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NT - Crimes de tortura - 24 09 09 - Câmara dos Deputados

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CÂMARA DOS DEPUTADOS<br />

DEPARTAME<strong>NT</strong>O DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO<br />

NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES<br />

TEXTO COM REDAÇÃO FINAL<br />

CONJU<strong>NT</strong>A - DIREITOS HUMANOS / LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA<br />

EVE<strong>NT</strong>O: Audiência Pública N°: 1599/<strong>09</strong> DATA: <strong>24</strong>/<strong>09</strong>/200 9<br />

INÍCIO: <strong>09</strong>h47min TÉRMINO: 13h04min DURAÇÃO: 03h16min<br />

TEMPO DE GRAVAÇÃO: 03h16min PÁGINAS: 62 QUARTOS: 40<br />

DEPOE<strong>NT</strong>E/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO<br />

A<strong>NT</strong>ÔNIO MODESTO DA SILVEIRA – Advogado, ex-Deputado Fe<strong>de</strong>ral e encaminhador da Lei<br />

<strong>de</strong> Anistia.<br />

PAULO ABRÃO PIRES JÚNIOR – Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Anistia do Ministério da Justiça.<br />

FÁBIO KONDER COMPARATO – Presi<strong>de</strong>nte da Comissão Nacional <strong>de</strong> Defesa da República e<br />

da Democracia da Or<strong>de</strong>m <strong>dos</strong> Advoga<strong>dos</strong> do Brasil.<br />

JARBAS SILVA MARQUES – Jornalista.<br />

SUMÁRIO: Debate sobre o princípio da imprescritibilida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> crimes <strong>de</strong> <strong>tortura</strong> e as ações <strong>de</strong><br />

responsabilização <strong>dos</strong> agentes do Estado que praticaram tais crimes na ditadura civil-militar<br />

que vigorou entre 1964 e 1985.<br />

OBSERVAÇÕES<br />

Audiência pública conjunta com a Comissão <strong>de</strong> Legislação Participativa.<br />

Houve exibição <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o.<br />

Há falha na gravação.


CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL<br />

Nome: Conjunta - Direitos Humanos / Legislação Participativa<br />

Número: 1599/<strong>09</strong> Data: <strong>24</strong>/<strong>09</strong>/20<strong>09</strong><br />

O SR. PRESIDE<strong>NT</strong>E (Deputado Pedro Wilson) - Declaro abertos os trabalhos<br />

da presente audiência pública conjunta com a Comissão <strong>de</strong> Legislação Participativa,<br />

que tem como finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>bater o princípio da imprescritibilida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> crimes <strong>de</strong><br />

<strong>tortura</strong> e as ações <strong>de</strong> responsabilização <strong>dos</strong> agentes do Estado que praticaram tais<br />

crimes na ditadura civil-militar que vigorou entre 1964 e 1985.<br />

A iniciativa <strong>de</strong> realização <strong>de</strong>sta audiência partiu <strong>dos</strong> Deputa<strong>dos</strong> Pedro Wilson,<br />

Vice-Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos e Minorias, e Iran Barbosa,<br />

membro titular da Comissão <strong>de</strong> Legislação Participativa, a partir da Arguição <strong>de</strong><br />

Descumprimento <strong>de</strong> Preceito Fundamental nº 153, <strong>de</strong> autoria da Or<strong>de</strong>m <strong>dos</strong><br />

Advoga<strong>dos</strong> do Brasil – OAB, que tramita no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

O questionamento da OAB inci<strong>de</strong> sobre a valida<strong>de</strong> do art. 1º da Lei da Anistia,<br />

que consi<strong>de</strong>ra como conexos e igualmente perdoa<strong>dos</strong> os crimes <strong>de</strong> qualquer<br />

natureza cometi<strong>dos</strong> por motivação política no período <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1961 a<br />

15 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1979.<br />

A entida<strong>de</strong> — a OAB — ingressou com ação junto ao STF em outubro <strong>de</strong><br />

2008. Para o Presi<strong>de</strong>nte da Or<strong>de</strong>m, Dr. Cezar Britto, essa questão precisa ser<br />

<strong>de</strong>batida pela socieda<strong>de</strong> brasileira. “O Brasil precisa livrar-se do hábito <strong>de</strong> varrer<br />

para baixo do tapete da história as suas abjeções. (...) Precisa enten<strong>de</strong>r que anistia<br />

não é amnésia e que um povo que não conhece o seu passado está con<strong>de</strong>nado a<br />

repeti-lo”, <strong>de</strong>clarou Britto à Agência Brasil em resposta a <strong>de</strong>clarações do Ministro<br />

Nelson Jobim, para quem a punição <strong>de</strong> militares que participaram <strong>de</strong> <strong>tortura</strong>s no<br />

período da ditadura militar seria revanchismo.<br />

Lembramos que to<strong>dos</strong> os acor<strong>dos</strong>, trata<strong>dos</strong> e <strong>de</strong>clarações internacionais que<br />

abordam o tema consi<strong>de</strong>ram a <strong>tortura</strong> um crime contra a humanida<strong>de</strong> e, por isso,<br />

imprescritível.<br />

Trata-se <strong>de</strong> um <strong>dos</strong> crimes mais hedion<strong>dos</strong> existentes, e esta audiência <strong>de</strong>ve<br />

aprofundar a discussão sobre sua imprescritibilida<strong>de</strong>. Há várias posições<br />

diferenciadas no Governo, nos tribunais e na socieda<strong>de</strong>. O nosso sentimento, acima<br />

<strong>de</strong> tudo, não é <strong>de</strong> revanchismo, mas <strong>de</strong> justiça, que precisa prevalecer.<br />

Já estão presentes o Deputado Iran Barbosa; o Dr. Antônio Mo<strong>de</strong>sto da<br />

Silveira, ex-Deputado Fe<strong>de</strong>ral, encaminhador da Lei da Anistia, e o Dr. Paulo Abrão<br />

Pires Junior, Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Anistia do Ministério da Justiça. Já está a<br />

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL<br />

Nome: Conjunta - Direitos Humanos / Legislação Participativa<br />

Número: 1599/<strong>09</strong> Data: <strong>24</strong>/<strong>09</strong>/20<strong>09</strong><br />

caminho o Dr. Fábio Kon<strong>de</strong>r Comparato, Presi<strong>de</strong>nte da Comissão Nacional <strong>de</strong><br />

Defesa da República e da Democracia do Conselho Fe<strong>de</strong>ral da OAB.<br />

ilustração.<br />

Vamos exibir um pequeno filme, com duração <strong>de</strong> 3 a 5 minutos, a título <strong>de</strong><br />

(Exibição <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o.)<br />

O SR. PRESIDE<strong>NT</strong>E (Deputado Pedro Wilson) - Está conosco também o<br />

Deputado Roberto Britto, Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Legislação Participativa.<br />

Convido para tomar assento à Mesa o Dr. Antônio Mo<strong>de</strong>sto da Silveira, ex-<br />

Deputado Fe<strong>de</strong>ral, um <strong>dos</strong> mais lídimos representantes da luta pela anistia e pela<br />

<strong>de</strong>mocracia no Brasil, que honra este Parlamento, a quem faço esta homenagem por<br />

direito e por <strong>de</strong>ver. (Palmas.)<br />

Convido também o Dr. Paulo Abrão Pires Junior, Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong><br />

Anistia do Ministério da Justiça, que tem feito um trabalho extraordinário não só em<br />

Brasília, mas também em todo o Brasil, resgatando os direitos <strong>de</strong> anistia<strong>dos</strong>, muitos<br />

ainda não reintegra<strong>dos</strong>. É uma honra para nós estar aqui com o Dr. Paulo Abrão e a<br />

equipe da Comissão <strong>de</strong> Anistia do Ministério da Justiça. Minha saudação ao Ministro<br />

Tarso Genro.<br />

Estamos aguardando o Dr. Fábio Kon<strong>de</strong>r Comparato.<br />

Registro a presença do Deputado Dr. Talmir, representante <strong>de</strong> São Paulo, e<br />

do Sr. Jarbas Marques, representante do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Informo que o ví<strong>de</strong>o exibido é do projeto Memórias Reveladas e está<br />

disponível na página <strong>de</strong>sta Comissão, no en<strong>de</strong>reço “www.youtube.com/cdhcamara”.<br />

Antes <strong>de</strong> passar a palavra ao Dr. Antônio Mo<strong>de</strong>sto da Silveira, <strong>de</strong>vo<br />

esclarecer que a iniciativa <strong>de</strong> realização da presente audiência não foi somente<br />

minha, mas muito mais do Deputado Iran Barbosa, professor, militante na área <strong>de</strong><br />

direitos humanos, uma das figuras mais representativas na luta pelos direitos<br />

humanos e em favor da educação e cultura brasileiras.<br />

Por isso peço licença ao Deputado Roberto Britto para convidar o Deputado<br />

Iran Barbosa a coparticipar da presidência no início da presente audiência. Mais<br />

tar<strong>de</strong> retomarei a presidência <strong>dos</strong> trabalhos, tendo em vista que S.Exa. tem <strong>de</strong> viajar<br />

para seu Estado. Agra<strong>de</strong>ço.<br />

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Número: 1599/<strong>09</strong> Data: <strong>24</strong>/<strong>09</strong>/20<strong>09</strong><br />

Passo a presidência ao Deputado Iran Barbosa, que fará sua saudação inicial.<br />

O SR. PRESIDE<strong>NT</strong>E (Deputado Iran Barbosa) - Inicialmente saúdo to<strong>dos</strong> que<br />

aqui se encontram.<br />

Agra<strong>de</strong>ço a aquiescência ao convite aos que vão estar conosco aqui hoje<br />

<strong>de</strong>batendo um tema fundamental para nós.<br />

Na condição <strong>de</strong> Parlamentares, <strong>de</strong> representantes do povo <strong>de</strong>ste País, não<br />

po<strong>de</strong>mos prescindir <strong>de</strong> um <strong>de</strong>bate tão profundo e complexo como este. Temos <strong>de</strong><br />

nos apropriar do seu conteúdo para que possamos efetivamente nos posicionar e<br />

dar <strong>de</strong>sdobramento ao tema nesta Casa. É imbuído <strong>de</strong>sse espírito que eu, o<br />

Deputado Pedro Wilson e os colegas que aprovaram o requerimento estamos aqui<br />

hoje.<br />

Sr. Presi<strong>de</strong>nte, antecipadamente peço <strong>de</strong>sculpas porque, em razão <strong>de</strong><br />

compromissos no Estado, preciso pegar um voo — e os voos para Sergipe não<br />

facilitam nosso trabalho. Vou ficar aqui até o limite possível em relação ao horário do<br />

voo, mas estarei à disposição enquanto o tempo permitir.<br />

Passo a presidência <strong>dos</strong> trabalhos ao Deputado Roberto Britto, Presi<strong>de</strong>nte da<br />

Comissão <strong>de</strong> Legislação Participativa, para que possamos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já iniciar nosso<br />

<strong>de</strong>bate.<br />

O SR. PRESIDE<strong>NT</strong>E (Deputado Roberto Britto) - Bom dia a to<strong>dos</strong>.<br />

Nossos agra<strong>de</strong>cimentos ao Deputado Iran Barbosa, que em bom momento<br />

solicitou a realização da presente audiência pública da Comissão <strong>de</strong> Legislação<br />

Participativa em conjunto com a Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos.<br />

Sabemos muito bem que o nosso País hoje, <strong>de</strong>mocraticamente, senão<br />

perfeito, é quase perfeito, temos a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter toda a estrutura <strong>de</strong> governo,<br />

toda a estrutura legislativa e executiva aberta à socieda<strong>de</strong>. E não podia ser<br />

diferente. Hoje, quando estamos primando cada vez mais pelos direitos humanos e<br />

buscando cada vez mais o direito da socieda<strong>de</strong>, esta Casa abre-se plenamente para<br />

dar a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>, nesta Comissão <strong>de</strong> Legislação Participativa, elo entre a<br />

socieda<strong>de</strong> e o Parlamento, porta <strong>de</strong> entrada da socieda<strong>de</strong> para o Parlamento, a<br />

socieda<strong>de</strong> organizada encaminhar suas propostas para serem transformadas em<br />

projetos <strong>de</strong> lei e, a partir daí, seguir o trâmite normal, natural.<br />

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Então, mais uma vez parabenizo o Deputado Iram Barbosa e agra<strong>de</strong>ço ao<br />

Deputado Pedro Wilson. Como disse o Iram, to<strong>dos</strong> nós aqui, na quinta-feira, temos<br />

limites em razão <strong>de</strong> problemas com horários <strong>de</strong> voo para os Esta<strong>dos</strong>, mas<br />

estaremos to<strong>dos</strong> juntos para <strong>de</strong>bater tema tão importante e tão atual a respeito <strong>dos</strong><br />

direitos humanos.<br />

Gostaria, nesta oportunida<strong>de</strong>, dando início às exposições, <strong>de</strong> passar a palavra<br />

ao nosso convidado, Sr. Antônio Mo<strong>de</strong>sto da Silveira, ex-Deputado Fe<strong>de</strong>ral e<br />

encaminhador do projeto <strong>de</strong> Lei <strong>de</strong> Anistia.<br />

O SR. A<strong>NT</strong>ÔNIO MODESTO DA SILVEIRA - Muito obrigado, Sr. Presi<strong>de</strong>nte.<br />

Quero cumprimentar os companheiros <strong>de</strong> Mesa, não só o Iram, o Pedro Wilson, o<br />

Luiz Couto, e agora o nosso companheiro Paulo Abraão, enquanto aguardamos a<br />

chegada do jurista Fábio Comparato, <strong>de</strong> quem eu estava lendo aqui essa arguição<br />

apresentada ao Supremo.<br />

São discussões <strong>de</strong> natureza jurídica, ou jurídico-política, creio que muito mais<br />

política do que jurídica, até porque, nessas questões jurídicas, quando entra uma<br />

discussão <strong>de</strong> natureza política, quase sempre prevalece a política. Se é assim,<br />

quando eu estava começando a ler a arguição do Fábio, chegava aqui o nosso<br />

companheiro Jarbas Silva Marques, que está ali bem à minha frente.<br />

Tenho observado que em cada lugar do Brasil, <strong>de</strong> Belém a Porto Alegre,<br />

talvez do Oiapoque ao Chuí, on<strong>de</strong> há uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 10, 15, 20 pessoas, pelo<br />

menos uma foi ou é meu ex-cliente, um perseguido político. E ele foi um <strong>dos</strong> meus<br />

<strong>de</strong>fendi<strong>dos</strong> que mais tempo ficou preso — quase 10 anos.<br />

Portanto, histórias não lhe faltam para contar, e a mim também não, até<br />

porque houve um gran<strong>de</strong> jurista, que infelizmente já falecido, Heleno Fragoso, que<br />

em um <strong>de</strong> seus livros dizia que, pelos cálculos que andou fazendo pelo Brasil, o<br />

advogado que mais <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u persegui<strong>dos</strong> políticos durante a ditadura foi um<br />

advogado <strong>de</strong> nome Antônio Mo<strong>de</strong>sto da Silveira.<br />

Portanto, tanto quanto Jarbas, talvez eu conheça as histórias, os fatos que<br />

nos levam a pensar essa legislação que veio durante a ditadura como forma não só<br />

<strong>de</strong> autoanistia, mas <strong>de</strong> anistia preventiva pelos crimes passa<strong>dos</strong> e futuros.<br />

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A discussão proposta pelo Fábio tem a ver com o art. 1º, § 1º, da Lei nº 6.683,<br />

quando então eu era um misto <strong>de</strong> advogado <strong>de</strong> persegui<strong>dos</strong> políticos e Deputado<br />

Fe<strong>de</strong>ral mais votado do centro para a esquerda no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

Nessa condição, tive muitas experiências, mas <strong>de</strong>staco duas, pela sua<br />

importância: ter sido advogado <strong>de</strong> persegui<strong>dos</strong> políticos — segundo os<br />

companheiros, o que mais <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u gente do Oiapoque ao Chuí — e Deputado<br />

Fe<strong>de</strong>ral no momento em que se discutia nesta Casa a anistia política. Por quê?<br />

Porque o povo e os estudantes reclamavam nas ruas, por toda parte, <strong>de</strong> tal modo<br />

que a ditadura entrou em <strong>de</strong>clínio e, tendo entrado em <strong>de</strong>clínio, enten<strong>de</strong>u que a<br />

única forma <strong>de</strong> salvar... Cumprimento meu querido companheiro Chico Alencar, do<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, batalhador e vítima, testemunha e vítima do período, embora seja<br />

muito jovem. Portanto, se o que eu disser aqui merecer alguma correção, peço ao<br />

Chico, ao Jarbas e a qualquer <strong>dos</strong> presentes que me corrijam, me aju<strong>de</strong>m a<br />

restabelecer a verda<strong>de</strong>.<br />

Àquela altura, por gran<strong>de</strong>s tensões, o nossos partido, que seria o partido do<br />

“sim”, virou um partido <strong>de</strong> oposição e disse “não” — havia o partido do “sim”, o MDB,<br />

e o partido do “sim, senhor”, a Arena. E, ao dizer “não”, o MDB começou a lutar<br />

contra a ditadura, sobretudo quando ficou claro, a partir da eleição <strong>de</strong> 1974, e <strong>de</strong>pois<br />

na <strong>de</strong> 1978, que o povo brasileiro não queria a ditadura, na medida em que tivemos<br />

quase 5 milhões <strong>de</strong> votos a mais. Mesmo assim a nossa bancada era sempre<br />

minoritária, <strong>de</strong>vido a vários artifícios, e vejam bem quais eram os artifícios legais,<br />

não só pelo bionismo, pelos biônicos, pela <strong>de</strong>sproporcionalida<strong>de</strong> marcante do<br />

processo eleitoral, em que alguns Esta<strong>dos</strong> que eram da ditadura podiam eleger um<br />

Senador ou um Deputado com votação mínima, enquanto que o partido do “não”, o<br />

MDB, exigia-se, pela <strong>de</strong>sproporcionalida<strong>de</strong> estadual, uma votação extremamente<br />

maior. Nós éramos maioria, mas éramos minimiza<strong>dos</strong> aqui pelos artifícios da<br />

ditadura. Já havia o grito das ruas, e até o Papa chegou a fazer pronunciamento a<br />

respeito <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> país católico do mundo “que <strong>tortura</strong> e mata, é preciso parar<br />

com isso”. O Papa nunca dá um recado como esse, mas <strong>de</strong>u! Além disso, por<br />

exemplo, eu recebia <strong>de</strong> retorno informações que falavam sobre fatos concretos,<br />

alguns <strong>dos</strong> quais eu quero mencionar; enviava, por exemplo, a pedido <strong>de</strong> um jornal<br />

universitário <strong>dos</strong> Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, ou da Europa, ele retornava sem o corte <strong>de</strong> uma<br />

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vírgula, o que nos ajudava. Os próprios embaixadores brasileiros não tinham mais<br />

coragem <strong>de</strong> ir às festas comuns da diplomacia no exterior porque lá eram cobra<strong>dos</strong>,<br />

como foram cobra<strong>dos</strong> muito intensamente quando eu fui advogado do chamado<br />

Grupo Angolano, ou seja, aqueles jovens <strong>de</strong> Angola, <strong>de</strong> Moçambique e <strong>de</strong> outras<br />

partes que estavam no Brasil lutando pela in<strong>de</strong>pendência <strong>dos</strong> seus países, tanto<br />

quanto nossos jovens, no começo, quando o Brasil pretendia sua in<strong>de</strong>pendência, <strong>de</strong><br />

Tira<strong>de</strong>ntes para a frente, lutavam lá fora, sobretudo na Europa, pela in<strong>de</strong>pendência<br />

do Brasil. Foi o caso então <strong>de</strong>sses jovens angolanos, portugueses, e alguns<br />

brasileiros entre eles. Presos, fui advogado <strong>de</strong>les ao mesmo tempo em que Sobral<br />

era advogado <strong>dos</strong> chineses que estavam aqui tentando estabelecer uma relação<br />

comercial que redundaria numa relação diplomática mais tar<strong>de</strong>, como aconteceu.<br />

Pois bem, <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 64 até 85 — os mais jovens <strong>de</strong>vem atentar para<br />

isso — havia um clima <strong>de</strong> terrorismo, um clima, mais que <strong>de</strong> ditadura, <strong>de</strong> tirania. E aí<br />

eu me lembro até — eu lembrava outro dia com o Deputado Souto — do que dizia<br />

Tomás <strong>de</strong> Aquino: quando a tirania, a ditadura for prolongada e grave, o povo tem<br />

todo o direito <strong>de</strong> usar os seus meios para se livrar <strong>de</strong>la. E, vejam bem, eu me lembro<br />

<strong>de</strong> on<strong>de</strong>, do dia e da hora em que se estabeleceu a ditadura. A 1º <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1964<br />

— posso até <strong>de</strong>screver para que alguém conteste —, eu estava na Cinelândia, no<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong> se esperava por um comício que não houve, não só porque<br />

houve uma greve <strong>dos</strong> meios <strong>de</strong> transporte, mas sobretudo porque o Golpe já estava<br />

na rua pelo sequestro antecipado <strong>de</strong> algumas li<strong>de</strong>ranças. Então, quando chegaram<br />

os tanques na Rio Branco, em frente ao Clube Militar, o povo aplaudiu os tanques.<br />

Quando esses mesmos tanques voltaram seus canhões contra o povo, o povo os<br />

vaiou. Quando o povo os vaiou, vieram os infantes <strong>de</strong> baioneta calada, limpando a<br />

praça. Dois indivíduos sacaram suas armas e atiraram contra o povo, que gritava e<br />

vaiava. Um homem caiu perto <strong>de</strong> mim; os 2, logo <strong>de</strong>pois disso, correram para <strong>de</strong>ntro<br />

das portas do Clube Militar, e as gran<strong>de</strong>s portas <strong>de</strong> aço medievais se fecharam<br />

abrigando-os.<br />

Eu não quero dizer com isso que os militares sejam culpa<strong>dos</strong> <strong>de</strong> tudo. Ao<br />

contrário, eu quero dizer que as Forças Armadas são instituições permanentes das<br />

quais, enquanto houver a estupi<strong>de</strong>z da guerra no mundo, não po<strong>de</strong>mos abrir mão,<br />

enquanto houver a estupi<strong>de</strong>z da guerra. Sou pacifista, claro, mas, enquanto houver,<br />

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enquanto precisarmos <strong>de</strong> lutar por um pré-sal sobre o qual os navios <strong>de</strong> guerra da<br />

gran<strong>de</strong> potência mundial passeiam como, quem diz, ao mesmo tempo em que<br />

mandam para cá os seus negociadores <strong>de</strong> leilões injustos e manipula<strong>dos</strong>. Eles<br />

passeiam sobre o pré-sal e com os negociadores aqui, como quem diz, por bem ou<br />

por mal, na lei ou na marra. O pré-sal é nosso, ou pelo menos parcialmente é nosso.<br />

