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Aula 11 Gestação e Funcionamento Da ... - Arquivos UNAMA

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<strong>Aula</strong> <strong>11</strong><br />

<strong>Gestação</strong> e <strong>Funcionamento</strong> <strong>Da</strong><br />

Economia Cafeeira (Século XIX)<br />

Objetivos da <strong>Aula</strong><br />

Os objetivos desta aula visam abordar o tema da formação e do<br />

desenvolvimento da agricultura cafeeira no século XIX, no Brasil, a<br />

partir da compreensão dos seguintes parâmetros fundamentais: (i)<br />

como e porque ocorreu sua formação; (ii) quais as especificidades<br />

de seu funcionamento; (iii) e quais as semelhanças e diferenças<br />

com outro ciclo econômico: o da agromanufatura açucareira.<br />

Ao final desta aula, você deverá estar apto a compreender a<br />

sociedade e economia brasileira no século XIX, além disso deverá<br />

saber como correlacionar e comparar os vários ciclos históricoeconômicos<br />

brasileiros.<br />

Caro aluno:<br />

Vamos nos dedicar, nesta aula, ao estudo da gestação e funcionamento<br />

da economia cafeeira. Procuraremos responder a algumas questões,<br />

dentre as quais: como e porque surgiu a agricultura do café no Brasil?<br />

Como e onde ocorreu seu desenvolvimento? Porque esta agricultura<br />

adquiriu tanta importância na história econômica do Brasil? E quais as<br />

semelhanças e diferenças com outros ciclos econômicos brasileiros?<br />

Para isto, faremos a leitura de alguns textos necessários. Procure lêlos,<br />

anotando os fatos, os processos, as principais características, bem<br />

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como os períodos e outros aspectos que julgar importante de acordo<br />

com o referencial do texto. Os textos serão os seguintes:<br />

1º Texto: Expansão do café e problemas econômico-financeiros<br />

2º Texto: <strong>Gestação</strong> da economia cafeeira<br />

Vejamos agora o primeiro texto em questão.<br />

Expansão do café e problemas econômicofinanceiros<br />

1.Formação da Agricultura Cafeeira<br />

Quando, no começo do século XVIII, o café foi introduzido no<br />

Brasil, a infusão feita com os frutos desta planta já era conhecida e<br />

apreciada na Europa, onde rivalizava com o chá e com outras bebidas<br />

estimulantes. Não sabemos exatamente a origem do café que veio<br />

pra cá, nem a data exata de sua introdução em nosso país. Hipóteses<br />

sem confirmação documental indicam Melo Palheta como o possível<br />

protagonista desta empreitada, e o ano de 1727 como a possível data,<br />

para este fato.<br />

No velho mundo, no entanto, a coffea arabica já tinha certa penetração,<br />

como produto de luxo, sendo indicada como paliativo para várias<br />

enfermidades: “seca todo o humor frio, expulsa os ventos, fortifica o<br />

fígado, alivia os hidrópicos pela sua qualidade purificante, igualmente<br />

soberana contra a sarna e a corrupção do sangue, refresca o coração<br />

e o bater vital dele; alivia aqueles que têm dores de estômago e que<br />

têm falta de apetite; é igualmente bom para as indisposições frias,<br />

úmidas ou pesadas do cérebro... O fumo que sai dela (vale) contra as<br />

defluxões dos olhos e os barulhos dos ouvidos, é soberana também<br />

para a respiração curta, para as constipações que atacam o pulmão,<br />

as dores nos rins, os vermes; alívio extraordinário após ter bebido<br />

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demasiadamente ou comido. Não há nada melhor para os que comem<br />

muita fruta”¹, como dizia um anúncio parisiense.<br />

Em breve, as casas onde era servido (os cafés), passaram a ser uma<br />

espécie de ponto de encontro dos elegantes e dos intelectuais de<br />

Paris, Londres e outras cidades. Locais onde se tomava uma taça de<br />

fumegante Mokka, enquanto se discutia política e filosofia, criticavase<br />

Bousset, e lia-se Rousseau e Adam Smith.<br />

Mas, o café chegara ao Brasil em má hora. A mineração atraía a maior<br />

parte do capital e da mão-de-obra disponíveis, pouco sobrando para<br />

as atividades de lavoura. “Apesar de sua relativa antiguidade no país...<br />

a cultura do café não representa nada de apreciável até os primeiros<br />

anos do século passado. Disseminaram-se largamente no país, do<br />

Pará a Santa Catarina, do litoral até o interior (Goiás); mas apesar<br />

desta larga área de difusão geográfica, o cafeeiro tem uma expressão<br />

mínima no balanço da economia brasileira. Sua cultura destina-se,<br />

aliás, mais ao consumo doméstico nas fazendas e propriedades em<br />

que se encontra...Comercialmente, seu valor é quase nulo.”²<br />

Somente no começo do século XIX, quando o renascimento das<br />

atividades agrícolas no Brasil ocorreu, é que o café começou a projetarse<br />

como um produto economicamente importante para o país.<br />

Mesmo assim, neste período ainda não mostrava a força de expansão<br />

que teria a partir da década de 1830 (43,8%), uma vez que o açúcar e<br />

o algodão até então apareciam como os dois produtos de exportação<br />

fundamentais para o comércio exterior brasileiro. Até o fim do século<br />

XVIII, os dois grandes núcleos controladores do mercado mundial de<br />

café eram<br />

Londres e Amsterdã, pois as colônias inglesas e holandesas eram os<br />

maiores produtores da planta; mas a partir daí, os Estados Unidos,<br />

1 . BRAUDEL, Fernand. Civilização Material e Capitalismo. Lisboa: Editora Cosmos, 1970, pp. 208- 209.<br />

2 . PRADO JR., Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1959, p. 163.<br />

