Aula 11 Gestação e Funcionamento Da ... - Arquivos UNAMA
Aula 11 Gestação e Funcionamento Da ... - Arquivos UNAMA
Aula 11 Gestação e Funcionamento Da ... - Arquivos UNAMA
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
<strong>Aula</strong> <strong>11</strong><br />
<strong>Gestação</strong> e <strong>Funcionamento</strong> <strong>Da</strong><br />
Economia Cafeeira (Século XIX)<br />
Objetivos da <strong>Aula</strong><br />
Os objetivos desta aula visam abordar o tema da formação e do<br />
desenvolvimento da agricultura cafeeira no século XIX, no Brasil, a<br />
partir da compreensão dos seguintes parâmetros fundamentais: (i)<br />
como e porque ocorreu sua formação; (ii) quais as especificidades<br />
de seu funcionamento; (iii) e quais as semelhanças e diferenças<br />
com outro ciclo econômico: o da agromanufatura açucareira.<br />
Ao final desta aula, você deverá estar apto a compreender a<br />
sociedade e economia brasileira no século XIX, além disso deverá<br />
saber como correlacionar e comparar os vários ciclos históricoeconômicos<br />
brasileiros.<br />
Caro aluno:<br />
Vamos nos dedicar, nesta aula, ao estudo da gestação e funcionamento<br />
da economia cafeeira. Procuraremos responder a algumas questões,<br />
dentre as quais: como e porque surgiu a agricultura do café no Brasil?<br />
Como e onde ocorreu seu desenvolvimento? Porque esta agricultura<br />
adquiriu tanta importância na história econômica do Brasil? E quais as<br />
semelhanças e diferenças com outros ciclos econômicos brasileiros?<br />
Para isto, faremos a leitura de alguns textos necessários. Procure lêlos,<br />
anotando os fatos, os processos, as principais características, bem<br />
Formação Econômica Brasileira - UVB<br />
Faculdade On-line UVB 121
como os períodos e outros aspectos que julgar importante de acordo<br />
com o referencial do texto. Os textos serão os seguintes:<br />
1º Texto: Expansão do café e problemas econômico-financeiros<br />
2º Texto: <strong>Gestação</strong> da economia cafeeira<br />
Vejamos agora o primeiro texto em questão.<br />
Expansão do café e problemas econômicofinanceiros<br />
1.Formação da Agricultura Cafeeira<br />
Quando, no começo do século XVIII, o café foi introduzido no<br />
Brasil, a infusão feita com os frutos desta planta já era conhecida e<br />
apreciada na Europa, onde rivalizava com o chá e com outras bebidas<br />
estimulantes. Não sabemos exatamente a origem do café que veio<br />
pra cá, nem a data exata de sua introdução em nosso país. Hipóteses<br />
sem confirmação documental indicam Melo Palheta como o possível<br />
protagonista desta empreitada, e o ano de 1727 como a possível data,<br />
para este fato.<br />
No velho mundo, no entanto, a coffea arabica já tinha certa penetração,<br />
como produto de luxo, sendo indicada como paliativo para várias<br />
enfermidades: “seca todo o humor frio, expulsa os ventos, fortifica o<br />
fígado, alivia os hidrópicos pela sua qualidade purificante, igualmente<br />
soberana contra a sarna e a corrupção do sangue, refresca o coração<br />
e o bater vital dele; alivia aqueles que têm dores de estômago e que<br />
têm falta de apetite; é igualmente bom para as indisposições frias,<br />
úmidas ou pesadas do cérebro... O fumo que sai dela (vale) contra as<br />
defluxões dos olhos e os barulhos dos ouvidos, é soberana também<br />
para a respiração curta, para as constipações que atacam o pulmão,<br />
as dores nos rins, os vermes; alívio extraordinário após ter bebido<br />
Formação Econômica Brasileira - UVB<br />
Faculdade On-line UVB 122
demasiadamente ou comido. Não há nada melhor para os que comem<br />
muita fruta”¹, como dizia um anúncio parisiense.<br />
Em breve, as casas onde era servido (os cafés), passaram a ser uma<br />
espécie de ponto de encontro dos elegantes e dos intelectuais de<br />
Paris, Londres e outras cidades. Locais onde se tomava uma taça de<br />
fumegante Mokka, enquanto se discutia política e filosofia, criticavase<br />
Bousset, e lia-se Rousseau e Adam Smith.<br />
Mas, o café chegara ao Brasil em má hora. A mineração atraía a maior<br />
parte do capital e da mão-de-obra disponíveis, pouco sobrando para<br />
as atividades de lavoura. “Apesar de sua relativa antiguidade no país...<br />
a cultura do café não representa nada de apreciável até os primeiros<br />
anos do século passado. Disseminaram-se largamente no país, do<br />
Pará a Santa Catarina, do litoral até o interior (Goiás); mas apesar<br />
desta larga área de difusão geográfica, o cafeeiro tem uma expressão<br />
mínima no balanço da economia brasileira. Sua cultura destina-se,<br />
aliás, mais ao consumo doméstico nas fazendas e propriedades em<br />
que se encontra...Comercialmente, seu valor é quase nulo.”²<br />
Somente no começo do século XIX, quando o renascimento das<br />
atividades agrícolas no Brasil ocorreu, é que o café começou a projetarse<br />
como um produto economicamente importante para o país.<br />
Mesmo assim, neste período ainda não mostrava a força de expansão<br />
que teria a partir da década de 1830 (43,8%), uma vez que o açúcar e<br />
o algodão até então apareciam como os dois produtos de exportação<br />
fundamentais para o comércio exterior brasileiro. Até o fim do século<br />
XVIII, os dois grandes núcleos controladores do mercado mundial de<br />
café eram<br />
Londres e Amsterdã, pois as colônias inglesas e holandesas eram os<br />
maiores produtores da planta; mas a partir daí, os Estados Unidos,<br />
1 . BRAUDEL, Fernand. Civilização Material e Capitalismo. Lisboa: Editora Cosmos, 1970, pp. 208- 209.<br />
2 . PRADO JR., Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1959, p. 163.<br />
Formação Econômica Brasileira - UVB<br />
Faculdade On-line UVB 123
ecém independentes, passaram também a desempenhar o papel<br />
de grandes consumidores. Os norte-americanos preferiam negociar<br />
diretamente com produtores que não fossem colônias da Inglaterra e<br />
da Holanda, passando a comprar café brasileiro, o que proporcionou<br />
um grande estímulo a este tipo de lavoura no Brasil.3<br />
O Café Fluminense e Vale-Paraibano -- Os requisitos geoclimáticos<br />
do café colocaram-no na categoria de um vegetal exigente. Pois, as<br />
temperaturas não podiam ser nem muito elevadas nem muito baixas;<br />
sendo que o tipo de solo e sua qualidade nutritiva eram bem determinados;<br />
e os índices de precipitação pluviométrica deveriam ser regulares, e bem<br />
distribuídos ao longo do ano. Tratava-se, ao mesmo tempo, de uma planta<br />