Estou invocando essas coisas todas que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> interpretação para<br />

dizer: não quero <strong>de</strong> forma nenhuma dizer que as Forças Armadas foram<br />

responsáveis, até porque houve a participação <strong>de</strong> muitos civis, a interferência <strong>de</strong><br />

embaixadores internacionais, sobretudo da gran<strong>de</strong> potência mundial. Pois bem.<br />

Quero até afirmar, ouso afirmar que o número <strong>de</strong> responsáveis pelo terror no Brasil,<br />

terrorismo <strong>de</strong> Estado, talvez se contem em poucas centenas, <strong>de</strong> norte a sul, mas o<br />

número <strong>de</strong> militares e policiais vítimas é infinitamente maior. Eu ousaria dizer — há<br />

quem calcule em 5 mil, listagens estão sendo feitas — que é possível que chegue a<br />

10 mil o número <strong>de</strong> vítimas só <strong>de</strong> militares que tentaram manter a Constituição,<br />

manter o processo <strong>de</strong>mocrático e respeito às autorida<strong>de</strong>s eleitas, à época do<br />

Governo João Goulart.<br />

Sofisma se cria para qualquer coisa. Toda ditadura tem os seus sofistas, tem<br />

os seus filósofos <strong>de</strong> plantão. Vivemos todo esse terror <strong>de</strong> tal modo que quem<br />

ousasse dizer essas verda<strong>de</strong>s que digo agora po<strong>de</strong>ria sair lá fora e não dizer<br />

verda<strong>de</strong> nem mentira mais nenhuma, porque po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>saparecer, como aconteceu<br />

com muitos.<br />

Por tentar dizer as verda<strong>de</strong>s nos próprios tribunais, exibindo corpos mutila<strong>dos</strong><br />

diante da OAB e diante <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s... Lembro-me, <strong>de</strong>sculpem-me, e aqui faço um<br />

parêntese... Sempre que havia um advogado sequestrado e <strong>tortura</strong>do eu costumava<br />

levar à OAB para que ela pu<strong>de</strong>sse agir melhor em <strong>de</strong>fesa <strong>dos</strong> advoga<strong>dos</strong>. Quando<br />

levei um <strong>dos</strong> advoga<strong>dos</strong> — acho que foi Deputado duas ou 3 vezes, não sei,<br />

Vereador também —, o Afonsinho, Affonso Celso Nogueira Monteiro, e lhe pedi que<br />

se <strong>de</strong>snudasse <strong>de</strong> cima para baixo, diante do Conselho da OAB. Ele mal tirava a<br />

camisa e lhe pediram que não tirasse mais. Marcas <strong>de</strong> <strong>tortura</strong> que ele exibia e<br />

exibirá até a morte porque nunca mais se apagarão. Quem tiver dúvida po<strong>de</strong>rá ir a<br />

Niterói. Isto aconteceu com Affonso Celso Nogueira Monteiro. Esse não foi um, nem<br />

2, nem 3 casos, mas, por essa ousadia <strong>de</strong> fazer certas coisas, to<strong>dos</strong> nós,<br />

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advoga<strong>dos</strong>, to<strong>dos</strong> não, mas um bom número <strong>de</strong> advoga<strong>dos</strong> no Brasil fomos também<br />

sequestra<strong>dos</strong> pela ousadia <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o quê? Defen<strong>de</strong>r persegui<strong>dos</strong> políticos, com<br />

violação <strong>de</strong> direitos humanos, inscritos na Constituição até da ditadura, que não teve<br />

coragem <strong>de</strong> riscar esses princípios, porque o Brasil é membro <strong>de</strong> instituições<br />

internacionais como a ONU e signatário da Carta <strong>de</strong> Direitos Humanos da ONU. Não<br />

riscaram da Constituição, mas riscaram da prática. E, por essa ousadia <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r<br />

a lei até da ditadura, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r homens e mulheres, crianças e até latentes, nós, a<br />

maioria <strong>dos</strong> advoga<strong>dos</strong>, também fomos sequestra<strong>dos</strong> a partir do <strong>de</strong>cano nosso na<br />

época e até morrer, que era Sobral Pinto, valoroso advogado, que tem histórias por<br />

todo o Brasil, sem falar <strong>de</strong> Heleno Fragoso, gran<strong>de</strong> jurista, Evaristo <strong>de</strong> Moraes,<br />

Augusto Sussekind, filho <strong>de</strong> almirante, Vivaldo Vasconcelos, George Tavares, eu<br />

próprio. To<strong>dos</strong> nós fomos sequestra<strong>dos</strong> por essas ousadias todas, só que não nos<br />

usaram <strong>tortura</strong>r, senão psicologicamente, porque to<strong>dos</strong> nós éramos — e eu era —<br />

conheci<strong>dos</strong> internacionalmente à época, porque falávamos a verda<strong>de</strong>. E no dia 7 <strong>de</strong><br />

abril começaram as <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> tudo isso.<br />

Lembro-me <strong>de</strong> que saía do DOPS. O primeiro jornal era o Correio da Manhã,<br />

que foi levado à garra, foi levado à falência por pressão <strong>de</strong> natureza política.<br />

Dávamos a verda<strong>de</strong>. À época, Edmundo Moniz, que veio a ser meu cliente, era um<br />

<strong>dos</strong> diretores. Ao dar a informação, a verda<strong>de</strong>, o jornal foi fechado<br />

compulsoriamente. E o Edmundo Moniz veio a ser sequestrado por uma razão que<br />

nem ele conhecia. Ele me disse: “Mo<strong>de</strong>sto, você, que é meu advogado, eles falam<br />

que iam matar um negócio <strong>de</strong> sapo batráquio. É uma coisa <strong>de</strong> batráquio esse<br />

processo em que estão me enfiando”. Eu disse: “Ah, então eu já sei. É uma tal <strong>de</strong> rã,<br />

não é?” Rã, houve um processo chamado rã, como houve um outro na Bahia<br />

chamado P-O-R-R-A. Partido era proibido, operário era suspeito, revolucionário,<br />

retado e armado, sigla: P-O-R-R-A. Essas coisas ridículas...<br />

Depois <strong>de</strong>sembocaram numa Lei <strong>de</strong> Anistia em que eles se autoanistiavam <strong>de</strong><br />

forma como os romanos chamavam <strong>de</strong> privilegium, isto é, lei com en<strong>de</strong>reço certo, lei<br />

com en<strong>de</strong>reço mais para eles, privilégio, lei privada, lei <strong>de</strong> interesse pessoal do<br />

legislador. E aí vem essa Lei <strong>de</strong> Anistia, <strong>de</strong> 1979, porque eles já não suportavam<br />

mais, e mais se autoanistiaram do que anistiaram terceiros.<br />

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINAL<br />

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Número: 1599/<strong>09</strong> Data: <strong>24</strong>/<strong>09</strong>/20<strong>09</strong><br />

Eles criaram uma figura... Criada não, porque é uma figura do Direito Criminal<br />

Comum, chamada <strong>de</strong> crime conexo. Mas quanto a crime conexo dirá daqui a pouco<br />

certamente o Fábio Comparato ao examinar isso, como examinou perante o tribunal,<br />

o seu correto significado. Todo estudante <strong>de</strong> Direito sabe e até eu sei que conexo é<br />

aquele em que você pratica um <strong>de</strong>lito, tem uma motivação, um motivo político, e<br />

para isso você pratica outro crime político, mas com a mesma gente, o mesmo autor<br />

e a mesma finalida<strong>de</strong>.<br />

Ora, quando os <strong>tortura</strong>dores me sequestraram, e sequestraram milhares <strong>de</strong><br />

pessoas, quando eles <strong>tortura</strong>ram, quando eles estupraram inclusive a minha cliente<br />

lá <strong>de</strong>... — quem é <strong>de</strong> Pernambuco aqui? — ... Brejo da Madre <strong>de</strong> Deus, no interior<br />

<strong>de</strong> Pernambuco. Quando a <strong>tortura</strong>ram junto ao marido por ser uma lí<strong>de</strong>r católica do<br />

Dom Hél<strong>de</strong>r, fugida para o Rio <strong>de</strong> Janeiro, trabalhando sob a proteção da CNBB, o<br />

casal acabou localizado pelas autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> então. Pren<strong>de</strong>ram os 2, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

localiza<strong>dos</strong> no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Torturaram os 2 juntos. Depois, foi a vez só <strong>de</strong>la. Ela<br />

foi, além <strong>de</strong> todo o sofrimento anterior, estuprada em fila, em fila. Ela disse que só<br />

viu o primeiro e mal o segundo, <strong>de</strong>smaiou. Quando veio ao meu escritório, disse:<br />

“Dr. Mo<strong>de</strong>sto, me aju<strong>de</strong>. Aconteceu isso.” Ela, com todo o constrangimento, dizia:<br />

“Estou grávida e não sei <strong>de</strong> qual <strong>de</strong>les, porque <strong>de</strong>smaiei no segundo estuprador.” Eu<br />

disse a ela: você é lí<strong>de</strong>r católica, com certeza, você <strong>de</strong>verá procurar o seu Bispo que<br />

gosta muito <strong>de</strong> você e seu marido. Falou com o seu marido? — “Não”. Falou com o<br />

Bispo? — “Não”. Fale com ele.<br />

Falou com o Bispo que, mais ou menos, repetiu: falou com o seu marido? —<br />

“Não”. Então, fale e <strong>de</strong>pois venha os 2. E ela quando foi falar com o marido — ele<br />

era um pernambucano do interior, homem calado, sóbrio, que talvez eu não sabia se<br />

usava peixeira <strong>de</strong> salão ou não — fiquei temendo. Quando ela contar a verda<strong>de</strong> ao<br />

marido, ele vai querer se vingar <strong>dos</strong> estupradores, mas seria morto antes disso.<br />

Fiquei temeroso, será que <strong>de</strong>i a orientação correta?<br />

A sorte é que quando ela falou com o marido, e ela me disse <strong>de</strong>pois, ele ouviu<br />

calado, como eu disse que ele era. Calado, ele chegou ao final. Ele veio, abraçou a<br />

sua companheira e disse: “Uma criança é uma criança, e nós po<strong>de</strong>mos, se você<br />

quiser tê-la, educá-la bem, fazer <strong>de</strong>la uma pessoa <strong>de</strong> bem.” Ela, então, disse que, no<br />

dia seguinte — eu até havia sugerido a perspectiva <strong>de</strong> um aborto, para que ela não<br />

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Número: 1599/<strong>09</strong> Data: <strong>24</strong>/<strong>09</strong>/20<strong>09</strong><br />

sofresse a <strong>tortura</strong> <strong>de</strong> vida inteira, cada vez que ela fosse acariciar aquele menino, se<br />

ele saísse a cara do primeiro, quem sabe do segundo, que ela reconheceria bem —,<br />

diante do que o marido falou, teve um aborto expontâneo. E quando ela voltou para<br />

me contar a história, disse: — “Graças a Deus, foi um milagre pelas orações que eu<br />

fiz.”.<br />

Esta mulher está viva, visitou-me um pouco antes <strong>de</strong> ir para Pernambuco —<br />

repito, está viva. Ela me autorizou a dizer o seu nome em público, mas eu não digo.<br />

Se alguém tiver dúvida sobre essas histórias, por favor, venha falar comigo.<br />

Vou encerrar, estou abusando do tempo, mas quero dizer que os <strong>de</strong>litos<br />

comuns em nenhuma das inúmeras anistias pelo Brasil e pelo mundo anistiou<br />

crimes comuns. São crimes que não têm nenhuma conexida<strong>de</strong>. O que eu fizer aqui<br />

contra ele ou com outra motivação não tem nenhuma conexida<strong>de</strong>. Agora, o Tribunal<br />

irá <strong>de</strong>cidir, e como é uma lei política, não sei qual será o resultado político.<br />

Agora, no meu entendimento — o Dr. Paulo Abrão po<strong>de</strong>rá ter um<br />

entendimento melhor do que o meu —, não há conexida<strong>de</strong> entre o crime comum e o<br />

crime político.<br />

Muito obrigado. Desculpe o excesso. (Palmas)<br />

O SR. PRESIDE<strong>NT</strong>E (Deputado Roberto Britto) - Quero agra<strong>de</strong>cer ao Dr.<br />

Antônio Mo<strong>de</strong>sto da Silveira, ex-Deputado Fe<strong>de</strong>ral, encaminhador da Lei da Anistia,<br />

pela verda<strong>de</strong>ira aula sobre anistia.<br />

Quero convidar para presidir os trabalhos o Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong><br />

Direitos Humanos e Minorias, Deputado Luiz Couto, para que possa tomar assento à<br />

Mesa e, ao mesmo tempo, dar continuida<strong>de</strong> aos trabalhos.<br />

Quero informar que esta audiência pública está sendo transmitida através do<br />

twiter da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos. O site é “www<br />

.twiter.com/comissao<strong>de</strong>direitoshumanoscamara”. A sessão também está sendo<br />

gravada para ser exibida pela TV <strong>Câmara</strong>, cuja programação está disponível no site<br />

da TV <strong>Câmara</strong>.<br />

Passo o comando <strong>dos</strong> trabalhos ao Deputado Luiz Couto, Presi<strong>de</strong>nte da<br />

Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos e Minorias.<br />

O SR. PRESIDE<strong>NT</strong>E (Deputado Luiz Couto) - Concedo a palavra ao Dr.<br />

Paulo Abrão, Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Anistia do Ministério da Justiça.<br />

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O SR. PAULO ABRÃO PIRES JÚNIOR - Bom dia a to<strong>dos</strong>.<br />

Agra<strong>de</strong>ço o convite das duas Comissões para realização <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>bate.<br />

Cumprimento o Presi<strong>de</strong>nte da Mesa, Deputado Luiz Couto, <strong>de</strong>mais membros<br />

presentes, Deputado Iran, pela louvável iniciativa tomada na realização <strong>de</strong>ste<br />

<strong>de</strong>bate.<br />

O Deputado Mo<strong>de</strong>sto da Silveira é um ícone <strong>de</strong>sta luta. É nossa referência<br />

não só pelos valores que expressa, mas por toda a história <strong>de</strong> vida.<br />

Eu, na condição <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Anistia do Ministério da<br />

Justiça, tenho a tarefa histórica <strong>de</strong> dar continuida<strong>de</strong> ao processo <strong>de</strong> reconciliação<br />

nacional e à consolidação da transição <strong>de</strong>mocrática que não se finalizou até hoje. Se<br />

é certo <strong>de</strong> que a <strong>de</strong>mocracia é um processo permanente a ser semeado, com menos<br />

a transição <strong>de</strong>mocrática brasileira ainda não se finalizou. Nós ainda <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>mos <strong>de</strong><br />

uma segunda transição.<br />

A primeira transição foi aquela em que rompemos com arbitrarieda<strong>de</strong> do<br />

regime ditatorial, implementamos eleições livres e diretas, com a participação do<br />

povo. A segunda transição, que o Brasil ainda precisa viver, é aquela que consolida<br />

<strong>de</strong> vez as tradições e os princípios do Estado <strong>de</strong> Direito. E quando nós trabalhamos<br />

com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> consolidação do Estado Democrático <strong>de</strong> Direito, isso implica<br />

necessariamente saber lidar com todo um legado <strong>de</strong> violência <strong>de</strong>ixado pelo regime<br />

autoritário e que a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática tem <strong>de</strong> saber dar conta.<br />

Esse é um processo que vem ocorrendo em to<strong>dos</strong> os países que viveram<br />

regimes autoritários, <strong>de</strong> esquerda ou <strong>de</strong> direita. Hoje, em to<strong>dos</strong> os países do Leste<br />

Europeu, países africanos, países latino-americanos, bem como no Timor Leste, na<br />

Coreia do Sul e na Indonésia.<br />

Nós temos mantido contato com todas as Comissões <strong>de</strong> Reparação e<br />

Verda<strong>de</strong> instituídas nestes países. As Comissões <strong>de</strong> Reparação, tal como a<br />

Comissão <strong>de</strong> Anistia, cumprem essa tarefa histórica <strong>de</strong> trazer à tona a verda<strong>de</strong><br />

escondida num passado on<strong>de</strong> vigia a censura e, principalmente, dar vazão às vozes<br />

<strong>dos</strong> persegui<strong>dos</strong> políticos, vozes essas caladas sob o regime da força no passado.<br />

No Brasil, o <strong>de</strong>bate da Lei <strong>de</strong> Anistia não é diferente da discussão sobre a<br />

criação <strong>de</strong> regras <strong>de</strong> autoperdão, ou <strong>de</strong> esquecimento, como tentativas <strong>de</strong> uma<br />

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cultura autoritária que preten<strong>de</strong> projetar para o futuro aquele mesmo ambiente <strong>de</strong><br />

ausência <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> <strong>de</strong>srespeito aos direitos humanos.<br />

A Argentina passou por esse processo. No Uruguai, neste momento, o<br />

Presi<strong>de</strong>nte Tabaré chama a população para um plebiscito a respeito da valida<strong>de</strong> da<br />

Lei <strong>de</strong> Ponto Final. O Chile já enfrentou toda essa discussão. O Peru já enfrentou e<br />

é relativamente uma ditadura <strong>de</strong> esquerda. Os países do Leste Europeu passaram<br />

por este processo. Recentemente, El Salvador, sob a Presidência do Presi<strong>de</strong>nte<br />

Funes, <strong>de</strong>bate a Anistia, as arbitrarieda<strong>de</strong>s e os massacres que ocorreram com o<br />

povo salvadorenho à época da guerra civil.<br />

Então, meus amigos, não nos diferenciamos nesta luta, uma luta da<br />

humanida<strong>de</strong>. Ela não é somente uma luta nacional. Por isso que existe esse<br />

conceito <strong>de</strong> crimes contra a humanida<strong>de</strong>. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> crimes contra a humanida<strong>de</strong><br />

simboliza uma nova síntese jurídica, um novo papel civilizatório que o Direito tem a<br />

cumprir em to<strong>dos</strong> os países do mundo, dizendo <strong>de</strong> forma muito bem clara: que a<br />

qualquer tempo, a qualquer momento, a qualquer período histórico, se tivermos a<br />

violação aos direitos humanos, se tivermos a ocorrência <strong>de</strong> arbitrarieda<strong>de</strong>, se<br />

tivermos a ocorrência <strong>de</strong> atrocida<strong>de</strong>s contra quaisquer seres humanos, <strong>de</strong> forma<br />

sistemática, isto será um dia apurado.<br />

Digo que é uma nova simbologia <strong>de</strong> um processo civilizatório da humanida<strong>de</strong><br />

porque tem consigo uma carga conteudística <strong>de</strong> sinalizar a não repetição para o<br />

futuro, ou seja, toda e qualquer força autoritária que queira, em qualquer momento<br />

da história, impor a sua vonta<strong>de</strong> política pela força, e para impor a sua vonta<strong>de</strong><br />

política exerça as formas <strong>de</strong> atrocida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> violações às dignida<strong>de</strong>s, às<br />

liberda<strong>de</strong>s, às integrida<strong>de</strong>s físicas e psicológicas das pessoas, se naquele momento<br />

as condições políticas não favorecerem a apuração da ocorrência <strong>de</strong>sses crimes, no<br />

futuro, quando as condições políticas assim o permitirem, isto po<strong>de</strong>rá ser ou será<br />

apurado.<br />

Essa tradição ética — digo que é uma tradição ética antes <strong>de</strong> ser uma<br />

tradição jurídica — vem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o período do pós-guerra, do Tribunal <strong>de</strong> Nuremberg,<br />

vem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> à concepção <strong>de</strong> que vivenciamos agora com a busca e a localização <strong>de</strong><br />

ainda mais 3 novos dirigentes do regime nazista para serem leva<strong>dos</strong> aos tribunais<br />

na Alemanha, mesmo passado mais <strong>de</strong> 60 anos do final da guerra mundial.<br />

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Então, fico muito contente que, na abertura <strong>dos</strong> trabalhos aqui, tenha sido dito<br />

<strong>de</strong> forma muito explícita que esse é um tema atual, porque a primeira cultura que<br />

temos que romper em relação ao <strong>de</strong>bate da Lei da Anistia é a falácia <strong>de</strong> que é um<br />

<strong>de</strong>bate do passado, não do presente. É ainda uma falácia muito forte, porque ela, <strong>de</strong><br />

algum modo, trabalha com a cultura do medo <strong>de</strong> que, “se mexermos — entre aspas<br />

— nas feridas do passado”, isso po<strong>de</strong>rá significar ou incorrer numa ruptura ou numa<br />

<strong>de</strong>sestabilização da governabilida<strong>de</strong> atual.<br />

É um argumento conservador utilizado por muitos. Não po<strong>de</strong>mos mexer<br />

nessas feridas do passado, porque isso po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>sestabilizar e colocar em risco as<br />

conquistas <strong>de</strong>mocráticas já alcançadas.<br />

Ora, se nós ainda não temos a convicção, se ainda não temos a crença <strong>de</strong><br />

que a valorização da <strong>de</strong>mocracia e do respeito aos direitos humanos <strong>de</strong>ve ser<br />

consi<strong>de</strong>rada como tema proibido, é porque isso nos reforça a convicção e a<br />

<strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> que esses temas precisam ser discuti<strong>dos</strong>. Ou seja, essa é a melhor<br />

representação <strong>de</strong> que os valores <strong>de</strong>mocráticos ainda não estão postos <strong>de</strong> forma<br />

disseminada no pensamento hegemônico da socieda<strong>de</strong>.<br />

Então, isso reforça o entendimento <strong>de</strong> que é necessário, sim, discutir, porque<br />

a própria discussão já é saudável. A própria discussão rompe uma cultura do medo<br />

<strong>de</strong> que são temas proibi<strong>dos</strong> no passado, e essa própria discussão sinaliza a não<br />

repetição para o futuro e a afirmação <strong>dos</strong> valores <strong>de</strong>mocráticos.<br />

Por essa razão, no ano passado, a Comissão <strong>de</strong> Anistia, exatamente há 1<br />

ano, realizou no Ministério da Justiça, no Palácio da Justiça, uma audiência pública<br />

sobre a responsabilização <strong>dos</strong> agentes <strong>tortura</strong>dores do regime <strong>de</strong> exceção no Brasil.<br />

Ali queríamos <strong>de</strong>nunciar à socieda<strong>de</strong> que a Lei <strong>de</strong> Anistia do Brasil vem<br />

sendo interpretada <strong>de</strong> forma equivocada. Não se trata <strong>de</strong> rever a Lei <strong>de</strong> Anistia, <strong>de</strong><br />

estigmatizá-la com uma invalida<strong>de</strong> jurídica. Não, trata-se <strong>de</strong> interpretá-la<br />

a<strong>de</strong>quadamente segundo os princípios <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>mocrática. Essa é a<br />

questão.<br />

A Lei <strong>de</strong> Anistia <strong>de</strong> 1979 foi uma lei importante, uma conquista do povo.<br />