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ecém independentes, passaram também a desempenhar o papel<br />

de grandes consumidores. Os norte-americanos preferiam negociar<br />

diretamente com produtores que não fossem colônias da Inglaterra e<br />

da Holanda, passando a comprar café brasileiro, o que proporcionou<br />

um grande estímulo a este tipo de lavoura no Brasil.3<br />

O Café Fluminense e Vale-Paraibano -- Os requisitos geoclimáticos<br />

do café colocaram-no na categoria de um vegetal exigente. Pois, as<br />

temperaturas não podiam ser nem muito elevadas nem muito baixas;<br />

sendo que o tipo de solo e sua qualidade nutritiva eram bem determinados;<br />

e os índices de precipitação pluviométrica deveriam ser regulares, e bem<br />

distribuídos ao longo do ano. Tratava-se, ao mesmo tempo, de uma planta<br />

que demoraria a dar seus primeiros resultados produtivos (em geral, cinco<br />

anos); ao contrário da cana-de-açúcar, por exemplo, cuja primeira safra já<br />

se dava no primeiro ano após o plantio.<br />

Foi na região sudeste do Brasil (Rio de Janeiro, sudeste de Minas<br />

Gerais e São Paulo) que o café encontrou condições mais favoráveis<br />

para o seu desenvolvimento. O nordeste, tradicionalmente açucareiro<br />

e produtor de algodão, passando por uma séria crise econômica, não<br />

se adaptaria às novas lavouras, principalmente em decorrência das<br />

suas exigências climáticas.<br />

Neste quadro econômico, coube ao Rio de Janeiro a primazia do<br />

estabelecimento das grandes fazendas de café, a partir do seu litoral,<br />

espalhando-se pelas áreas montanhosas próximas, e descendo para o<br />

sul, em direção a Angra dos Reis e a Parati, para finalmente atingir o<br />

litoral norte de São Paulo (Ubatuba, Caraguatatuba e São Sebastião).<br />

Esta foi a primeira zona cafeeira importante do Brasil. Em 1806, esta<br />

região exportou 1233675 kg de café, sendo que um terço dos quais,<br />

para os Estados Unidos.<br />

“A trajetória comercial do café começaria, sem mais tardar, num salto<br />

3 . Cf. PRADO JR., Caio, op. cit., p. 164.<br />

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para a província fluminense, onde seguiria, nos primeiros tempos, a<br />

trilha da lavoura canavieira, para depois tomar seu próprio caminho<br />

terra acima. Rumando para noroeste da província estabeleceu em<br />

São João Marcos e Resende os seus centros mais importantes; para o<br />

Norte fixou-se em vassouras, Valença e Paraíba do Sul; tempos depois<br />

demandaria o leste, tendo Cantagalo como seu ponto de apoio”.4<br />

Os dados disponíveis mostram-nos que, por volta de 1820, a região<br />

fluminense ainda não havia atingido o máximo de sua prosperidade<br />

cafeeira, pois não existiam propriedades com mais de 20 mil pés de<br />

café em todo aquele território. Após a independência, com o aumento<br />

da procura do produto no mercado mundial, e o conseqüente<br />

aumento de preços, houve uma aceleração no crescimento das<br />

plantações de café, que começaram a se expandir rumo ao vale do rio<br />

Paraíba. “Subindo o Paraíba em direção a São Paulo, tomaram notável<br />

incremento em Bananal e Areias, onde se contavam respectivamente,<br />

82 e 238 fazendas de café, no ano de 1837, segundo dados do Marechal<br />

<strong>Da</strong>niel Pedro Müller.”5<br />

Na passagem do ano de 1837 para o de 1838, o café já conseguia<br />

ultrapassar o açúcar na pauta de exportações brasileiras,<br />

correspondendo naquela época a mais da metade do valor das<br />

relações externas do país. Eram os primeiros sintomas importantes<br />

dos novos rumos significativos da economia do Brasil.<br />

No Rio de Janeiro e no Vale do Paraíba, formavam-se as imensas<br />

fortunas dos barões do café que foram um dos firmes sustentáculos<br />

do império até a sua queda, em 1889.<br />

“Até o terceiro quartel do século passado, toda essa área que abrange<br />

a bacia do Paraíba e regiões adjacentes será o centro por excelência da<br />

produção cafeeira do Brasil. Comercialmente, orienta-se para o Rio<br />

de Janeiro, que é o porto de escoamento do produto e por isso seu<br />

4 .GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro Séculos de Latifúndio. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1968, p. 78.<br />

5 .Idem, ibidem, p. 79.<br />

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centro financeiro e controlador. Pouco depois da metade do século<br />

passado, esta área representa o setor mais rico e progressista do país,<br />

concentrando a maior parcela de suas atividades econômicas. Atinge<br />

também, pela mesma época, o auge de seu desenvolvimento; logo<br />

virá o declínio. Repetia-se, mais uma vez, o ciclo normal das atividades<br />

produtivas no Brasil: a uma fase de intensa e rápida prosperidade,<br />

segue-se outra de estagnação e decadência... A causa é sempre<br />

semelhante: o esgotamento acelerado das reservas naturais por<br />

um sistema de exploração descuidado e extensivo.”6 Caio Prado Jr.<br />

mostra-nos como o desmatamento indiscriminado, a erosão, e a má<br />

distribuição dos pés de café, transformaram a esfuziante prosperidade<br />

do café vale-paraibano em um melancólico declínio, após algumas<br />

dezenas de anos.<br />

O Café em São Paulo – “A superioridade manifestada pela economia<br />

cafeeira no Primeiro Império e na Regência, transformou-se numa<br />

força avassaladora no Segundo Império”7. Foi exatamente durante<br />

esta época, correspondente à segunda metade do século XIX, que<br />

o café encontrou, no Brasil, a zona ideal para o seu cultivo: o oeste<br />

paulista, na região que vai de Campinas a Ribeirão Preto. Ali, onde até<br />

meados do século passado desenvolvera-se uma lavoura canavieira de<br />

importância, começaram a surgir, plantados na terra roxa, os grandes<br />

cafezais. Pois, é meados de 1836, escreve<br />

Sérgio Buarque de Holanda, que “Campinas produziu apenas 8.801<br />

arrobas de café e ocupa o nono lugar entre os principais municípios<br />

cafeeiros... Em 1854, com 335.550 arrobas, quase quarenta vezes<br />

mais, passa a quarto lugar, logo depois de Bananal, Taubaté e<br />

Pindamonhangaba. Limeira, por sua vez, que não figurava entre os<br />

produtores de café recenseados, situa-se, dezoito anos depois, com<br />

121.800 arrobas, em nono lugar,<br />

6 .PRADO JR., Caio, op. cit., p. 166<br />

7 .LIMA, Heitor Ferreira. História Político-Econômica e Industrial do Brasil. São Paulo: Cia Ed. Nacional, 1970, p. 228.<br />

