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Mrio-Zambujal-Cronica-Dos-Bons-Malandros - Agrupamento de ...

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contos e contos <strong>de</strong> réis em cada três minutos <strong>de</strong> um assalto. O pai não estava<br />

muito convencido, mas teve medo <strong>de</strong> matar a galinha dos ovos <strong>de</strong> ouro, acabou<br />

por dizer que sim. Foi vê-lo no dia da estreia, nervoso como um pai, o coração a<br />

bater-lhe na quarta fila, orgulho e medo quando gritavam os nomes dos<br />

contendores - “Arnaldo Libânio, cinquenta e três quilos...” -, seiscentas pessoas<br />

<strong>de</strong> olhos cravados em Arnaldo, filho seu.<br />

Ao outro dia o pai pagou uma rodada <strong>de</strong> cervejas na tasca do bairro, já lhe<br />

chamavam “o pai do boxeur”, ele sorria, contente, “só queria que vissem, o<br />

rapaz portou-se bem, no fim o árbitro veio levantar-lhe o braço, era o vencedor,<br />

o público batendo palmas.” Tinha sido uma luta <strong>de</strong> galos-da-índia, boxe pouco,<br />

mas generosa combativida<strong>de</strong>”, estava ali, escarrapachado em letra <strong>de</strong> forma no<br />

jornal.<br />

A glória foi efémera, como todas as glórias, mas esta, com franqueza, curta<br />

<strong>de</strong> mais. Ainda <strong>de</strong>u tempo, mesmo assim, para Arnaldo se sentir no trono da<br />

sua rua, os outros adulando-o, as moças <strong>de</strong>rretidas, a fazerem-se ao piso, todas<br />

queriam ser a namorada do boxeur. O boxeur não queria namoros, mas<br />

marcava-lhes encontros nocturnos, nas traseiras do mercado, elas compareciam<br />

pontuais e excitadas, Burt Lancaster e Ivonnes <strong>de</strong> Carlo, cenas <strong>de</strong> amor.<br />

Ganho no ringue o brevet das valentias, passou a frequentar, com outros<br />

valentes, o mundo dos bares. Uma madrugada, metidos em <strong>de</strong>spesas e todos na<br />

penúria, um parceiro da farra agarra-o por um braço e segreda-lhe: “Vamos ali<br />

arranjar cacau.” Arnaldo ignorava como iriam arranjar cacau, mas seguiu o<br />

outro, voltaram com setecentos e trinta escudos subtraídos a um passeante<br />

solitário, abordado e posto KO à esquina da Luz Soriano com a Travessa dos<br />

Fiéis <strong>de</strong> Deus.<br />

Arnaldo teve consciência do perigo e encolheu-se. Não queria meter-se em<br />

coisas <strong>de</strong>ssas, <strong>de</strong>via zelar pela sua carreira, manter a forma e limpa a reputação.<br />

Não o viram durante semanas, só voltou após o <strong>de</strong>sastre <strong>de</strong>finitivo às mãos <strong>de</strong><br />

Rafael da Madragoa. Regressou mais carrancudo e agressivo que nos dias<br />

<strong>de</strong>funtos <strong>de</strong> artista <strong>de</strong> boxe, implicando, lançando <strong>de</strong>safios, necessitando <strong>de</strong><br />

provar que não era merda nenhum. À força <strong>de</strong> pancadaria restaurou o<br />

respeitinho, um tanto abalado pela coça pública no ringue do Parque.<br />

Foi por essa altura que começou a per<strong>de</strong>r-se nas voltas da noite, sozinho, a<br />

primeira vez a medo, <strong>de</strong>pois com a frieza dos veteranos -”vou ali arranjar cacau

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