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A CIDADE E AS SERRAS - Portal Educacional

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A C I D A D E E A S S E R R A S<br />

–Esmeraldas! Está claro que há esmeraldas!... Há sempre esmeraldas desde que haja acionistas!<br />

E eu admirava a grandeza daquela máxima – quando apareceu, esbaforido, desdobrando o lenço<br />

muito perfumado, um dos familiares do 202, Todelle (Antonio de Todelle), moço já calvo, de infinitas<br />

prendas, que conduzia Cotillons, imitava cantores de Café–Concerto, temperava saladas raras, conhecia todos<br />

os enredos de Paris.<br />

–Já veio?... Já cá está o Grão–Duque?<br />

–Não, S. Alteza ainda não chegara. E Madame de Todelle?<br />

–Não pôde... No sofá... Esfolou uma perna.<br />

–Ó!<br />

–Quase nada... Caiu do velocípede!<br />

Jacinto, logo interessado:<br />

–Ah! Madame de Todelle anda já de velocípede?<br />

–Aprende. Nem tem velocípede!... Agora, na quaresma, é que se aplicou mais, no velocípede do padre<br />

Ernesto, do cura de S. José! Mas ontem, no Bosque, zás, terra!... Perna esfolada. Aqui.<br />

E na sua própria coxa, com a unha, vivamente, desenhou o esfolão. Efraim, brutal e sério, murmurou:<br />

– “Diabo! é no melhor sítio!” Mas Todelle nem o escutara, correndo para o diretor do Boulevard, que se<br />

avançava, lento e barrigudo, com o seu monóculo negro semelhante a um pacho. Ambos se colaram contra<br />

uma estante, num cochichar profundo.<br />

Jacinto e eu entramos então no bilhar, forrado de velhos couros de Córdova, onde se fumava. Ao<br />

canto dum divã, o grande Dornan, o poeta neoplatônico e místico, o Mestre sutil de todos os ritmos,<br />

espapado nas almofadas, com um dos pés sob a coxa gorda, como um Deus índio, dos botões do colete<br />

desabotoados, a papeira caída sobre o largo decote do colarinho, mamava majestosamente um imenso<br />

charuto. Ao pé dele, também sentado, um velho que eu nunca encontrara no 202, esbelto, de cabelos brancos<br />

em anéis passados pôr trás das orelhas, a face coberta de pó de arroz, um bigodinho muito negro e<br />

arrebitado, findara certamente alguma história de bom e grosso sal – porque diante do divã, de pé, Jovan, o<br />

supremo Crítico de Teatro, ria com a calva escarlate de gozo, e um moço muito ruivo (descendente de<br />

Coligny), de perfil de periquito, sacudia os braços curtos como asas, e gania: “delicioso! divino!” Só o poeta<br />

idealista permanecera impassível, na sua majestade obesa. Mas, quando nos acercamos, esse Mestre do ritmo<br />

perfeito, depois de soprar uma farta fumarada e me saudar com um pesado mover das pálpebras, começou<br />

numa voz de rico e sonoro metal:<br />

–Há melhor, há infinitamente melhor... Todos aqui conhecem Madame Noredal. Madame Noredal<br />

tem umas imensas nádegas...<br />

Desgraçadamente para o meu regalo, Todelle invadiu o bilhar, reclamando Jacinto com alarido. Eram<br />

as senhoras que desejavam ouvir no fonógrafo uma ária da Patti! O meu amigo sacudiu logo os ombros,<br />

numa surda irritação:<br />

–Ária da Patti...Eu sei lá! Todos esses rolos estão em confusão. Além disso o Fonógrafo trabalha mal.<br />

Nem trabalha! Tenho três. Nenhuma trabalha!<br />

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