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acima de Paraibuna, Vila Bela, Moji das Cruzes e Guaratinguetá”8, estas<br />

todas, também cidades vale-paraibanas.<br />

De acordo com os dados de Afonso Taunay, em sua Pequena História<br />

do Café no Brasil, enquanto no decênio de 1841-1850 a produção<br />

brasileira foi de 17.121 sacas de 60 quilos, no decênio seguinte ela saltou<br />

para 26.253 sacas. A contribuição de São Paulo para estes índices já<br />

era, nesta época, de cerca de 15% do total. O Porto de Santos, cuja<br />

primeira remessa de café para o exterior data de 1792 9, passaria a<br />

ser o primeiro centro portuário de exportação do produto durante a<br />

década de 1860.<br />

“Em matéria de organização, a lavoura cafeeira seguiu os moldes<br />

tradicionais e clássicos da agricultura do país: a exploração em larga<br />

escala, tipo plantação (a plantation dos economistas ingleses), fundada<br />

na grande propriedade monocultural trabalhada por escravos negros,<br />

substituídos mais tarde... por trabalhadores assalariados”10. Sobre a<br />

adoção do trabalho livre nas fazendas do oeste paulista, devemos<br />

lembrar que o pioneiro desta iniciativa foi o Senador Nicolau de<br />

Campos Vergueiro, político e grande latifundiário, que trouxe, em<br />

1847, “suíços e alemães para trabalhar em sua fazenda de Ibicaba, no<br />

município de Limeira”<strong>11</strong>.<br />

Apesar disso, a mão-de-obra assalariada só se tornaria importante no<br />

contexto da economia brasileira, depois de 1870.<br />

Segundo Roberto Simonsen, as primeiras fazendas de café, tanto no<br />

Vale do Paraíba, como no interior de São Paulo, não possuíam mais do<br />

que 50 mil pés. Aos poucos, principalmente nesta última área, surgiram<br />

fazendas que ultrapassavam a casa dos 400 ou 500 mil cafeeiros, para,<br />

mais tarde, chegarem a sobrepujar a casa dos 1.100 mil pés.<br />

8 .HOLANDA, Sérgio Buarque de. São Paulo. In: História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo:<br />

.DIFEL, 1964, tomo II, 2º vol., p. 463.<br />

9 .Cf. idem, ibidem, p. 421.<br />

10 .Prado Jr., Caio, op. cit., pp. 169 e 170<br />

<strong>11</strong> .MARANHÃO, Ricardo. Martinho Prado Jr. In: Suplemento do Centenário de “O Estado de São Paulo”,<br />

nº 7, 15/2/1975.<br />

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Caio Prado indica que, a maior fazenda de café do Brasil (a São Martinho,<br />

em Ribeirão Preto), chegou a possuir mais de três milhões de plantas.<br />

O latifúndio de café seguia muito de perto o velho modelo do engenho<br />

açucareiro nordestino; que tendia à auto-suficiência, com produção de<br />

bens de consumo local (agricultura de subsistência), possuindo sua casa<br />

grande, sua senzala (para os escravos), ou colônias (para os trabalhadores<br />

livres), tendo ainda suas oficinas de pequenos serviços, suas criações, etc.<br />

O desenvolvimento das vias férreas, a partir da década de 1850 (como<br />

a São Paulo Railway, futura Santos a Jundiaí), não só diminuiu este<br />

isolamento, como proporcionou ainda maior impulso ao café paulista,<br />

facilitando o escoamento do produto.<br />

Nos últimos anos do século XIX, São Paulo já contribuía com quase<br />

a metade da produção global do país, e as fazendas paulistas se<br />

constituíam em verdadeiras empresas no sentido moderno da<br />

palavra, com a utilização de máquinas agrícolas (arados, ventiladores,<br />

despolpadores e separadores de grãos), e com a sensível elevação<br />

do grau de divisão do trabalho, propiciando o surgimento de várias<br />

tarefas especializadas que aumentassem a produtividade.<br />

As duas importantes áreas de produção de café – a fluminense e valeparaibana<br />

de um lado, e a do oeste paulista, de outro –, apresentavamse<br />

assim com características diversas: escravismo intransigente nas<br />

primeiras, e tendências a substituir o trabalho escravo pelo assalariado<br />

na segunda; aplicação de métodos rudimentares, e essencialmente<br />

manuais na primeira, e introdução da mecanização na segunda;<br />

baixo índice de especialização na primeira, e aprofundamento da<br />

divisão do trabalho na segunda; os cafeicultores fluminenses e valeparaibanos<br />

constituindo-se em verdadeiros latifundiários tradicionais,<br />

e patriarcais, semelhantes à aristocracia açucareira nordestina da<br />

época colonial, sendo que os do oeste paulista já apresentavam um<br />

tipo social mais próximo de uma burguesia agrária, com empresários<br />

no sentido capitalista do termo.12 Resta-nos lembrar que, ao contrário<br />

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das atividades econômicas que marcaram o período colonial, cujas<br />

fontes de financiamento do capital inicial foram externas (comerciantes<br />

holandeses e alemães, principalmente); no caso do café aconteceu<br />

o inverso, e as lavouras foram financiadas fundamentalmente com<br />

recursos internos.13<br />

No caso fluminense estes recursos foram obtidos principalmente de<br />

comerciantes cariocas, ligados ao mercado local, ou que se dedicavam<br />

ao transporte de mercadorias (caravanas de mulas), e mesmo de<br />

um pequeno capital acumulado por meio das velhas lavouras de<br />

subsistência da região, cujo produto era vendido às áreas de mineração.<br />

No oeste paulista houve, da mesma forma, certa acumulação de<br />

capitais graças às lavouras de açúcar e algodão e, principalmente,<br />

à criação de cavalos e mulas, cujo centro principal era a cidade de<br />

Sorocaba. A utilização deste capital disponível foi fundamental para a<br />

formação das grandes fazendas de café desta região.<br />

1.Economia e Finanças : Crise Estrutural<br />

A libertação econômica do Brasil em relação ao monopólio comercial<br />

português, ocorrida a partir de 1808, trouxera ao país os benefícios<br />

do comércio livre com todas as nações do mundo, estimulando<br />

indubitavelmente nosso comércio exterior: “... em 1812, a exportação<br />

cifra-se em cerca de 4.000 contos de réis e a importação em 2.500;<br />

em 1816 estes números sobem respectivamente para 9.600 e 10.300;<br />

e, em 1822... 19.700 e 22.500. A ascensão continua, em seguida,<br />

ininterruptamente. Isto se deve em parte, é verdade, à desvalorização<br />

da moeda, que em ouro, vai num contínuo declínio.<br />

Mesmo contudo, com esta desvalorização monetária, o progresso do<br />

intercâmbio exterior do Brasil é muito grande.”14<br />

12 .Cf. FRANCO, Maria Silvia de Carvalho. Homens Livres na Ordem Escravocrata. São Paulo: Editora<br />

Ática, São Paulo, 1974.<br />

13 .A respeito disso ver FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Editora Fundo da<br />

