I CO - Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro
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economia<br />
cido social <strong>de</strong> um país. Quando seus auto-<br />
res são ministros da economia, esse diag-<br />
nóstico costuma ter dois tipos <strong>de</strong> conse-<br />
qüência. Confundindo-se com leucemia<br />
uma simples gripe, atribui-se extrema gra-<br />
vida<strong>de</strong> a níveis inflacionários a que a eco-<br />
nomia po<strong>de</strong> perfeitamente se adaptar. Tam-<br />
bém com freqüência, na tentativa <strong>de</strong> apli-<br />
car uma terapia <strong>de</strong> choque, recomendam-<br />
se remédios que, piores do que a própria<br />
doença, agravam o estado do paciente, is-<br />
to é, conduzem o país a séria recessão, com<br />
a agravante <strong>de</strong> que a inflação, mostrando-<br />
se imune ao tratamento, muitas vezes pre-<br />
valece.<br />
Nos casos recentes da Argentina e do<br />
Brasil, porém, a imagem do câncer reflete<br />
com precisão o estado <strong>de</strong> espírito reinan-<br />
te. Tanto lá como aqui, processos <strong>de</strong> re<strong>de</strong>-<br />
mocratização incipientes encontravam-se<br />
potencialmente ameaçados por uma esca-<br />
lada dos preços que corroía a confiança da<br />
população no governo e na própria eficá-<br />
cia do sistema <strong>de</strong>mocrático, estimulando<br />
nos dois países uma crise moral sem pre-<br />
ce<strong>de</strong>ntes. Em ambos, a crescente especu-<br />
lação financeira e o sentimento <strong>de</strong> impo-<br />
tência diante da constatação <strong>de</strong> que pou-<br />
cas possibilida<strong>de</strong>s se tinha <strong>de</strong> sobreviver fo-<br />
ra <strong>de</strong>sse circuito criaram um clima propí-<br />
cio a tratamentos ousados <strong>de</strong> combate à<br />
inflação.<br />
A situação caracterizava-se pela perda<br />
generalizada da percepção da dimensão <strong>de</strong><br />
preço real. Quando os níveis <strong>de</strong> inflação<br />
não ultrapassam <strong>de</strong>terminado limiar — que<br />
aliás é difícil <strong>de</strong>finir —, as pessoas, obri-<br />
gadas a consi<strong>de</strong>rar minimamente a evolu-<br />
ção dos preços para calcular seus gastos,<br />
encaram a inflação futura como algo rela-<br />
tivamente tolerável, porque são capazes <strong>de</strong><br />
prevê-la com certa margem <strong>de</strong> segurança.<br />
Quando a taxa é muito alta, porém, a mar-<br />
gem <strong>de</strong> variação das taxas potenciais tam-<br />
bém se eleva. O resultado é que as tensões<br />
ten<strong>de</strong>m a se exacerbar, e a maioria dos<br />
agentes econômicos, querendo se precaver<br />
contra as perspectivas mais negativas, pro-<br />
cura aumentar seus rendimentos a taxas<br />
crescentes e superiores às da inflação pas-<br />
sada, o que provoca inevitavelmente a ace-<br />
leração inflacionária.<br />
Na análise <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> situação, costu-<br />
ma vir à baila o exemplo da hiperinflação<br />
alemã <strong>de</strong> 1923, em que o processo adqui-<br />
riu tal velocida<strong>de</strong> que os preços eram re-<br />
marcados várias vezes por dia. Tomando<br />
o índice <strong>de</strong> julho como base 100, o nível<br />
dos preços atingiu em novembro o valor <strong>de</strong><br />
quase 971 milhões, sendo que em outubro,<br />
quando chegou ao pico, a inflação foi <strong>de</strong><br />
29,536%. Por outro lado, o caos fiscal c<br />
tributário era completo, tendo o déficit go-<br />
vernamental — que já em 1922 correspon-<br />