que demoraria a dar seus primeiros resultados produtivos (em geral, cinco<br />
anos); ao contrário da cana-de-açúcar, por exemplo, cuja primeira safra já<br />
se dava no primeiro ano após o plantio.<br />
Foi na região sudeste do Brasil (Rio de Janeiro, sudeste de Minas<br />
Gerais e São Paulo) que o café encontrou condições mais favoráveis<br />
para o seu desenvolvimento. O nordeste, tradicionalmente açucareiro<br />
e produtor de algodão, passando por uma séria crise econômica, não<br />
se adaptaria às novas lavouras, principalmente em decorrência das<br />
suas exigências climáticas.<br />
Neste quadro econômico, coube ao Rio de Janeiro a primazia do<br />
estabelecimento das grandes fazendas de café, a partir do seu litoral,<br />
espalhando-se pelas áreas montanhosas próximas, e descendo para o<br />
sul, em direção a Angra dos Reis e a Parati, para finalmente atingir o<br />
litoral norte de São Paulo (Ubatuba, Caraguatatuba e São Sebastião).<br />
Esta foi a primeira zona cafeeira importante do Brasil. Em 1806, esta<br />
região exportou 1233675 kg de café, sendo que um terço dos quais,<br />
para os Estados Unidos.<br />
“A trajetória comercial do café começaria, sem mais tardar, num salto<br />
3 . Cf. PRADO JR., Caio, op. cit., p. 164.<br />
Formação Econômica Brasileira - UVB<br />
Faculdade On-line UVB 124
para a província fluminense, onde seguiria, nos primeiros tempos, a<br />
trilha da lavoura canavieira, para depois tomar seu próprio caminho<br />
terra acima. Rumando para noroeste da província estabeleceu em<br />
São João Marcos e Resende os seus centros mais importantes; para o<br />
Norte fixou-se em vassouras, Valença e Paraíba do Sul; tempos depois<br />
demandaria o leste, tendo Cantagalo como seu ponto de apoio”.4<br />
Os dados disponíveis mostram-nos que, por volta de 1820, a região<br />
fluminense ainda não havia atingido o máximo de sua prosperidade<br />
cafeeira, pois não existiam propriedades com mais de 20 mil pés de<br />
café em todo aquele território. Após a independência, com o aumento<br />
da procura do produto no mercado mundial, e o conseqüente<br />
aumento de preços, houve uma aceleração no crescimento das<br />
plantações de café, que começaram a se expandir rumo ao vale do rio<br />
Paraíba. “Subindo o Paraíba em direção a São Paulo, tomaram notável<br />
incremento em Bananal e Areias, onde se contavam respectivamente,<br />
82 e 238 fazendas de café, no ano de 1837, segundo dados do Marechal<br />
<strong>Da</strong>niel Pedro Müller.”5<br />
Na passagem do ano de 1837 para o de 1838, o café já conseguia<br />
ultrapassar o açúcar na pauta de exportações brasileiras,<br />
correspondendo naquela época a mais da metade do valor das<br />
relações externas do país. Eram os primeiros sintomas importantes<br />
dos novos rumos significativos da economia do Brasil.<br />
No Rio de Janeiro e no Vale do Paraíba, formavam-se as imensas<br />
fortunas dos barões do café que foram um dos firmes sustentáculos<br />
do império até a sua queda, em 1889.<br />
“Até o terceiro quartel do século passado, toda essa área que abrange<br />
a bacia do Paraíba e regiões adjacentes será o centro por excelência da<br />
produção cafeeira do Brasil. Comercialmente, orienta-se para o Rio<br />
de Janeiro, que é o porto de escoamento do produto e por isso seu<br />
4 .GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro Séculos de Latifúndio. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1968, p. 78.<br />
5 .Idem, ibidem, p. 79.<br />
Formação Econômica Brasileira - UVB<br />
Faculdade On-line UVB 125
centro financeiro e controlador. Pouco depois da metade do século<br />
passado, esta área representa o setor mais rico e progressista do país,<br />
concentrando a maior parcela de suas atividades econômicas. Atinge<br />
também, pela mesma época, o auge de seu desenvolvimento; logo<br />
virá o declínio. Repetia-se, mais uma vez, o ciclo normal das atividades<br />
produtivas no Brasil: a uma fase de intensa e rápida prosperidade,<br />
segue-se outra de estagnação e decadência... A causa é sempre<br />
semelhante: o esgotamento acelerado das reservas naturais por<br />
um sistema de exploração descuidado e extensivo.”6 Caio Prado Jr.<br />
mostra-nos como o desmatamento indiscriminado, a erosão, e a má<br />
distribuição dos pés de café, transformaram a esfuziante prosperidade<br />
do café vale-paraibano em um melancólico declínio, após algumas<br />
dezenas de anos.<br />
O Café em São Paulo – “A superioridade manifestada pela economia<br />
cafeeira no Primeiro Império e na Regência, transformou-se numa<br />
força avassaladora no Segundo Império”7. Foi exatamente durante<br />
esta época, correspondente à segunda metade do século XIX, que<br />
o café encontrou, no Brasil, a zona ideal para o seu cultivo: o oeste<br />
paulista, na região que vai de Campinas a Ribeirão Preto. Ali, onde até<br />
meados do século passado desenvolvera-se uma lavoura canavieira de<br />
importância, começaram a surgir, plantados na terra roxa, os grandes<br />
cafezais. Pois, é meados de 1836, escreve<br />
Sérgio Buarque de Holanda, que “Campinas produziu apenas 8.801<br />
arrobas de café e ocupa o nono lugar entre os principais municípios<br />
cafeeiros... Em 1854, com 335.550 arrobas, quase quarenta vezes<br />
mais, passa a quarto lugar, logo depois de Bananal, Taubaté e<br />
Pindamonhangaba. Limeira, por sua vez, que não figurava entre os<br />
produtores de café recenseados, situa-se, dezoito anos depois, com<br />
121.800 arrobas, em nono lugar,<br />
6 .PRADO JR., Caio, op. cit., p. 166<br />
7 .LIMA, Heitor Ferreira. História Político-Econômica e Industrial do Brasil. São Paulo: Cia Ed. Nacional, 1970, p. 228.<br />
Formação Econômica Brasileira - UVB<br />
Faculdade On-line UVB 126
acima de Paraibuna, Vila Bela, Moji das Cruzes e Guaratinguetá”8, estas<br />
todas, também cidades vale-paraibanas.<br />
De acordo com os dados de Afonso Taunay, em sua Pequena História<br />
do Café no Brasil, enquanto no decênio de 1841-1850 a produção<br />
brasileira foi de 17.121 sacas de 60 quilos, no decênio seguinte ela saltou<br />
para 26.253 sacas. A contribuição de São Paulo para estes índices já<br />
era, nesta época, de cerca de 15% do total. O Porto de Santos, cuja<br />
primeira remessa de café para o exterior data de 1792 9, passaria a<br />
ser o primeiro centro portuário de exportação do produto durante a<br />
década de 1860.<br />
“Em matéria de organização, a lavoura cafeeira seguiu os moldes<br />
tradicionais e clássicos da agricultura do país: a exploração em larga<br />