Cultura, 1964.<br />

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Se é verdade, no entanto, que o Brasil passava por uma época de euforia<br />

econômica, com uma verdadeira ânsia de comprar e vender, com as<br />

lojas abarrotadas de mercadorias estrangeiras, principalmente inglesas,<br />

também é verdade que, mesmo antes da separação definitiva de Portugal,<br />

o país sofreu uma séria de problemas econômicos e financeiros, que se<br />

prolongaram durante toda a primeira metade do século XIX.<br />

O economista Celso Furtado indica que a causa principal destes<br />

problemas econômicos, e da quase estagnação da economia brasileira<br />

nesta época foi a sensível diminuição do valor relativo das exportações<br />

diante das importações da nação. “As estatísticas das exportações, por<br />

produtos principais proporcionam uma visão mais clara da matéria.<br />

Entre 1821-1830 e 1841-1850, o valor em libras das exportações de açúcar<br />

cresceu em 24 por cento, vale dizer, com uma taxa média anual de 1,1<br />

por cento; o das exportações de algodão se reduziu à metade; o das de<br />

couros e peles se reduziu em 12 por cento, e o das de fumo permaneceu<br />

estacionário. Desses produtos, o único cujos preços se mantiveram<br />

estáveis, foi o fumo. Os exportadores de açúcar, para receber 24 por<br />

cento a mais em valor, mais que dobraram a quantidade exportada; os<br />

de algodão receberam a metade do valor, exportando apenas 10 por<br />

cento menos, e os couros e peles mais que dobraram a quantidade para<br />

receber um valor em 12 por cento inferior.”15<br />

Várias razões explicam a queda dos preços dos produtos de exportação<br />

brasileiros. No caso do açúcar, além da concorrência já antiga das<br />

Antilhas, surgiu também, no começo do século XIX, a competição do<br />

açúcar extraído de beterraba, produzido principalmente na França, a<br />

partir da época napoleônica, e que passou a ser utilizado largamente<br />

em toda a Europa, diminuindo ainda mais a já reduzida faixa de<br />

mercado que cabia ao açúcar de cana do Brasil.<br />

O aviltamento dos preços foi a conseqüência inevitável destes fatos.<br />

14 .PRADO JR.., Caio, op. cit., p. 135<br />

15 .FURTADO, Celso, op. cit., p. 199.<br />

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O algodão, por outro lado, não tinha condições de concorrer<br />

com a enorme produção norte-americana, que abastecia quase<br />

completamente os maiores consumidores mundiais do produto: as<br />

indústrias têxteis britânicas. “Com efeito, a produção de algodão dos<br />

EUA, de 80 milhões de toneladas no qüinqüênio de 18<strong>11</strong>-1815, subiu<br />

para 209 milhões no qüinqüênio de 1821 a 1825, atingindo 398 milhões<br />

entre 1831-1835. Desses totais, as exportações norte-americanas foram<br />

de 52,83% no primeiro qüinqüênio antes mencionado, de 72,9%<br />

no segundo, e de 83,57% no terceiro.”16 Este notável incremento da<br />

produção ianque de algodão deveu-se principalmente à mecanização<br />

introduzida em suas áreas agrícolas. A saw-gin (máquina de descaroçar<br />

algodão) aumentou em cerca de 50 vezes a produtividade de suas<br />

lavouras algodoeiras; enquanto isso, o Brasil continuava a praticar o<br />

descaroçamento manual, pelo método milenar da churka indiana.<br />

A exportação de couros também encontrava sérias dificuldades, cuja<br />

origem se achava na concorrência de similares platinos (argentinos e<br />

uruguaios), que causou a redução dos preços acima referida.<br />

Finalmente, o próprio tabaco, cujos preços não haviam sofrido<br />

alterações sensíveis, começava a enfrentar problemas devido às<br />

restrições cada vez maiores ao tráfico negreiro, durante essa primeira<br />

metade do século XIX, as quais retiravam aos produtores brasileiros<br />

alguns de seus melhores fregueses: os traficantes de escravos.<br />

O café mesmo que em fase de expansão exportadora, não conseguia<br />

ainda cobrir os déficits da balança comercial, pois o Brasil importava<br />

quase todos os produtos manufaturados de consumo interno: tecidos,<br />

ferragens, louças, calçados, vidros, azeites, farinha de trigo, armas,<br />

brinquedos, ferramentas, etc.<br />

Dentro deste quadro, a balança comercial brasileira achava-se em<br />

uma situação problemática, com um déficit quase constante, já que<br />

o valor das exportações era permanentemente superado pelo das<br />

importações. A tabela abaixo, extraída do livro de Caio Prado Jr.,<br />

16 . FURTADO, Celso, op. cit., p. 199.<br />

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História Econômica do Brasil, fornece-nos o valor das exportações<br />

e importações brasileiras em contos de réis:<br />

DECÊNIOS EXPORTAÇÃO IMPORTAÇÃO<br />

1821-1830 243.263 265.164<br />

1831-1840 348.258 385.742<br />

1841-1850 487.540 540.944<br />

1851-1860 900.534 1.016.686<br />

Houve, durante este período, um ou outro ano em que as exportações<br />

superaram as importações (como em 1823, 1828, 1833, 1836, 1846,<br />

1848, 1849, 1855 e 1856); mas, no conjunto, o saldo foi sempre negativo.<br />

O déficit global, entre 1821 e 1860, foi de 233.923 contos de réis .<br />

A solução evidentemente paliativa, e que geraria, a longo prazo,<br />

problemas ainda maiores, foi a de conseguir empréstimos no exterior,<br />

essencialmente na Inglaterra, além de desvalorizar a taxa cambial,<br />

para cobrir os déficits na balança comercial. Tais empréstimos, que<br />

resolveram os problemas em termos imediatos, provocavam novos<br />

aumentos da dívida externa do país, com o pagamento dos juros<br />

correspondentes e das taxas de serviços, que eram extremamente<br />

altas. O Brasil entrava num círculo vicioso, no qual novos empréstimos<br />

eram contraídos, para saldar os anteriores, e assim sucessivamente.<br />

Até à proclamação da República, o país havia pedido 17 empréstimos,<br />

no valor global de 32 milhões de libras, e pagando perto de um<br />

milhão e meio de libras por ano, de juros e amortizações; sendo que<br />

destes empréstimos, treze foram destinados à cobertura dos déficits<br />

orçamentários, e os demais para a compra de material ferroviário.18<br />

Paulatinamente, o ouro e a prata foram sendo drenados para fora do país,<br />

a ponto de obrigar a adoção, primeiramente, de moedas de cobre e, mais<br />

tarde, de papel-moeda. Declinava violentamente o valor do mil-réis no<br />

17 .Cf. Prado Jr., Caio, op. cit., p. 136<br />

18 .Cf. CALÓGERAS, João Pandiá. Formação Histórica do Brasil. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1966, p. 157.<br />

