A CIDADE E AS SERRAS - Portal Educacional
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A C I D A D E E A S S E R R A S<br />
onde ela tão delicadamente brotara, já desabrochada, em pleno perfume, mais graciosa pôr ser flor de esforço<br />
e de estufa, e trazendo nas suas pétalas um não sei quê de desbotado e de antemurcho.<br />
No entanto, com a sua volubilidade de pássaro, chalrando para mim, chalrando para Jacinto, ela<br />
mostrava o seu lindo espanto pôr aquele montão de telegramas sobre a toalha.<br />
–Tudo esta manhã, pôr causa da inundação!... Ah, Jacinto é hoje o homem, o único homem de Paris!<br />
Muitas mulheres nesses telegramas?<br />
Languidamente, com o charuto a fumegar, o meu Príncipe empurrou para a sua amiga o telegrama do<br />
Grão–Duque. Então Madame de Oriol teve um ah! muito grave e muito sentido. Releu profundamente o<br />
papel de S.A . que os seus dedos acariciavam com uma reverência gulosa. E sempre grave, sempre séria:<br />
–É brilhante!<br />
Ó! certamente! naquele desastre tudo se passara com muito brilho, num tom muito Parisiense. E a<br />
deliciosa criatura não se podia demorar, porque fizera marcar um lugar na igreja da Madalena para o sermão!<br />
Jacinto exclamou com inocência:<br />
–Sermão?... É já a estação dos sermões?<br />
Madame de Oriol teve um movimento de carinhoso escândalo e dor. O quê! pois nem na austera casa<br />
dos Trèves dera pela entrada da Quaresma? De resto não se admirava – Jacinto era um turco! E,<br />
imediatamente celebrou o pregador, um frade dominicano, o Père Granon! Ó! duma eloqüência! No<br />
derradeiro sermão pregara sobre o amor, a fragilidade dos amores mundanos! E tivera coisas duma<br />
inspiração, duma brutalidade! Depois que gesto, um gesto terrível que esmagava, em que se lhe arregaçava<br />
toda a manga, mostrando o braço nu, um braço soberbo, muito branco, muito forte!<br />
O seu sorriso permanecia claro sob o olhar que negrejara dentro do véu negro. E Jacinto, rindo:<br />
–Um bom braço de diretor espiritual, hem? Para vergar, espancar almas...<br />
Ela acudiu:<br />
–Não! infelizmente o Père Granon confessa!<br />
E de repente reconsiderou – aceitava um biscoito, um cálice de Tokai. Era necessário um cordial para<br />
afrontar as emoções do Père Granon! Ambos nos precipitáramos, um arrebatando a garrafa, outro<br />
oferecendo o prato de bombons. Franziu o véu para os olhos, chupou à pressa um bolo que ensopara no<br />
Tokai. E como Jacinto, reparando casualmente no chapéu que ela trazia, se curvara com curiosidade,<br />
impressionado, Madame Oriol apagou o sorriso, toda séria ante uma coisa séria:<br />
–Elegante, não é verdade?... É uma criação inteiramente nova de Madame Vial. Muito respeitoso, e<br />
muito sugestivo, agora na Quaresma.<br />
O seu olhar, que me envolvera, também me convidava a admirar. Aproximei o meu focinho de<br />
homem das serras para contemplar essa criação suprema do luxo de Quaresma. E era maravilhoso! Sobre o<br />
veludo, na sombra das plumas frisadas, aninhada entre rendas, fixada pôr um prego, pousava delicadamente,<br />
feita de azeviche, uma Coroa de Espinhos!<br />
Ambos nos extasiamos. E Madame de Oriol, num movimento e num sorriso que derramou mais<br />
aroma e mais claridade, abalou para a Madalena.<br />
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