Mrio-Zambujal-Cronica-Dos-Bons-Malandros - Agrupamento de ...
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tudo. Não seria admiração. Admiração foi vê-lo, não puxar pelo revólver mas<br />
por um gran<strong>de</strong> lenço amarelo, e ficar-se, <strong>de</strong> cu no chão, a limpar o sangue do<br />
nariz.<br />
Só raros que lhe conheciam a infância e os pa<strong>de</strong>cimentos po<strong>de</strong>riam<br />
enten<strong>de</strong>r essa estranha aversão a tudo quanto fossem armas, <strong>de</strong> algum modo<br />
ferramentas do oficio. Os outros não. Ao princípio ouviu ainda uns risinhos,<br />
alguma chacota, mas a graça morreu uma noite na tasca do Ambrósio, quando<br />
o Tomé Caga d'Alto lhe chamou maricas. Chamou uma vez, duas, Renato<br />
calado, a roda dos espectadores numa galhofa <strong>de</strong>sconfiada, ai que o gajo era<br />
maricas mesmo. À terceira foi o fim. Duas horas <strong>de</strong>pois estava o Pacífico no<br />
xelindró, enquanto o Tomé Caga d'Alto ingressava, horizontal e feito em papas,<br />
no banco hospitalar. Só teve alta três meses <strong>de</strong>pois e tão manso vinha que<br />
per<strong>de</strong>u o direito à alcunha.<br />
Assim era Renato e já se vê que a sua quadrilha tinha <strong>de</strong> ser diferente das<br />
<strong>de</strong>mais. “Pistolas só <strong>de</strong> alarme, facas se forem <strong>de</strong> peixe, <strong>de</strong>ssas tortas que nos<br />
dão quando jantamos fino! “, gracejava. Ninguém lhe pedia explicações, mas<br />
punha-se a justificar, com a mentira <strong>de</strong> uma meia verda<strong>de</strong>, a proibição rigorosa<br />
<strong>de</strong> lâminas e gatilhos. Calando o seu medo, velho <strong>de</strong> muitos anos, o mal-estar<br />
que o tomava ao segurar uma navalha ou arma <strong>de</strong> fogo, o tremor das mãos, o<br />
novelo no estômago, uma vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> vomitar <strong>de</strong>sgraças do passado e agoiros<br />
dos dias que estavam para vir.<br />
Dizia, apenas:<br />
“Po<strong>de</strong>mos ser caçados, é verda<strong>de</strong>, mas não é lá por andar armado, a fazer<br />
<strong>de</strong> cobói, que se fica livre <strong>de</strong> ir <strong>de</strong> cana. Ao contrário. E <strong>de</strong>pois, vocês sabem<br />
como é: quando a gente tem as coisas até dá pena <strong>de</strong> não se servir <strong>de</strong>las. De<br />
repente, sem pensar, olha, vai um tirinho, o tipo bate a bota, é homicídio,<br />
apanha-se uma talhada que nunca mais acaba.”<br />
Por estas e por outras, a quadrilha do Renato só assaltava<br />
estabelecimentos e residências on<strong>de</strong> se soubesse <strong>de</strong> antemão, <strong>de</strong> certeza certa,<br />
que não havia vivalma. Entravam e saíam, embrulhados na noite, sozinhos no<br />
mundo, mais ninguém, coisa bestial não haver mais ninguém, gente era briga,<br />
medo, sangue, gente podia chamar a morte ou a Polícia.<br />
Tinha sido sempre assim <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que Renato formara a quadrilha,<br />
recrutando colaboradores <strong>de</strong> provadas habilitações, uns seus conhecidos, outros<br />
portadores das melhores referências. Até agora só uma <strong>de</strong>cepção, por sinal um