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mercado cambial: de 70 pence, que era o seu valor em 1808, ele caiu para<br />

28 pence em 1850. A emissão descontrolada de papel-moeda provocava<br />

a inflação e, conseqüentemente, as altas do custo de vida. 19<br />

Ocorria, além do mais, a constante falsificação da moeda de cobre em<br />

circulação. “Calcula-se que durante o reinado de D. Pedro I a moeda<br />

falsa chegou a representar 30% da massa circulante. Essa situação<br />

ocorria porque uma libra custava no mercado 18 vinténs (360 réis) e<br />

dava para cunhar peças no valor de 2.000 réis, o que representava lucro<br />

fabuloso, remunerando de modo extraordinário os falsificadores.<br />

Realizava-se nessas condições uma competição muito forte entre a<br />

iniciativa privada e a Casa da Moeda, gerando uma confusão tremenda<br />

na política monetária. <strong>Da</strong>ta daí uma emissão descontrolada de papel<br />

inconversível, que os gastos crescentes dos governos não fizeram<br />

mais do que agravar, com o correr do tempo” 20<br />

Os Déficits Orçamentários – Dentro do panorama econômicofinanceiro<br />

da primeira metade do século XIX, outro aspecto que deve<br />

ser salientado é relativo aos constantes déficits a que estava sujeito o<br />

orçamento governamental.<br />

A receita dos governos da época provinha dos impostos e dependia,<br />

por isto, do funcionamento eficiente do sistema tributário. No Brasil, o<br />

sistema fiscal apresentava falhas das mais clamorosas, provocando uma<br />

receita que podia ser considerada íntima (de cunho particular).<br />

Em primeiro lugar, as formas de cobrança dos impostos eram as<br />

mais variadas e confusas possível, indo desde o arrendamento (ou<br />

contratação) até à cobrança por agentes do governo, o que dificultava<br />

não apenas a fiscalização, mas até mesmo uma previsão orçamentária.<br />

Em seguida, a própria situação política, a partir de 1821, até 1840, criava<br />

19. Cf. Prado Jr., Caio, op. cit., p. 136<br />

20. LIMA, Heitor Ferreira. História Político-Econômica e Industrial do Brasil, p. 215.<br />

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obstáculos quase insuperáveis para carrear as taxas ao Tesouro Público.<br />

As constantes revoltas e sublevações das províncias e sua oposiçãoao<br />

governo central faziam muitas vezes com que os governos provinciais<br />

se recusassem a enviar ao Rio de Janeiro os impostos arrecadados.<br />

O imposto territorial, que poderia ser uma apreciável fonte de<br />

recursos para o governo, não era praticamente cobrado, por<br />

contrariar frontalmente os interesses da aristocracia agrária<br />

dominante. Os tributos alfandegários tornaram-se, desta forma,<br />

o principal elemento da receita orçamentária neste período. No<br />

entanto, devemos lembrar que, os impostos sobre a importação<br />

eram ridiculamente baixos.<br />

Desde os tratados de 1810, os produtos ingleses gozavam da<br />

tarifa preferencial de 15% ad valorem, enquanto as demais<br />

nações pagavam 24% de imposto. Em 1828, por iniciativa de<br />

Bernardo Pereira de Vasconcelos, a tarifa de 15% foi estendida<br />

a todos os demais países22, o que diminuiu ainda mais a já<br />

pequena arrecadação. A adoção de imposto de exportação de<br />

8% (Lei Calmon, de 1836) pouco alívio trouxe às combalidas<br />

finanças imperiais, gerando, além do mais, manifestações de<br />

descontentamento dos exportadores.<br />

Em contraposição, os gastos de D. Pedro I e da regência eram bastante<br />

elevados. Durante o Primeiro Império, as despesas com a Guerra da<br />

Independência, o pagamento de mercenários ingleses, a aquisição<br />

de equipamento naval, os gastos com a repressão à Confederação<br />

do Equador, e com a Guerra da Cisplatina foram imensos. <strong>Da</strong> mesma<br />

forma, no período regencial, o esmagamento das revoltas provinciais,<br />

como Cabanagem, a Balaiada, a Farroupilha, entre outras, consumiu<br />

quantias muito consideráveis.<br />

A “Tarifa Alves Branco” - Essa política alfandegária livre-cambista<br />

iria manter-se em vigor até 1844, quando foi estipulada a famosa<br />

tarifa Alves Branco.<br />

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Num ato de quase desespero, pela situação tremendamente difícil<br />

das finanças públicas, o governo adotou uma nova política com<br />

relação aos impostos alfandegários. Seu objetivo era essencialmente<br />

o de tentar solucionar o problemas do orçamento deficitário, mas a<br />

medida acabou tendo também um caráter protecionista, uma vez que<br />

favoreceu (ainda que timidamente) o crescimento de alguns setores<br />

econômicos nacionais.<br />

A nova política alfandegária teve no então Ministro da Fazenda,<br />

Manuel Alves Branco (1797-1855) o seu principal defensor. O futuro<br />

Visconde de Caravelas assinou, em 1844, um decreto que modificava<br />

as taxas aduaneiras referentes a quase três mil artigos importados.<br />

Alguns destes produtos tiveram seus impostos aumentados para<br />

30% ad valorem, outros para 40, 50 e 60%. Esta variação dependia<br />

do fato de o artigo em questão poder ou não ser produzido no Brasil,<br />

e também de sua importância para o consumo interno do país.<br />

Como não podia deixar de ser, a medida suscitou violentos protestos<br />

da parte dos principais prejudicados: internamente, os comerciantes<br />

ligados à importação, geralmente estrangeiros; e externamente, as<br />

nações exportadoras, sobretudo a Inglaterra. Diga-se de passagem,<br />

aliás, que o Bill Aberdeen, além de corresponder à orientação da<br />

política inglesa desde o começo do século XIX foi provavelmente<br />

precipitado para servir como represália às novas taxas alfandegárias<br />

adotadas pelo Brasil, embora estas representassem apenas uma ainda<br />

tímida tentativa protecionista. De qualquer forma, embora muitos<br />

problemas persistissem nos anos posteriores, a tarifa Alves Branco<br />

aliviou sensivelmente a situação orçamentária do Segundo Império.<br />

<strong>Gestação</strong> da economia cafeeira<br />

Dificilmente, um observador, que estudasse a economia brasileira<br />

pela metade do século XIX, chegaria a perceber a amplitude das<br />

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transformações que nela se operariam no correr do meio século<br />

