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Deus e o Diabo<br />
Renato Janine Ribeiro<br />
A política moderna é também uma que vai se definir pela constituição de um espaço leigo. Quer<br />
dizer, mais e mais coisas na vida pública vão ser decididas sem referência a Deus. A referência a<br />
Deus é uma coisa um pouco complicada em termos políticos, porque se Deus intervém na<br />
moralidade e na política passa haver um lado que é certo e um lado que é errado. Quer dizer um<br />
lado tem que ser condenado e um lado tem que ser valorizado. Então, fica muito difícil aceitar<br />
que os dois lados sejam igualmente legítimos, aceitar que seja direito dos homens e mesmo dever<br />
dos homens escolher entre eles. Porque entre Deus e o diabo a escolha é um pouco, não é uma<br />
escolha tão livre, tão simples, eu sou livre pra escolher entre Deus e o diabo, mas para escolher a<br />
Deus, eu não sou livre para escolher o diabo. Então, da mesma forma política, só vai poder ser<br />
leiga, só vai poder ser moderna, na medida em que ela reduzir o espaço da religião, em que fica<br />
menos importante essa idéia do bem e do mal que era importante na política, que era essencial<br />
para a política da Idade Média.<br />
Coisas Indiferentes<br />
Uma das idéias mais importantes para surgirem as concepções modernas de política é a idéia de<br />
coisas indiferentes. É uma idéia que vem dos antigos, que já apareceu entre os estóicos na Roma<br />
antiga, mas que vai ser desenvolvida pelo grande humanista da Renascença que é Erasmo.<br />
Erasmo de Roterdã autor do “Elogio da Loucura”.<br />
Erasmo é um defensor da tolerância. Então, ele entende que muito que a igreja exige para uma<br />
pessoa ser salva é exagerado, que deve haver menos regras, que devemos procurar encontrar o<br />
que é essencial na religião e que isso só importa. Então, existem coisas na religião, diz ele, que<br />
são essenciais para a salvação, existem coisas que são indiferentes, tanto faz que, por exemplo, as<br />
vestes de um padre durante uma cerimônia religiosa sejam de uma cor ou de outra. Ninguém vai<br />
para o inferno porque usou as cores erradas. Então, há certas coisas que são fundamentais para a<br />
salvação, e há coisas que são indiferentes para a salvação, entende Erasmo. Só que, é verdade,<br />
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