Mrio-Zambujal-Cronica-Dos-Bons-Malandros - Agrupamento de ...
Mrio-Zambujal-Cronica-Dos-Bons-Malandros - Agrupamento de ...
Mrio-Zambujal-Cronica-Dos-Bons-Malandros - Agrupamento de ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
satisfeitas, atirando-se para os braços dos machos, as mães atentas a ver quando<br />
pisavam o risco das <strong>de</strong>cências.<br />
A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong> na sua ca<strong>de</strong>ira, trono <strong>de</strong> vassala, rainhas as outras, rindo e<br />
dançando, apertando-se, cabras, num gozo <strong>de</strong> olhos fechados. Só <strong>de</strong> longe em<br />
longe, e porque sobravam os homens, lá vinha um, A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong> num alvoroço, ele<br />
frio e <strong>de</strong>sgostado como quem compra os últimos carapaus da canastra on<strong>de</strong> já<br />
todos escolheram. A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong> encostando-se, <strong>de</strong>sejosa <strong>de</strong> compensar, <strong>de</strong> pagar<br />
com prazeres a graça <strong>de</strong> um tango, <strong>de</strong> incitar a novos convites, A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong> magra<br />
e feia, mas terna, a dar-se, eles ausentes, dançando, dançando só, com a<br />
orquestra, não com ela, A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong> apenas bengala <strong>de</strong> caminheiros do baile.<br />
Naquela noite apareceu o Carlos. Nunca o tinham visto ali, seria <strong>de</strong> outro<br />
bairro, talvez da Mouraria ou do Castelo, estatura meã, moreno, olhos claros<br />
como se fosse louro, fato cinzento, completo, corrente <strong>de</strong> ouro que nascia na<br />
cinta e ia escon<strong>de</strong>r o relógio no bolso do colete. “Quem é? Quem é?”,<br />
perguntavam-se umas às outras, excitadas pela presença da cara nova, para<br />
mais bonita, ajeitavam os cabelos, faziam poses, as mais atrevidas sorriam-lhe<br />
<strong>de</strong> longe e mostravam as bolas dos joelhos.<br />
A expectativa cresceu quando a orquestra - Dancing Quinteto, Janita ao<br />
piano, Teodósio contrabaixo, Camilo no saxofone, Zé António e seu acor<strong>de</strong>ão,<br />
Luciano vocalista acumulando os ferrinhos - lançou para a pista os primeiros<br />
acor<strong>de</strong>s da Valsa do Imperador. As moças, expostas em duas filas <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>iras à<br />
volta da sala, ficaram aguardando o que lhes caberia em sorte, mas iam-se-lhes<br />
os olhos e a curiosida<strong>de</strong> na figura do <strong>de</strong>sconhecido, marinheiro <strong>de</strong> primeira<br />
viagem à Socieda<strong>de</strong> Musical e Recreativa Clarinete <strong>de</strong> Prata, cinco escudos <strong>de</strong><br />
quota, os bailes mais animados <strong>de</strong> toda a zona <strong>de</strong> Xabregas.<br />
Acanhado não era ele. Ainda Camilo não gastara o primeiro fôlego no<br />
saxofone, hei-lo que avança pela sala nua, tudo suspenso no seu passo ágil, até<br />
os rapazes parados, a dar a vez, o moço caminhando, <strong>de</strong> uma ponta à outra, até<br />
dobrar-se em frente <strong>de</strong> A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong>, e perguntar humil<strong>de</strong>, quase em súplica: “Quer<br />
dançar comigo? “<br />
“Eu?! “ A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong> não esperava uma daquelas, era a coisa mais bonita que<br />
alguma vez lhe acontecera, as outras morrendo <strong>de</strong> inveja, levantou-se e volteou<br />
nos braços daquele estrangeiro, príncipe encantado que vinha redimi-la <strong>de</strong> mil<br />
humilhações. Rodopiavam sós no centro do mundo, durante minutos, ou<br />
seriam horas, tempo <strong>de</strong> maravilha, todos a olhar, suspensos, esquecidos da