escala, tipo plantação (a plantation dos economistas ingleses), fundada<br />
na grande propriedade monocultural trabalhada por escravos negros,<br />
substituídos mais tarde... por trabalhadores assalariados”10. Sobre a<br />
adoção do trabalho livre nas fazendas do oeste paulista, devemos<br />
lembrar que o pioneiro desta iniciativa foi o Senador Nicolau de<br />
Campos Vergueiro, político e grande latifundiário, que trouxe, em<br />
1847, “suíços e alemães para trabalhar em sua fazenda de Ibicaba, no<br />
município de Limeira”<strong>11</strong>.<br />
Apesar disso, a mão-de-obra assalariada só se tornaria importante no<br />
contexto da economia brasileira, depois de 1870.<br />
Segundo Roberto Simonsen, as primeiras fazendas de café, tanto no<br />
Vale do Paraíba, como no interior de São Paulo, não possuíam mais do<br />
que 50 mil pés. Aos poucos, principalmente nesta última área, surgiram<br />
fazendas que ultrapassavam a casa dos 400 ou 500 mil cafeeiros, para,<br />
mais tarde, chegarem a sobrepujar a casa dos 1.100 mil pés.<br />
8 .HOLANDA, Sérgio Buarque de. São Paulo. In: História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo:<br />
.DIFEL, 1964, tomo II, 2º vol., p. 463.<br />
9 .Cf. idem, ibidem, p. 421.<br />
10 .Prado Jr., Caio, op. cit., pp. 169 e 170<br />
<strong>11</strong> .MARANHÃO, Ricardo. Martinho Prado Jr. In: Suplemento do Centenário de “O Estado de São Paulo”,<br />
nº 7, 15/2/1975.<br />
Formação Econômica Brasileira - UVB<br />
Faculdade On-line UVB 127
Caio Prado indica que, a maior fazenda de café do Brasil (a São Martinho,<br />
em Ribeirão Preto), chegou a possuir mais de três milhões de plantas.<br />
O latifúndio de café seguia muito de perto o velho modelo do engenho<br />
açucareiro nordestino; que tendia à auto-suficiência, com produção de<br />
bens de consumo local (agricultura de subsistência), possuindo sua casa<br />
grande, sua senzala (para os escravos), ou colônias (para os trabalhadores<br />
livres), tendo ainda suas oficinas de pequenos serviços, suas criações, etc.<br />
O desenvolvimento das vias férreas, a partir da década de 1850 (como<br />
a São Paulo Railway, futura Santos a Jundiaí), não só diminuiu este<br />
isolamento, como proporcionou ainda maior impulso ao café paulista,<br />
facilitando o escoamento do produto.<br />
Nos últimos anos do século XIX, São Paulo já contribuía com quase<br />
a metade da produção global do país, e as fazendas paulistas se<br />
constituíam em verdadeiras empresas no sentido moderno da<br />
palavra, com a utilização de máquinas agrícolas (arados, ventiladores,<br />
despolpadores e separadores de grãos), e com a sensível elevação<br />
do grau de divisão do trabalho, propiciando o surgimento de várias<br />
tarefas especializadas que aumentassem a produtividade.<br />
As duas importantes áreas de produção de café – a fluminense e valeparaibana<br />
de um lado, e a do oeste paulista, de outro –, apresentavamse<br />
assim com características diversas: escravismo intransigente nas<br />
primeiras, e tendências a substituir o trabalho escravo pelo assalariado<br />
na segunda; aplicação de métodos rudimentares, e essencialmente<br />
manuais na primeira, e introdução da mecanização na segunda;<br />
baixo índice de especialização na primeira, e aprofundamento da<br />
divisão do trabalho na segunda; os cafeicultores fluminenses e valeparaibanos<br />
constituindo-se em verdadeiros latifundiários tradicionais,<br />
e patriarcais, semelhantes à aristocracia açucareira nordestina da<br />
época colonial, sendo que os do oeste paulista já apresentavam um<br />
tipo social mais próximo de uma burguesia agrária, com empresários<br />
no sentido capitalista do termo.12 Resta-nos lembrar que, ao contrário<br />
Formação Econômica Brasileira - UVB<br />
Faculdade On-line UVB 128
das atividades econômicas que marcaram o período colonial, cujas<br />
fontes de financiamento do capital inicial foram externas (comerciantes<br />
holandeses e alemães, principalmente); no caso do café aconteceu<br />
o inverso, e as lavouras foram financiadas fundamentalmente com<br />
recursos internos.13<br />
No caso fluminense estes recursos foram obtidos principalmente de<br />
comerciantes cariocas, ligados ao mercado local, ou que se dedicavam<br />
ao transporte de mercadorias (caravanas de mulas), e mesmo de<br />
um pequeno capital acumulado por meio das velhas lavouras de<br />
subsistência da região, cujo produto era vendido às áreas de mineração.<br />
No oeste paulista houve, da mesma forma, certa acumulação de<br />
capitais graças às lavouras de açúcar e algodão e, principalmente,<br />
à criação de cavalos e mulas, cujo centro principal era a cidade de<br />
Sorocaba. A utilização deste capital disponível foi fundamental para a<br />
formação das grandes fazendas de café desta região.<br />
1.Economia e Finanças : Crise Estrutural<br />
A libertação econômica do Brasil em relação ao monopólio comercial<br />
português, ocorrida a partir de 1808, trouxera ao país os benefícios<br />
do comércio livre com todas as nações do mundo, estimulando<br />
indubitavelmente nosso comércio exterior: “... em 1812, a exportação<br />
cifra-se em cerca de 4.000 contos de réis e a importação em 2.500;<br />
em 1816 estes números sobem respectivamente para 9.600 e 10.300;<br />
e, em 1822... 19.700 e 22.500. A ascensão continua, em seguida,<br />
ininterruptamente. Isto se deve em parte, é verdade, à desvalorização<br />
da moeda, que em ouro, vai num contínuo declínio.<br />
Mesmo contudo, com esta desvalorização monetária, o progresso do<br />
intercâmbio exterior do Brasil é muito grande.”14<br />
12 .Cf. FRANCO, Maria Silvia de Carvalho. Homens Livres na Ordem Escravocrata. São Paulo: Editora<br />
Ática, São Paulo, 1974.<br />
13 .A respeito disso ver FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Editora Fundo da<br />
Cultura, 1964.<br />
Formação Econômica Brasileira - UVB<br />
Faculdade On-line UVB 129
Se é verdade, no entanto, que o Brasil passava por uma época de euforia<br />
econômica, com uma verdadeira ânsia de comprar e vender, com as<br />
lojas abarrotadas de mercadorias estrangeiras, principalmente inglesas,<br />
também é verdade que, mesmo antes da separação definitiva de Portugal,<br />
o país sofreu uma séria de problemas econômicos e financeiros, que se<br />
prolongaram durante toda a primeira metade do século XIX.<br />
O economista Celso Furtado indica que a causa principal destes<br />
problemas econômicos, e da quase estagnação da economia brasileira<br />
