Mrio-Zambujal-Cronica-Dos-Bons-Malandros - Agrupamento de ...
Mrio-Zambujal-Cronica-Dos-Bons-Malandros - Agrupamento de ...
Mrio-Zambujal-Cronica-Dos-Bons-Malandros - Agrupamento de ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Pedro abrindo a porta do reino dos céus, aquela, aquele, aquela...”, i à ia em<br />
trinta e começou a esmorecer da fadiga o sorriso largo, à Burt, na cara <strong>de</strong><br />
Arnaldo. Pareceu-lhe ouvir outra vez, longe, muito longe, a contagem do<br />
árbitro do boxe, “ ... sete, oito, nove...”, agora era outro tipo que passara a contar<br />
“trinta e seis, trinta e sete, trinta e oito...”, Arnaldo transpirando, à beira do KO,<br />
“levanta-te Arnaldo! Força, rapaz! “, seu velho treinador incitando, empertigou-<br />
se mais, “trinta e nove o <strong>de</strong>do do francês apontou e disparou em cheio no peito<br />
<strong>de</strong> Arnaldo: e tu!”<br />
Fechou os olhos e respirou fundo. Ganhara o seu primeiro combate no<br />
cinema, agora não seria como no <strong>de</strong> boxe, nenhum Rafael da Madragoa o<br />
po<strong>de</strong>ria socar para fora do écran.<br />
A primeira cena com participação dos figurantes passava-se num gran<strong>de</strong><br />
salão, era uma festa <strong>de</strong> casamento, coisa chique, Arnaldo e os outros <strong>de</strong><br />
smoking, elas <strong>de</strong> vestidos compridos. Entrava o actor principal, um francês,<br />
fazia <strong>de</strong> bandido, dava dois tiros no noivo, os figurantes estavam instruídos<br />
para gritarem <strong>de</strong> pânico, gritavam mesmo, o bandido agarrava a noiva, já então<br />
viúva, sumia-se com ela, pronto.<br />
A cena número dois <strong>de</strong>corria num cacilheiro, tudo azul, o Tejo e o céu, ao<br />
fundo Cristo <strong>de</strong> braços abertos, num gesto <strong>de</strong> protecção ou <strong>de</strong> impossibilida<strong>de</strong><br />
para acudir a tão numerosas <strong>de</strong>sgraças. Os figurantes passeavam pelo convés<br />
ou <strong>de</strong>bruçavam-se sobre a amurada, o actor principal vinha sentado à popa,<br />
guardando um baú cheio <strong>de</strong> libras <strong>de</strong> cavalinho, vira-os a sair, com o freio nos<br />
<strong>de</strong>ntes, do Banco <strong>de</strong> Portugal e nem perguntou para on<strong>de</strong> iam, espera aí, fugiu<br />
com os cavalinhos para a Outra Banda.<br />
O trabalho dos figurantes, pagos a trezentos escudos por cada dia <strong>de</strong><br />
filmagens, terminava numa perseguição em plena Baixa, os quarenta figurantes<br />
mais dois actores franceses na caça ao actor principal. Arrancaram do Rossio,<br />
iam lançados na Rua Augusta, a PSP não fora avisada, caem dois polícias <strong>de</strong><br />
verda<strong>de</strong> em cima do actor principal, vinha <strong>de</strong> pistola na mão, tanto pior,<br />
fizeram-no num oito, queriam levá-lo, foi um sarilho para explicar. Lá se<br />
explicou, mas teve <strong>de</strong> repetir tudo porque, no filme, o actor principal não seria<br />
apanhado pela PSP, nem naquela cena, só mais tar<strong>de</strong>, quase no fim, o <strong>de</strong>tective<br />
francês faria a captura, junto à Fonte Luminosa.<br />
Quando a fita se estreou em Lisboa, Arnaldo correu a ver-se, mas aqueles<br />
ceguetas, cambada <strong>de</strong> incompetentes, pouco partido tinham tirado da sua