que se iniciava. Haviam decorrido três quartos de século em que a<br />

característica dominante fora a estagnação ou a decadência. Ao<br />

rápido crescimento demográfico de base migratória dos três primeiros<br />

quartéis do século XVIII, sucedera um crescimento vegetativo<br />

relativamente lento no período subseqüente. As fases de progresso,<br />

como a que conheceu o Maranhão, haviam sido de efeitos locais, sem<br />

chegar a afetar o panorama geral. A instalação de um rudimentar<br />

sistema administrativo, a criação de um banco nacional, e umas<br />

poucas outras iniciativas governamentais constituíam – ao lado da<br />

preservação da unidade nacional –, o resultado líquido deste longo<br />

período de dificuldades. As novas técnicas criadas pela revolução<br />

industrial escassamente haviam penetrado no país, e quando o<br />

fizeram foi sob a forma de bens ou serviços de consumo sem afetar<br />

a estrutura do sistema produtivo. Por último, o problema nacional<br />

básico – a expansão da força de trabalho do país –, encontrava-se em<br />

verdadeiro impasse: estancara-se a tradicional fonte africana sem que<br />

se vislumbrasse uma solução alternativa.<br />

Ao observador de hoje, afigura-se perfeitamente claro que, para<br />

superar a etapa de estagnação, o Brasil necessitava reintegrar-se<br />

nas linhas em expansão do comércio internacional. Em um país sem<br />

técnica própria, e no qual praticamente não se formavam capitais<br />

que pudessem ser desviados para novas atividades, a única saída<br />

que oferecia o século XIX para o desenvolvimento era o comércio<br />

internacional. Desenvolvimento com base em mercado interno só<br />

se torna possível quando o organismo econômico alcançou um<br />

determinado grau de complexidade, que se caracterizava por uma<br />

relativa autonomia tecnológica. Já assinalamos a importância que<br />

teve no desenvolvimento dos Estados Unidos, na primeira metade<br />

do século passado, o dinamismo do seu setor exportador. Tampouco<br />

seria possível contar com um influxo de capitais forâneos em uma<br />

economia estagnada. Os poucos empréstimos externos, contraídos<br />

na primeira metade do século, tiveram objetivos improdutivos e,<br />

como conseqüência, agravaram enormemente a precária situação<br />

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fiscal. Estagnadas as exportações e impossibilitado o governo de<br />

aumentar o imposto às importações, o serviço da dívida externa teria<br />

de criar sérias dificuldades fiscais, as quais, por seu lado, contribuíram<br />

para reduzir o crédito público. A corrente de capitais do século XIX<br />

era principalmente de inversões indiretas. Para levantar recursos<br />

nos mercados de capitais era necessário apresentar projetos com<br />

perspectivas muito atrativas ou oferecer garantias de juros subscritas<br />

por quem tivesse o necessário crédito. As possibilidades de apresentar<br />

projetos atrativos em uma economia estagnada teriam de ser<br />

praticamente nulas; por outro lado, que crédito poderia ter o governo<br />

de um país de economia em decadência, e cuja capacidade para<br />

arrecadar impostos estava cerceada? Para contar com cooperação<br />

do capital estrangeiro, a economia deveria primeiro retomar o<br />

crescimento com seus próprios meios.21<br />

As possibilidades de que as exportações tradicionais do Brasil voltassem<br />

a recuperar o dinamismo necessário para que o país entrasse em<br />

nova etapa de desenvolvimento eram remotas na metade do século<br />

passado. Já nos referimos à tendência dos preços desses produtos. O<br />

mercado do açúcar tornara-se cada vez menos promissor. O açúcar<br />

de beterraba, cuja produção se desenvolvera no continente europeu<br />

na etapa das guerras napoleônicas, enraizara-se em interesses criados<br />

dentro de tradicionais mercados importadores. O mercado inglês<br />

continuava a ser abastecido pelas colônias antilhanas. Nos Estados<br />

Unidos, que constituíam o mercado importador em mais rápida<br />

expansão, se desenvolvia amplamente a produção da Luisiânia,<br />

comprada aos franceses em 1803. Por último, cabe referir que surgira<br />

no mercado do açúcar um novo supridor cujas possibilidades se<br />

21 . A idéia de que os capitais ingleses não vieram para o Brasil na primeira metade do século passado<br />

em razão do conflito com o governo britânico, decorrente da persistência do tráfico de escravos<br />

africanos, não parece ter grande fundamento. As más relações com o governo inglês continuaram<br />

por vários anos depois da suspensão do tráfico, sem que isto haja impedido a criação de uma<br />

corrente apreciável de capital. Quando em 1863 o governo inglês, prevalecendo-se de motivos<br />

fúteis, bloqueou o porto do Rio de Janeiro e aprisionou vários barcos brasileiros com o objetivo de<br />

intimidar e submeter o governo imperial, houve um forte movimento de protesto na Inglaterra,<br />

dirigido por grupos financeiros com interesses no Brasil. Num artigo do <strong>Da</strong>ily News de 12 de fevereiro<br />

de 1863 se lê: “Who of us... can trade with Brazil or any other country, who can buy Brazilian or foreign<br />

bonds of any kind, who can with common prudence invest his money in the railways shares of small<br />

and defenceless sites… if mines like this are to be sprung under his feet by his own government?”<br />

Citado por A K. Manchester op. cit. p. 283<br />

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definiam dia a dia como mais extraordinárias. Desfrutando de fretes<br />

extremamente baixos para os Estados Unidos, Cuba, que havia aberto os<br />

seus portos a todas as nações amigas, ainda como colônia espanhola,<br />

constituíra-se em principal supridor do mercado norte-americano. Suas<br />

exportações, que apenas alcançavam 20.000 toneladas a fins do século<br />

anterior, pela metade do século XIX, já superavam as 300.000 22, triplicando<br />

as vendas do Brasil na mesma época.<br />

A situação do algodão, segundo produto das exportações brasileiras no<br />

começo do século, ainda era pior do que a do açúcar. A produção norteamericana,<br />

integrada aos interesses do grande mercado importador<br />

inglês, beneficiando-se do rápido crescimento da procura interna 23,<br />

desfrutando de fretes relativamente baixos, sendo organizada dentro<br />

do regime escravista com mão-de-obra relativamente abundante, e<br />

dispondo de grande oferta de terras de primeira qualidade (que usava<br />

de forma destrutiva), dominava totalmente o mercado internacional de<br />

algodão. A produção de algodão havia constituído um magnífico negócio<br />

para algumas regiões do Brasil, particularmente o Maranhão, numa época<br />

em que o produto se vendia a preços extremamente elevados. Ao iniciarse<br />

a produção em grande escala nos Estados Unidos, e ao transformarem<br />

o algodão na principal matéria-prima do comércio mundial, os preços<br />

se reduziram a menos da terça parte, mantendo-se relativamente em<br />

torno deste nível, com flutuações, a partir do terceiro decênio do século<br />

passado. A este nível de preços, a rentabilidade do negócio algodoeiro<br />

era extremamente baixa no Brasil, constituindo para as regiões que<br />

o produziam um complemento da economia de subsistência. Será<br />

necessário que a guerra de secessão exclua temporariamente o algodão<br />

norte-americano do mercado mundial, para que a economia deste artigo<br />

conheça no século XIX uma nova etapa de prosperidade no Brasil .<br />

O fumo, os couros, o arroz e o cacau eram produtos menores, cujos<br />

mercados não admitiam grandes possibilidades de expansão. No<br />

22 . Para os dados sobre a exportação cubana ver GUERRA, Ramiro Y SANCHES, op. cit. Apêndice II.<br />

