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A CIDADE E AS SERRAS - Portal Educacional

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E Ç A D E Q U E I R Ó S<br />

Ela abriu, lentamente, e ia murmurando numa voz dolente e arrastada mas sem queixume, que um<br />

vago, resignado sorriso acompanhava:<br />

–Ora, coitada! como há de ir? Malzinha... malzinha.<br />

E dentro, num gemido que subia como do chão, de entre abafos, amodorrado e lento, a mãe repetiu a<br />

desconsolada queixa:<br />

–Ai! para aqui estou, e malzinha, malzinha!...<br />

O Silvério, sem passar da porta, com o guarda–chuva em riste, meio aberto, como um escudo contra a<br />

infecção, lançou uma consolação vaga:<br />

–Não há de ser nada, tia Maria!... Isso foi friagem! Não foi senão friagem!<br />

E, sobre o ombro de Jacinto, encolhido:<br />

–Já V. Exª vê... Muita miséria! Até lhe chove lá dentro.<br />

E, no pedaço de chão que viam, chão de terra batida, uma mancha úmida reluzia, da chuva pingada de<br />

uma telha rota. A parede, coberta de fuligem, das longas fumaraças da lareira, era tão negra como o chão. E<br />

aquela penumbra suja parecia atulhada, numa desordem escura, de trapos, de cacos, de restos de coisas, onde<br />

só mostravam forma compreensível uma arca de pau negro, e pôr cima, pendurado dum prego, entre uma<br />

serra e uma candeia, um grosso saiote escarlate.<br />

Então Jacinto, muito embaraçado, murmurou abstraidamente:<br />

–Está bem, está bem...<br />

E largou pelo campo para o lado do alpendre como se fugisse, enquanto Silvério decerto revelava à<br />

rapariga, a presença augusta do “fidalgo”, porque a sentimos, da porta, levantar a voz dolorida:<br />

–Ai! Nosso Senhor lhe dê muita boa sorte! Nosso Senhor o acompanhe!<br />

Quando o Silvério, com as grandes passadas das suas grandes botas, nos colheu, no meio do campo,<br />

Jacinto parara, olhava para mim, com os dedos trêmulos a torturar o bigode, e murmurava:<br />

–É horrível, Zé Fernandes, é horrível!<br />

Ao lado, o vozeirão do Silvério trovejou:<br />

–Que queres tu outra vez, rapaz? Vai para a tua mãe, criatura!<br />

Era o pequeno rotinho, esfaimadinho, que se prendia a nós, num imenso pasmo das nossas pessoas, e<br />

com a confusa esperança, talvez, que delas, como de Deuses encontrados num caminho, lhe viesse afago ou<br />

proveito. E Jacinto, para quem ele mais especialmente arregalava os olhos tristes, e que aquela miséria, e a sua<br />

muda humildade, embaraçavam, acanhavam horrivelmente, só soube sorrir, murmurar o seu vago: “Está bem,<br />

está bem...” Fui eu que dei ao pequenito um tostão, para o fartar, o despegar dos nossos passos. Mas como<br />

ele, com o seu tostão bem agarrado, nos seguia ainda, como no sulco da nossa magnificência, o Silvério teve<br />

de o espantar, como a um pássaro, batendo as mãos, e de lhe gritar:<br />

110<br />

–Já para casa! E leve esse dinheiro à mãe. Roda, roda!...<br />

–E nós vamos almoçar – lembrei eu olhando o relógio. – O dia ainda vai estar lindo.

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