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A CIDADE E AS SERRAS - Portal Educacional

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E Ç A D E Q U E I R Ó S<br />

–Qual telégrafo! Qual Lisboa! Estive lá em cima, ao pé da fonte da Lira, à sombra duma grande<br />

árvore, sub tegmine não sei quê, a ler esse adorável Virgílio... e também a arranjar o meu palácio! Que te<br />

parece, Zé Fernandes? Em três semanas, tudo soalhado, envidraçado, caiado, encadeirado!... Trabalhou a<br />

freguesia inteira! Até eu pintei, com uma imensa brocha. Viste o comedouro?<br />

–Não.<br />

–Então vem admirar a beleza na simplicidade, bárbaro!<br />

Era a mesma onde nós tanto exaltáramos o arroz com favas – mas muito esfregada, muito caiada,<br />

com um rodapé besuntado de azul estridente, onde logo adivinhei a obra do meu Príncipe. Uma toalha de<br />

linho de Guimarães cobria a mesa, com as franjas roçando o soalho. No fundo dos pratos de louça forte<br />

reluzia um galo amarelo. Era o mesmo galo e a mesma louça em que na nossa casa, em Guiães, se servem os<br />

feijões aos cavadores...<br />

Mas no pátio os cães latiram. E Jacinto correu à varanda, com uma ligeireza curiosa que me deleitou.<br />

Ah, bem definitivamente se esfrangalhara aquela rede de malha que se não percebia e que outrora o travava! –<br />

Nesse momento apareceu o Grilo, de quinzena de linho, segurando em cada mão uma garrafa de vinho<br />

branco. Todo se alegrou “em ver na Quinta o siô Fernandes”. Mas a sua veneranda face já não resplandecia,<br />

como em Paris, com um tão sereno e ditoso brilho de ébano. Até me pareceu que corcovava... Quando o<br />

interroguei sobre aquela mudança, estendeu duvidosamente o beiço grosso.<br />

bom!<br />

–O menino gosta, eu então também gosto... Que o ar aqui é muito bom, siô Fernandes, o ar é muito<br />

Depois, mais baixo envolvendo num gesto desolado a louça de Barcelos, as faces de cabo de osso, as<br />

prateleiras de pinho como num refeitório de Franciscanos:<br />

–Mas muita magreza, siô Fernandes, muita magreza!<br />

Jacinto voltara com um maço de jornais cintados:<br />

–Era o carteiro. Já vês que não amuei inteiramente com a Civilização. Eis a imprensa!... Mas nada de<br />

Fígaro, ou da horrenda Dois–Mundos! Jornais de Agricultura! Para aprender como se produzem as risonhas<br />

messes, e sob que signo se casa a vinha ao olmo, e que cuidados necessita a abelha provida.... Quid faciat<br />

laetas segetes... De resto para esta nobre educação, já me bastavam as Geórgicas, que tu ignoras!<br />

Eu ri:<br />

–Alto lá! Nos quoque gens sumus et nostrum Virgilium sabemus!<br />

Mas o meu novíssimo amigo, debruçado da janela, batia as palmas – como Catão para chamar os<br />

servos, na Roma simples. E gritava:<br />

–Ana Vaqueira! Um copo de água, bem lavado, da fonte velha! Pulei, imensamente divertido:<br />

–Ó Jacinto! E as águas carbonatadas? E as fosfatadas? E as esterilizadas? E as sódicas?...<br />

O meu Príncipe atirou os ombros com um desdém soberbo. E aclamou a aparição de um grande<br />

copo, todo embaciado pela frescura nevada da água refulgente, que uma bela moça trazia num prato. Eu<br />

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