A CIDADE E AS SERRAS - Portal Educacional
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A C I D A D E E A S S E R R A S<br />
Sobre o rio, com efeito, reluzia um pedaço de azul lavado e lustroso, e a grossa camada de nuvens já<br />
se ia enrolando sob a lenta varredela do vento, que as levava, despejadas e rotas, para um canto escuso do<br />
céu.<br />
Então recolhemos lentamente para casa, pôr uma vereda íngreme, que ensinara o Silvério, e onde um<br />
leve enxurro vinha ainda, saltando e chalrando. De cada ramo tocado, rechovia uma chuva leve. Toda a<br />
verdura, que bebera largamente, reluzia consolada.<br />
Bruscamente, ao sairmos da vereda para um caminho mais largo, entre um socalco e um renque de<br />
vinha, Jacinto parou, tirando lentamente a cigarreira:<br />
–Pois, Silvério, eu não quero mais estas horríveis misérias na Quinta.<br />
O Procurador deu um jeito aos ombros, com um vago eh! eh! de obediência e dúvida.<br />
–Antes de tudo – continuava Jacinto – mande já hoje chamar esse Dr. Avelino para aquela pobre<br />
mulher... E os remédios que os vão buscar logo a Guiães. E recomendação ao médico para voltar amanhã, e<br />
em cada dia; até que ela melhore... Escute! E quero, Silvério, que lhe leve dinheiro, para os caldos, para a<br />
dieta, uns dez ou quinze mil–réis... Bastará?<br />
O Procurador não conteve um riso respeitoso. Quinze mil–réis! Uns tostões bastavam.... Nem era<br />
bom acostumar assim, a tanta franqueza, aquela gente. Depois todos queriam, todos pechinchavam...<br />
–Mas é que todos hão de Ter – disse Jacinto simplesmente.<br />
–V. Exª manda! – murmurou o Silvério.<br />
Encolhera os ombros, parado no caminho, no espanto daquelas extravagâncias. Eu tive de o apressar,<br />
impaciente:<br />
–Vamos conversando e andando! É meio–dia! Estou com uma fome de lobo!<br />
Caminhamos, com o Silvério no meio, pensativo, a fronte enrugada sob a vasta aba do chapéu, a<br />
barba imensa espalhada pelo peito, e a barraca exorbitante do guarda–chuva vermelho enrolada debaixo do<br />
braço. E Jacinto, puxando nervosamente o bigode, arriscava outras idéias benfazejas, cautelosamente, no seu<br />
indomável medo do Silvério:<br />
–E as casas também... Aquela casa é um covil!... Gostava de abrigar melhor aquela pobre gente... E<br />
naturalmente, as dos outros caseiros são pocilgas iguais... era necessário uma reforma! Construir casas novas a<br />
todos os rendeiros da Quinta...<br />
–A todos?... – O Silvério gaguejava – emudeceu.<br />
E Jacinto balbuciava aterrado:<br />
–A todos... Enfim, quero dizer... Quantos serão eles?<br />
Silvério atirou um gesto enorme:<br />
–São vinte e coisas... vinte e três! Se bem lembro. Upa! Upa! Vinte e sete...<br />
Então Jacinto emudeceu também, como reconhecendo a vastidão do número. Mas desejou saber pôr<br />
quanto ficaria cada casa!... Ó! uma casa simples, mas limpa, confortável, como a que tinha a irmã do Melchior,<br />
ao pé do lagar. Silvério estacou de novo. Uma casa como a da Ermelinda? Queria Sua Exª saber? E alijou a<br />
cifra, muito de alto, como uma pedra imensa, para esmagar Jacinto:<br />
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