nesta época foi a sensível diminuição do valor relativo das exportações<br />
diante das importações da nação. “As estatísticas das exportações, por<br />
produtos principais proporcionam uma visão mais clara da matéria.<br />
Entre 1821-1830 e 1841-1850, o valor em libras das exportações de açúcar<br />
cresceu em 24 por cento, vale dizer, com uma taxa média anual de 1,1<br />
por cento; o das exportações de algodão se reduziu à metade; o das de<br />
couros e peles se reduziu em 12 por cento, e o das de fumo permaneceu<br />
estacionário. Desses produtos, o único cujos preços se mantiveram<br />
estáveis, foi o fumo. Os exportadores de açúcar, para receber 24 por<br />
cento a mais em valor, mais que dobraram a quantidade exportada; os<br />
de algodão receberam a metade do valor, exportando apenas 10 por<br />
cento menos, e os couros e peles mais que dobraram a quantidade para<br />
receber um valor em 12 por cento inferior.”15<br />
Várias razões explicam a queda dos preços dos produtos de exportação<br />
brasileiros. No caso do açúcar, além da concorrência já antiga das<br />
Antilhas, surgiu também, no começo do século XIX, a competição do<br />
açúcar extraído de beterraba, produzido principalmente na França, a<br />
partir da época napoleônica, e que passou a ser utilizado largamente<br />
em toda a Europa, diminuindo ainda mais a já reduzida faixa de<br />
mercado que cabia ao açúcar de cana do Brasil.<br />
O aviltamento dos preços foi a conseqüência inevitável destes fatos.<br />
14 .PRADO JR.., Caio, op. cit., p. 135<br />
15 .FURTADO, Celso, op. cit., p. 199.<br />
Formação Econômica Brasileira - UVB<br />
Faculdade On-line UVB 130
O algodão, por outro lado, não tinha condições de concorrer<br />
com a enorme produção norte-americana, que abastecia quase<br />
completamente os maiores consumidores mundiais do produto: as<br />
indústrias têxteis britânicas. “Com efeito, a produção de algodão dos<br />
EUA, de 80 milhões de toneladas no qüinqüênio de 18<strong>11</strong>-1815, subiu<br />
para 209 milhões no qüinqüênio de 1821 a 1825, atingindo 398 milhões<br />
entre 1831-1835. Desses totais, as exportações norte-americanas foram<br />
de 52,83% no primeiro qüinqüênio antes mencionado, de 72,9%<br />
no segundo, e de 83,57% no terceiro.”16 Este notável incremento da<br />
produção ianque de algodão deveu-se principalmente à mecanização<br />
introduzida em suas áreas agrícolas. A saw-gin (máquina de descaroçar<br />
algodão) aumentou em cerca de 50 vezes a produtividade de suas<br />
lavouras algodoeiras; enquanto isso, o Brasil continuava a praticar o<br />
descaroçamento manual, pelo método milenar da churka indiana.<br />
A exportação de couros também encontrava sérias dificuldades, cuja<br />
origem se achava na concorrência de similares platinos (argentinos e<br />
uruguaios), que causou a redução dos preços acima referida.<br />
Finalmente, o próprio tabaco, cujos preços não haviam sofrido<br />
alterações sensíveis, começava a enfrentar problemas devido às<br />
restrições cada vez maiores ao tráfico negreiro, durante essa primeira<br />
metade do século XIX, as quais retiravam aos produtores brasileiros<br />
alguns de seus melhores fregueses: os traficantes de escravos.<br />
O café mesmo que em fase de expansão exportadora, não conseguia<br />
ainda cobrir os déficits da balança comercial, pois o Brasil importava<br />
quase todos os produtos manufaturados de consumo interno: tecidos,<br />
ferragens, louças, calçados, vidros, azeites, farinha de trigo, armas,<br />
brinquedos, ferramentas, etc.<br />
Dentro deste quadro, a balança comercial brasileira achava-se em<br />
uma situação problemática, com um déficit quase constante, já que<br />
o valor das exportações era permanentemente superado pelo das<br />
importações. A tabela abaixo, extraída do livro de Caio Prado Jr.,<br />
16 . FURTADO, Celso, op. cit., p. 199.<br />
Formação Econômica Brasileira - UVB<br />
Faculdade On-line UVB 131
História Econômica do Brasil, fornece-nos o valor das exportações<br />
e importações brasileiras em contos de réis:<br />
DECÊNIOS EXPORTAÇÃO IMPORTAÇÃO<br />
1821-1830 243.263 265.164<br />
1831-1840 348.258 385.742<br />
1841-1850 487.540 540.944<br />
1851-1860 900.534 1.016.686<br />
Houve, durante este período, um ou outro ano em que as exportações<br />
superaram as importações (como em 1823, 1828, 1833, 1836, 1846,<br />
1848, 1849, 1855 e 1856); mas, no conjunto, o saldo foi sempre negativo.<br />
O déficit global, entre 1821 e 1860, foi de 233.923 contos de réis .<br />
A solução evidentemente paliativa, e que geraria, a longo prazo,<br />
problemas ainda maiores, foi a de conseguir empréstimos no exterior,<br />
essencialmente na Inglaterra, além de desvalorizar a taxa cambial,<br />
para cobrir os déficits na balança comercial. Tais empréstimos, que<br />
resolveram os problemas em termos imediatos, provocavam novos<br />
aumentos da dívida externa do país, com o pagamento dos juros<br />
correspondentes e das taxas de serviços, que eram extremamente<br />
altas. O Brasil entrava num círculo vicioso, no qual novos empréstimos<br />
eram contraídos, para saldar os anteriores, e assim sucessivamente.<br />
Até à proclamação da República, o país havia pedido 17 empréstimos,<br />
no valor global de 32 milhões de libras, e pagando perto de um<br />
milhão e meio de libras por ano, de juros e amortizações; sendo que<br />
destes empréstimos, treze foram destinados à cobertura dos déficits<br />
orçamentários, e os demais para a compra de material ferroviário.18<br />
Paulatinamente, o ouro e a prata foram sendo drenados para fora do país,<br />
a ponto de obrigar a adoção, primeiramente, de moedas de cobre e, mais<br />
tarde, de papel-moeda. Declinava violentamente o valor do mil-réis no<br />
17 .Cf. Prado Jr., Caio, op. cit., p. 136<br />
18 .Cf. CALÓGERAS, João Pandiá. Formação Histórica do Brasil. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1966, p. 157.<br />
Formação Econômica Brasileira - UVB<br />
Faculdade On-line UVB 132
mercado cambial: de 70 pence, que era o seu valor em 1808, ele caiu para<br />
28 pence em 1850. A emissão descontrolada de papel-moeda provocava<br />
a inflação e, conseqüentemente, as altas do custo de vida. 19<br />
Ocorria, além do mais, a constante falsificação da moeda de cobre em<br />
circulação. “Calcula-se que durante o reinado de D. Pedro I a moeda<br />
falsa chegou a representar 30% da massa circulante. Essa situação<br />
ocorria porque uma libra custava no mercado 18 vinténs (360 réis) e<br />