Embora não tenha sido aprovada a lei ampla, geral e irrestrita, foi aprovada uma lei<br />

restrita, afastando o perdão, aqueles que tinham cometido crimes políticos <strong>de</strong><br />

sangue. Ou seja, outra gran<strong>de</strong> falácia: a <strong>de</strong> que a anistia do passado foi para os 2<br />

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la<strong>dos</strong>, porque a anistia aprovada foi ampla, geral e irrestrita, e não foi. Basta ouvir os<br />

áudios do Congresso Nacional.<br />

O projeto <strong>de</strong> lei da anistia ampla, geral e irrestrita foi rejeitado em votação<br />

nominal, com as galerias tomadas por militares presentes pressionando os<br />

Parlamentares pela aprovação do projeto originário da Casa Civil. Isso caracteriza o<br />

conceito fundamental <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>bate, o da autoanistia.<br />

Era um Congresso controlado, que, por mais que já tivéssemos Deputa<strong>dos</strong><br />

eleitos diretamente, o Senado Fe<strong>de</strong>ral ainda era constituído por um terço <strong>de</strong><br />

Senadores biônicos e, portanto, aquela lei, tal qual foi aprovada, hoje po<strong>de</strong> ser<br />

caracterizada, caso queiramos ter a i<strong>de</strong>ia ou a interpretação <strong>de</strong> que ela valeu para<br />

os 2 la<strong>dos</strong> e, se essa foi a interpretação, portanto, isso é autoanistia. As tradições,<br />

os trata<strong>dos</strong> e as convenções internacionais têm repelido toda e qualquer<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autoanistia.<br />

Isso porque, se admitirmos a tese e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autoanistia, o que<br />

estamos dizendo é que, no futuro, diante <strong>de</strong> novas rupturas com a <strong>de</strong>mocracia,<br />

diante <strong>de</strong> novos processos autoritários, bastará aos golpistas <strong>de</strong> então, antes <strong>de</strong> se<br />

entregarem, quando enxergarem que o seu projeto autoritário não tem mais<br />

sustentação política na socieda<strong>de</strong>, ao apagar das luzes do regime autoritário,<br />

aprovarem para si uma lei <strong>de</strong> autoperdão.<br />

Então, estaria posto que a regra no Estado Democrático Brasileiro é a<br />

seguinte: “Vocês po<strong>de</strong>m romper a <strong>de</strong>mocracia — viu, pessoal? —, sem nenhum<br />

problema. Violem, torturem, façam o que quiser. No final, não se esqueçam <strong>de</strong><br />

aprovar uma lei para perdoar vocês mesmos. Porque, se ela for aprovada, isso<br />

nunca po<strong>de</strong>rá ser discutido no futuro e estará sempre bom para to<strong>dos</strong>”.<br />

Ou seja, nós não estaremos consolidando os valores da <strong>de</strong>mocracia, nós não<br />

estaremos sinalizando a não repetição, nós não estaremos repudiando os crimes<br />

contra a humanida<strong>de</strong>, nós não estaremos <strong>de</strong>senvolvendo as premissas <strong>de</strong> uma<br />

socieda<strong>de</strong> respeitosa com os direitos humanos.<br />

Publiquei no jornal O Globo, semana passado, um artigo <strong>de</strong>nominado Tortura<br />

Não Tem Anistia. É uma tentativa, reverberando ainda as vozes que saíram da<br />

audiência pública ocorrida no Palácio da Justiça o ano passado, <strong>de</strong> ressaltar aquele<br />

momento significativo da nossa história, porque foi a primeira vez que um órgão da<br />

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administração pública, um órgão oficial do Estado brasileiro <strong>de</strong>bateu esse tema. Era<br />

um tema proibido. Isso não po<strong>de</strong>ria ser discutido na socieda<strong>de</strong> brasileira. Nem o<br />

Congresso Nacional nem o Po<strong>de</strong>r Executivo tinha feito um <strong>de</strong>bate a respeito da<br />

interpretação da Lei da Anistia e da responsabilização <strong>dos</strong> agentes <strong>tortura</strong>dores.<br />

Então, ali nós rompemos com a cultura do medo. Essa foi uma gran<strong>de</strong><br />

contribuição, creio. Todo mundo acompanhou, no final do segundo semestre do ano<br />

passado, a polêmica suscitada na socieda<strong>de</strong>, os <strong>de</strong>bates junto à imprensa e hoje<br />

cada vez mais crescentes, a ponto até <strong>dos</strong> militares, no seu Clube, militares da<br />

reserva, fazerem um ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>sagravo público a um <strong>dos</strong> agentes notórios<br />

<strong>tortura</strong>dores do regime militar do DOI-CODI, em São Paulo.<br />

Então, meus amigos, temos sustentado, do ponto <strong>de</strong> vista fático, que não<br />

po<strong>de</strong>mos enxergar a Lei <strong>de</strong> Anistia <strong>de</strong> 1979 como um acordo da socieda<strong>de</strong> brasileira<br />

para o esquecimento. Primeiro, porque rejeitamos a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> anistia como<br />

esquecimento. A anistia é memória permanente. A anistia dá vazão à verda<strong>de</strong><br />

escondida. A anistia é, neste momento, a reconciliação que o País faz com aquelas<br />

pessoas que ele perseguiu equivocadamente. A anistia no passado era vista como<br />

um gesto <strong>de</strong> graça que o Estado brasileiro concedia àqueles agentes que ele<br />

mesmo tinha estigmatizado como criminosos políticos ou como subversivos políticos.<br />

Esta é uma visão tradicional da anistia: o Estado perdoando o criminoso<br />

político que agiu contra a or<strong>de</strong>m instituída, mesmo que ilegítima. Essa era a visão<br />

tradicional. A anistia hoje, na <strong>de</strong>mocracia, tem que ser enxergada a partir <strong>de</strong> uma<br />

nova concepção, não mais o Estado perdoando aqueles que ele mesmo perseguiu,<br />

o Estado que tinha o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> protegê-los e não <strong>de</strong> persegui-los, mas hoje<br />

reconhecendo os erros cometi<strong>dos</strong> contra eles.<br />

O perdão não é mais do Estado ao perdoar os persegui<strong>dos</strong>. A anistia hoje é<br />

um processo <strong>de</strong> reconciliação on<strong>de</strong> aqueles brasileiros persegui<strong>dos</strong> pelos seus<br />

próprios concidadãos, pelo seu próprio Estado, pela sua própria Pátria <strong>de</strong>vem<br />

perdoar o Estado pelos erros cometi<strong>dos</strong>.<br />

Portanto, a anistia hoje é um processo <strong>de</strong> pedido <strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpas públicas que o<br />

Estado cometeu em relação àqueles que ele mesmo perseguiu.<br />

Essa é a tarefa histórica que a Comissão <strong>de</strong> Anistia tem realizado. Nós temos<br />

percorrido todo o País, com as caravanas da anistia, fazendo o levantamento <strong>de</strong><br />

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to<strong>dos</strong> os brasileiros que foram persegui<strong>dos</strong> em cada um <strong>dos</strong> cantos do País. Já<br />

estamos na 27ª Caravana da Anistia; já percorremos 15 Esta<strong>dos</strong> da Fe<strong>de</strong>ração e, ao<br />

localizarmos os persegui<strong>dos</strong> políticos, realizamos uma sessão pública.<br />

Muitas vezes, o Ministro do Estado da Justiça vai conosco; muitas vezes, o<br />

Ministro <strong>dos</strong> Direitos Humanos vai conosco; muitas vezes, os Governadores, os<br />

políticos locais, muitos <strong>dos</strong> Deputa<strong>dos</strong> que aqui estão têm percorrido conosco o País<br />

nas caravanas da anistia.<br />

Temos localizado persegui<strong>dos</strong> políticos, temos apreciado requerimentos <strong>de</strong><br />

processos <strong>de</strong> anistia, em sessão pública, na localida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> foram estigmatiza<strong>dos</strong>,<br />

junto à sua comunida<strong>de</strong>, como subversivos. Sabemos que a repressão não foi só do<br />

Estado. A repressão e as perseguições, muitas vezes, foram da própria socieda<strong>de</strong><br />

que os circundava, pelos seus vizinhos. Eles ficavam estigmatiza<strong>dos</strong> como pessoas<br />

que os vizinhos não po<strong>de</strong>riam sequer conversar, porque corriam o risco <strong>de</strong> também<br />

sofrerem as <strong>tortura</strong>s que estavam sendo implementadas no estado <strong>de</strong> exceção. E lá,<br />

junto à socieda<strong>de</strong>, é resgatada sua história, é valorizado o espírito <strong>de</strong> resistência<br />

que aquelas pessoas tiveram para a reconquista da <strong>de</strong>mocracia no Brasil. E nós<br />

pedimos <strong>de</strong>sculpas oficiais, em nome do Estado brasileiro.<br />

Esse resgate da dignida<strong>de</strong>, essa reparação <strong>de</strong> âmbito moral é muito mais<br />

relevante, é muito mais importante do que a reparação econômica. O pagamento<br />

que o Estado hoje faz, por meio <strong>dos</strong> processos <strong>de</strong> anistia, essa in<strong>de</strong>nização que<br />

hoje é paga é fruto do <strong>de</strong>ver do Estado <strong>de</strong> Direito e do <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> reparação. Isso é do<br />

próprio instituto da responsabilização patrimonial do Estado. Isso existe até quando<br />

alguém está dirigindo um carro e cai em um buraco <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> do<br />

município. A pessoa po<strong>de</strong> entrar com uma ação pedindo que o Estado se<br />

responsabilize pelos danos que causou àquele agente. Isso é nada mais, nada<br />

menos que o <strong>de</strong>ver do Estado <strong>de</strong> Direito. Surgiu <strong>de</strong>s<strong>de</strong> quando criamos a figura do<br />

estado da administração pública e o princípio da legalida<strong>de</strong>. O Estado também tem<br />

responsabilida<strong>de</strong> em in<strong>de</strong>nizar aqueles prejuízos que ele mesmo causa. Isso é<br />

princípio básico do Estado <strong>de</strong> Direito.<br />

O gran<strong>de</strong> gesto da anistia hoje é o pedido <strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpas, é o reconhecimento<br />

público <strong>dos</strong> erros, porque o Estado olha para trás, apren<strong>de</strong> com os seus erros e<br />

sinaliza para o futuro a não repetição.<br />

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Quero dizer também que, do ponto <strong>de</strong> vista eminentemente jurídico, tem<br />

razão o Deputado Mo<strong>de</strong>sto quando diz que essa é uma discussão <strong>de</strong> imbricamento<br />

do âmbito do direito com o âmbito da política. Por quê? Porque, do ponto <strong>de</strong> vista<br />

eminentemente interpretativo da lei, vai haver aqueles que sustentam que a lei foi<br />

um gran<strong>de</strong> acordo <strong>de</strong> pacificação e <strong>de</strong> esquecimento.<br />

Ora, nós já mostramos aqui que, faticamente, isso é insustentável. Aliás,<br />

busquemos e encontremos. Nós temos percorrido o Brasil inteiro com as caravanas<br />

da anistia e uma pergunta pública é feita: apareça um único perseguido político<br />

brasileiro que tenha sido interlocutor <strong>de</strong> qualquer acordo político com as forças <strong>de</strong><br />

repressão. E ninguém se apresenta como interlocutor <strong>de</strong> um acordo político com as<br />

forças autoritárias <strong>de</strong> então. Isso, do ponto <strong>de</strong> vista fático, é uma constatação.<br />

Em segundo lugar, mesmo se fosse um acordo — e é por isso que o direito,<br />

nesse momento, se imbrica com a política —, não teria nenhuma valida<strong>de</strong> jurídica,<br />

primeiro porque se pegarmos a Lei nº 6.683, <strong>de</strong> 1979, está explícita muito<br />

claramente a anistia no seu art. 1º: é concedida anistia a to<strong>dos</strong> quantos no período<br />

compreendido <strong>de</strong> tanto a tanto cometeram crimes políticos. Foram anistia<strong>dos</strong> os que<br />

cometeram crimes políticos.<br />

O que é um crime político? O crime político caracteriza-se pelo bem jurídico<br />

que ele protege. Ora, crime político é aquele que as pessoas cometeram ou para<br />

romper com o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> estado vigente, ou com a or<strong>de</strong>m política e social vigente,<br />

ou com a soberania, ou com a estrutura social e organizacional que estava posta<br />

naquele momento. Nenhum agente <strong>tortura</strong>dor do regime militar, seja das estruturas<br />

oficiais persecutórias ou das estruturas paralelas que foram criadas à margem da<br />

própria legalida<strong>de</strong> do Estado <strong>de</strong> Direito legítimo à época, nenhum <strong>de</strong>les estava<br />

cometendo um crime contra a or<strong>de</strong>m política, um crime contra a soberania, contra a<br />

estrutura <strong>de</strong> governo — nenhum <strong>de</strong>les.<br />

Portanto, os persegui<strong>dos</strong> políticos brasileiros foram anistia<strong>dos</strong> com a lei <strong>de</strong><br />

1979, como <strong>de</strong>ve ser, porque exerciam um direito básico na socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna,<br />

que é o direito <strong>de</strong> resistência contra uma or<strong>de</strong>m que oprime as suas liberda<strong>de</strong>s.<br />

Esse é o fundamento das revoluções burguesas. É a força motriz jurídica fundante<br />

da revolução francesa e da revolução americana: o direito <strong>de</strong> resistência contra uma<br />

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opressão que estava posta. Essa é a base do surgimento das liberda<strong>de</strong>s que nós<br />

temos hoje.<br />

Então, é nada mais do que um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>ver do Estado reconhecer e<br />

conce<strong>de</strong>r anistia àqueles que exerceram seu direito legítimo <strong>de</strong> resistência.<br />

Os agentes <strong>tortura</strong>dores, não. Estes agiram muitas vezes à margem da lei.<br />

Vejam que nem o próprio regime autoritário, em 1979, admitia a existência da<br />

<strong>tortura</strong>. Ora, se esses fatos sequer eram admiti<strong>dos</strong>, como é que na lei <strong>de</strong> 1979<br />

estava-se preten<strong>de</strong>ndo perdoar <strong>de</strong>termina<strong>dos</strong> fatos que nem se reconhecia que<br />

existiam? Ou seja, a lei <strong>de</strong> 1979 era para perdoar aqueles que exerceram o seu<br />

direito <strong>de</strong> resistência. In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> qualquer juízo <strong>de</strong> valor que façamos<br />

hoje sobre os meios que utilizaram para exercer esse direito <strong>de</strong> resistência, porque<br />

isso não cabe mais na socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática, essas pessoas hoje, segundo o<br />

princípio da reconciliação nacional, <strong>de</strong>vem ser perdoadas. Essa é uma primeira<br />

razão.<br />

Na lei há a figura <strong>dos</strong> crimes conexos. Vão dizer que, na verda<strong>de</strong>, os<br />

<strong>tortura</strong>dores não cometeram crimes políticos, os crimes <strong>de</strong>les eram conexos aos<br />

políticos. Então, como a lei diz que estão perdoa<strong>dos</strong> (falha na gravação) conexos,<br />

eles, portanto, também estão perdoa<strong>dos</strong> a partir da figura <strong>dos</strong> crimes conexos.<br />

Ora, meu amigos, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> conectivida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> crimes está posta na nossa<br />

or<strong>de</strong>m jurídica no Código Penal ou no Código <strong>de</strong> Processo Penal e nós temos, tanto<br />

na teoria quanto na dogmática jurídica, as figuras <strong>de</strong> conectivida<strong>de</strong>.<br />

Então, nós temos lá a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> conexão material presente no Código Penal<br />

nos arts. 60, 70 e 71. Nós temos a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> conexão intersubjetiva por<br />

simultaneida<strong>de</strong>, presente no Código <strong>de</strong> Processo Penal no art. 76, inciso I. Nós<br />

temos a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> conexão intersubjetiva por concurso, presente no Código <strong>de</strong><br />

Processo Penal, art. 76, inciso I. Nós temos a i<strong>de</strong>ia da conexão objetiva presente no<br />

Código <strong>de</strong> Processo Penal art. 76, inciso II. Nós temos a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> conexão<br />

probatória, no Código <strong>de</strong> Processo Penal, art. 76, inciso III. E a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> conexão<br />

intersubjetiva por reciprocida<strong>de</strong>, também no Código <strong>de</strong> Processo Penal, art. 76,<br />

inciso I.<br />

Nenhuma <strong>de</strong>ssas formas <strong>de</strong> conectivida<strong>de</strong> previstas na or<strong>de</strong>m jurídica<br />

brasileira permite inferir que os crimes cometi<strong>dos</strong> pelos <strong>tortura</strong>dores tenham<br />

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conectivida<strong>de</strong> com os crimes eventualmente cometi<strong>dos</strong> por aqueles que exerciam<br />

seu direito <strong>de</strong> resistência, primeiro porque as 4 primeiras figuras <strong>de</strong> conexão<br />

envolvem concurso material, concurso formal, o cometimento <strong>de</strong> duas ou mais<br />

infrações por pessoas que tinham o mesmo objetivo na realização daquele crime.<br />

Evi<strong>de</strong>ntemente, é insustentável dizer que os <strong>tortura</strong>dores estavam cometendo<br />

os mesmos crimes, com os mesmos objetivos que aqueles que eles estavam<br />

<strong>tortura</strong>ndo.<br />

As duas últimas figuras <strong>de</strong> conectivida<strong>de</strong> são meramente processuais, para<br />

se po<strong>de</strong>r fazer, no momento da apuração <strong>de</strong>sses crimes, a junção <strong>de</strong> diferentes<br />

processos que estão em andamento para que eles sejam apura<strong>dos</strong><br />

simultaneamente pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

Não há sustentabilida<strong>de</strong> jurídica para qualquer inferência <strong>de</strong> que os crimes<br />

<strong>dos</strong> <strong>tortura</strong>dores tenham sido anistia<strong>dos</strong> pela lei <strong>de</strong> 1979. Eu insisto — e isto é o<br />

mais importante para nós: mesmo se estivesse explícito na lei <strong>de</strong> 1979, em um<br />

artigo último, que essa lei perdoa os agentes <strong>tortura</strong>dores e os agentes cometedores<br />

<strong>de</strong> crimes <strong>de</strong> direitos humanos, não teria, mesmo se isso tivesse sido aprovado,<br />

nenhuma valida<strong>de</strong> em razão <strong>de</strong>ste novo conceito, <strong>de</strong>ste conceito que já vem <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

1948, no pós-guerra, que é a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> crimes contra a humanida<strong>de</strong>. <strong>Crimes</strong> contra a<br />

humanida<strong>de</strong> são caracterizadamente crimes imprescritíveis, ou seja, po<strong>de</strong>m ser<br />

apura<strong>dos</strong> a qualquer tempo e não são passíveis <strong>de</strong> anistia.<br />

Lembremos, ainda, que o Brasil é signatário da Convenção Interamericana <strong>de</strong><br />

Direitos Humanos. Nós nos submetemos soberanamente à jurisdição da Corte<br />

Interamericana <strong>de</strong> Direitos Humanos e esta, ao apreciar a Lei <strong>de</strong> Anistia do Peru, ao<br />

apreciar a Lei <strong>de</strong> Anistia do Chile e ao apreciar uma série <strong>de</strong> casos que têm chegado<br />

até ela já <strong>de</strong>clarou, peremptoriamente, a invalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer autoanistia e já<br />

<strong>de</strong>clarou também na sua jurisprudência a tese da imprescritibilida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> crimes<br />

contra a humanida<strong>de</strong>.<br />

Hoje há uma discussão se nós <strong>de</strong>vemos ou não observar a or<strong>de</strong>m jurídica<br />

internacional para a solução <strong>de</strong> casos nacionais. É uma discussão atrasada, do<br />

ponto <strong>de</strong> vista do pensamento jurídico, porque ignora até que este próprio<br />

Parlamento, o nosso Parlamento brasileiro está constituindo o Parlamento do<br />

MERCOSUL, estamos formando leis <strong>de</strong> integração regional, ou seja, a or<strong>de</strong>m<br />

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jurídica internacional compõe uma unida<strong>de</strong> com a or<strong>de</strong>m nacional. Cada vez que<br />

este Congresso Nacional ratifica uma convenção internacional, está incorporando<br />

essa legislação à nossa or<strong>de</strong>m jurídica nacional. Ignorar isso seria ignorar o próprio<br />

trabalho do nosso Parlamento, que é quem tem a representativida<strong>de</strong> e a legitimida<strong>de</strong><br />

do povo para dizer que tipos <strong>de</strong> leis e que tipo <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m jurídica <strong>de</strong>ve ser percebida.<br />

Só para dar um exemplo <strong>de</strong> como <strong>de</strong>s<strong>de</strong> à época do regime militar nós já<br />

estávamos submeti<strong>dos</strong> a <strong>de</strong>terminadas or<strong>de</strong>ns jurídicas internacionais, que já<br />

impunham o conceito <strong>de</strong> crimes contra a humanida<strong>de</strong> imprescritíveis e não passíveis<br />

<strong>de</strong> anistia, lembremos que, em 1914, nós ratificamos a Convenção <strong>de</strong> Haia sobre<br />

Guerra Terrestre — em 1914! E essa convenção já previa os princípios e os<br />

costumes internacionais como fonte do nosso Direito e o caráter normativo <strong>dos</strong><br />

princípios jus gentium, entre eles o respeito à dignida<strong>de</strong> da pessoa humana.<br />

Depois, em 1945, ratificamos a Carta das Nações Unidas. Ora, o Brasil é um<br />

<strong>dos</strong> fundadores da Organização das Nações Unidas, e a Carta das Nações Unidas<br />

já dizia que nós tínhamos que ter respeito às obrigações <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> trata<strong>dos</strong> e<br />

convenções internacionais.<br />

O Estatuto da Corte Internacional <strong>de</strong> Justiça, no seu art. 38, inciso I, que<br />

regulamenta a Carta das Nações Unidas, <strong>de</strong> que o Brasil já era signatário,<br />

estabelece <strong>de</strong> forma muito clara a obrigatorieda<strong>de</strong> do nosso País em respeitar os<br />

trata<strong>dos</strong> e as convenções internacionais.<br />

E foi exatamente em razão <strong>de</strong> uma outra convenção, em 1948, que ficou<br />

explícita, a partir do julgamento <strong>de</strong> Nuremberg, a imprescritibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> crimes contra<br />

a humanida<strong>de</strong>.<br />

Por isso, temos a convicção política e a convicção jurídica <strong>de</strong> que <strong>tortura</strong> não<br />

é crime político, <strong>de</strong> que a socieda<strong>de</strong> brasileira precisa realizar esse <strong>de</strong>bate e que<br />

hoje a interpretação conservadora da lei <strong>de</strong> 1979 como uma imposição da cultura<br />

jurídica autoritária tem impedido que centenas <strong>de</strong> brasileiros que foram lesa<strong>dos</strong> na<br />

sua integrida<strong>de</strong> física e psicológica possam acionar o sistema <strong>de</strong> Justiça para fazer<br />

valer os seus direitos.<br />

É essa interpretação equivocada, é essa cultura que nós temos que romper<br />

com a realização <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates como este aqui hoje, com transmissão, com os <strong>de</strong>bates<br />

