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A CIDADE E AS SERRAS - Portal Educacional

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A C I D A D E E A S S E R R A S<br />

escudeiros serviram um consommé frio com trufas. E o moço cor de milho, que espalhara pela mesa o seu<br />

olhar azul e doce, murmurou, com uma desconsolação risonha:<br />

–Que pena!... Só falta aqui um general e um bispo!<br />

Com efeito! Todas as Classes Dominantes comiam nesse momento as trufas do meu Jacinto... Mas<br />

defronte Madame de Oriol lançara um riso mais cantado que um gorjeio. O Grão–Duque, numa silva de<br />

orquídeas que orlava o seu talher, notara uma, sombriamente horrenda, semelhante a um lacrau esverdinhado,<br />

de asas lustrosas, gordo e túmido de veneno: e muito delicadamente ofertara a flor monstruosa a Madame de<br />

Oriol, que, com trinado riso, solenemente, a colocou no seio. Colado àquela carne macia, duma brancura de<br />

nata fina, o lacrau inchara, mais verde, com as asas frementes. Todos os olhos se acendiam, se cravam no<br />

lindo peito, a que a flor disforme, de cor venenosa, apimentava o sabor. Ela reluzia, triunfava. Para ajeitar<br />

melhor a orquídea os seus dedos alargaram o decote, aclararam belezas, guiando aquelas curiosidades<br />

flamejantes que a despiam. A face vincada de Jacinto pendia para o prato vazio. E o alto lírico do Crepúsculo<br />

Místico, passando a mão pelas barbas, rosnou com desdém:<br />

–Bela mulher... Mas ancas secas, e aposto que não tem nádegas!<br />

No entanto o moço de loura penugem voltara à sua estranha mágoa. Não possuirmos um general com<br />

a sua espada, e um bispo com seu báculo!...<br />

Ele atirou um gesto suave em que os seus anéis faiscaram:<br />

–Para uma bomba de dinamite... Temos aqui um esplêndido ramalhete de flores de civilização, com<br />

um Grão–Duque no meio. Imagine uma bomba de dinamite, atirada da porta!... Que belo fim de ceia, num<br />

fim de século!<br />

E como eu o considerava assombrado, ele bebendo golos de Chateau–Yquem, declarou que hoje a<br />

única emoção, verdadeiramente fina, seria aniquilar a Civilização. Nem a ciência, nem as artes, nem o<br />

dinheiro, nem o amor, podiam já dar um gosto intenso e real às nossas almas saciadas. Todo o prazer que se<br />

extraíra de criar estava esgotado. Só restava, agora, o divino prazer de destruir!<br />

Desenrolou ainda outras enormidades, com um riso claro nos olhos claros. Mas eu não atendia o<br />

gentil pedante, colhido pôr outro cuidado – reparando que em torno, subitamente, todo o serviço estacara<br />

como no conto do Palácio Petrificado. E o parto agora devido era o peixe famoso da Dalmácia, o peixe de S.<br />

Alteza, o peixe inspirador da festa! Jacinto, nervoso, esmagava entre os dedos uma flor. E todos os escudeiros<br />

sumidos!<br />

Felizmente o Grão–Duque contava a história duma caçada, nas coutadas de Sarvan, em que uma<br />

senhora, mulher de um banqueiro, saltara bruscamente do cavalo, num descampado, sem árvores. Ele e todos<br />

os caçadores param – e a galante senhora, lívida, com a amazona arregaçada, corre para trás duma pedra...<br />

Mas nunca soubemos em que se ocupava a banqueira, nesse descampado, agachada atrás da pedra – porque<br />

justamente o mordomo apareceu, reluzente de suor, e balbuciou uma confidência a Jacinto, que mordeu o<br />

beiço, trespassado. O Grão–duque emudecera. Todos se entreolhavam, numa ansiedade alegre. Então o meu<br />

Príncipe, com paciência, com heroicidade, forçando palidamente o sorriso:<br />

–Meus amigos, há uma desgraça...<br />

Dornan pulou na cadeira:<br />

–Fogo?<br />

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