dava para cunhar peças no valor de 2.000 réis, o que representava lucro<br />
fabuloso, remunerando de modo extraordinário os falsificadores.<br />
Realizava-se nessas condições uma competição muito forte entre a<br />
iniciativa privada e a Casa da Moeda, gerando uma confusão tremenda<br />
na política monetária. <strong>Da</strong>ta daí uma emissão descontrolada de papel<br />
inconversível, que os gastos crescentes dos governos não fizeram<br />
mais do que agravar, com o correr do tempo” 20<br />
Os Déficits Orçamentários – Dentro do panorama econômicofinanceiro<br />
da primeira metade do século XIX, outro aspecto que deve<br />
ser salientado é relativo aos constantes déficits a que estava sujeito o<br />
orçamento governamental.<br />
A receita dos governos da época provinha dos impostos e dependia,<br />
por isto, do funcionamento eficiente do sistema tributário. No Brasil, o<br />
sistema fiscal apresentava falhas das mais clamorosas, provocando uma<br />
receita que podia ser considerada íntima (de cunho particular).<br />
Em primeiro lugar, as formas de cobrança dos impostos eram as<br />
mais variadas e confusas possível, indo desde o arrendamento (ou<br />
contratação) até à cobrança por agentes do governo, o que dificultava<br />
não apenas a fiscalização, mas até mesmo uma previsão orçamentária.<br />
Em seguida, a própria situação política, a partir de 1821, até 1840, criava<br />
19. Cf. Prado Jr., Caio, op. cit., p. 136<br />
20. LIMA, Heitor Ferreira. História Político-Econômica e Industrial do Brasil, p. 215.<br />
Formação Econômica Brasileira - UVB<br />
Faculdade On-line UVB 133
obstáculos quase insuperáveis para carrear as taxas ao Tesouro Público.<br />
As constantes revoltas e sublevações das províncias e sua oposiçãoao<br />
governo central faziam muitas vezes com que os governos provinciais<br />
se recusassem a enviar ao Rio de Janeiro os impostos arrecadados.<br />
O imposto territorial, que poderia ser uma apreciável fonte de<br />
recursos para o governo, não era praticamente cobrado, por<br />
contrariar frontalmente os interesses da aristocracia agrária<br />
dominante. Os tributos alfandegários tornaram-se, desta forma,<br />
o principal elemento da receita orçamentária neste período. No<br />
entanto, devemos lembrar que, os impostos sobre a importação<br />
eram ridiculamente baixos.<br />
Desde os tratados de 1810, os produtos ingleses gozavam da<br />
tarifa preferencial de 15% ad valorem, enquanto as demais<br />
nações pagavam 24% de imposto. Em 1828, por iniciativa de<br />
Bernardo Pereira de Vasconcelos, a tarifa de 15% foi estendida<br />
a todos os demais países22, o que diminuiu ainda mais a já<br />
pequena arrecadação. A adoção de imposto de exportação de<br />
8% (Lei Calmon, de 1836) pouco alívio trouxe às combalidas<br />
finanças imperiais, gerando, além do mais, manifestações de<br />
descontentamento dos exportadores.<br />
Em contraposição, os gastos de D. Pedro I e da regência eram bastante<br />
elevados. Durante o Primeiro Império, as despesas com a Guerra da<br />
Independência, o pagamento de mercenários ingleses, a aquisição<br />
de equipamento naval, os gastos com a repressão à Confederação<br />
do Equador, e com a Guerra da Cisplatina foram imensos. <strong>Da</strong> mesma<br />
forma, no período regencial, o esmagamento das revoltas provinciais,<br />
como Cabanagem, a Balaiada, a Farroupilha, entre outras, consumiu<br />
quantias muito consideráveis.<br />
A “Tarifa Alves Branco” - Essa política alfandegária livre-cambista<br />
iria manter-se em vigor até 1844, quando foi estipulada a famosa<br />
tarifa Alves Branco.<br />
Formação Econômica Brasileira - UVB<br />
Faculdade On-line UVB 134
Num ato de quase desespero, pela situação tremendamente difícil<br />
das finanças públicas, o governo adotou uma nova política com<br />
relação aos impostos alfandegários. Seu objetivo era essencialmente<br />
o de tentar solucionar o problemas do orçamento deficitário, mas a<br />
medida acabou tendo também um caráter protecionista, uma vez que<br />
favoreceu (ainda que timidamente) o crescimento de alguns setores<br />
econômicos nacionais.<br />
A nova política alfandegária teve no então Ministro da Fazenda,<br />
Manuel Alves Branco (1797-1855) o seu principal defensor. O futuro<br />
Visconde de Caravelas assinou, em 1844, um decreto que modificava<br />
as taxas aduaneiras referentes a quase três mil artigos importados.<br />
Alguns destes produtos tiveram seus impostos aumentados para<br />
30% ad valorem, outros para 40, 50 e 60%. Esta variação dependia<br />
do fato de o artigo em questão poder ou não ser produzido no Brasil,<br />
e também de sua importância para o consumo interno do país.<br />
Como não podia deixar de ser, a medida suscitou violentos protestos<br />
da parte dos principais prejudicados: internamente, os comerciantes<br />
ligados à importação, geralmente estrangeiros; e externamente, as<br />
nações exportadoras, sobretudo a Inglaterra. Diga-se de passagem,<br />
aliás, que o Bill Aberdeen, além de corresponder à orientação da<br />
política inglesa desde o começo do século XIX foi provavelmente<br />
precipitado para servir como represália às novas taxas alfandegárias<br />
adotadas pelo Brasil, embora estas representassem apenas uma ainda<br />
tímida tentativa protecionista. De qualquer forma, embora muitos<br />
problemas persistissem nos anos posteriores, a tarifa Alves Branco<br />
aliviou sensivelmente a situação orçamentária do Segundo Império.<br />
<strong>Gestação</strong> da economia cafeeira<br />
Dificilmente, um observador, que estudasse a economia brasileira<br />
pela metade do século XIX, chegaria a perceber a amplitude das<br />
Formação Econômica Brasileira - UVB<br />
Faculdade On-line UVB 135
transformações que nela se operariam no correr do meio século<br />
que se iniciava. Haviam decorrido três quartos de século em que a<br />
característica dominante fora a estagnação ou a decadência. Ao<br />
rápido crescimento demográfico de base migratória dos três primeiros<br />
quartéis do século XVIII, sucedera um crescimento vegetativo<br />
relativamente lento no período subseqüente. As fases de progresso,<br />
como a que conheceu o Maranhão, haviam sido de efeitos locais, sem<br />
chegar a afetar o panorama geral. A instalação de um rudimentar<br />
sistema administrativo, a criação de um banco nacional, e umas<br />
poucas outras iniciativas governamentais constituíam – ao lado da<br />
preservação da unidade nacional –, o resultado líquido deste longo<br />