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na socieda<strong>de</strong>, com as caravanas da anistia, com os <strong>de</strong>bates nas universida<strong>de</strong>s,<br />

como nós temos feito.<br />

Lembremos que essa interpretação conservadora e equivocada da lei <strong>de</strong><br />

1979 já impediu, lá em 1992, que o caso Herzog fosse julgado pela Justiça. O<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> São Paulo mandou arquivar a ação <strong>de</strong> apuração da<br />

responsabilida<strong>de</strong> pela morte do Herzog em razão <strong>de</strong>ssa interpretação conservadora<br />

da lei.<br />

Depois, um segundo caso, em 1988: o STM extinguiu a punibilida<strong>de</strong> no caso<br />

do Rio Centro com base na tese <strong>de</strong> que a lei <strong>de</strong> 1979 teria anistiado ambos os la<strong>dos</strong><br />

e que, portanto, não há mais o que se falar <strong>de</strong> apuração <strong>de</strong>sses crimes.<br />

E agora, recentemente, o Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> São Paulo ingressou<br />

com ação civil pública — civil, não fala nada <strong>de</strong> responsabilização penal. A Lei <strong>de</strong><br />

Anistia fala <strong>de</strong> crimes políticos, e é questão penal. Então, o Ministério Público<br />

Fe<strong>de</strong>ral, a partir da sua inteligência e atuação permanente, disse: “Bom, se essa<br />

interpretação conservadora está posta, nós queremos a responsabilização civil. Nós<br />

queremos que Carlos Alberto Brilhante Ustra seja <strong>de</strong>clarado um <strong>tortura</strong>dor”, tal qual<br />

ele foi e segundo inúmeros testemunhos e atos que já estão sendo reconheci<strong>dos</strong><br />

pelo Estado brasileiro na Comissão <strong>de</strong> Anistia, on<strong>de</strong> temos os arquivos da ditadura.<br />

Muito se busca: on<strong>de</strong> estão os arquivos da ditadura, os arquivos oficiais? E<br />

nós temos dito: os verda<strong>de</strong>iros arquivos da ditadura são os arquivos da Comissão <strong>de</strong><br />

Anistia, porque ali está a história contada por parte <strong>de</strong> quem sofreu as perseguições.<br />

Ali está escrito, no processo <strong>de</strong>le, lá <strong>de</strong>ntro da Comissão <strong>de</strong> Anistia, que, enquanto<br />

na ficha do DOPS <strong>de</strong>le, enquanto na ficha do SNI <strong>de</strong>le está escrito que o Deputado<br />

Emiliano foi convidado num dia “x” a prestar um esclarecimento sobre alguma<br />

questão numa <strong>de</strong>legacia, no processo <strong>de</strong>le, <strong>de</strong>ntro da Comissão <strong>de</strong> Anistia, está<br />

dizendo efetivamente o que aconteceu com ele naquele dia, quantos dias ele ficou<br />

preso, a que tipos <strong>de</strong> <strong>tortura</strong>s ele foi submetido. Então, ali estão os verda<strong>de</strong>iros<br />

arquivos da ditadura militar.<br />

Portanto, o Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral disse o seguinte: ora, se o Estado já<br />

reconhece nos processos da Comissão <strong>de</strong> Anistia a ocorrência <strong>de</strong>ssas <strong>tortura</strong>s, a<br />

ocorrência <strong>de</strong>ssas lesões aos direitos humanos, então, agora nós queremos que os<br />

<strong>tortura</strong><strong>dos</strong> sejam <strong>de</strong>clara<strong>dos</strong> <strong>tortura</strong>dores, afinal <strong>de</strong> contas, no passado, to<strong>dos</strong> os<br />

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persegui<strong>dos</strong> políticos tiveram que respon<strong>de</strong>r por processos, inquéritos policiais<br />

militares, ações, mesmo que ilegítimas, junto aos tribunais militares, junto ao<br />

Superior Tribunal Militar. Se os persegui<strong>dos</strong> políticos brasileiros tiveram que se<br />

submeter, mesmo num regime autoritário, a to<strong>dos</strong> os procedimentos segundo um<br />

contraditório meio questionável, segundo um direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa meio questionável, a<br />

<strong>de</strong>speito do trabalho incessante <strong>dos</strong> nossos advoga<strong>dos</strong> — o Deputado Mo<strong>de</strong>sto da<br />

Silveira realmente foi um <strong>dos</strong> gran<strong>de</strong>s ícones da <strong>de</strong>fesa <strong>dos</strong> persegui<strong>dos</strong> políticos —<br />

por que hoje nós não <strong>de</strong>vemos processar também aqueles que foram os agentes<br />

que promoveram essas violações aos direitos humanos?<br />

Depois, num quarto caso, recentemente, a família Merlino entra com uma<br />

ação. A juíza, em São Paulo, manda arquivar segundo a i<strong>de</strong>ia tradicional <strong>de</strong> que a lei<br />

<strong>de</strong> 1979 também anistiou os perseguidores.<br />

Meus amigos, o horizonte está-se modificando, eu não tenho dúvida disso.<br />

Em primeiro lugar porque, <strong>de</strong>pois da nossa audiência pública no Ministério da<br />

Justiça, o Presi<strong>de</strong>nte da OAB, Cezar Britto, estava presente e comprometeu-se<br />

publicamente a organizar uma ação junto ao Supremo Tribunal para que aquela<br />

Corte diga, em <strong>de</strong>finitivo, se a lei <strong>de</strong> 1979 anistiou ou não anistiou <strong>tortura</strong>dores.<br />

Com relação a isso, o Prof. Fábio Comparato elaborou uma belíssima peça<br />

jurídica na ação <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental, e nós aguardamos<br />

que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral confirme, <strong>de</strong>ntre outras coisas, inclusive a própria<br />

jurisprudência recentemente julgada no caso do General Cor<strong>de</strong>iro, o agente<br />

<strong>tortura</strong>dor uruguaio que matou uruguaios e argentinos. Nós conce<strong>de</strong>mos sua<br />

extradição para a Argentina consi<strong>de</strong>rando, no mínimo, que alguns daqueles crimes<br />

cometi<strong>dos</strong> no passado, embora ainda não segundo a tese da imprescritibilida<strong>de</strong> <strong>dos</strong><br />

crimes contra a humanida<strong>de</strong>, nos casos <strong>dos</strong> <strong>de</strong>saparecimentos força<strong>dos</strong>, são crimes<br />

permanentes, até hoje não apura<strong>dos</strong> e que, portanto, não há que se falar <strong>de</strong><br />

prescrição. Assim, resolvemos extraditar esse general uruguaio <strong>tortura</strong>dor e algoz<br />

<strong>dos</strong> nossos coirmãos latino-americanos.<br />

O que está em jogo é se nós, neste momento, acreditamos ou não na i<strong>de</strong>ia da<br />

não repetição e se o Direito é ou não capaz <strong>de</strong> impingir nos nossos valores sociais<br />

uma força civilizatória tão forte quanto a i<strong>de</strong>ia <strong>dos</strong> crimes contra a humanida<strong>de</strong><br />

imprescritíveis e não passíveis <strong>de</strong> anistia.<br />

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Está nas mãos do Supremo dizer se a sinalização é para a não repetição ou<br />

se nós vamos eternamente ficar sob o jugo da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> novos rompantes<br />

autoritários.<br />

Por fim, eu quero dizer que a Comissão lançou a primeira edição brasileira <strong>de</strong><br />

uma revista em língua portuguesa. Países do mundo inteiro têm publicações <strong>de</strong>ssa<br />

matéria. Nós lançamos agora no dia 30, por comemoração <strong>dos</strong> 30 anos da luta do<br />

povo brasileiro pela anistia, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong> a Comissão <strong>de</strong> Anistia prestou<br />

uma gran<strong>de</strong> homenagem aos presos políticos e àqueles que fizeram greve <strong>de</strong> fome<br />

para aprovação da lei <strong>de</strong> 1979, aqueles que colocaram as suas próprias vidas em<br />

risco para que nós voltássemos a ter a <strong>de</strong>mocracia que nós temos hoje.<br />

Lá foram lança<strong>dos</strong> 2 gran<strong>de</strong>s importantes projetos. O primeiro é a construção<br />

<strong>de</strong> um memorial da anistia política. Será em Belo Horizonte e abrigará todo o acervo<br />

da Comissão <strong>de</strong> Anistia. Nós vamos digitalizar todo esse acervo, vamos<br />

disponibilizar to<strong>dos</strong> esses arquivos para toda a socieda<strong>de</strong>, num portal da Internet.<br />

Vamos cuidar muito bem <strong>de</strong>sse acervo, porque ele é o <strong>de</strong>nunciador <strong>de</strong> que nós não<br />

queremos que aquele regime volte mais.<br />

Em segundo lugar, a criação da revista Anistia Política e Justiça <strong>de</strong> Transição,<br />

para <strong>de</strong>bater processos <strong>de</strong> transição política e processos <strong>de</strong> transição <strong>de</strong>mocrática.<br />

Aqui, inclusive, existe um documento e um parecer. São 2 documentos. Existe um<br />

<strong>dos</strong>siê que explica o que é Justiça <strong>de</strong> transição, um conceito muito pouco trabalhado<br />

e que precisa ser disseminado política e juridicamente, que é a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que, a partir<br />

do legado <strong>de</strong> violência, nós temos que respeitar o direito à memória, o direito à<br />

verda<strong>de</strong>, o direito à Justiça e reformar aquelas instituições que no passado serviram<br />

para reprimir e vocacioná-las para o respeito aos direitos humanos, em especial as<br />

instituições <strong>de</strong> segurança pública. E é o que tem ocorrido em to<strong>dos</strong> os países do<br />

mundo.<br />

Esse conceito <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> transição, ao ser disseminado — e aqui a revista<br />

traz isto —, também reverbera uma <strong>de</strong>claração do próprio Conselho <strong>de</strong> Segurança<br />

da ONU, que indica a necessida<strong>de</strong> e a obrigação <strong>dos</strong> países <strong>de</strong> apurar a verda<strong>de</strong> e<br />

responsabilizar os agentes violadores <strong>dos</strong> direitos humanos, <strong>de</strong> reformar suas<br />

instituições e permitir o direito à memória.<br />

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Um outro documento que está aqui é um parecer elaborado pelo Centro<br />

Internacional <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Transição, que trabalha com as experiências <strong>de</strong><br />

comissões <strong>de</strong> reparação no mundo inteiro. Há um parecer sobre a Lei <strong>de</strong> Anistia<br />

brasileira, à luz da jurisprudência internacional e <strong>de</strong> outros exemplos do mundo<br />

inteiro.<br />

Nós só temos mil exemplares impressos <strong>de</strong>ssa revista. Eu quero fazer, neste<br />

momento, uma doação oficial à Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos e à Comissão <strong>de</strong><br />

Legislação Participativa.(Palmas.) Nós só temos mil exemplares. Estamos<br />

procurando priorizar a distribuição para as universida<strong>de</strong>s, para a aca<strong>de</strong>mia. Já<br />

entregamos para cada um <strong>dos</strong> Ministros do Supremo e para os Ministros <strong>dos</strong><br />

Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais, para que conheçam um pouco mais esses conceitos,<br />

essas teses jurídicas, essas sustentações que estamos fazendo, para que isso<br />

possa implicar repercussões nas <strong>de</strong>cisões judiciais, porque muitas vezes as<br />

<strong>de</strong>cisões se conservam ao longo do tempo em uma <strong>de</strong>terminada linha pela ausência<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>bate, pela falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> que existem outras orientações, pela falta<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> que existem outros exemplos que po<strong>de</strong>m implicar efetivas<br />

melhorias para a nossa or<strong>de</strong>m jurídica e <strong>de</strong>mocrática.<br />

Mas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ontem, a revista está no site do Ministério da Justiça na sua<br />

integralida<strong>de</strong>, para toda e qualquer pessoa que queira estudá-la, lê-la. Está aberto o<br />

edital para receber artigos <strong>de</strong> diferentes pessoas a serem publica<strong>dos</strong> na segunda<br />

edição. Será uma revista semestral <strong>de</strong>dicada à questão <strong>de</strong>mocrática no Brasil. A<br />

segunda edição sai em março. Estamos recebendo sugestões <strong>de</strong> artigos e as<br />

contribuições <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> que aqui estão.<br />

Muito obrigado. (Palmas.)<br />

O SR. PRESIDE<strong>NT</strong>E (Deputado Luiz Couto) - Muito obrigado, Dr. Paulo<br />

Abrão, pela contribuição e também pela revista que a Comissão <strong>de</strong> Direitos<br />

Humanos e Minorias e a Comissão <strong>de</strong> Legislação Participativa recebem neste<br />

momento.<br />

Recebemos a informação <strong>de</strong> que o Dr. Fábio Kon<strong>de</strong>r Comparato, que estava<br />

no Senado, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> 10 minutos estará aqui.<br />

O Deputado Iran Barbosa, também um <strong>dos</strong> autores do requerimento,<br />

juntamente com o Deputado Pedro Wilson, tem que sair e pe<strong>de</strong> a palavra para po<strong>de</strong>r<br />

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manifestar-se. Depois, abriremos para os Parlamentares presentes e, em seguida,<br />

para as outras pessoas que queiram usar a palavra. No momento em que o Dr.<br />

Fábio chegar, daremos a palavra a S.Sa.<br />

Com a palavra o Deputado Iran Barbosa, do PT <strong>de</strong> Sergipe.<br />

O SR. DEPUTADO IRAN BARBOSA - Obrigado, Sr. Presi<strong>de</strong>nte. Gostaria<br />

apenas <strong>de</strong> me congratular por este encontro <strong>de</strong> gerações. Vejo que neste momento<br />

tivemos a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ouvir a voz <strong>de</strong> um brilhante jovem analista <strong>de</strong>ste<br />

problema que estamos <strong>de</strong>batendo aqui e a experiência relatada, com a emoção que<br />

a to<strong>dos</strong> nos comoveu, sobre as questões que estamos <strong>de</strong>batendo.<br />

Ainda vamos ouvir o Dr. Fábio Comparato, mas, pelo que já ouvimos,<br />

entendo, Deputado Pedro Wilson, que conseguimos efetivamente atingir o objetivo<br />

que pretendíamos com esta audiência pública.<br />

Cada vez mais se consolida a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que é necessário não colocar embaixo<br />

<strong>dos</strong> tapetes os problemas que precisamos enfrentar. Cada vez mais se consolida a<br />

noção <strong>de</strong> que é mais do que acertada a consulta que faz a OAB ao STF sobre a<br />

amplitu<strong>de</strong> que tem a Lei da Anistia no enfrentamento da questão da <strong>tortura</strong>.<br />

Quero parabenizar os 2 convida<strong>dos</strong> que fizeram esta belíssima exposição.<br />

Quero aproveitar, se me permitem — peço licença ao Presi<strong>de</strong>nte —, para <strong>de</strong>dicar<br />

esta audiência pública a to<strong>dos</strong> os que sofreram com o processo <strong>de</strong> <strong>tortura</strong> no Brasil,<br />

mas especialmente às mulheres.<br />

Eu vi que a nossa companheira Sônia Hipólito foi tomada pela emoção diante<br />

do relato feito pelo Dr. Mo<strong>de</strong>sto da Silveira sobre o caso específico daquela senhora<br />

violentada na sua condição <strong>de</strong> ser humano, <strong>de</strong> mulher. Sabemos que essa não foi<br />

uma realida<strong>de</strong> única, sabemos que isso aconteceu muito.<br />

Lá, no meu Estado, Sergipe, nós tivemos exemplos <strong>de</strong>sse tipo. A Comissão<br />

<strong>de</strong> Anistia já passou por lá. Quero aqui também aproveitar para homenagear os<br />

meus compatriotas, os meus conterrâneos <strong>de</strong> Sergipe que também foram<br />

violenta<strong>dos</strong> pelo regime <strong>de</strong> exceção.<br />

Lamento que eu não possa continuar no <strong>de</strong>bate. Peço licença a to<strong>dos</strong> que<br />

aqui se encontram.<br />

Agra<strong>de</strong>ço, mais uma vez, a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta excelente elucidação. Tenho<br />

certeza <strong>de</strong> que o <strong>de</strong>bate vai continuar, <strong>de</strong> que ele será ainda mais elucidativo e nós<br />

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vamos po<strong>de</strong>r produzir mais opinião e mais ação a respeito <strong>de</strong>ste tema na <strong>Câmara</strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Barbosa.<br />

Muito obrigado, Sr. Presi<strong>de</strong>nte. (Palmas.)<br />

O SR. PRESIDE<strong>NT</strong>E (Deputado Luiz Couto) - Obrigado, Deputado Iran<br />

Eu convido o Deputado Pedro Wilson, um <strong>dos</strong> autores do requerimento e<br />

Vice-Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos, a assumir a Presidência, porque<br />

tenho que ir à Comissão <strong>de</strong> Constituição e Justiça.<br />

A palavra está com o Deputado Chico Alencar, do PSOL do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Saúdo to<strong>dos</strong> os colegas membros da<br />

Mesa e o jovem Paulo Abrão. Permita-me dar um tratamento privilegiado, não por<br />

ser ex-Deputado, mas por ser uma pessoa que está nessa luta cidadã há muito<br />

tempo, ao Mo<strong>de</strong>sto, que sempre na sua modéstia fez questão <strong>de</strong> dizer que nós<br />

somos companheiros <strong>de</strong> batalhas e lutas há muito tempo, mas que eu sou muito<br />

mais jovem. Não é verda<strong>de</strong>. É claro que ele tem um pouquinho mais <strong>de</strong> estrada do<br />

que eu. Nas minhas primeiras votações como eleitor, porque até isto teve que se<br />

conquistar contra a ditadura, o direito <strong>de</strong> votar com um pouquinho <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>,<br />

embora ainda houvesse o bipartidarismo imposto, eu sempre votava no Mo<strong>de</strong>sto. E<br />

vi o meu mandato ser honrado, além da atuação <strong>de</strong>le como advogado, como<br />

<strong>de</strong>fensor <strong>de</strong>ssas causas que são da humanida<strong>de</strong>.<br />

Portanto, Mo<strong>de</strong>sto, é um prazer vê-lo aqui com a mesma garra, com a mesma<br />

emoção, fazendo esta ponte que você faz como poucos, entre a razão e o coração.<br />

É isso que constitui o ser humano novo pelo qual tanto sonhamos.<br />

Dentro <strong>de</strong>ste movimento que seria elementar <strong>de</strong> não esquecer e con<strong>de</strong>nar<br />

aqueles que <strong>tortura</strong>ram, cometeram crimes contra a humanida<strong>de</strong>, o Brasil tem uma<br />

situação diferente da Argentina, do Chile e do próprio Uruguai, para citar só países<br />

bem próximos. E isso é inadmissível, porque o Estado brasileiro vem-se<br />

<strong>de</strong>mocratizando, mas ele tem enclaves autoritários. E as Forças Armadas, na sua<br />

alta hierarquia, também fazem parte <strong>de</strong>sse enclave autoritário, assim como setores<br />

do Judiciário.<br />

O Parlamento, pela sua própria gênese, tem figuras autoritárias e<br />

anti<strong>de</strong>mocráticas, que a situação do golpe militar em Honduras revela, mas ele não<br />

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po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado como um enclave autoritário no Brasil, até porque teve um<br />

papel protagonista importante, aten<strong>de</strong>ndo à <strong>de</strong>manda popular por liberda<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>mocráticas.<br />

Agora, no Judiciário e especialmente neste setor do Executivo que são as<br />

Forças Armadas, ainda há muito autoritarismo. E uma das faces do autoritarismo é<br />

não querer fazer a autocrítica do passado.<br />

Eu vou divergir do meu querido amigo e irmão Mo<strong>de</strong>sto da Silveira quando ele<br />

diz que a <strong>tortura</strong> foi praticada por figuras que tramaram contra a tradição das Forças<br />

Armadas. Sim, os seus executores. Mas não houve um <strong>tortura</strong>dor no DOI-CODI do<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro, na Rua Barão <strong>de</strong> Mesquita, na minha Tijuca, no subsolo, que agisse<br />

à revelia <strong>dos</strong> seus comandantes. A <strong>tortura</strong> contra os adversários políticos foi<br />

assumida pelo regime militar brasileiro como prática do sistema. Claro que é uma<br />

prática tão abominável que o sistema sempre negou.<br />

Mas mesmo os Ministros civis, mesmo os próceres civis do regime militar...<br />

Eu ainda não tive a coragem <strong>de</strong> perguntar isso, talvez porque a resposta viesse<br />

enganosa, a alguns colegas nossos legitima<strong>dos</strong> pelo voto popular, como, por<br />

exemplo, Delfim Neto, que agora não foi reeleito Deputado, mudou para o PMDB e<br />

per<strong>de</strong>u a eleição — às vezes, o esperto <strong>de</strong>mais se atrapalha. Mas o próprio Sr.<br />

Paulo Maluf conviveu com o regime militar, embora não tenha chegado a ser<br />

Ministro. Mas, <strong>de</strong> vez em quando, encontro com o Ministro Reis Veloso nos aviões,<br />

indo para o Rio, e fico tentado a indagar. E já perguntei ao Ministro Jarbas<br />

Passarinho, num <strong>de</strong>bate em um programa <strong>de</strong> rádio aqui. Ele, com sincerida<strong>de</strong>,<br />

disse: “Não, eu sei que havia, mas esses excessos nós procurávamos combater”.<br />

Mas havia um sistema on<strong>de</strong> a <strong>tortura</strong> era um método <strong>de</strong> combate.<br />

Então, se con<strong>de</strong>namos o sistema militar, temos <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nar também os que,<br />

<strong>de</strong>ntro do regime militar, praticaram o crime mais abominável, imprescritível e <strong>de</strong><br />

lesa-humanida<strong>de</strong>, que é o crime <strong>de</strong> <strong>tortura</strong>. Mas até hoje as resistências são<br />

enormes. Tocar nesse assunto é quase que entrar em uma zona proibida.<br />

E nosso papel é entrar nessa zona proibida, porque assim como o fascismo<br />

não existe mais como regime em boa parte do mundo, é também verda<strong>de</strong> que, como<br />

expressão cultural, ele existe até no Brasil e às vezes <strong>de</strong> formas laterais. Torcidas<br />

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<strong>de</strong> futebol fanatizadas e homofobia são fragmentos <strong>de</strong> uma cultura fascista no<br />

Estado brasileiro, em processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização.<br />

Por isso, uma audiência pública como esta, que os colegas Iran Barbosa e<br />

Pedro Wilson produziram, uma temática como esta que a Comissão <strong>de</strong> Direitos<br />