23 . O consumo de algodão nos Estados Unidos aumentou de uma média anual de 32,5 milhões de<br />

libras-peso em 1804-14, para 239,0 milhões em 1844-54; na Inglaterra o aumento foi de 89 milhões<br />

em 18<strong>11</strong>-19, para 640 milhões em 1845-54. Ver W. W. Rostow, op. cit. Appendix I.<br />

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mercado dos couros pesava cada vez mais a produção do Rio da<br />

Prata, e na do arroz, a produção norte-americana que passara por<br />

fundamentais transformações nos métodos do cultivo. O fumo<br />

perdera o mercado africano, com a eliminação do tráfico de escravos,<br />

tendo sido necessário orientar o produto para outras regiões.<br />

Finalmente o cacau, cujo uso apenas começava a vulgarizar-se,<br />

constituía tão somente em uma esperança. O problema brasileiro<br />

consistia em encontrar produtos de exportação, em cuja produção<br />

entrasse como fator básico: a terra. Com efeito, a terra era o único fator<br />

de produção abundante no país. Capitais praticamente não existiam,<br />

e a mão-de-obra era basicamente constituída por um estoque de<br />

pouco mais de dois milhões de escravos, parte substancial dos quais<br />

permaneciam imobilizados na indústria açucareira, ou prestado a<br />

partir de serviços domésticos.<br />

Pela metade do século, entretanto, já se definira a predominância de<br />

um produto relativamente novo, cujas características de produção<br />

correspondiam exatamente às condições ecológicas do país. O café,<br />

se bem que fora introduzido no Brasil desde começos do século XVIII,<br />

e embora se cultivasse por todas as partes para fins de consumo local,<br />

assumia importância comercial no fim deste século, quando veio<br />

a ocorrer a alta de preços causada pela desorganização do grande<br />

produtor que era a colônia francesa do Haiti. No primeiro decênio<br />

da independência, o café já contribuía com 18 por cento do valor<br />

das exportações do Brasil, colocando-se em terceiro lugar depois<br />

do açúcar e do algodão. E nos dois decênios seguintes, já passara<br />

para o primeiro lugar, representando mais de quarenta por cento do<br />

valor das exportações. Conforme já observamos, todo o aumento<br />

que se constatou no valor das exportações brasileiras, no transcorrer<br />

da primeira metade do século passado, deveu-se estritamente à<br />

contribuição do café.<br />

Quando o café transformou-se em produto de exportação, o<br />

desenvolvimento de sua produção se concentrou na região<br />

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montanhosa próxima da capital do país. Nas proximidades desta<br />

região, existia relativa abundância de mão-de-obra, em conseqüência<br />

da desagregação da economia mineira. Por outro lado, a proximidade<br />

do porto permitia solucionar o problema do transporte lançando mão<br />

do veículo que existia em abundância: a mula. Desta forma, a primeira<br />

fase da expansão cafeeira se realizou com base no aproveitamento<br />

de recursos preexistentes e subutilizados. A elevação dos preços,<br />

a partir do último decênio do século XVIII, determina a expansão<br />

da produção em várias partes da América e da Ásia. Esta expansão<br />

foi sucedida por um período de preços declinantes que se estende<br />

pelos anos trinta e quarenta. A baixa de preços, entretanto, não<br />

desencorajou os produtores brasileiros, que encontravam no café uma<br />

oportunidade para utilizar recursos produtivos semi-ociosos, desde a<br />

decadência da mineração. Com efeito, a quantidade exportada mais<br />

que quintuplicou entre 1821-30 e entre 1841-50, se bem que os preços<br />

médios tenham sido reduzidos em cerca de quarenta por cento,<br />

durante este período.<br />

O segundo e principalmente o terceiro quartel do século passado foram<br />

basicamente a fase de gestação da economia cafeeira. A empresa<br />

cafeeira permitiu a utilização intensiva da mão-de-obra escrava, e<br />

nisto se assemelhou à açucareira. Entretanto, apresentou também um<br />

grau de capitalização muito mais baixo do que esta última, porquanto<br />

se baseava mais amplamente na utilização do fator terra. Se bem que<br />

seu capital também tenha sido imobilizado – o cafezal era uma cultura<br />

permanente -, pois suas necessidades monetárias de reposição eram<br />

muito menores, uma vez que o equipamento era mais simples e quase<br />

sempre de fabricação local. Organizada com base no trabalho escravo,<br />

a empresa cafeeira se caracterizava por custos monetários ainda<br />

menores que os da empresa açucareira. Por conseguinte, somente<br />

uma forte alta nos preços da mão-de-obra poderia interromper o seu<br />

crescimento, no caso de haver abundância de terras. Como em sua<br />

primeira etapa, a economia cafeeira dispôs do estoque de mão-deobra<br />

escrava subtilizada da região da antiga mineração, isto explica<br />

porque o seu desenvolvimento tenha sido tão intenso, não obstante<br />

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a tendência pouco favorável dos preços. No terceiro quarto do século,<br />