período de dificuldades. As novas técnicas criadas pela revolução<br />
industrial escassamente haviam penetrado no país, e quando o<br />
fizeram foi sob a forma de bens ou serviços de consumo sem afetar<br />
a estrutura do sistema produtivo. Por último, o problema nacional<br />
básico – a expansão da força de trabalho do país –, encontrava-se em<br />
verdadeiro impasse: estancara-se a tradicional fonte africana sem que<br />
se vislumbrasse uma solução alternativa.<br />
Ao observador de hoje, afigura-se perfeitamente claro que, para<br />
superar a etapa de estagnação, o Brasil necessitava reintegrar-se<br />
nas linhas em expansão do comércio internacional. Em um país sem<br />
técnica própria, e no qual praticamente não se formavam capitais<br />
que pudessem ser desviados para novas atividades, a única saída<br />
que oferecia o século XIX para o desenvolvimento era o comércio<br />
internacional. Desenvolvimento com base em mercado interno só<br />
se torna possível quando o organismo econômico alcançou um<br />
determinado grau de complexidade, que se caracterizava por uma<br />
relativa autonomia tecnológica. Já assinalamos a importância que<br />
teve no desenvolvimento dos Estados Unidos, na primeira metade<br />
do século passado, o dinamismo do seu setor exportador. Tampouco<br />
seria possível contar com um influxo de capitais forâneos em uma<br />
economia estagnada. Os poucos empréstimos externos, contraídos<br />
na primeira metade do século, tiveram objetivos improdutivos e,<br />
como conseqüência, agravaram enormemente a precária situação<br />
Formação Econômica Brasileira - UVB<br />
Faculdade On-line UVB 136
fiscal. Estagnadas as exportações e impossibilitado o governo de<br />
aumentar o imposto às importações, o serviço da dívida externa teria<br />
de criar sérias dificuldades fiscais, as quais, por seu lado, contribuíram<br />
para reduzir o crédito público. A corrente de capitais do século XIX<br />
era principalmente de inversões indiretas. Para levantar recursos<br />
nos mercados de capitais era necessário apresentar projetos com<br />
perspectivas muito atrativas ou oferecer garantias de juros subscritas<br />
por quem tivesse o necessário crédito. As possibilidades de apresentar<br />
projetos atrativos em uma economia estagnada teriam de ser<br />
praticamente nulas; por outro lado, que crédito poderia ter o governo<br />
de um país de economia em decadência, e cuja capacidade para<br />
arrecadar impostos estava cerceada? Para contar com cooperação<br />
do capital estrangeiro, a economia deveria primeiro retomar o<br />
crescimento com seus próprios meios.21<br />
As possibilidades de que as exportações tradicionais do Brasil voltassem<br />
a recuperar o dinamismo necessário para que o país entrasse em<br />
nova etapa de desenvolvimento eram remotas na metade do século<br />
passado. Já nos referimos à tendência dos preços desses produtos. O<br />
mercado do açúcar tornara-se cada vez menos promissor. O açúcar<br />
de beterraba, cuja produção se desenvolvera no continente europeu<br />
na etapa das guerras napoleônicas, enraizara-se em interesses criados<br />
dentro de tradicionais mercados importadores. O mercado inglês<br />
continuava a ser abastecido pelas colônias antilhanas. Nos Estados<br />
Unidos, que constituíam o mercado importador em mais rápida<br />
expansão, se desenvolvia amplamente a produção da Luisiânia,<br />
comprada aos franceses em 1803. Por último, cabe referir que surgira<br />
no mercado do açúcar um novo supridor cujas possibilidades se<br />
21 . A idéia de que os capitais ingleses não vieram para o Brasil na primeira metade do século passado<br />
em razão do conflito com o governo britânico, decorrente da persistência do tráfico de escravos<br />
africanos, não parece ter grande fundamento. As más relações com o governo inglês continuaram<br />
por vários anos depois da suspensão do tráfico, sem que isto haja impedido a criação de uma<br />
corrente apreciável de capital. Quando em 1863 o governo inglês, prevalecendo-se de motivos<br />
fúteis, bloqueou o porto do Rio de Janeiro e aprisionou vários barcos brasileiros com o objetivo de<br />
intimidar e submeter o governo imperial, houve um forte movimento de protesto na Inglaterra,<br />
dirigido por grupos financeiros com interesses no Brasil. Num artigo do <strong>Da</strong>ily News de 12 de fevereiro<br />
de 1863 se lê: “Who of us... can trade with Brazil or any other country, who can buy Brazilian or foreign<br />
bonds of any kind, who can with common prudence invest his money in the railways shares of small<br />
and defenceless sites… if mines like this are to be sprung under his feet by his own government?”<br />
Citado por A K. Manchester op. cit. p. 283<br />
Formação Econômica Brasileira - UVB<br />
Faculdade On-line UVB 137
definiam dia a dia como mais extraordinárias. Desfrutando de fretes<br />
extremamente baixos para os Estados Unidos, Cuba, que havia aberto os<br />
seus portos a todas as nações amigas, ainda como colônia espanhola,<br />
constituíra-se em principal supridor do mercado norte-americano. Suas<br />
exportações, que apenas alcançavam 20.000 toneladas a fins do século<br />
anterior, pela metade do século XIX, já superavam as 300.000 22, triplicando<br />
as vendas do Brasil na mesma época.<br />
A situação do algodão, segundo produto das exportações brasileiras no<br />
começo do século, ainda era pior do que a do açúcar. A produção norteamericana,<br />
integrada aos interesses do grande mercado importador<br />
inglês, beneficiando-se do rápido crescimento da procura interna 23,<br />
desfrutando de fretes relativamente baixos, sendo organizada dentro<br />
do regime escravista com mão-de-obra relativamente abundante, e<br />
dispondo de grande oferta de terras de primeira qualidade (que usava<br />
de forma destrutiva), dominava totalmente o mercado internacional de<br />
algodão. A produção de algodão havia constituído um magnífico negócio<br />
para algumas regiões do Brasil, particularmente o Maranhão, numa época<br />
em que o produto se vendia a preços extremamente elevados. Ao iniciarse<br />
a produção em grande escala nos Estados Unidos, e ao transformarem<br />
o algodão na principal matéria-prima do comércio mundial, os preços<br />
se reduziram a menos da terça parte, mantendo-se relativamente em<br />
torno deste nível, com flutuações, a partir do terceiro decênio do século<br />
passado. A este nível de preços, a rentabilidade do negócio algodoeiro<br />
era extremamente baixa no Brasil, constituindo para as regiões que<br />