Humanos quer animar po<strong>de</strong> ajudar a interferir nesta esperada <strong>de</strong>cisão do Supremo,<br />

para dizer o que para nós é óbvio, mas que até para parte da socieda<strong>de</strong> brasileira<br />

não é: a Lei <strong>de</strong> Anistia não significou esquecimento <strong>dos</strong> crimes contra a humanida<strong>de</strong><br />

pratica<strong>dos</strong> covar<strong>de</strong>mente por quem <strong>de</strong>tinha o po<strong>de</strong>r sobre pessoas in<strong>de</strong>fesas. Como<br />

já foi dito aqui à exaustão, isso não tem nada a ver com o chamado crime político,<br />

que é caracterizado até pelos próprios regimes, para <strong>de</strong>pois se dizer que exagerou.<br />

Então, acho que o caminho é esse. Eu só queria fazer essa referência.<br />

Fiquei muito impressionado, Deputado Pedro Wilson, V.Exa. que tem gran<strong>de</strong>s<br />

experiência aqui. Algumas figuras que eu respeito e admiro do Partido Popular<br />

Socialista, o PPS, emanado do velho Partido Comunista, do qual está muito distante<br />

hoje, estão preocupadas quanto ao absolutamente justo acolhimento — porque ele<br />

não é exilado político — do Presi<strong>de</strong>nte constitucional <strong>de</strong> Honduras pela Embaixada<br />

do Brasil, na hospedagem que S.Exa. está recebendo lá, estão preocupa<strong>dos</strong> não<br />

com o golpe militar em Honduras, mas com o fato <strong>de</strong> S.Exa. ter-se pronunciado e<br />

dito publicamente ou com um megafone — para <strong>de</strong>pois ser abafado com alto-<br />

falantes potentíssimos, que não <strong>de</strong>ixaram os lá abriga<strong>dos</strong> dormir a noite inteira,<br />

coloca<strong>dos</strong> pelo exército golpista <strong>de</strong> Honduras —, ter-se manifestado pela sua volta<br />

ao po<strong>de</strong>r. É impressionante! Então, acaba acontecendo uma dobradinha entre<br />

alguns supostos liberais e outros da extrema direita aqui no Parlamento.<br />

O SR. PRESIDE<strong>NT</strong>E (Deputado Pedro Wilson) - Permita-me apenas<br />

complementar. Acabo <strong>de</strong> receber o informe <strong>de</strong> uma agência <strong>de</strong> que o governo militar<br />

<strong>de</strong> Honduras está censurando todas as agências lá. A nossa mídia não falou nada<br />

disso nem ontem nem hoje.<br />

Ontem, a Re<strong>de</strong> Globo fez uma pesquisa on-line sobre se estava certo ou não<br />

o Brasil dar o abrigo. Vejam bem: uma pesquisa on-line, inclusive ganhando<br />

dinheiro, porque os telefonemas são cobra<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> participantes.<br />

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No começo a mídia con<strong>de</strong>nou o golpe, mas agora está dizendo que não, que<br />

vai ter eleição daqui a 1 mês, que é preciso tirar o Zelaya. Já o estão chamando <strong>de</strong><br />

Zé Lula e tentando contaminar toda a interpretação política.<br />

Lamentavelmente, o Lí<strong>de</strong>r do PPS disse que... Veja bem, em vez <strong>de</strong><br />

perguntar para o Micheletti, para o “Golpete” explicar o que ocorre em Honduras,<br />

está dizendo que o Governo brasileiro tem <strong>de</strong> explicar por que o Zelaya está na<br />

Embaixada. Vejam bem, como mudam a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> valores — <strong>de</strong> valores, não é mais<br />

<strong>de</strong> informação! Hoje, gran<strong>de</strong> parte da mídia brasileira tem uma informação opinativa.<br />

Já se dá o valor.<br />

Peço <strong>de</strong>sculpas a V.Exa., mas é porque agora mesmo recebi essas<br />

informações, inclusive para <strong>de</strong>nunciarmos como foi a manifestação ocorrida ontem<br />

na Embaixada.<br />

O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Exatamente. Daí por que a luta pela<br />

<strong>de</strong>mocratização <strong>dos</strong> meios <strong>de</strong> comunicação, que em parte também são elementos<br />

do conjunto do enclave autoritário na socieda<strong>de</strong> brasileira, é fundamental. Caminha<br />

junto. Agora, nós temos que ganhar a disputa <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias na socieda<strong>de</strong>. Esta i<strong>de</strong>ia<br />

água com açúcar <strong>de</strong> dizer que o passado passou, <strong>de</strong> que temos <strong>de</strong> esquecer,<br />

portanto, quem torturou tem <strong>de</strong> ficar no seu pijama, é inadmissível.<br />

O SR. PRESIDE<strong>NT</strong>E (Deputado Pedro Wilson) - Permita-me, Deputado.<br />

Chegou aqui o convidado Dr. Fábio Kon<strong>de</strong>r Comparato, a quem, <strong>de</strong> imediato,<br />

convido a tomar assento à mesa. Uma salva <strong>de</strong> palmas a esse gran<strong>de</strong> advogado.<br />

(Palmas.)<br />

Houve aqui a contribuição do Sr. Paulo Abrão e do Sr. Antônio Mo<strong>de</strong>sto da<br />

Silveira. Foi abordada a questão da memória. O Dr. Paulo Abraão <strong>de</strong>stacou muito<br />

bem essa questão. A revista está na linha do que pensam o Ministro Tarso Genro e<br />

to<strong>dos</strong> nós. Precisamos <strong>de</strong> documentos, porque muitas vezes fica tudo esparso e<br />

ninguém tem acesso.<br />

Discutir a <strong>tortura</strong> não é fácil. Eu e o Deputado Iran Barbosa já fomos<br />

questiona<strong>dos</strong> no sentido <strong>de</strong> que ficamos, <strong>de</strong> maneira recorrente, chamando para<br />

discutir esse assunto: “Para que discutir? Vamos para frente, vamos acabar com o<br />

revanchismo.” Mas, no começo, a luta era contra a <strong>tortura</strong> a preso político, <strong>de</strong>pois, a<br />

luta <strong>dos</strong> movimentos <strong>de</strong> direitos humanos, e passou à luta contra a <strong>tortura</strong> contra o<br />

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cidadão comum, que nas ca<strong>de</strong>ias das periferias <strong>de</strong>scobrimos que é preto, jovem e<br />

analfabeto e continua sendo preso e <strong>tortura</strong>do à revelia.<br />

Porém, não po<strong>de</strong>mos esquecer, nestes 30 anos <strong>de</strong> anistia, a consciência<br />

política <strong>de</strong> lá para cá. Oxalá o Supremo possa nos dar uma lição <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia!<br />

Não é questão <strong>de</strong> julgar o termo da lei, mas a construção da <strong>de</strong>mocracia no Brasil,<br />

avisando aos “Michelettes” da vida, porque eles estão por aí.<br />

O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Vamos convidar o nosso mestre<br />

Fábio Kon<strong>de</strong>r Comparato para tomar assento à mesa.<br />

O SR. PRESIDE<strong>NT</strong>E (Deputado Pedro Wilson) - Peço a S.Sa. que tome<br />

assento à mesa.<br />

Está presente aqui também a nossa querida Deputada Emilia Fernan<strong>de</strong>s, do<br />

Rio Gran<strong>de</strong> do Sul; a Primeira-Ministra da Mulher no Brasil, que honra o Parlamento,<br />

esta gran<strong>de</strong> ex-Senadora e hoje Deputada Fe<strong>de</strong>ral pelo querido Estado do Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul.<br />

Devolvo a palavra, para finalizar, ao ilustre Deputado Chico Alencar, a quem<br />

peço <strong>de</strong>sculpas.<br />

O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - Sr. Presi<strong>de</strong>nte, permita-me uma<br />

digressão histórica. Quando eu era Vereador do Rio, para lá também foi eleito o<br />

jogador <strong>de</strong> futebol Carlos Alberto Torres, capitão do tricampeonato. E uma vez nós<br />

promovemos um jogo <strong>de</strong> futebol. Há outro jogador se candidatando aí, não sei se<br />

tem a ficha muito limpa. Mas, às vezes, o craque em campo não repete a mesma<br />

performance no Parlamento. De qualquer forma, o Carlos Alberto Torres foi<br />

participar <strong>de</strong> um jogo e eu <strong>de</strong>i o azar <strong>de</strong> cair no time contrário. Como ele ainda<br />

estava meio dormindo, consegui dar um drible no Carlos Alberto Torres.<br />

Imediatamente, pedi para ser substituído. Saí <strong>de</strong> campo com essa glória.<br />

Ser interrompido ou encerrar minha fala com o Fábio Kon<strong>de</strong>r Comparato é<br />

muito mais valioso do que isso. Portanto, encerro aqui. Não tenho nada a dizer, só a<br />

ouvir, aliás.<br />

O SR. PRESIDE<strong>NT</strong>E (Deputado Pedro Wilson) - Muito obrigado, Deputado<br />

Chico Alencar. (Palmas.)<br />

Permitam-me, Deputa<strong>dos</strong> Luiz Couto, Emilia Fernan<strong>de</strong>s e Janete Rocha<br />

Pietá, antes <strong>de</strong> passar a palavra ao nosso convidado, nos solidarizarmos com o Dr.<br />

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Fábio Kon<strong>de</strong>r Comparato por ter respondido <strong>de</strong> forma firme e coerente quando um<br />

jornal <strong>de</strong> São Paulo chamou a ditadura <strong>de</strong> “ditabranda”. Depois houve uma tentativa<br />

<strong>de</strong> atingir o Dr. Fábio Comparato. Nós queremos aqui manifestar ao senhor a nossa<br />

solidarieda<strong>de</strong>, pequena, mas <strong>de</strong> todo gosto na luta pela <strong>de</strong>mocracia. Que a palavra<br />

do senhor continue para nós um farol na luta pelos direitos humanos e pela<br />

<strong>de</strong>mocracia no Brasil.<br />

Estão conosco aqui o Dr. Antônio Mo<strong>de</strong>sto da Silveira, ex-Deputado Fe<strong>de</strong>ral e<br />

também advogado, o Dr. Paulo Abrão, Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Anistia, e os<br />

Deputa<strong>dos</strong> Chico Alencar, do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Emilia Fernan<strong>de</strong>s, do Rio Gran<strong>de</strong> do<br />

Sul, Luiz Couto, da Paraíba, e Janete Rocha Pietá, <strong>de</strong> São Paulo. Não pô<strong>de</strong> estar<br />

presente conosco até o final o Deputado Iran Barbosa, do PT do Sergipe, que foi<br />

comigo um <strong>dos</strong> autores <strong>de</strong>ste convite a V.Sa.<br />

Passo a palavra ao Dr. Fábio Kon<strong>de</strong>r Comparato, para suas consi<strong>de</strong>rações.<br />

O SR. FÁBIO KONDER COMPARATO - Ilustres Deputa<strong>dos</strong>, fico um tanto<br />

constrangido <strong>de</strong> falar, porque eu não sabia que <strong>de</strong>veria vir hoje aqui. Fui convidado<br />

para vir no dia <strong>24</strong> <strong>de</strong> outubro. Mas, <strong>de</strong> qualquer maneira, talvez esta antecipação<br />

seja provi<strong>de</strong>ncial.<br />

Temos que consi<strong>de</strong>rar o assunto da Lei <strong>de</strong> Anistia sob 2 enfoques. O primeiro<br />

é o enfoque técnico, legal e constitucional. O segundo, uma questão <strong>de</strong> educação<br />

republicana e <strong>de</strong>mocrática.<br />

A Lei <strong>de</strong> Anistia, nº 6.683, <strong>de</strong> 1979, <strong>de</strong>clara textualmente anistia<strong>dos</strong> crimes<br />

políticos. E, logo em seguida, ela exclui do benefício da anistia crimes <strong>de</strong> violência.<br />

E fala até em terrorismo. No § 1º do art. 1º, ela esten<strong>de</strong> a anistia aos crimes<br />

conexos.<br />

Eu falo sempre em anistia <strong>de</strong> crimes, e não <strong>de</strong> criminosos, porque a anistia<br />

apaga o crime.<br />

Acontece que temos que interpretar a Lei <strong>de</strong> Anistia <strong>de</strong> acordo com a<br />

Constituição <strong>de</strong> 1988. As leis anteriores à Constituição <strong>de</strong> 1988 só permanecem em<br />

vigor se forem harmônicas com os princípios constitucionais <strong>de</strong>clara<strong>dos</strong> em 1988. E<br />

o que vemos no inciso XLIII do art. 5º da Constituição <strong>de</strong> 1988 é a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong><br />

que a lei consi<strong>de</strong>rará crimes inafiançáveis e insusceptíveis <strong>de</strong> graça ou anistia a<br />

prática da <strong>tortura</strong> e outros crimes.<br />

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De modo que, se enten<strong>de</strong>mos que a Lei nº 6.683 permaneceu em vigor após<br />

o início da vigência da Constituição <strong>de</strong> 1988, temos que admitir que essa parte<br />

interpretada da Lei <strong>de</strong> Anistia não po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada consentânea, harmônica<br />

com a Constituição <strong>de</strong> 1988.<br />

Mas, na verda<strong>de</strong>, em toda a história do Brasil temos 2 Direitos, e não só 1.<br />

Quero lembrar o conto O Espelho, <strong>de</strong> Machado <strong>de</strong> Assis, que certamente to<strong>dos</strong><br />

conhecem. Nesse conto o narrador assevera aos seus ouvintes espanta<strong>dos</strong> que<br />

cada um <strong>de</strong> nós tem 2 almas, e não apenas 1. Tem uma alma externa, que exibe<br />

para o público e pela qual ele julga o mundo <strong>de</strong> fora para <strong>de</strong>ntro; tem uma alma<br />

interna, que ele mantém reservada, através da qual ele julga o mundo <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro<br />

para fora.<br />

Temos, em toda a história do Brasil, 2 Direitos. Um Direito é o oficial,<br />

civilizado, que exibimos ao estrangeiro. As nossas Constituições são roupas <strong>de</strong> gala,<br />

que <strong>de</strong>monstram que somos elegantes, civiliza<strong>dos</strong>, bem comporta<strong>dos</strong>. Mas existe<br />

um Direito interno, que procuramos não mostrar ao estrangeiro. Este é o que<br />

protege os privilégios <strong>dos</strong> po<strong>de</strong>rosos, <strong>dos</strong> ricos, <strong>dos</strong> irresponsáveis.<br />

Toda vez que a Constituição e a lei esbarram num interesse forte <strong>de</strong> um<br />

membro da classe po<strong>de</strong>rosa, entra em vigor o direito subentendido.<br />

Isso aconteceu durante quase 4 séculos com a escravidão. O tráfico <strong>de</strong><br />

escravos, comércio infame do ser humano, foi proibido por 2 trata<strong>dos</strong> assina<strong>dos</strong> com<br />

a Inglaterra no início do século XIX. O Brasil tornou-se in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, mas não se<br />

cumpriam os trata<strong>dos</strong>. A Inglaterra pressionou o Governo, e a Regência, numa lei <strong>de</strong><br />

7 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1831, <strong>de</strong>clarou proibido o tráfico <strong>de</strong> escravos, consi<strong>de</strong>rado<br />

análogo à pirataria, o que dava às autorida<strong>de</strong>s o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>r as<br />

embarcações e submeter a tripulação a julgamento.<br />

No entanto, até a Lei Eusébio <strong>de</strong> Queirós, <strong>de</strong> 1850, todo esse aparato oficial<br />

era para inglês ver, era nossa alma <strong>de</strong> fora. Por <strong>de</strong>ntro, continuávamos, ano a ano, a<br />

receber contingentes cada vez maiores <strong>de</strong> africanos.<br />

A Constituição <strong>de</strong> 18<strong>24</strong> <strong>de</strong>clarava <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já — é expressão da Constituição —<br />

abolidas a marca <strong>de</strong> ferro quente, as penas cruéis e a <strong>tortura</strong>. No entanto, até a lei<br />

<strong>de</strong> 1886, os escravos continuavam marca<strong>dos</strong> com ferro em brasa. E a lei <strong>de</strong> 1886 só<br />

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veio por uma razão. A Constituição <strong>de</strong> 18<strong>24</strong> proibia o açoite, abolia o açoite, mas<br />

não para escravos. Aí é outra questão, aí entra o Direito subentendido.<br />

O Código Criminal <strong>de</strong> 1830 admitiu que os escravos pu<strong>de</strong>ssem ser<br />

submeti<strong>dos</strong> a 50 chibatadas diárias. Era comum, no entanto, o infeliz sofrer 200 a<br />

300 chicotadas diárias, o que levava muitos à morte. Foi por isso que, em 1886, às<br />

vésperas da abolição, um júri <strong>de</strong> Paraíba do Sul, Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

con<strong>de</strong>nou a 300 chibatadas 4 escravos. Dois <strong>de</strong>les faleceram, e o fato foi publicado.<br />

Imediatamente, com gran<strong>de</strong> constrangimento, a <strong>Câmara</strong> <strong>dos</strong> Deputa<strong>dos</strong> do Império<br />

votou a lei proibindo os açoites.<br />

É exatamente isso o que acontece com a anistia. Oficialmente, <strong>tortura</strong>r um<br />

preso não é um crime político. Em lugar nenhum. E quem <strong>tortura</strong> é o aparelho <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r. O crime político é um crime <strong>de</strong> rebelião, <strong>de</strong> revolta contra o po<strong>de</strong>r, contra a<br />

estrutura estatal que existe.<br />

Para os militares, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre, <strong>tortura</strong>r e matar um preso é um crime<br />

hediondo. A honra militar obriga, obrigou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre a respeitar o preso, porque<br />

ele foi vencido. Só se <strong>de</strong>ve, militarmente, atacar e matar o inimigo enquanto ele não<br />

se ren<strong>de</strong>r. No momento em que ele é preso, ele goza <strong>de</strong> toda a proteção. É aviltante<br />

para um militar fazer isso. Em nosso País, durante o golpe militar <strong>de</strong> 1964, milhares<br />

<strong>de</strong> presos foram <strong>tortura</strong><strong>dos</strong> — centenas <strong>de</strong> milhares, po<strong>de</strong>-se dizer — e muitas<br />

mulheres foram estupradas. Havia, no DOI-CODI <strong>de</strong> São Paulo, sessões especiais<br />

em que se estupravam as presas. Tudo isso cometido não só com a autorização,<br />

mas também com o incentivo <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s militares. Hoje, preten<strong>de</strong>-se que isso<br />

esteja abrangido pela Lei <strong>de</strong> Anistia.<br />

O último aspecto, da maior importância: reconhecer esses fatos aviltantes é<br />

absolutamente necessário para a educação moral do brasileiro. Ele precisa enten<strong>de</strong>r<br />

que aqueles que estão no po<strong>de</strong>r são servidores <strong>de</strong>le, povo — o povo é o patrão —, e<br />

que, quando esses servidores se comportam <strong>de</strong> maneira escandalosa, aviltante, têm<br />

que ser puni<strong>dos</strong>.<br />

O ilustre Deputado acabou <strong>de</strong> lembrar que, nas <strong>de</strong>legacias <strong>de</strong> polícia <strong>de</strong> todo<br />

o País, a <strong>tortura</strong> é um fato incontroverso. Mas não contra pessoas <strong>de</strong> paletó e<br />

gravata, como este seu criado. Quando entro numa <strong>de</strong>legacia <strong>de</strong> polícia,<br />

imediatamente o funcionário diz: “Pois não, doutor. O senhor <strong>de</strong>seja alguma coisa?”<br />

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Ele não sabe que eu sou doutor. Mas, quando entra numa <strong>de</strong>legacia <strong>de</strong> polícia,<br />

minha empregada é tratada aos trancos e barrancos. Isso é uma vergonha para<br />

nossa população, mas nós introjetamos isso.<br />

Então, <strong>de</strong> modo muito claro, se o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral não reconhecer<br />

essa evidência, se não quiser dar ao povo brasileiro essa lição <strong>de</strong> respeito à<br />

dignida<strong>de</strong> humana, vamos continuar mancha<strong>dos</strong>. Nós outros, advoga<strong>dos</strong>, que<br />

estamos acostuma<strong>dos</strong> a per<strong>de</strong>r e a ganhar em juízo, temos um princípio: vencer às<br />

vezes; <strong>de</strong>sistir, jamais. Iremos, se Deus quiser, à Comissão Interamericana <strong>de</strong><br />

Direitos Humanos, e agora para acusar nosso País, para que não se diga, em<br />

âmbito internacional, infelizmente, que este não é Estado digno e que <strong>de</strong>va ser<br />

sancionado. (Palmas.)<br />

O SR. PRESIDE<strong>NT</strong>E (Deputado Pedro Wilson) - Obrigado, Dr. Fábio Kon<strong>de</strong>r<br />

Comparato. É uma honra para esta Casa recebê-lo, por sua participação histórica na<br />

luta pela <strong>de</strong>mocratização do País e por sua contribuição à atual Carta Magna.<br />

Estão inscritos para falar a Deputada Janete Rocha Pietá, o Deputado Luiz<br />

Couto, a Deputada Emília Fernan<strong>de</strong>s, o Deputado Chico Alencar e o Dr. Jarbas<br />

Marques.<br />

Com a palavra a Deputada Janete Rocha Pietá.<br />

A SRA. DEPUTADA JANETE ROCHA PIETÁ - Cumprimento os Deputa<strong>dos</strong><br />

Pedro Wilson e Iran Barbosa, autores do requerimento <strong>de</strong> realização <strong>de</strong>sta fantástica<br />

audiência digo — e digo fantástica no sentido <strong>de</strong> recuperarmos a luta pela<br />

igualda<strong>de</strong>, pois um país <strong>de</strong>mocrático não po<strong>de</strong> conviver com a <strong>tortura</strong>.<br />

Parabenizo o companheiro Fábio Kon<strong>de</strong>r Comparato, do Conselho Fe<strong>de</strong>ral da<br />

OAB, e envio-lhe um abraço fraterno. Esse querido companheiro acabou <strong>de</strong> fazer<br />

um retrospecto da história do nosso País, on<strong>de</strong> milhões <strong>de</strong> negros foram <strong>tortura</strong><strong>dos</strong><br />

e mortos apenas, muitas vezes, por capricho. Além disso, os negros eram<br />

consi<strong>de</strong>ra<strong>dos</strong> como não tendo alma e trata<strong>dos</strong> como seres, como eu digo hoje em<br />

dia, inferiores a um animal irracional, porque qualquer pessoa que tenha um<br />

cachorro ou outro animal <strong>de</strong> estimação o trata com carinho e percebe quanta eles<br />

sensibilida<strong>de</strong> têm.<br />

Nesta Casa, no dia 9 <strong>de</strong> setembro, aprovamos o Estatuto da Igualda<strong>de</strong><br />