<strong>de</strong>ra a 627o das <strong>de</strong>spesas — atingido em<br />
1923 a inacreditável proporção <strong>de</strong> 89% das<br />
<strong>de</strong>spesas (ver "A hiperinflação alemã <strong>de</strong><br />
1923", nesta edição).<br />
Ainda que sumárias, estas in r >rmaçfies<br />
provam que a situação recente do Brasil di-<br />
fere muito daquela vivida pela Alemanha<br />
seis décadas atrás. É difícil traçar analo-<br />
gias entre os planos <strong>de</strong> combate A inflação<br />
adotados nos dois países, embora ambos<br />
tenham promovido o súbito estancamento<br />
do processo inflacionário: em janeiro <strong>de</strong><br />
1924, a inflação na Alemanha caiu a 7%<br />
negativos e, no Brasil, tivemos em março,<br />
pela primeira vez em 27 anos, <strong>de</strong>flação.<br />
O paralelo com a Argentina é mais<br />
evi<strong>de</strong>nte, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> diferenças<br />
que ressaltaremos adiante. Nesse<br />
país, os meses que prece<strong>de</strong>ram o choque<br />
(anunciado em 14 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1985) ha-<br />
viam sido marcados por taxas <strong>de</strong> inflação<br />
extremamente elevadas, como se po<strong>de</strong> ob-<br />
servar na figura 1, que mostra sua evolu-<br />
ção antes e <strong>de</strong>pois do lançamento do Pla-<br />
no Austral.<br />
Ao <strong>de</strong>cidir combater a inflação por meio<br />
<strong>de</strong> uma nova terapia, o governo Alfonsín<br />
tomou uma série <strong>de</strong> medidas, entre as quais<br />
merecem <strong>de</strong>staque: o congelamento <strong>de</strong> pre-<br />
ços e salários, mantido o reajuste <strong>de</strong>stes em<br />
aproximadamente 22,6%, correspon<strong>de</strong>ntes<br />
a 90% da inflação ocorrida em maio; a<br />
criação <strong>de</strong> nova moeda, o austral, com pa-<br />
rida<strong>de</strong> fixa <strong>de</strong> 0,80 por dólar e igual a mil<br />
unida<strong>de</strong>s da moeda antiga, o peso; o esta-<br />
belecimento <strong>de</strong> uma tabela <strong>de</strong> conversão<br />
para as dívidas passadas, com uma taxa <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>svalorização diária do peso em relação<br />
ao austral (correspon<strong>de</strong>ndo a aproximada-<br />
mente 30% ao mês); a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> não emi-<br />
tir moeda para financiar o déficit fiscal e<br />
o crédito; a regulação das taxas nominais<br />
<strong>de</strong> juros entre 4 a 6% ao mês.<br />
Cabe, entretanto, explicar algumas ca-<br />
racterísticas adicionais que <strong>de</strong>lineavam o<br />
contexto do surgimento do Plano Austral<br />
c da sua evolução posterior. Em primeiro<br />
lugar, poucos dias antes da <strong>de</strong>cretação das<br />
medidas, o governo aumentara drastica-<br />
mente as tarifas dos serviços públicos, que<br />
sofreram em média, entre <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong><br />
1984 e julho <strong>de</strong> 1985, uma elevação real <strong>de</strong><br />
17,9%. Da mesma forma, a taxa <strong>de</strong> câm-<br />
bio real fora incrementada em 18% pou-<br />
cos dias antes do choque, fato que se so-<br />
mou a uma mini<strong>de</strong>svalorização real <strong>de</strong> qua-<br />
se 5% observada no mês anterior.<br />
O plano tinha como objetivo exclusivo<br />
reduzir drasticamente o nível <strong>de</strong> inflação.<br />
Nesse sentido, seus resultados foram ine-<br />
quivocamente positivos. Fundava-se na<br />
idéia central <strong>de</strong> que, em meio a uma corri-<br />