o produziam um complemento da economia de subsistência. Será<br />
necessário que a guerra de secessão exclua temporariamente o algodão<br />
norte-americano do mercado mundial, para que a economia deste artigo<br />
conheça no século XIX uma nova etapa de prosperidade no Brasil .<br />
O fumo, os couros, o arroz e o cacau eram produtos menores, cujos<br />
mercados não admitiam grandes possibilidades de expansão. No<br />
22 . Para os dados sobre a exportação cubana ver GUERRA, Ramiro Y SANCHES, op. cit. Apêndice II.<br />
23 . O consumo de algodão nos Estados Unidos aumentou de uma média anual de 32,5 milhões de<br />
libras-peso em 1804-14, para 239,0 milhões em 1844-54; na Inglaterra o aumento foi de 89 milhões<br />
em 18<strong>11</strong>-19, para 640 milhões em 1845-54. Ver W. W. Rostow, op. cit. Appendix I.<br />
Formação Econômica Brasileira - UVB<br />
Faculdade On-line UVB 138
mercado dos couros pesava cada vez mais a produção do Rio da<br />
Prata, e na do arroz, a produção norte-americana que passara por<br />
fundamentais transformações nos métodos do cultivo. O fumo<br />
perdera o mercado africano, com a eliminação do tráfico de escravos,<br />
tendo sido necessário orientar o produto para outras regiões.<br />
Finalmente o cacau, cujo uso apenas começava a vulgarizar-se,<br />
constituía tão somente em uma esperança. O problema brasileiro<br />
consistia em encontrar produtos de exportação, em cuja produção<br />
entrasse como fator básico: a terra. Com efeito, a terra era o único fator<br />
de produção abundante no país. Capitais praticamente não existiam,<br />
e a mão-de-obra era basicamente constituída por um estoque de<br />
pouco mais de dois milhões de escravos, parte substancial dos quais<br />
permaneciam imobilizados na indústria açucareira, ou prestado a<br />
partir de serviços domésticos.<br />
Pela metade do século, entretanto, já se definira a predominância de<br />
um produto relativamente novo, cujas características de produção<br />
correspondiam exatamente às condições ecológicas do país. O café,<br />
se bem que fora introduzido no Brasil desde começos do século XVIII,<br />
e embora se cultivasse por todas as partes para fins de consumo local,<br />
assumia importância comercial no fim deste século, quando veio<br />
a ocorrer a alta de preços causada pela desorganização do grande<br />
produtor que era a colônia francesa do Haiti. No primeiro decênio<br />
da independência, o café já contribuía com 18 por cento do valor<br />
das exportações do Brasil, colocando-se em terceiro lugar depois<br />
do açúcar e do algodão. E nos dois decênios seguintes, já passara<br />
para o primeiro lugar, representando mais de quarenta por cento do<br />
valor das exportações. Conforme já observamos, todo o aumento<br />
que se constatou no valor das exportações brasileiras, no transcorrer<br />
da primeira metade do século passado, deveu-se estritamente à<br />
contribuição do café.<br />
Quando o café transformou-se em produto de exportação, o<br />
desenvolvimento de sua produção se concentrou na região<br />
Formação Econômica Brasileira - UVB<br />
Faculdade On-line UVB 139
montanhosa próxima da capital do país. Nas proximidades desta<br />
região, existia relativa abundância de mão-de-obra, em conseqüência<br />
da desagregação da economia mineira. Por outro lado, a proximidade<br />
do porto permitia solucionar o problema do transporte lançando mão<br />
do veículo que existia em abundância: a mula. Desta forma, a primeira<br />
fase da expansão cafeeira se realizou com base no aproveitamento<br />
de recursos preexistentes e subutilizados. A elevação dos preços,<br />
a partir do último decênio do século XVIII, determina a expansão<br />
da produção em várias partes da América e da Ásia. Esta expansão<br />
foi sucedida por um período de preços declinantes que se estende<br />
pelos anos trinta e quarenta. A baixa de preços, entretanto, não<br />
desencorajou os produtores brasileiros, que encontravam no café uma<br />
oportunidade para utilizar recursos produtivos semi-ociosos, desde a<br />
decadência da mineração. Com efeito, a quantidade exportada mais<br />
que quintuplicou entre 1821-30 e entre 1841-50, se bem que os preços<br />
médios tenham sido reduzidos em cerca de quarenta por cento,<br />
durante este período.<br />
O segundo e principalmente o terceiro quartel do século passado foram<br />
basicamente a fase de gestação da economia cafeeira. A empresa<br />
cafeeira permitiu a utilização intensiva da mão-de-obra escrava, e<br />
nisto se assemelhou à açucareira. Entretanto, apresentou também um<br />
grau de capitalização muito mais baixo do que esta última, porquanto<br />
se baseava mais amplamente na utilização do fator terra. Se bem que<br />
seu capital também tenha sido imobilizado – o cafezal era uma cultura<br />
permanente -, pois suas necessidades monetárias de reposição eram<br />
muito menores, uma vez que o equipamento era mais simples e quase<br />
sempre de fabricação local. Organizada com base no trabalho escravo,<br />
a empresa cafeeira se caracterizava por custos monetários ainda<br />
menores que os da empresa açucareira. Por conseguinte, somente<br />
uma forte alta nos preços da mão-de-obra poderia interromper o seu<br />
crescimento, no caso de haver abundância de terras. Como em sua<br />
primeira etapa, a economia cafeeira dispôs do estoque de mão-deobra<br />
escrava subtilizada da região da antiga mineração, isto explica<br />
porque o seu desenvolvimento tenha sido tão intenso, não obstante<br />
Formação Econômica Brasileira - UVB<br />
Faculdade On-line UVB 140
a tendência pouco favorável dos preços. No terceiro quarto do século,<br />
os preços do café se recuperaram amplamente, enquanto os do açúcar<br />
permaneceram deprimidos, criando-se uma forte pressão no sentido<br />
da transferência de mão-de-obra do norte para o sul do país.<br />
A etapa de gestação da economia cafeeira foi também a de formação<br />
de uma nova classe empresária que desempenharia papel fundamental<br />
no desenvolvimento subseqüente do país. Esta classe se formou<br />
inicialmente com homens da região. A cidade do Rio representava o<br />
principal mercado de consumo do país, e os hábitos de consumo de<br />
seus habitantes se haviam transformado substancialmente a partir<br />
da chegada da corte portuguesa. O abastecimento deste mercado<br />
passou a constituir-se na principal atividade econômica dos núcleos de<br />
população rural, que se haviam localizado no sul da província de Minas,<br />
como reflexo da expansão da mineração. O comércio de gêneros e de<br />