Racial, porém a aprovação não significa que tenhamos conseguido o que<br />

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queríamos. A educação é fundamental e não conseguimos aprovar o<br />

estabelecimento das cotas, porque é através da educação que po<strong>de</strong>mos reafirmar o<br />

que o Dr. Fábio Comparato tão bem expressou, que é importante relembrar a<br />

história ou reconhecer os fatos aviltantes para levar educação moral à população<br />

brasileira.<br />

Eu havia me inscrito para falar sobre um caso ocorrido em São Paulo.<br />

Representando a Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos, fui, em diligência, acompanhar a<br />

investigação da morte por <strong>tortura</strong> <strong>de</strong> um jovem afro-brasileiro chamado Carlos<br />

Rodrigues Júnior, que possivelmente tinha praticado um furto — possivelmente,<br />

porque não foi comprovado. Todavia, os policiais entraram na casa <strong>de</strong>sse jovem e o<br />

<strong>tortura</strong>ram até a morte. Ele foi julgado, <strong>tortura</strong>do e morto em seu próprio quarto.<br />

Quer dizer, a <strong>tortura</strong> continua.<br />

Temos esse caso que gostaria <strong>de</strong> relembrar e, a partir <strong>de</strong>sta audiência<br />

pública, retomar. E, como os presos militares ficaram no presídio especial, o caso<br />

está, por assim dizer, parado.<br />

Mas eu me inscrevi também para registrar especificamente, porque sou da<br />

Comissão <strong>de</strong> Relações Exteriores, um e-mail que recebi <strong>de</strong> Honduras. É muito grave<br />

a situação em Honduras. E eu aproveito esta audiência para registrar isso. Vou pedir<br />

outra cópia para fazer uma ampla divulgação. A mensagem foi enviada pelo<br />

Ministério da Saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> Honduras — as pessoas não se i<strong>de</strong>ntificam, obviamente,<br />

pela situação do golpe existente no país — e nela é dito que há, pelo menos, 16<br />

mortos, <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> pessoas hospitaliza<strong>dos</strong> e que foi montado um campo <strong>de</strong><br />

concentração em um estádio, on<strong>de</strong> existem centenas <strong>de</strong> presos.<br />

Então, eu tinha me inscrito para <strong>de</strong>nunciar que o golpe em Honduras não se<br />

resumiu à <strong>de</strong>posição do Presi<strong>de</strong>nte legitimamente eleito, mas também que militantes<br />

da Frente Nacional <strong>de</strong> Resistência estão sendo presos e <strong>tortura</strong><strong>dos</strong>.<br />

Quer dizer, estou falando sobre o Brasil, mas quero aproveitar esta<br />

oportunida<strong>de</strong> para registrar a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tomarmos, na Comissão <strong>de</strong> Direitos<br />

Humanos, Presi<strong>de</strong>nte Pedro Wilson e Presi<strong>de</strong>nte Luiz Couto, uma posição frente a<br />

essa situação sobre a qual, ao meu ver, não po<strong>de</strong>mos nos calar.<br />

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Nome: Conjunta - Direitos Humanos / Legislação Participativa<br />

Número: 1599/<strong>09</strong> Data: <strong>24</strong>/<strong>09</strong>/20<strong>09</strong><br />

Quero também mandar um abraço especial ao ex-Deputado Antônio Mo<strong>de</strong>sto<br />

da Silveira e dizer que não po<strong>de</strong>mos per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista a luta para garantir que to<strong>dos</strong><br />

sejam iguais e que não haja no Brasil e no mundo nenhum tipo <strong>de</strong> <strong>tortura</strong><br />

Agra<strong>de</strong>ço a to<strong>dos</strong>. Quero dizer que estou na Comissão <strong>de</strong> Relações<br />

Exteriores e, possivelmente, se conseguirmos, iremos a Honduras em <strong>de</strong>legação,<br />

mas aproveito para fazer este registro nesta Comissão.<br />

O SR. PRESIDE<strong>NT</strong>E (Deputado Pedro Wilson) - Agra<strong>de</strong>ço à Deputada Janete<br />

Pietá as palavras;<br />

Convido a Deputada Janete Rocha Pietá, numa homenagem à luta das<br />

mulheres contra a <strong>tortura</strong>, para presidir esta audiência até o final <strong>dos</strong> trabalhos.<br />

(Palmas).<br />

Uma salva <strong>de</strong> palmas a essa luta que é das mulheres e também <strong>dos</strong> homens.<br />

Também está presente o historiador Jarbas Silva Marques, uma das pessoas<br />

mais <strong>tortura</strong>das neste País, mas que jamais se <strong>de</strong>mitiu da seu dignida<strong>de</strong> e que hoje<br />

contribui para a consolidação da <strong>de</strong>mocracia brasileira.<br />

A SRA. PRESIDE<strong>NT</strong>A (Deputada Janete Rocha Pietá) - Com a palavra a<br />

Deputada Emília Fernan<strong>de</strong>s, do PT do Rio gran<strong>de</strong> do Sul.<br />

Janete Pietá.<br />

A SRA. DEPUTADA EMÍLIA FERNANDES - Muito obrigada, companheira<br />

Não posso me furtar <strong>de</strong> registrar, neste momento, a verda<strong>de</strong>ira aula <strong>de</strong><br />

resgate histórico que esta Casa, através das Comissões <strong>de</strong> Direitos Humanos e <strong>de</strong><br />

Legislação Participativa, a que tenho a honra <strong>de</strong> integrar, dá não apenas às pessoas<br />

que aqui presentes, mas às <strong>de</strong> todas as partes do Brasil que estão acompanhando<br />

esta reunião. Temos uma Mesa qualificada pelo conhecimento, por sua trajetória <strong>de</strong><br />

vida e pela prática <strong>de</strong> direitos humanos ao longo <strong>de</strong> sua existência.<br />

Quero cumprimentar o ex-Deputado Mo<strong>de</strong>sto da Silveira. Nós nos<br />

encontramos hoje, talvez, pela primeira fez frente a frente, mas ao longo da minha<br />

vida <strong>de</strong> luta como militante sindical, como lutadora social <strong>dos</strong> movimentos sociais,<br />

oriunda do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, da região da fronteira do Brasil com o<br />

Uruguai, aprendi a conhecer e a admirar sua história.<br />

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Número: 1599/<strong>09</strong> Data: <strong>24</strong>/<strong>09</strong>/20<strong>09</strong><br />

Ao Dr. Comparato também todo o meu respeito pela sua história e pela sua<br />

luta no dia a dia, que sempre será um espelho para que to<strong>dos</strong> vejam a imagem <strong>de</strong><br />

sua coragem e <strong>de</strong> persistência.<br />

E o Dr. Paulo Abrão, então, coroa a luta pela qual to<strong>dos</strong> temos lutado durante<br />

toda a nossa vida, uns já há muito tempo, outros se incorporando agora, mas to<strong>dos</strong><br />

cerrando fileiras em torno <strong>de</strong>ssa luta. E aqui está um jovem dando uma<br />

<strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> que a ida<strong>de</strong> se afirma à medida que fortalecemos valores,<br />

formamos consciência e tomamos atitu<strong>de</strong>s através <strong>de</strong> ações.<br />

Então, quero me congratular com os promotores <strong>de</strong>ste evento, porque ele<br />

traz, como aqui já foi dito, um tema que muitos buscam colocar no esquecimento,<br />

alegando que direitos humanos é questão <strong>de</strong> proteção ao crime e a arbitrarieda<strong>de</strong>s.<br />

Na verda<strong>de</strong>, tentamos resgatar, por meio da história, o que há <strong>de</strong> mais sublime: a<br />

dignida<strong>de</strong> da vida e do ser humano, a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> opinião, <strong>de</strong> que não po<strong>de</strong>mos,<br />

sob hipótese alguma, abrir mão.<br />

Sofri muitas vezes, até mesmo como professora, quando queria, por meio das<br />

nossas aulas, resgatar o verda<strong>de</strong>iro conteúdo da história <strong>de</strong>ste País, relatando o que<br />

foi feito com os negros, com os índios e com as mulheres (palmas) em to<strong>dos</strong> os<br />

momentos, não apenas nos porões da ditadura ou <strong>dos</strong> navios negreiros, mas na luta<br />

pela conquista da terra, da liberda<strong>de</strong>, da casa, da moradia e do direito <strong>de</strong> falar e <strong>de</strong><br />

participar da política.<br />

Muitas vezes, fui tachada <strong>de</strong> retrógrada, <strong>de</strong> alguém que não tinha visão<br />

mo<strong>de</strong>rna e que buscava culpa<strong>dos</strong>. No meu coração, porém — e, tenho certeza, que<br />

no <strong>dos</strong> senhores e das senhoras também —, não há lugar para mágoas ou para<br />

ressentimentos. Ele tem lugar para a liberda<strong>de</strong>, para a justiça e para o<br />

reconhecimento daqueles e daquelas que, muitas vezes no anonimato e, em outras,<br />

nos espaços <strong>de</strong> maior <strong>de</strong>cisão e nos momentos <strong>de</strong> confronto, não se calaram diante<br />

do po<strong>de</strong>r e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ram o direito <strong>de</strong> pensar diferente. É isso que fortalece a vida e a<br />

<strong>de</strong>mocracia.<br />

A anistia não é perdão para alguns, ou para to<strong>dos</strong>, como alguns dizem.<br />

Tortura não é direito <strong>dos</strong> que estão no po<strong>de</strong>r. O combate à <strong>tortura</strong> <strong>de</strong>ve ser<br />

permanente, é tema que precisa ser fortalecido, porque precisamos estar sempre<br />

cuidando para evitar retrocesso.<br />

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Número: 1599/<strong>09</strong> Data: <strong>24</strong>/<strong>09</strong>/20<strong>09</strong><br />

A propósito, o que está acontecendo em Honduras exemplifica,<br />

concretamente, que isso está presente, está próximo, como foi dito, até mesmo nos<br />

po<strong>de</strong>res constituí<strong>dos</strong> do nosso País. Mas, para a nossa felicida<strong>de</strong>, também nos<br />

po<strong>de</strong>res constituí<strong>dos</strong>, num espaço entre os mais privilegia<strong>dos</strong> do Governo brasileiro<br />

— e, aqui, nossa homenagem às mulheres — está uma mulher como a Ministra<br />

Dilma Rousseff, com que tivemos o prazer <strong>de</strong> compartilhar, durante a sua trajetória<br />

no Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, da sua luta pela liberda<strong>de</strong> e pela <strong>de</strong>mocracia.<br />

Nós temos 2 campos. O povo precisa saber que direitos humanos, direitos<br />

das mulheres, direitos <strong>dos</strong> negros e das negras estão diretamente liga<strong>dos</strong> ao<br />

fortalecimento da <strong>de</strong>mocracia. Precisamos impedir as formas <strong>de</strong> violência e <strong>de</strong><br />

<strong>tortura</strong> que ainda acontecem, vejam bem, mundialmente — trata-se <strong>de</strong> uma questão<br />

mundial. To<strong>dos</strong> tivemos conhecimento do que as forças militares americanas fizeram<br />

no Iraque. Não foram apenas crimes <strong>de</strong> guerra ou apenas enfrentamentos. Elas<br />

ultrapassaram a barreira do respeito e da dignida<strong>de</strong> humanas.<br />

Portanto, temos, sim, obrigação <strong>de</strong> manter na pauta este tema, para que não<br />

os fatos se repitam, para que este País avance e mostre ao mundo que não<br />

queremos 2 direitos. Nós queremos o direito real, a partir da luta consciente <strong>de</strong> cada<br />

um e <strong>de</strong> cada uma.<br />

Contem sempre com a nossa luta! Na fronteira do Uruguai, convivi com<br />

muitos companheiros e companheiras que estavam do lado <strong>de</strong> lá. Muitos até<br />

per<strong>de</strong>ram a vida — história que já conhecemos. E eu me inspiro neles. Muitas fotos<br />

e arquivos foram queima<strong>dos</strong>, mas, como os senhores e as senhoras sabem, nem<br />

tudo é queimado, porque o que está no coração e na consciência das pessoas, ou a<br />

história que é presenciada e contada, não se apaga. Eu vi homens ultraja<strong>dos</strong> em<br />

sua dignida<strong>de</strong>, amarra<strong>dos</strong>, seminus. E até mesmo gran<strong>de</strong>s lí<strong>de</strong>res políticos <strong>de</strong>ste<br />

País às vezes coloca<strong>dos</strong> em situação extremamente triste, sem falar nas mulheres<br />

que, como sabemos, sofreram dupla ou triplamente e continuam sofrendo a falta <strong>de</strong><br />

liberda<strong>de</strong> política e <strong>de</strong> expressão.<br />

Que este País continue resgatando sua história, trazendo para a realida<strong>de</strong> do<br />

dia a dia que não admitimos <strong>tortura</strong>, que não admitimos o cerceamento da liberda<strong>de</strong>,<br />

seja <strong>de</strong> expressão, <strong>de</strong> credo, <strong>de</strong> religião, seja do que for, que temos <strong>de</strong> fortalecer a<br />

<strong>de</strong>mocracia e que homens, como os que estão aqui, principalmente os jovens,<br />

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analisem e estu<strong>de</strong>m esses fatos inspira<strong>dos</strong> principalmente nos princípios<br />

fundamentais que a Constituição brasileira inscreveu a partir <strong>de</strong> 1988.<br />

As mulheres, com certeza, senhores e senhoras, estarão atentas e atuantes<br />

nessa caminhada pela justiça e pela dignida<strong>de</strong>.<br />

Parabéns aos palestrantes pela verda<strong>de</strong>ira aula <strong>de</strong> cidadania que <strong>de</strong>ram a<br />

esta Casa, mas principalmente ao Brasil e ao mundo. (Palmas)<br />

A SRA. PRESIDE<strong>NT</strong>A (Deputada Janete Rocha Pietá) - Deputada Emília<br />

Fernan<strong>de</strong>s, tenho a honra <strong>de</strong> convidá-la para assumir a presidência <strong>dos</strong> trabalhos e<br />

dizer que, na luta pela <strong>de</strong>mocracia, estavam presentes mulheres e homens <strong>de</strong> várias<br />

origens, mas o principal é que a luta pela <strong>de</strong>mocracia é uma construção<br />

permanente. Não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong> maneira nenhuma ter duas leis, nem tampouco<br />

po<strong>de</strong>mos ter duas posições frente ao que ocorre na América Latina, principalmente<br />

em Honduras. Irei agora ao plenário da Casa registrar presença e, em seguida,<br />

voltarei para este evento. (Palmas)<br />

A SRA. PRESIDE<strong>NT</strong>A (Deputada Emília Fernan<strong>de</strong>s) - Avançando nos<br />

trabalhos, pois várias pessoas têm compromissos, passo a palavra <strong>de</strong> imediato ao<br />

Deputado Luiz Couto, Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos <strong>de</strong>sta Casa,<br />

para suas consi<strong>de</strong>rações.<br />

O SR. DEPUTADO LUIZ COUTO - Sra. Presi<strong>de</strong>nte, em primeiro lugar, quero<br />

parabenizar os autores do requerimento <strong>de</strong> realização <strong>de</strong>sta audiência e os<br />

expositores Mo<strong>de</strong>sto da Silveira, Fábio Kon<strong>de</strong>r Comparato e Paulo Abrão, que<br />

<strong>de</strong>monstraram que, além da anistia, há uma versão da lei que não correspon<strong>de</strong><br />

àquilo que se estabelece, aquele apego que é usado para dizer que temos uma<br />

anistia geral, ampla e irrestrita, quando, na realida<strong>de</strong>, a anistia foi acordada. E<br />

acordada a partir da situação mencionada pelo Dr. Paulo Abrão, da existência <strong>de</strong><br />

Senadores biônicos e da pressão <strong>de</strong> militares nas galerias.<br />

A prova é que, cada vez que se tenta fazer algo para que os arquivos sejam<br />

abertos, sempre dizem que queremos o revanchismo. Na verda<strong>de</strong>, a anistia não<br />

levou em conta o direito à memória e à verda<strong>de</strong>; não levou em conta que outros<br />

países fizeram, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> uma Comissão da Verda<strong>de</strong>, para<br />

acompanhar todo o processo.<br />

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Mais do que isso. Famílias que tiveram seus entes <strong>tortura</strong><strong>dos</strong> e executa<strong>dos</strong><br />

até hoje não sabem on<strong>de</strong> os corpos foram joga<strong>dos</strong>. É o caso <strong>de</strong> Davi Capistrano. O<br />

livro da Taís afirma que ele foi cortado como fosse um animal e, <strong>de</strong>pois, as partes<br />

jogadas ninguém sabe on<strong>de</strong>.<br />

O direito ao luto é um direito da família. Na época da Guerrilha do Araguaia,<br />

tem início o processo <strong>de</strong> execução sumária. Foram executadas várias pessoas,<br />

entre elas mateiros e agricultores que trabalhavam na região. A execução <strong>de</strong> alguns<br />

<strong>de</strong>les ninguém sabe como foi.<br />

É para esse aspecto que quero chamar a atenção. Muitos dizem: “Foi um<br />

perdão para todo mundo”. Do ponto <strong>de</strong> vista da hermenêutica bíblica, para haver o<br />

perdão, primeiro, tem <strong>de</strong> haver o reconhecimento do erro. É preciso que alguém<br />

reconheça que estava envolvido em <strong>de</strong>terminada ação. Tem <strong>de</strong> confessar a autoria<br />

daquele erro. Segundo, tem que pedir perdão e também é necessária a reparação. E<br />

não só econômica, como muitos consi<strong>de</strong>ram, mas muito mais do que isso. É preciso<br />

que toda essa memória venha à tona, para que a verda<strong>de</strong> se estabeleça. Somente a<br />

verda<strong>de</strong> vai nos libertar, somente ela vai promover a reconciliação, e não o que<br />

acontece muitas vezes quando os movimentos tentam ampliar a responsabilida<strong>de</strong>.<br />

Em seminário sobre a <strong>tortura</strong> aqui realizado — o Dr. Mo<strong>de</strong>sto da Silveira<br />

estava presente, entre outros —, foi dito que, por não enfrentarmos a <strong>tortura</strong>, hoje<br />

ela é sistemática em nosso País. Prova disso tanto os relatórios da ONU quanto os<br />

da OEA sobre o nosso País apontam que algumas questões continuam não sendo<br />

enfrentadas. Entre elas, a <strong>tortura</strong>, as execuções sumárias, o sistema penitenciário, o<br />

racismo. Enfim, essas questões estão sempre presentes nesses relatórios. E as<br />

providências não são tomadas porque, cada vez que se tenta enfrentá-las, há<br />

sempre a reação <strong>de</strong> setores das Forças Armadas <strong>de</strong> que é revanchismo da nossa<br />

parte.<br />

Quero parabenizar os responsáveis pela realização <strong>de</strong>sta audiência e dizer<br />

que é muito importante continuarmos o <strong>de</strong>bate, a fim <strong>de</strong> termos a concretização<br />

plena do direito à memória e à verda<strong>de</strong>. (Palmas.)<br />

A SRA. PRESIDE<strong>NT</strong>A (Deputada Emília Fernan<strong>de</strong>s) - Muito obrigada,<br />

Deputado Luiz Couto.<br />

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Solicita-nos a palavra o jornalista Jarbas Marques. Quanto aos nossos<br />

palestrantes, faremos uma rodada <strong>de</strong> encerramento, até porque o Dr. Comparato<br />

tem compromissos inadiáveis.<br />

Vamos ouvir o jornalista Jarbas Marques.<br />

O SR. JARBAS SILVA MARQUES - Um <strong>dos</strong> objetivos <strong>de</strong> uma audiência<br />

pública é possibilitar contribuições. Depois <strong>de</strong>ssa busca <strong>de</strong> hermenêutica pelo Dr.<br />

Paulo, acho que posso dar uma contribuição. Se o General <strong>de</strong> Exército João<br />

Baptista Figueiredo enten<strong>de</strong>sse que a anistia por ele assinada esten<strong>de</strong>ria um véu <strong>de</strong><br />

impunida<strong>de</strong> sobre os <strong>tortura</strong>dores, ele não teria concedido uma outra anistia em seu<br />

Governo para os médicos <strong>tortura</strong>dores, os instrumentadores <strong>de</strong> <strong>tortura</strong>.<br />

Mo<strong>de</strong>sto da Silveira ainda era Deputado quando suscitou a execução <strong>de</strong><br />

Carlos Marighella — dia 4 <strong>de</strong> novembro vai completar 40 anos. Um <strong>dos</strong> maiores<br />

sabujos da instrumentação <strong>de</strong> <strong>tortura</strong>, Harry Shibata, disse que, antes do Marighella<br />

morrer, ele tinha lhe dado a unção como católico.<br />

Particularmente, eu <strong>de</strong>nunciei ao próprio Mo<strong>de</strong>sto que tinha sofrido <strong>tortura</strong>s<br />

na mão do então tenente Ricardo Agnese Fayad, hoje general <strong>de</strong> divisão.<br />

Quando a Inês Etienne, a única sobrevivente da Casa da Morte <strong>de</strong> Petrópolis,<br />

saiu com a Anistia, e vocês localizaram o Tenente Lobo, o que ele disse? “Eu não<br />

pertenço mais ao Exército, sou um Oficial R2. Por que vocês não vão atrás do<br />

Fayad, que continua <strong>tortura</strong>ndo e matando?” Então, o que aconteceu? Esse Tenente<br />

Lobo, que participou da instrumentação <strong>de</strong> <strong>tortura</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> falar isso, sofreu<br />

aquela mesma injeção <strong>de</strong> simulação <strong>de</strong> ataque cardíaco. Ele estava andando em<br />

Copacabana, levou uma picada <strong>de</strong> injeção nas ná<strong>de</strong>gas e morreu em seguida.<br />

Então, Dr. Paulo Abrão, só para o senhor rebuscar e contra-argumentar: o<br />

Figueiredo que assinou isso é o mesmo Figueiredo que assinou o Código 12, para<br />

matar o Juscelino, o Carlos Lacerda e o Presi<strong>de</strong>nte Jango, para eliminar fisicamente<br />

os mentores da Frente Ampla. Ele que mandou aplicar o Código 12 e também,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> assinar a Lei da Anistia em 1979, assinou uma lei que revogava um <strong>dos</strong><br />

prima<strong>dos</strong> da humanida<strong>de</strong> — o Juramento <strong>de</strong> Hipócrates —, ao estabelecer que<br />

to<strong>dos</strong> os médicos militares que participaram da <strong>tortura</strong> como instrumentadores ou<br />

como legitimadores <strong>de</strong> morte não estavam subordina<strong>dos</strong> ao Conselho Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />

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Medicina, nem à ética <strong>de</strong> Hipócrates. Então, essa é uma contribuição para o senhor<br />

incorporar a todo esse tratado hermenêutico que o senhor apresentou aqui.<br />

Quando eu estava preso na Fortaleza <strong>de</strong> Santa Cruz, presídio do Exército, li<br />

uma obra sobre a história da Polícia Civil do Rio <strong>de</strong> Janeiro, que foi criada em 1808,<br />

por Dom João VI. Na minha visão <strong>de</strong> historiador, a formatação do Brasil como pátria<br />

se dá na Guerra do Paraguai, na junção <strong>de</strong> 4 movimentos sociais e políticos: o<br />

positivismo, o antiescravismo, a Maçonaria e o republicanismo.<br />

Por que os primeiros batalhões do Voluntários da Pátria que entraram em<br />

combate — e a Deputada Emília Fernan<strong>de</strong>s, gaúcha, sabe disso — eram compostos<br />

por negros? O povo e os índios paraguaios não conheciam os negros, os quais a<br />

Igreja benzia as mãos das chibatas e <strong>dos</strong> ferros. Esses negros entraram em<br />

combate <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo um regime que os escravizava. A oficialida<strong>de</strong> branquela, como<br />

eu e outros, viu neles homens, guerreiros íntegros. Foi <strong>de</strong> lá que o Exército brasileiro<br />

voltou com a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> não aceitar ser capitão-do-mato.<br />

O regime escravagista <strong>dos</strong> Orleans e Braganças, para <strong>de</strong>smoralizar o<br />

Exército brasileiro, que era contra a escravidão, baixou um <strong>de</strong>creto: qualquer senhor<br />

<strong>de</strong> escravo que quisesse chibatar ou <strong>tortura</strong>r um escravo <strong>de</strong>veria procurar o quartel<br />

mais próximo e pagar, sob a forma <strong>de</strong> imposto, essas chibatadas. Dr. Comparato, o<br />

senhor encontrará isso no livro do livro do Hermeto sobre a história — ele relata en<br />

passant esse fato, mas dilatei a pesquisa com relação a isso.<br />

Então, Dr. Paulo, para o senhor buscar fundamentação, tanto o próprio<br />

Figueiredo, que assinou a Lei <strong>de</strong> Anistia, sabia que ela não protegia os médicos<br />

instrumentadores <strong>de</strong> <strong>tortura</strong>, que aboliu <strong>de</strong> forma sui generis o Juramento <strong>de</strong><br />

Hipócrates.<br />

Com relação a dizer que to<strong>dos</strong> que <strong>de</strong>nunciamos <strong>tortura</strong> somos revanchistas,<br />

eu não quero prendê-los, como eles me pren<strong>de</strong>ram por 10 anos. Não quero afogá-<br />

los em fezes, como eles me afogaram no quartel do Dragões da In<strong>de</strong>pendência. Não<br />

quero que sofram <strong>tortura</strong>s sexuais, como eu sofri e testemunhei mulheres sofrendo.<br />

O Mo<strong>de</strong>sto sabe muito bem. Antes do Anselmo, pela mão do General Oliva e<br />

do Almirante, ter ido requerer anistia, quando Inês Etienne, que hoje está<br />

juridicamente impossibilitada, foi requerer anistia, eles tentaram matá-la, porque ela<br />

foi a primeira a saber que Anselmo, agente policial infiltrado antes <strong>de</strong> 1964 pelo<br />

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Número: 1599/<strong>09</strong> Data: <strong>24</strong>/<strong>09</strong>/20<strong>09</strong><br />

CENIMAR, matou mais <strong>de</strong> 100 pessoas e assumiu essas mortes. E agora, para<br />

<strong>de</strong>smoralizar a Lei da Anistia, ele preten<strong>de</strong> requerer in<strong>de</strong>nização, dizendo que foi<br />

perseguido pelo Estado. Ora, esses arquivos existem para <strong>de</strong>smoralizar pessoas e<br />

gran<strong>de</strong>s combatentes.<br />

O irmão caçula <strong>de</strong> Alberi Vieira <strong>dos</strong> Santos, conterrâneo da Deputada Emília<br />

Fernan<strong>de</strong>s — estivemos presos na fortaleza durante 4 anos —, serviu <strong>de</strong> aríete,<br />

bateram sua cabeça na pare<strong>de</strong> até ele ficar louco; o segundo irmão foi <strong>tortura</strong>do e<br />

enrolado em arame farpado.<br />

Quando o Alberi saiu “<strong>de</strong> ca<strong>de</strong>ia cumprida”, ocorreu a mesma coisa: teve<br />

morte igual ao do irmão, enrolado em arame farpado. E, <strong>de</strong>pois, os tais arquivos da<br />

DSI do Itamaraty apresentam os fatos como se ele tivesse preparado uma cilada<br />

para matar outros companheiros que estavam voltando do exterior.<br />

Então, esses arquivos servem. No último <strong>de</strong>poimento que eu e o Mo<strong>de</strong>sto<br />

<strong>de</strong>mos aqui na <strong>Câmara</strong> <strong>dos</strong> Deputa<strong>dos</strong>, dois dias <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> eu dar nomes <strong>de</strong><br />

<strong>tortura</strong>dores e <strong>de</strong> assassinos, um coronel recebeu uma tarefa <strong>de</strong>sse blog Ternuma<br />

nunca mais, <strong>de</strong> colocar palavras como se eu fosse um renegado. Estou ajuizando<br />

uma ação para que ele diga on<strong>de</strong> eu escrevi, porque fui eleito como um inimigo<br />

militante <strong>de</strong>ssa canalha toda que vive na sombra, que vive como sempre viveu.<br />

Por que Delfim Neto não vai dizer que reuniu o empresariado <strong>de</strong> São Paulo e<br />

estipulou 150 mil dólares. O Coronel Ustra, além <strong>dos</strong> vencimentos que recebia como<br />

oficial do Exército Brasileiro, era o homem do caixa para pagar o salário <strong>de</strong><br />

<strong>tortura</strong>dores pelos empresários <strong>de</strong> São Paulo. Por que esse juiz “Lalau” está sendo<br />

protegido até hoje? Porque era um caixa <strong>de</strong> pegar dinheiro com os empresários para<br />

pagar o salário <strong>dos</strong> <strong>tortura</strong>dores — o salário além do que o Estado pagava.<br />

Acho que essa é uma luta <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> não só nossa, <strong>dos</strong> sobreviventes,<br />

mas do povo brasileiro e da humanida<strong>de</strong>, como foi postulado aqui.<br />

A SRA. PRESIDE<strong>NT</strong>A (Deputada Emília Fernan<strong>de</strong>s) - Muito obrigada.<br />

Antes <strong>de</strong> passar a palavra ao Cerezo, da Associação Nacional <strong>de</strong> Anistia<strong>dos</strong><br />

Políticos <strong>de</strong> Volta Redonda, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, queremos registrar a importante<br />

presença — e agra<strong>de</strong>cemos — da Dra. Alexandrina da ABAP do Distrito Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Também está aqui Rosa Simeana, gaúcha, filha <strong>de</strong> perseguido político.<br />

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Número: 1599/<strong>09</strong> Data: <strong>24</strong>/<strong>09</strong>/20<strong>09</strong><br />

Registro ainda a presença <strong>dos</strong> companheiros Getúlio Gue<strong>de</strong>s e Arlindo<br />

Pereira, do Sindicato <strong>dos</strong> Metalúrgicos <strong>de</strong> São José <strong>dos</strong> Campos; do Sr. Valdivino<br />

Braga da Silva, da União <strong>de</strong> Mobilização Nacional <strong>dos</strong> Anistia<strong>dos</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro;<br />

e do Sr. Sérgio Ulaerte.<br />

Como o Dr. Comparato precisa se retirar, vamos inverter a pauta. Daremos a<br />

palavra a ela para suas consi<strong>de</strong>rações finais e, <strong>de</strong>pois, ao Cerezo e aos 2 últimos<br />

palestrantes, para encerrarmos os trabalhos.<br />

Então, com a palavra o Dr. Comparato, para suas consi<strong>de</strong>rações finais.<br />

O SR. FÁBIO KONDER COMPARATO - Queria dizer que mais importante do<br />

que punir os <strong>tortura</strong>dores, assassinos e estupradores é homenagear a verda<strong>de</strong>.<br />

Fui procurado, em 1989, por Inês Etienne Romeu, que me contou o calvário<br />

que sofreu. À época, eu disse a ela que a jurisprudência não admitia ações <strong>de</strong><br />

in<strong>de</strong>nização por causa da prescrição — isso naquela época, agora mudou a<br />

jurisprudência. E ela me disse: “Professor, eu não quero um tostão <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização.<br />

Esse dinheiro <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização vem do povo e a gran<strong>de</strong> vítima é o povo. O que eu<br />

quero é que a Justiça do meu País reconheça oficialmente que eu fui sequestrada,<br />

mantida em cárcere privado, estuprada 3 vezes por agentes públicos fe<strong>de</strong>rais pagos<br />

com o dinheiro do povo brasileiro”.<br />

Eu fiquei absolutamente emocionado com isso e disse: “Pois não. Então, eu<br />

vou ingressar com uma ação <strong>de</strong>claratória, para que fique constando oficialmente<br />

tudo isso que a senhora acaba <strong>de</strong> me dizer”. E <strong>de</strong>vo lhes dizer que essa ação foi<br />

julgada proce<strong>de</strong>nte em primeira instância, e a União Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>sistiu da apelação.<br />

Esse foi o primeiro caso.<br />

Com base nisso, tenho a honra <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r duas famílias <strong>de</strong> presos políticos<br />

<strong>tortura</strong><strong>dos</strong>. Uma <strong>de</strong>las, a <strong>de</strong> um jornalista que, com <strong>24</strong> anos, foi preso e <strong>tortura</strong>do até<br />

a morte no DOI-CODI <strong>de</strong> São Paulo. Uma <strong>de</strong>ssas ações foi julgada proce<strong>de</strong>nte; a<br />

outra foi anulada pelo Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> São Paulo, e estou recorrendo ao<br />

Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça.<br />

É por isso que eu repito a to<strong>dos</strong> o gran<strong>de</strong> princípio que me inspira: nem<br />

sempre ganhamos as batalhas, mas não vamos <strong>de</strong>sistir jamais. (Palmas.)<br />

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Número: 1599/<strong>09</strong> Data: <strong>24</strong>/<strong>09</strong>/20<strong>09</strong><br />

A SRA. PRESIDE<strong>NT</strong>A (Deputada Emília Fernan<strong>de</strong>s) - Muito obrigada, Dr.<br />

Comparato. Nossa inspiração continua na sua luta pela liberda<strong>de</strong> e pela justiça.<br />

Parabéns. Muito obrigada pela presença.<br />

Queremos registrar — e até pedir <strong>de</strong>sculpas por não tê-lo feito antes, mas só<br />

agora chegou a indicação à Mesa — a presença do Sr. Zezinho do Araguaia,<br />

Presi<strong>de</strong>nte do IAPA — Instituto <strong>de</strong> Apoio aos Povos do Araguaia e ex-gerrilheiro do<br />

Araguaia. Ele nos honra com a sua presença e com a sua trajetória <strong>de</strong> luta.<br />

Cerezo, por favor, com a palavra.<br />

O SR. CEREZO - Eu sou o Cerezo, metalúrgico da CSN, recém-anistiado.<br />

Além <strong>de</strong> parabenizar os autores da iniciativa <strong>de</strong> realização <strong>de</strong>sta reunião,<br />

quero também parabenizar o Deputado Mo<strong>de</strong>sto da Silveira, do meu Estado, o Dr.<br />

Paulo Abrão, a Deputada Emília Fernan<strong>de</strong>s, a Deputada Janete Rocha Pietá e os<br />

<strong>de</strong>mais presentes.<br />

A reflexão com que eu, mo<strong>de</strong>stamente, queria contribuir é o registro <strong>de</strong> que a<br />

Comissão <strong>de</strong> Anistia do Ministério da Justiça, a meu ver, tomou duas gran<strong>de</strong>s<br />

iniciativas que merecem ser ajudadas, no mínimo, e também ser elogiadas.<br />

A primeira foi divulgar para as universida<strong>de</strong>s do País os horrores, ou pelo<br />

menos parte <strong>de</strong>les, que aconteceram durante o período em que a ditadura esteve<br />

em vigência. Isso tem um gran<strong>de</strong> significado – o Dr. Paulo Abrão sabe da minha<br />

opinião –, porque às universida<strong>de</strong>s brasileiras os pobres e negros têm pouco<br />

acesso. A classe média ainda tem gran<strong>de</strong> acesso. E os militares se apoiaram, para<br />

dar o golpe, na classe média. Então, a nova geração, que não pô<strong>de</strong> ver nas escolas<br />

as histórias <strong>dos</strong> horrores — até porque a educação sofreu uma profunda “educação”<br />

e pouco se dizia sobre isso —, agora vai ter oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> saber, principalmente<br />

se for concluído do projeto da digitalização da memória, das <strong>de</strong>núncias etc. Nesse<br />

setor, vai haver uma massificação que muito ajudará a combater os remanescentes<br />

ainda presentes em nossa socieda<strong>de</strong>, aqueles a que o Deputado Chico Alencar<br />

chamou <strong>de</strong> enclaves duros, que estão aí para, a qualquer momento, atacar<br />

novamente.<br />

A outra iniciativa, a qual, inclusive, me beneficiou, foi a anistia, que se ampliou<br />

muito com relação aos números anteriores.<br />

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Número: 1599/<strong>09</strong> Data: <strong>24</strong>/<strong>09</strong>/20<strong>09</strong><br />

Eu tenho tido divergências pontuais com o Dr. Paulo quanto ao<br />

aprimoramento da iniciativa, o que discutiremos em outra ocasião.<br />

Mas, continuando a minha análise, a vanguarda que hoje se estabeleceu na<br />

Comissão <strong>de</strong> Anistia do Ministério da Justiça e na Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos<br />

tem uma ação isolada e preocupante. Por exemplo, o golpe que está acontecendo<br />

em Honduras mostrou como a mídia e setores duros do Brasil estão protegendo os<br />

golpistas, inclusive fazendo crítica ao Governo, que está aceitando — até como uma<br />

forma <strong>de</strong> praxe internacional do asilo político – que o Zelaya fique na Embaixada<br />

brasileira em Honduras, um procedimento normal adotado por outros países, e que,<br />

no caso do Brasil, jornalistas como a Míriam Leitão e outros da gran<strong>de</strong> mídia,<br />

analisam como uma postura do Governo brasileiro <strong>de</strong> apoio ao chavismo etc., etc.<br />

Na verda<strong>de</strong>, o que é isso? Enclaves golpistas que existem em nosso País e<br />

que não toleram, <strong>de</strong> forma alguma, o avanço da liberda<strong>de</strong> e o fim <strong>de</strong>sses resquícios<br />

<strong>de</strong> autoritarismo.<br />

Estou seguro <strong>de</strong> que, se não ampliarmos a reação, esse golpe <strong>de</strong> Honduras<br />

po<strong>de</strong> servir para os golpistas brasileiros, peruanos e <strong>de</strong> outros países não apenas na<br />

América Latina como uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> também se movimentarem. Se a<br />

<strong>de</strong>mocracia começa a avançar contra a elite, como o Dr. Fábio Comparato revelou,<br />

eu estou seguro <strong>de</strong> que aquilo vai ser um balão-<strong>de</strong>-ensaio, eu estou seguro <strong>de</strong> que<br />

para muitos golpistas brasileiros estão na clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong> apoiando os golpistas<br />

hondurenhos. Eles têm acesso à mídia e ficam todo o tempo assediando a<br />

Comissão <strong>de</strong> Anistia, falando sobre “anistias milionárias” entre aspas.<br />

Inclusive, chamou-me a atenção o fato <strong>de</strong> neste plenário estarem presentes<br />

militares. Aliás, eu sugiro à Mesa a convidá-los para fazer uso da palavra, porque é<br />

importante sabermos qual a opinião <strong>de</strong>les. Eu penso assim: o Ministério da Defesa,<br />

quando manda militares virem acompanhar a nossa reunião, ele o faz selecionando<br />

quadros da oficialida<strong>de</strong> que não vêm aqui — perdoem-me se eu estiver errado —<br />

pregar a liberda<strong>de</strong> e a ampliação <strong>de</strong>la. Vêm aqui para medir até que ponto esses<br />

remanescentes estão sendo vitoriosos em manter esses bolsões, esses quadros<br />

duros que nos perseguem cotidianamente. Então, vou repetir: gostaria que eles<br />

fossem convida<strong>dos</strong> para dar sua opinião sobre a <strong>de</strong>mocracia, porque o oficial<br />

treinado na clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong> para acompanhar comunistas, para acompanhar<br />

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subversivos, para acompanhar aqueles que lutam pela liberda<strong>de</strong> vai ser um quadro<br />

preparado para praticar ataques, inclusive a <strong>tortura</strong>.<br />

Isso me lembra, por exemplo, uma cena ocorrida no meu sindicato, em Volta<br />

Redonda, e que me chocou muito: um companheiro nosso, cujo pedido foi julgado<br />

semana passada, me mostrou a foto <strong>de</strong> um oficial que estava acompanhando a<br />

reunião <strong>de</strong> posse <strong>de</strong>le do sindicato com uma aparência dócil, barbeado, cabelinho<br />

<strong>de</strong>ntro do rigor. Depois, aquele mesmo militar e outros que não conhecemos foram<br />

para lá a fim <strong>de</strong> torturá-los e <strong>de</strong> matar outros. Hoje, eles estão, mas têm que ser<br />

trazi<strong>dos</strong> ao banco <strong>de</strong> réus. Temos que incriminar essas pessoas, no mínimo.<br />

Nesse Estado, que tem uma porção <strong>de</strong> contradições, temos <strong>de</strong> formar essa<br />

vanguarda: Comissão <strong>de</strong> Anistia, Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos, e ampliar isso —o<br />

que tem sido feito nas universida<strong>de</strong>s —, porque a situação é muito preocupante.<br />

Essas pessoas estão olhando para o sucesso <strong>dos</strong> golpistas <strong>de</strong> Honduras. Eles vão<br />

chegar lá, esses militares, eu suponho — se não aceitarem falar aqui, na frente <strong>de</strong><br />

to<strong>dos</strong> — e dizer no relatório: “Foi uma reunião <strong>de</strong> comunistas. Criticaram o golpe <strong>de</strong><br />

Honduras”.<br />

Temos <strong>de</strong> ficar atentos. Não po<strong>de</strong>mos achar que a liberda<strong>de</strong> está ali,<br />

balançando na Ban<strong>de</strong>ira Nacional no Palácio do Planalto, não. Vejo a situação com<br />

muita preocupação. Infelizmente, a uma reunião como esta vêm poucos Deputa<strong>dos</strong>,<br />

vêm poucas pessoas. A maioria tem o que fazer, <strong>de</strong>spista, disfarça. Nós, com essa<br />

vanguarda que está atenta, que está levando o movimento adiante, temos <strong>de</strong> ficar<br />

atentos a essas coisas, ficar <strong>de</strong> olhos vivos, porque nós somos uma espécie <strong>de</strong><br />

núcleo duro da liberda<strong>de</strong> que, na verda<strong>de</strong>, está garantindo a ampliação da<br />

<strong>de</strong>mocracia neste País. Então, ficar atento é uma <strong>de</strong> nossas missões.<br />

É isso. Obrigado. (Palmas.)<br />

A SRA. PRESIDE<strong>NT</strong>A (Deputada Emília Fernan<strong>de</strong>s) - Muito obrigada.<br />

Nós queremos registrar que esta reunião está sendo divulgada; está sendo<br />

transmitida não só para o Brasil, mas para o mundo, porque a Internet extrapola as<br />

fronteiras. São muito significativas a sua presença e os <strong>de</strong>poimentos aqui proferi<strong>dos</strong>.<br />

A palavra, neste momento, está facultada a to<strong>dos</strong> os presentes,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do cargo, profissão ou ativida<strong>de</strong> que exerçam. Se alguma<br />

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pessoa <strong>de</strong>seja se manifestar antes das consi<strong>de</strong>rações finais <strong>dos</strong> nossos<br />

palestrantes, esta Presidência lhe garante a palavra. (Pausa.)<br />

Concedo a palavra à Sra. Rosinha.<br />

A SRA. ROSINHA - Sou filha <strong>de</strong> ex-preso político. Saí do meu Estado com 6<br />

anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, porque o meu pai foi preso em 1964. Então, fui abrigada... Ficamos<br />

clan<strong>de</strong>stinos no Estado <strong>de</strong> Goiás. Por muitos anos, todo o mundo me perguntava:<br />

“De on<strong>de</strong> você é?” Eu sou goiana, porque eu já não tenho sotaque <strong>de</strong> gaúcho nem<br />

cor <strong>de</strong> gaúcho, porque gaúcho é sempre branco — e, como eu sou filha <strong>de</strong> negros,<br />

sou negra.<br />

Eu assino em baixo <strong>de</strong> tudo o que o camarada Cerezo falou, porque, toda vez<br />

que nós temos uma reunião, os militares vêm para cá, para as nossas reuniões,<br />

para os nossos seminários — os militares sempre estão aqui. E não vou dizer para<br />

vocês que eu morro <strong>de</strong> amores por militares, porque, quando o meu pai foi preso, eu<br />

tinha 4 anos; mas eles entraram na nossa casa e não <strong>de</strong>ixaram nada inteiro — e a<br />

gente segurando na barra da saia da minha mãe. Então, essas barbarida<strong>de</strong>s que eu<br />

presenciei fazem com que eu não me sinta bem vendo a farda ver<strong>de</strong>-oliva ou<br />

qualquer outra farda.<br />

E por que eles po<strong>de</strong>m estar aqui? Quando eles se reúnem lá no Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, no Clube do Militar — vai até o canalha do Brilhante Ustra —, por que eles<br />

não nos chamam para também participarmos das reuniões no Clube <strong>dos</strong> Militares,<br />

lá? Nós não po<strong>de</strong>mos chegar nem à rua em que eles estão reuni<strong>dos</strong>; isso hoje, em<br />

plena <strong>de</strong>mocracia. Se é <strong>de</strong>mocracia, se eles po<strong>de</strong>m estar aqui, eles estão aqui<br />

como? como militares ou como espiões? Porque o que traz para mim até hoje é o<br />

trauma, quando eu vejo um militar. Eu sei até o símbolo que eles usam aqui <strong>de</strong>ntro<br />

da Casa. Quando não estão farda<strong>dos</strong>, eles usam uns ‘botonzinhos’. Eu sei muito<br />

bem. Assim como eles sabem que eu uso Lenin na lapela da minha blusa, a foice e<br />

o martelo na lapela da minha blusa, eu também sei o que eles usam agora. Mas por<br />

que eles não se manifestam? Por que eles não dizem ‘olha, a gente não concorda<br />

com o que aconteceu’? Eu não sou revanchista, não. Eu não quero pegar o Brilhante<br />

Ustra e colocá-lo na ca<strong>de</strong>ira do dragão, no pau-<strong>de</strong>-arara. Eu só queria que ele<br />

respon<strong>de</strong>sse e per<strong>de</strong>sse as 4 estrelinhas que ele tem aqui assim; que ele não fosse<br />