da <strong>de</strong> preços e salários, ninguém saía ga-<br />
nhando. Assim, o congelamento não teria<br />
porque ser prejudicial para ninguém, isto<br />
é, os resultados seriam neutros do ponto<br />
<strong>de</strong> vista distributivo.<br />
—r —r-,—7 . t'.1 ,... . ■ l "i l ■.;;.;'.. ■ ., 1<br />
1985<br />
30 ^<br />
25 / [s N /<br />
20 \ / \<br />
15 \<br />
10 \<br />
No que diz respeito aos resuliados do<br />
plano, chama a atenção, na evolução das<br />
variáveis, o <strong>de</strong>scolamento entre as taxas <strong>de</strong><br />
aumento do custo <strong>de</strong> vida c as <strong>de</strong> aumento<br />
dos preços no atacado, mostrado ha figu-<br />
ra 2. Aparentemente, foi impossível con<br />
trolar os preços <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> bens, t em<br />
especial <strong>de</strong> serviços, e estes acabaram ' pi»<br />
xando" o índice <strong>de</strong> custo <strong>de</strong> vida para c-<br />
ma, sem que entretanto os empresários pu<br />
<strong>de</strong>ssem suportar uma eventual reposição s.i-<br />
larial, porque seus preços não aumeniavain<br />
na mesma proporção. Os dados relativos<br />
a fevereiro <strong>de</strong>ste ano, por exemplo, são sin<br />
tomáticos a esse respeito: enquanto os pre<br />
ços no atacado aumentaram 0,8%. o eus<br />
to <strong>de</strong> vida aumentou 1,7%, pressionado pc<br />
Ia alta dos preços dos alimentos c bebidas<br />
(2,l%)e <strong>de</strong> serviços que fogem ao contro-<br />
le oficial, como os <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, que se eleva<br />
ram em 6,5%.<br />
Nos últimos tempos, a maioria dos ana<br />
listas tem apontado a existência <strong>de</strong> elemen<br />
tos recessivos no Plano Austral. Essa cr.<br />
tica ignora o fato <strong>de</strong> que este foi aplicado<br />
quando a Argentina já vivia há muito um<br />
processo recessivo: 1985 foi o quinto ano<br />
consecutivo <strong>de</strong> queda do nível <strong>de</strong> mvesn<br />
mento. Em 1984, embora o produto mter<br />
no bruto (PIB) tivesse crescido 2%, a lot<br />
mação bruta <strong>de</strong> capital fixo caíra 18%,<br />
situando-se 57 pontos percentuais abaixo<br />
do nível observado em 1980. E, se o presi<br />
<strong>de</strong>nte Alfonsín impulsionara o crcscinien<br />
to no início <strong>de</strong> sua gestão, nos primeiros<br />
meses <strong>de</strong> 1985 sua política econômica já era<br />
claramente contracionista, o que explica,<br />
muito mais que o Plano Austral cm si, a<br />
queda <strong>de</strong> 3% registrada no PIB do ano pas-<br />
sado. Entre 1973 e 1985 — período duran-<br />
te o qual a renda no Brasil aumentou 75%<br />
— o PIB argentino caiu 2%, o que, em ter-<br />
mos <strong>de</strong> renda per capita, significa queda<br />
ainda maior.<br />
Embora o presi<strong>de</strong>nte Sarney tenha<br />
afirmado, no discurso em que<br />
anunciou as recentes medidas eco-<br />
nômicas, que o plano <strong>de</strong> estabilização não<br />
foi copiado <strong>de</strong> nenhum país, sua matri/<br />
teórica é inegavelmente a mesma que <strong>de</strong>u<br />
origem ao Plano Austral. Ambos os pla-<br />
nos têm em seus fundamentos a idém <strong>de</strong><br />
que a distribuição <strong>de</strong> renda po<strong>de</strong> ser a mes<br />
ma, sejam as taxas <strong>de</strong> inflação nultts ou <strong>de</strong><br />
1.000%. Assim sendo, o importante par;'<br />
1986<br />
5 L<br />
V<br />
0<br />
—- -* —■ ^<br />
J FMAMJJASONDJF<br />
Flg.I. Custo <strong>de</strong> vldi m Argentlm (%).<br />
1<br />
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