animais para o transporte destes iria constituir-se também nesta parte<br />
do país a base de uma atividade econômica de certa importância, a<br />
qual dera origem à formação de um grupo de empresários comerciais<br />
locais. Muitos desses homens, que haviam acumulado alguns capitais<br />
no comércio e transporte de gêneros e de café, passaram a interessarse<br />
pela produção de café, vindo a constituir-se na vanguarda da<br />
expansão cafeeira no Brasil.24<br />
Se compararmos o processo de formação das classes dirigentes das<br />
economias açucareiras com a da economia cafeeira, percebe-se<br />
facilmente algumas diferenças fundamentais. Na época de formação<br />
da classe dirigente açucareira, as atividades comerciais eram<br />
monopólio de grupos situados em Portugal ou Holanda.<br />
As fases produtiva e comercial eram rigorosamente isoladas, pois<br />
os faltava aos homens responsáveis pela sua produção, qualquer<br />
24 . A dificuldade de competir com o algodão norte-americano não era somente enfrentada pelo<br />
Brasil colonial. É sabido que o governo inglês, preocupado com a excessiva dependência da fonte<br />
norte-americana, nomeou mais de uma comissão para estudar as possibilidades de desenvolver a<br />
produção algodoeira dentro do Império, sendo medíocres os resultados.<br />
Formação Econômica Brasileira - UVB<br />
Faculdade On-line UVB 141
perspectiva de conjunto da economia açucareira. As decisões<br />
fundamentais eram todas tomadas a partir da fase comercial. Assim<br />
isolados, os homens que dirigiam a produção não puderam, de<br />
forma alguma, desenvolver uma consciência clara de seus próprios<br />
interesses. Com o tempo, foram perdendo sua verdadeira função<br />
econômica, e as tarefas diretivas passaram a constituir-se em simples<br />
rotina executada por feitores e outros empregados. Compreende-se,<br />
portanto, porque os antigos empresários hajam involuído em uma<br />
classe de rentistas ociosos, fechados em um pequeno ambiente rural,<br />
cuja expressão final viria a se tornar no patriarca bonachão que tanto<br />
espaço ocupou nos ensaios dos sociólogos nordestinos do século<br />
XX. A separação de Portugal não trouxe modificações fundamentais,<br />
permanecendo, portanto, a etapa produtiva isolada por homens de<br />
espírito puramente ruralista.<br />
Explica-se, assim, também a facilidade com que os interesses ingleses<br />
vieram a dominar tão completamente as atividades comerciais<br />
do nordeste açucareiro. Ao encontrarem-se debilitados os grupos<br />
portugueses, criou-se um vazio que foi facilmente preenchido pelos<br />
novos dominadores da economia açucareira.<br />
A economia cafeeira formou-se em condições bem distintas. Desde o<br />
começo, sua vanguarda esteve formada por homens com experiência<br />
comercial. Em toda a etapa de gestação, os interesses da produção e<br />
do comércio estiveram entrelaçados. A nova classe dirigente formouse<br />
a partir de uma luta que se estendeu em uma frente ampla:<br />
aquisição de terras, recrutamento de mão-de-obra, organização e<br />
direção da produção, transporte interno, comercialização nos portos,<br />
contatos oficiais, interferência na política financeira e econômica. A<br />
proximidade da capital do país constituía, evidentemente, em uma<br />
grande vantagem para os dirigentes da economia cafeeira. Desde<br />
cedo, eles compreenderam a enorme importância que podia ter o<br />
governo como instrumento de ação econômica. Esta tendência à<br />
subordinação do instrumento político aos interesses de um grupo<br />
econômico alcançara sua plenitude com a conquista da autonomia<br />
Formação Econômica Brasileira - UVB<br />
Faculdade On-line UVB 142
estadual, ao proclamar-se a República. O governo central estava<br />
submetido a interesses demasiadamente heterogêneos para<br />
responder com a necessária prontidão e eficiência aos chamados<br />
interesses locais. A descentralização do poder permitiu uma<br />
integração ainda mais completa dos grupos que dirigiam a empresa<br />
cafeeira com a maquinaria político-administrativa. Mas, não é o fato<br />
de que hajam controlado o governo, o que singularizou os homens<br />
do café. E sim, o fato de que eles hajam utilizado este controle para<br />
alcançar objetivos perfeitamente definidos dentro de uma política<br />
de interesses mercantis. É por esta consciência clara de seus próprios<br />
interesses que eles se diferenciaram de outros grupos dominantes<br />
anteriores ou contemporâneos.<br />
Ao concluir-se o terceiro quarto do século XIX, os termos do problema<br />
econômico brasileiro se haviam modificado basicamente. Surgira o<br />
produto que permitiria ao país reintegrar-se nas correntes em expansão<br />
do comércio mundial: o café. Encerrada sua etapa de gestação, a<br />
economia cafeeira encontrava-se em condições de autofinanciar sua<br />
extraordinária expansão subseqüente; e então estavam aí formados<br />
os quadros da nova classe dirigente que lideraria a grande expansão<br />
cafeeira. Restava por resolver, entretanto, o problema latente da mãode-obra<br />
adequada.<br />
Vimos na aula de hoje a formação e o funcionamento da economia<br />
cafeeira, isto é, o processo do aparecimento deste ciclo econômico,<br />
nos primórdios do Brasil independente. Resumidamente, o que<br />
deve ser ressaltado no aparecimento e consolidação da produção<br />
do café é a sua importância para a economia brasileira, pois este<br />
ciclo de expansão possibilitará ao Brasil a constituição de uma<br />
economia capitalista, fundamentada na mão-de-obra assalariada de<br />
trabalhadores imigrantes, e na acumulação de capitais pela burguesia<br />
agrária, que, posteriormente, irá investir em bancos, ferrovias,<br />
comércio e indústrias brasileiras.<br />
Formação Econômica Brasileira - UVB<br />
Faculdade On-line UVB 143
Na próxima aula, iremos abordar a questão da mão-de-obra para o<br />
ciclo cefeeiro: escravatura e trabalho do imigrante europeu. Até lá!<br />
Referência Bibliográfica<br />
FURTADO, Celso: Formação Econômica do Brasil. Capítulo XX: <strong>Gestação</strong><br />
<strong>Da</strong> Economia Cafeeira. Brasil/Portugal: Editora Fundo de Cultura, 1959,<br />
pp. 133-140.<br />
MENDES JR., Antonio et alii. BRASIL HISTÓRIA-Texto & Consulta, volume<br />
2: Império. Capítulo XLIX, Expansão do Café e Problemas Econômico-<br />
Financeiros. São Paulo: Editora Brasiliense, 1976, pp. 287-292.<br />
Formação Econômica Brasileira - UVB<br />
Faculdade On-line UVB 144