Mrio-Zambujal-Cronica-Dos-Bons-Malandros - Agrupamento de ...
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escon<strong>de</strong>r o seu medo. Agora, sem luvas, sem árbitro, sem gritos do público, sem<br />
luzes, sem palco, Rafael da Madragoa, <strong>de</strong>spido <strong>de</strong> lutador, era apenas um<br />
rapazinho frágil, pedindo <strong>de</strong>sculpas como se tivesse feito uma malda<strong>de</strong>.<br />
“Não tem importância...”, disse Arnaldo, mastigando o sangue na boca.<br />
Quis dizer mais, quis mesmo dizer que ele, Rafael da Madragoa, era um tipo<br />
muito porreiro, e um bom pugilista, e que fazia votos que se tornasse um<br />
gran<strong>de</strong> campeão, mas era um discurso longo, cada palavra tinha um sabor<br />
amargo e dorido. Só disse tudo o que pensava <strong>de</strong> Rafael da Madragoa uns anos<br />
<strong>de</strong>pois, quando lhe contaram que o rapazinho do soco forte e bom coração tinha<br />
morrido lá para as Áfricas, no ringue das guerras, o único combate em que o<br />
meteram contra a sua vonta<strong>de</strong>. Nessa noite Arnaldo chorou, embebedou-se e<br />
andou às voltas no bar, comunicando a conhecidos e <strong>de</strong>sconhecidos: - Morreu<br />
um gajo bestial, o tipo mais teso que já se viu, uma vez <strong>de</strong>u-me uma tareia que<br />
vocês nem queiram saber!...”<br />
Foi o quinto e último combate do boxeur Arnaldo. Chegara ao confronto<br />
com Rafael da Madragoa <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> duas vitórias, uma <strong>de</strong>rrota aos pontos e um<br />
nulo, andava entusiasmado na ilusão <strong>de</strong> chegar a campeão temido e admirado,<br />
ganhando fortunas com a força dos seus punhos, as mulheres oferecendo-se-<br />
lhe, <strong>de</strong>sejosas <strong>de</strong> serem apertadas nos braços <strong>de</strong> um ídolo. Recortava dos jornais<br />
as fotos dos socadores famosos, colava-as nas pare<strong>de</strong>s do quarto, <strong>de</strong>itava-se a<br />
sonhar com um futuro em que teria também fotografias nos jornais e o nome<br />
em gran<strong>de</strong>s letras contando as suas vitórias, empresários chegando com malas<br />
cheias <strong>de</strong> dinheiro - dólares, porque então havia <strong>de</strong> estar na América, aí é que<br />
sabiam dar o valor a um boxeur -, tipas giríssimas guerreando-se à porta,<br />
esperando que ele saísse e escolhesse: “Anda cá tu. “<br />
Os sonhos morreram naquela noite, não tanto pela <strong>de</strong>rrota, nem sequer<br />
pelo KO, mas porque Arnaldo se sentiu <strong>de</strong>sajeitado e tonto, como um mau<br />
dançarino no meio da sala, o seu par era Rafael da Madragoa, mas ele <strong>de</strong>slizava<br />
no passo certo, no soco certo, na esquiva perfeita, uma dança cheia <strong>de</strong> ritmo e<br />
violência, as pessoas batiam palmas, Rafael bailando, Arnaldo o bombo da<br />
festa, nunca, nunca seria capaz <strong>de</strong> dançar assim, e não queria ser mais vezes o<br />
bombo das festas dos outros.<br />
Abandonou a carreira aos <strong>de</strong>zoito anos incompletos. Ao tirar as luvas<br />
sentiu-se <strong>de</strong> mãos vazias, a certeza <strong>de</strong> que tudo ia voltar ao princípio, o pai a<br />
arranjar-lhe empregos e ele a perdê-los porque chegava tar<strong>de</strong> e muitos dias nem