A CIDADE E AS SERRAS - Portal Educacional
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E Ç A D E Q U E I R Ó S<br />
–Sim... Trazes a água para o prado. Águas não faltam na serra.<br />
E o meu Príncipe, encadeando logo nesta inspirada idéia outra, mais rica e vasta, lembrou quanta<br />
beleza daria a Tormes encher esses prados, esses verdes ferregiais, de manadas de vacas, formosas vacas<br />
inglesas, bem nédias e bem luzidias. Hem? Uma beleza. Para abrigar esses gados ricos, construiria currais<br />
perfeitos, duma arquitetura leve e útil, toda em ferro e vidro, fundamente varridos pelo ar, largamente lavados<br />
pela água... Hem? Que formosura! Depois, com todas essas vacas, e o leite jorrando, nada mais fácil e mais<br />
divertido, e até mais moral, que a instalação duma queijeira, à fresca moda holandesa, toda branca e reluzente,<br />
de azulejos e de mármore, para fabricar os Camemberts, os Bries... os Coulommiers... Para a casa, que<br />
conforto! E para toda a serra, que atividade!<br />
–Pois não te parece, Zé Fernandes?<br />
–Com certeza. Tu tens, em abundância, os quatro elementos: o ar, a água, a terra, e o dinheiro. Com<br />
estes quatro elementos, facilmente se faz uma grande lavoura. Quanto mais uma queijeira!<br />
–Pois não é verdade? E até como negócio! Está claro, para mim o lucro é o deleite moral do trabalho,<br />
o emprego fecundo do dia... Mas uma queijaria, assim perfeita, rende. Rende prodigiosamente. E educa o<br />
paladar, incita a instalações iguais, implanta talvez no pais uma indústria nova e rica! Ora, com essa instalação<br />
perfeita, quanto me poderá custar cada queijo?<br />
Fechei um olho, calculando:<br />
–Eu te digo... Cada queijo, um desses queijinhos redondos, como o Camembert ou o Rabaçal, pode<br />
vir a custar–te, a ti Jacinto queijeiro, entre duzentos e cinqüenta e trezentos mil–réis.<br />
O meu Príncipe recuou, com os olhos alegres espantados para mim.<br />
–Como trezentos mil–réis?<br />
–Ponhamos duzentos... Tem certeza! Com todos esses prados, e os encantamentos de água, e a<br />
configuração de serra alterada, e as vacas inglesas, e os edifícios de porcelana e vidro, e as máquinas, a<br />
extravagância, e a patuscada bucólica, cada queijo te custa, a ti produtor, duzentos mil–réis. Mas com certeza<br />
o vendes no Porto pôr um tostão. Põe cinqüenta réis para a caixa, rótulos, transporte, comissão, etc. Tens<br />
apenas, em cada queijo, uma perda de cento e noventa e nove mil oitocentos e cinqüenta réis!<br />
O meu Príncipe não desanimou.<br />
–Perfeitamente! Faço um desses espantosos queijos pôr semana, ao Sábado, para o comermos nós<br />
ambos ao Domingo!<br />
E tanta energia lhe comunicava o seu novo Otimismo, tão ansiosamente aspirava a criar, que logo,<br />
arrastando o Silvério e o Melchior pôr cabeços e barrancos, largou a percorrer a Quinta toda, para determinar<br />
onde cresciam, ao seu mando inspirado, os verdes prados, e se ergueriam, rebrilhantes no sol de Tormes, os<br />
currais elegantes. Com a esplêndida segurança dos seus cento e nove contos de renda, não surgia dificuldade,<br />
risonhamente murmurada pelo Melchior, ou exclamada, com respeitoso pasmo, pelo Silvério, que ele não<br />
afastasse brandamente, com jeito leve, como um galho de roseira brava atravessado numa vereda.<br />
Aquelas rochas, além, empecendo? Que se arrancassem! Um vale importuno dividia dois campos?<br />
Que se atulhasse! O Silvério suspirava, enxugando sobre a escura calva um suor quase de angústia. Pobre<br />
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