os preços do café se recuperaram amplamente, enquanto os do açúcar<br />

permaneceram deprimidos, criando-se uma forte pressão no sentido<br />

da transferência de mão-de-obra do norte para o sul do país.<br />

A etapa de gestação da economia cafeeira foi também a de formação<br />

de uma nova classe empresária que desempenharia papel fundamental<br />

no desenvolvimento subseqüente do país. Esta classe se formou<br />

inicialmente com homens da região. A cidade do Rio representava o<br />

principal mercado de consumo do país, e os hábitos de consumo de<br />

seus habitantes se haviam transformado substancialmente a partir<br />

da chegada da corte portuguesa. O abastecimento deste mercado<br />

passou a constituir-se na principal atividade econômica dos núcleos de<br />

população rural, que se haviam localizado no sul da província de Minas,<br />

como reflexo da expansão da mineração. O comércio de gêneros e de<br />

animais para o transporte destes iria constituir-se também nesta parte<br />

do país a base de uma atividade econômica de certa importância, a<br />

qual dera origem à formação de um grupo de empresários comerciais<br />

locais. Muitos desses homens, que haviam acumulado alguns capitais<br />

no comércio e transporte de gêneros e de café, passaram a interessarse<br />

pela produção de café, vindo a constituir-se na vanguarda da<br />

expansão cafeeira no Brasil.24<br />

Se compararmos o processo de formação das classes dirigentes das<br />

economias açucareiras com a da economia cafeeira, percebe-se<br />

facilmente algumas diferenças fundamentais. Na época de formação<br />

da classe dirigente açucareira, as atividades comerciais eram<br />

monopólio de grupos situados em Portugal ou Holanda.<br />

As fases produtiva e comercial eram rigorosamente isoladas, pois<br />

os faltava aos homens responsáveis pela sua produção, qualquer<br />

24 . A dificuldade de competir com o algodão norte-americano não era somente enfrentada pelo<br />

Brasil colonial. É sabido que o governo inglês, preocupado com a excessiva dependência da fonte<br />

norte-americana, nomeou mais de uma comissão para estudar as possibilidades de desenvolver a<br />

produção algodoeira dentro do Império, sendo medíocres os resultados.<br />

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perspectiva de conjunto da economia açucareira. As decisões<br />

fundamentais eram todas tomadas a partir da fase comercial. Assim<br />

isolados, os homens que dirigiam a produção não puderam, de<br />

forma alguma, desenvolver uma consciência clara de seus próprios<br />

interesses. Com o tempo, foram perdendo sua verdadeira função<br />

econômica, e as tarefas diretivas passaram a constituir-se em simples<br />

rotina executada por feitores e outros empregados. Compreende-se,<br />

portanto, porque os antigos empresários hajam involuído em uma<br />

classe de rentistas ociosos, fechados em um pequeno ambiente rural,<br />

cuja expressão final viria a se tornar no patriarca bonachão que tanto<br />

espaço ocupou nos ensaios dos sociólogos nordestinos do século<br />

XX. A separação de Portugal não trouxe modificações fundamentais,<br />

permanecendo, portanto, a etapa produtiva isolada por homens de<br />

espírito puramente ruralista.<br />

Explica-se, assim, também a facilidade com que os interesses ingleses<br />

vieram a dominar tão completamente as atividades comerciais<br />

do nordeste açucareiro. Ao encontrarem-se debilitados os grupos<br />

portugueses, criou-se um vazio que foi facilmente preenchido pelos<br />

novos dominadores da economia açucareira.<br />

A economia cafeeira formou-se em condições bem distintas. Desde o<br />

começo, sua vanguarda esteve formada por homens com experiência<br />

comercial. Em toda a etapa de gestação, os interesses da produção e<br />

do comércio estiveram entrelaçados. A nova classe dirigente formouse<br />

a partir de uma luta que se estendeu em uma frente ampla:<br />

aquisição de terras, recrutamento de mão-de-obra, organização e<br />

direção da produção, transporte interno, comercialização nos portos,<br />

contatos oficiais, interferência na política financeira e econômica. A<br />

proximidade da capital do país constituía, evidentemente, em uma<br />

grande vantagem para os dirigentes da economia cafeeira. Desde<br />

cedo, eles compreenderam a enorme importância que podia ter o<br />

governo como instrumento de ação econômica. Esta tendência à<br />

subordinação do instrumento político aos interesses de um grupo<br />

econômico alcançara sua plenitude com a conquista da autonomia<br />

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estadual, ao proclamar-se a República. O governo central estava<br />

submetido a interesses demasiadamente heterogêneos para<br />

responder com a necessária prontidão e eficiência aos chamados<br />

interesses locais. A descentralização do poder permitiu uma<br />

integração ainda mais completa dos grupos que dirigiam a empresa<br />

cafeeira com a maquinaria político-administrativa. Mas, não é o fato<br />

de que hajam controlado o governo, o que singularizou os homens<br />

do café. E sim, o fato de que eles hajam utilizado este controle para<br />

alcançar objetivos perfeitamente definidos dentro de uma política<br />

de interesses mercantis. É por esta consciência clara de seus próprios<br />

interesses que eles se diferenciaram de outros grupos dominantes<br />

anteriores ou contemporâneos.<br />

Ao concluir-se o terceiro quarto do século XIX, os termos do problema<br />

econômico brasileiro se haviam modificado basicamente. Surgira o<br />

produto que permitiria ao país reintegrar-se nas correntes em expansão<br />

do comércio mundial: o café. Encerrada sua etapa de gestação, a<br />

economia cafeeira encontrava-se em condições de autofinanciar sua<br />

extraordinária expansão subseqüente; e então estavam aí formados<br />

os quadros da nova classe dirigente que lideraria a grande expansão<br />

cafeeira. Restava por resolver, entretanto, o problema latente da mãode-obra<br />

adequada.<br />

Vimos na aula de hoje a formação e o funcionamento da economia<br />

cafeeira, isto é, o processo do aparecimento deste ciclo econômico,<br />

nos primórdios do Brasil independente. Resumidamente, o que<br />

deve ser ressaltado no aparecimento e consolidação da produção<br />

do café é a sua importância para a economia brasileira, pois este<br />

ciclo de expansão possibilitará ao Brasil a constituição de uma<br />

economia capitalista, fundamentada na mão-de-obra assalariada de<br />

trabalhadores imigrantes, e na acumulação de capitais pela burguesia<br />

agrária, que, posteriormente, irá investir em bancos, ferrovias,<br />

comércio e indústrias brasileiras.<br />

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Na próxima aula, iremos abordar a questão da mão-de-obra para o<br />

ciclo cefeeiro: escravatura e trabalho do imigrante europeu. Até lá!<br />

Referência Bibliográfica<br />

FURTADO, Celso: Formação Econômica do Brasil. Capítulo XX: <strong>Gestação</strong><br />

<strong>Da</strong> Economia Cafeeira. Brasil/Portugal: Editora Fundo de Cultura, 1959,<br />

pp. 133-140.<br />

MENDES JR., Antonio et alii. BRASIL HISTÓRIA-Texto & Consulta, volume<br />

2: Império. Capítulo XLIX, Expansão do Café e Problemas Econômico-<br />

Financeiros. São Paulo: Editora Brasiliense, 1976, pp. 287-292.<br />

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