativamente duráveis entre um conjunto de pessoas, de modo a torná-las aptas a
alcançar racionalmente um determinado fim. No caso estudado, o objetivo principal do patrão e
seus fregueses parece ter sido a subsistência: a manutenção da vida cotidiana em melhores
condições possíveis, proporcionada por intermédio de financiamentos mediante mercadorias ou
dinheiro (sistema de aviamento) para a extração e o beneficiamento de madeira pela ‘Serraria
Cruzeiro’. Com efeito, este fenômeno promoveu, de maneira assimétrica, a subsistência
econômica do grupo por aproximadamente uma década, mesclando características relacionais
conservadas do passado às reinventadas no presente, onde financiador (patrão) e financiados
(fregueses) cooperavam entre si, ora de forma amigável, ora de maneira conflitante, como
mostra a transcrição abaixo.
Informante 14: “Era na base dum ajuda o utro, se sabe, se o caboco num tivesse a
madera no mato o patrom num ajudava, era difiço, mas se tivesse!... Quando eu ulhava aquela
madera eu jurava que ia me estribá, muita madera seu home; mas quando acaba, nem purra!
era só pro patrom. As vez eu ficava reinando, mas num tinha jeto, ai o patrom vinha com a
convelsa dele, né? ...olha fulano não te bate com isso, o que tu percisa é só falá comigo, nom.
E a gente percisava mermo, aí ele aviava de tudo denovo pra gente ir trabalhar mais um
tempo. ...e ansim ia, só sei que nessa convelsa dele, ele dubrava tudo nos. Ah seu home! tinha
vez que eu reinava de num trabalha mais, mas como já? besta de mim se num fusse; porque ele
tinha a farinha dele avurtada, eu não”.
Na fala do entrevistado fica evidenciada a “reciprocidade condicionada” mencionada
anteriormente e também fatores que provocam eminências de conflitos, como o pouco ou
nenhum ganho pelo trabalho desenvolvido. Quando o informante relata que “ficava reinando”,
ele está se referindo a raiva, revolta e indignação pela exploração do seu trabalho. Ao se referir
“...mas não tinha jeto...”, ele está se referindo às obrigações impostas a ele por intermédio de
dividas contraídas exclusiva e quase compulsoriamente no comércio do patrão.
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