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mais general; que ele ficasse sem o salário <strong>de</strong> general, como o meu pai ficou sem o<br />

salário <strong>de</strong> ferroviário, porque era negro, pobre e comunista.<br />

E foi no meu Governo que o meu pai foi anistiado. Hoje nós temos casa para<br />

morar, graças ao meu Governo, porque a ditadura militar nos tirou tudo: um irmão,<br />

com suicídio; e nenhum <strong>de</strong> nós conseguiu se formar. Eu não sou doutora em nada, e<br />

queria muito ter estudado.<br />

Mas não sou revanchista. Eu vejo um lado muito bom. Eu tive um tio capitão<br />

do Exército que me tirava cada vez que eu era <strong>de</strong>tida, porque eu fiz passeata<br />

estudantil a vida inteira!<br />

Eu vejo um lado muito bom na <strong>de</strong>mocracia, quando vejo um rapaz, um<br />

menino — não no sentido pejorativo —, um menino <strong>de</strong> 34 anos à frente da<br />

Comissão <strong>de</strong> Anistia. Eu me sinto muito confortável vendo que à frente da Comissão<br />

<strong>de</strong> Anistia tem um rapaz que revolucionou a Comissão, porque ele faz caravanas<br />

divulgando a nossa história no Brasil todo. Ele é um gigante, literalmente falando.<br />

Falo do Dr. Paulo Abrão, por quem tenho uma admiração muito gran<strong>de</strong>. Tenho um<br />

filho da ida<strong>de</strong> <strong>de</strong>le. Então, eu me sinto assim contemplada. Isso ameniza a dor que<br />

eu tive por per<strong>de</strong>r o meu pai cedo, sem ver o partido legalizado, por ter um irmão<br />

morto por suicídio com medo <strong>de</strong> o Exército entrar lá em casa <strong>de</strong> novo. Eu me sinto<br />

contemplada; eu me sinto segura <strong>de</strong> que a <strong>de</strong>mocracia vai avançar, porque ela tem<br />

um jovem como o Dr. Paulo Abrão e Parlamentares como a Emília Fernan<strong>de</strong>s, que é<br />

uma mulher guerreira. Eu conheço a história <strong>de</strong>la, porque eu leio tudo sobre ela — o<br />

gaúcho tem isso, é bairrista, né? Eu não tenho culpa se os gaúchos são bons<br />

<strong>de</strong>mais. Quando são bons, são bons <strong>de</strong>mais! No entanto, há uns que foram até<br />

<strong>tortura</strong>dores. Mas há pessoas boas como o Ministro Tarso Genro. Meu pai ficou<br />

preso junto com o pai <strong>de</strong>le. O Dr. A<strong>de</strong>lmo Genro saiu da ca<strong>de</strong>ia e foi <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o meu<br />

pai, um negro ferroviário e comunista. E o Dr. A<strong>de</strong>lmo era do PTB. Então, eu tenho<br />

muitas coisas boas para relembrar.<br />

Eu en<strong>dos</strong>so tudo o que o Cerezo falou, porque, todas as vezes em que<br />

estamos reuni<strong>dos</strong>, os milicos entram. Por que eu não posso ir à reunião em que está<br />

o Brilhante Ustra e olhar bem na cara <strong>de</strong>le?<br />

A SRA. PRESIDE<strong>NT</strong>A (Deputada Emília Fernan<strong>de</strong>s) - Muito obrigada,<br />

companheira e conterrânea Rosinha, pela sua luta, pela resistência. Tenho certeza<br />

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<strong>de</strong> que no seu coração, como já disse, não tem lugar para revanchismo nem para<br />

ódio. Trata-se <strong>de</strong> luta pela <strong>de</strong>mocracia, pela dignida<strong>de</strong>.<br />

Esta é a Casa do povo. Temos <strong>de</strong> respeitar to<strong>dos</strong>. Aqui há pessoas que<br />

representam o povo brasileiro com seus mais diferentes pensamentos. Essas<br />

Comissões têm prezado pelo espaço <strong>de</strong>mocrático. Que as pessoas venham,<br />

assistam às reuniões e levem daqui anseios e <strong>de</strong>clarações, como os que aqui foram<br />

proferi<strong>dos</strong>. Que, em momento algum, se pense em retrocesso neste País, porque o<br />

Brasil vive um novo momento histórico não só <strong>de</strong>ntro do País, mas fora também.<br />

Nós estávamos encerrando, mas eis que chega a esta reunião o ilustre<br />

Deputado Fe<strong>de</strong>ral Paes <strong>de</strong> Lira, coronel da PM <strong>de</strong> São Paulo, que nos pe<strong>de</strong> a<br />

palavra, a qual lhe conce<strong>de</strong>mos. Depois repassaremos a palavra aos 2 palestrantes,<br />

para suas consi<strong>de</strong>rações finais.<br />

O SR. DEPUTADO PAES DE LIRA - Excelentíssima Sra. Presi<strong>de</strong>nte,<br />

agra<strong>de</strong>ço-lhe a indulgência. Não quero subverter a or<strong>de</strong>m <strong>dos</strong> trabalhos, mas não<br />

pu<strong>de</strong> comparecer antes <strong>de</strong>vido aos <strong>de</strong>mais encargos.<br />

Ilustríssima audiência, embora eu tenha vindo em hora tão tardia, me parece<br />

<strong>de</strong> extrema importância esta audiência pelo seu tema e, principalmente, porque ela<br />

nos conduz a uma reflexão em que sempre insisto: a reflexão a respeito da<br />

reconciliação do Brasil. A Lei <strong>de</strong> Anistia veio para isto: para reconciliar o País. Veio<br />

— vamos dizer aqui com todas as letras —, na verda<strong>de</strong>, num momento em que era<br />

um gesto <strong>de</strong> vencedores, porque realmente não havia oposição política com po<strong>de</strong>r<br />

suficiente para impor uma lei <strong>de</strong> anistia naquela ocasião. Era um gesto <strong>de</strong><br />

vencedores que tiveram, no entanto, <strong>de</strong>scortino e perceberam que a situação <strong>de</strong><br />

exceção não po<strong>de</strong>ria mais continuar, já não tinha mais espaço. E é uma boa lei<br />

porque promove o esquecimento, em termos jurídicos, <strong>dos</strong> atos <strong>de</strong> força pratica<strong>dos</strong><br />

por ambos os la<strong>dos</strong> em um momento <strong>de</strong> guerra interna mesmo. A Constituição<br />

Cidadã <strong>de</strong> 1988 <strong>de</strong>termina, em seu art. 5º, que a lei consi<strong>de</strong>rará inafiançáveis e<br />

imprescritíveis <strong>de</strong>termina<strong>dos</strong> crimes. Essa lei, <strong>de</strong> certa forma, reflete o espírito da Lei<br />

<strong>de</strong> Anistia, ou melhor dizendo, esse dispositivo constitucional reflete o espírito da Lei<br />

<strong>de</strong> Anistia, pois diz, com toda a clareza, que os crimes imprescritíveis e insuscetíveis<br />

<strong>de</strong> anistia, <strong>de</strong> graça ou <strong>de</strong> indulto são estes dois: o <strong>de</strong> <strong>tortura</strong>, <strong>de</strong> que tanto se fala<br />

por um lado, e o <strong>de</strong> terrorismo, por outro, que, na verda<strong>de</strong>, foi o mecanismo, a forma<br />

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utilizada como elemento <strong>de</strong> combate pelas organizações que se dispuseram à luta<br />

armada naquele período <strong>de</strong> exceção da história do Brasil. Muito bem. É uma<br />

disposição sábia da Constituição.<br />

Quando se levantam <strong>de</strong>bates a respeito <strong>de</strong> invalidar a Lei <strong>de</strong> Anistia, tudo isso<br />

é muito perigoso, porque, se se invalida a Lei <strong>de</strong> Anistia... Não se po<strong>de</strong> em absoluto,<br />

Sra. Presi<strong>de</strong>nta, ilustres membros da Mesa, senhores presentes, encarar essa<br />

tentativa <strong>de</strong> revogação por um lado só, não. Se imaginássemos que o Direito Penal,<br />

ou a tipificação, pu<strong>de</strong>sse retroagir, embora não houvesse a tipificação <strong>de</strong>sses crimes<br />

naquela ocasião, fazendo virar no túmulo o Marquês <strong>de</strong> Beccaria, teríamos <strong>de</strong><br />

admitir que esse retorno se daria não somente àqueles que são acusa<strong>dos</strong> <strong>de</strong> <strong>tortura</strong>,<br />

não somente àqueles que combateram por uma certa legalida<strong>de</strong>, mas também<br />

àqueles que explodiram uma bomba no Aeroporto <strong>de</strong> Guararapes matando pessoas<br />

inocentes, àqueles que explodiram uma bomba no Consulado <strong>dos</strong> Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong><br />

em São Paulo arrancando a perna <strong>de</strong> um circunstante inocente, pessoa que paga<br />

por isso até hoje sem ter nada a ver com a história; enfim, àqueles que praticaram<br />

tantos outros atos, evi<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> terrorismo, aos quais assisti ainda na tenra<br />

juventu<strong>de</strong> na Mooca, no restaurante Varela, como o frio assassinato <strong>de</strong> um<br />

comerciante apenas suspeito <strong>de</strong> colaborar com as chamadas forças <strong>de</strong> repressão.<br />

Minha palavra é pela reconciliação nacional; minha palavra é por curar as<br />

feridas. Compreendo perfeitamente a posição das pessoas que expressam essa<br />

posição contrária; e mais, que eram dignos <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ração aqueles que, por não<br />

concordarem com <strong>de</strong>terminada posição política, até pegaram em armas contra ela.<br />

Respeito essas pessoas que tiveram essa opção tão extrema, mas sou pela<br />

reconciliação.<br />

Acredito, Sra. Presi<strong>de</strong>nta, que esta Casa não <strong>de</strong>ve aceitar teses revisionistas<br />

em relação à Lei da Anistia. A Lei da Anistia foi uma boa lei, o dispositivo<br />

constitucional posterior que abraça o conceito da Lei <strong>de</strong> Anistia foi correto,<br />

pertinente, perfeito para o futuro do País, um futuro <strong>de</strong> reconciliação.<br />

Vamos nos reconciliar! É isso que o nosso Brasil espera e aguarda para as<br />

futuras gerações.<br />

Muito obrigado, mais uma vez, pela indulgência e pela atenção <strong>de</strong> V.Exa.<br />

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Paes <strong>de</strong> Lira.<br />

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A SRA. PRESIDE<strong>NT</strong>A (Deputada Emilia Fernan<strong>de</strong>s) - Obrigada, Deputado<br />

De imediato, encaminho os trabalhos para o encerramento, passando a<br />

palavra ao Dr. Paulo Abrão, Presi<strong>de</strong>nte da Comissão <strong>de</strong> Anistia, do Ministério da<br />

Justiça, e, logo em seguida, ao Sr. Antônio Mo<strong>de</strong>sto da Silveira, ex-Deputado<br />

Fe<strong>de</strong>ral.<br />

O SR. PAULO ABRÃO PIRES JÚNIOR - Agra<strong>de</strong>ço pelo convite para<br />

participar <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>bate. Penso mesmo que o <strong>de</strong>bate é muito saudável e <strong>de</strong>ve<br />

ocorrer; o que não po<strong>de</strong> ocorrer é qualquer tentativa <strong>de</strong> calá-lo. Então, faz bem à<br />

socieda<strong>de</strong> resgatar pontos <strong>de</strong> vista divergentes. Há pouco tempo, sequer podíamos<br />

discutir este assunto, mas hoje o estamos discutindo abertamente, <strong>de</strong>ntro da Casa<br />

do povo brasileiro, na socieda<strong>de</strong>. Isso é muito bom.<br />

Realmente, sentia a falta <strong>de</strong> alguém compondo nossa Mesa com visão<br />

diferente da nossa, para expô-la. Por isso, achei bom que o Deputado tenha<br />

chegado ao final para trazer essa visão, embora seja uma pena que isso só ocorreu<br />

ao final, pois estávamos discutindo exatamente isso. Pelo menos, no meu ponto <strong>de</strong><br />

vista, como no do Deputado Mo<strong>de</strong>sto e do Prof. Fábio Comparato, é a li<strong>de</strong>rança<br />

jurídica que tem levado este <strong>de</strong>bate adiante. E eu tenho o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> cumprir a missão<br />

institucional que me <strong>de</strong>u esta Casa e o Estado brasileiro <strong>de</strong> cuidar da preservação<br />

da memória e da reparação aos persegui<strong>dos</strong> políticos.<br />

Debatemos aqui, e, talvez, numa próxima oportunida<strong>de</strong>, possamos discutir<br />

mais a respeito. Ninguém aqui propôs a revisão da lei; muito pelo contrário,<br />

discutimos exatamente a importância da Lei <strong>de</strong> Anistia <strong>de</strong> 1979 para o País. Ela<br />

permitiu a volta <strong>dos</strong> exila<strong>dos</strong>, permitiu a soltura <strong>dos</strong> presos políticos, permitiu o<br />

primeiro passo do distensionamento, com vistas à re<strong>de</strong>mocratização,<br />

posteriormente. Então, o gran<strong>de</strong> valor da Lei <strong>de</strong> Anistia é que ela reconhece a<br />

necessida<strong>de</strong>, o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> perdão àqueles que exerceram o legítimo direito <strong>de</strong><br />

resistência.<br />

Então, o que a Or<strong>de</strong>m <strong>dos</strong> Advoga<strong>dos</strong> do Brasil discute hoje no Supremo<br />

Tribunal é a a<strong>de</strong>quada interpretação da lei, não sua revisão. Logo, não se trata <strong>de</strong><br />

uma tese revisionista. Segundo os princípios <strong>de</strong> “reconciliação, sim, mas sem<br />

esquecimento”, não é possível pedir que pessoas que foram <strong>tortura</strong>das e que to<strong>dos</strong><br />

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os episódios, inclusive os episódios <strong>de</strong> resistência do povo brasileiro contra a tirania<br />

ditatorial, não venham à tona, não possam ser conta<strong>dos</strong>, não possam ser objeto <strong>de</strong><br />

estudo pelos nossos historiadores, não possam ser tema <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates políticos na<br />

Casa do povo, na socieda<strong>de</strong> civil. E, segundo o princípio <strong>de</strong> “reconciliação, sim, mas<br />

sem esquecimento”, as feridas só po<strong>de</strong>m ser fechadas no dia em que forem<br />

efetivamente lavadas e curadas; não po<strong>de</strong>mos impor fechamento <strong>de</strong> feridas, porque<br />

elas não cicatrizam se não forem tratadas <strong>de</strong>vidamente, a<strong>de</strong>quadamente.<br />

Não quero acreditar que neste auditório, neste momento, em plena<br />

<strong>de</strong>mocracia, 30 anos <strong>de</strong>pois, esteja ocorrendo no nosso Brasil uma situação <strong>de</strong><br />

supervisão do <strong>de</strong>bate público, <strong>de</strong> anotação <strong>de</strong> posições. (Risos.) Não quero<br />

acreditar, por exemplo, que hoje eu seja fichado por organismos nem oficiais nem<br />

inoficiais. (Risos.) Realmente, não acredito que isso esteja acontecendo neste<br />

momento. O que estou dizendo é que não acho que esteja acontecendo isso neste<br />

momento. Talvez, estejam anotando fundamentações para o <strong>de</strong>bate público. Quero<br />

acreditar que seja isso mesmo, até porque, meus amigos, tenho dito em todas as<br />

palestras que faço sobre o tema (e tenho <strong>de</strong>batido sempre diante da divergência <strong>de</strong><br />

outros juristas que pensam diferente) que represento o Estado brasileiro. A<br />

Comissão <strong>de</strong> Anistia não implementa política <strong>de</strong> governo. Ou seja, não estamos<br />

implementando uma política <strong>de</strong> governo; implementamos uma política <strong>de</strong> Estado. É<br />

<strong>de</strong>ver do Estado a reparação, é <strong>de</strong>ver do Estado guardar a memória. Então, cumpro<br />

uma função <strong>de</strong> Estado.<br />

O que temos dito em to<strong>dos</strong> os nossos <strong>de</strong>bates, <strong>de</strong> forma muito franca, é que,<br />

em nenhuma hipótese, colocamos em questionamento a importância, a relevância e<br />

a honra da instituição Forças Armadas. Não estamos discutindo isso. Nosso <strong>de</strong>bate,<br />

inclusive, é sobre a responsabilização <strong>de</strong> agentes <strong>tortura</strong>dores, <strong>de</strong> pessoas que<br />

<strong>de</strong>turparam a própria filosofia do regime. (Palmas.) O regime não permitia a prática<br />

da <strong>tortura</strong>, e essas pessoas <strong>de</strong>turparam os próprios princípios do regime. São esses<br />

agentes que mancharam a imagem das Forças Armadas. Alguns tentam amparar-se<br />

dizendo assim: “Vocês estão atacando as Forças Armadas”. Essas pessoas estão<br />

querendo se proteger pelo gran<strong>de</strong> valor que as Forças Armadas têm para a<br />

<strong>de</strong>mocracia, para o Estado e para as instituições brasileiras, como que para encobrir<br />

os atos individuais <strong>de</strong>sonestos, antiéticos e ilícitos que cometeram.<br />

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Nome: Conjunta - Direitos Humanos / Legislação Participativa<br />

Número: 1599/<strong>09</strong> Data: <strong>24</strong>/<strong>09</strong>/20<strong>09</strong><br />

Não po<strong>de</strong>mos correr, em nenhuma hipótese, o risco <strong>de</strong> dizer que este é um<br />

<strong>de</strong>bate com as Forças Armadas, até porque quero dizer aqui, e <strong>de</strong> forma muito<br />

explícita, já que isso é transmitido, que quem tem levado a Comissão <strong>de</strong> Anistia ao<br />

Araguaia para colher os <strong>de</strong>poimentos <strong>dos</strong> moradores daquela região, antes <strong>de</strong>sse<br />

atual processo <strong>de</strong> busca <strong>dos</strong> corpos para elucidação da verda<strong>de</strong>, é um avião da<br />

FAB. Nós solicitamos e ele nos leva. É um avião da FAB que está levando o corpo<br />

<strong>de</strong> Bergson Gurjão, que finalmente foi i<strong>de</strong>ntificado na ossada que estava na<br />

Secretaria <strong>de</strong> Direitos Humanos. Vamos <strong>de</strong>volver os restos mortais à família para<br />

que sejam dignamente enterra<strong>dos</strong>, segundo o histórico direito ao luto, o direito da<br />

mãe <strong>de</strong> enterrar o corpo <strong>de</strong> um filho <strong>de</strong>saparecido pela ação e por responsabilida<strong>de</strong><br />

do Estado. Quem está hoje realizando a busca e a localização <strong>dos</strong> mortos e<br />

<strong>de</strong>sapareci<strong>dos</strong> no Araguaia, apesar <strong>de</strong> ter o entendimento jurídico <strong>de</strong> que a<br />

competência legal disso <strong>de</strong>veria ser da Comissão <strong>de</strong> Mortos e Desapareci<strong>dos</strong>, e<br />

quem tinha <strong>de</strong> estar à frente <strong>de</strong>sse processo, seria a Secretaria <strong>de</strong> Direitos<br />

Humanos, não as Forças Armadas, em cumprimento <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cisão judicial.<br />

Então, não vamos confundir a instituição com as pessoas que se <strong>de</strong>sviaram<br />

<strong>dos</strong> princípios da instituição ou que a usaram para impor a força um mo<strong>de</strong>lo e uma<br />

i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.<br />

Para nós, afirmo <strong>de</strong> modo muito claro, nesse <strong>de</strong>bate em relação a<br />

<strong>tortura</strong>dores, que não foram só militares, foram também civis, pessoas do mais baixo<br />

nível <strong>de</strong> integrida<strong>de</strong> que têm capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instrumentalizar o po<strong>de</strong>r para ferir a<br />

dignida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma outra pessoa. Vista assim, a <strong>tortura</strong> não po<strong>de</strong> ser, em nenhuma<br />

hipótese, anistiada, não po<strong>de</strong> ser tida, em nenhuma hipótese, como um crime<br />

prescritível. Para nós, esta é uma questão <strong>de</strong> princípio, não uma questão i<strong>de</strong>ológica.<br />

Se o Brasil tivesse vivido uma ditadura <strong>de</strong> esquerda e se essa ditadura <strong>de</strong><br />

esquerda tivesse <strong>tortura</strong>do nos porões, estuprado, promovido atrocida<strong>de</strong>s contra a<br />

humanida<strong>de</strong>, nós estaríamos aqui hoje <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo a responsabilização <strong>dos</strong> agentes<br />

<strong>tortura</strong>dores <strong>de</strong>ssa ditadura <strong>de</strong> esquerda. Porque para nós essa não é uma questão<br />

i<strong>de</strong>ológica; é uma questão <strong>de</strong> princípio no Estado <strong>de</strong> Direito, na <strong>de</strong>mocracia, com os<br />

valores da liberda<strong>de</strong>.<br />

Então, que isso fique muito bem assentado, para que não haja um falso<br />

tensionamento i<strong>de</strong>ológico na socieda<strong>de</strong> brasileira. Isso não seria produtivo em nosso<br />

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Número: 1599/<strong>09</strong> Data: <strong>24</strong>/<strong>09</strong>/20<strong>09</strong><br />

<strong>de</strong>bate. Estamos aqui assentando uma questão <strong>de</strong> princípio para o futuro, para a<br />

não repetição, para que não ocorram novos golpes militares, para que não ocorram<br />

golpes <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> esquerda extrema, que também têm visão autoritária do<br />

mundo. É isso que estamos sinalizando para frente.<br />

Hoje, pelo Direito brasileiro, <strong>tortura</strong>dores velhinhos — já <strong>de</strong>vem estar com<br />

ida<strong>de</strong> avançada — não serão presos. O Direito brasileiro já não permite a prisão <strong>de</strong><br />

quem tem <strong>de</strong>terminada ida<strong>de</strong>. A questão é sobre a simbologia da con<strong>de</strong>nação; é a<br />

simbologia <strong>de</strong> que o Estado Democrático <strong>de</strong> Direito, hoje, efetivamente, diz, em alto<br />

e bom tom, que, segundo a jurisprudência brasileira, não importa qual seja o<br />

momento <strong>de</strong> ruptura, crimes contra a humanida<strong>de</strong> serão apura<strong>dos</strong>. É uma medida<br />

<strong>de</strong> inibição a novos rompantes autoritários no futuro, é um compromisso com os<br />

valores da <strong>de</strong>mocracia.<br />

Para mim, sinceramente, a <strong>de</strong>cisão que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral tomará<br />

será histórica, talvez uma das mais importantes <strong>de</strong>cisões a que já chegou o Tribunal<br />

constitucional brasileiro pós-re<strong>de</strong>mocratização, porque envolve os princípios da<br />

liberda<strong>de</strong>, da <strong>de</strong>mocracia e <strong>de</strong> valorização <strong>dos</strong> direitos humanos.<br />

Muito obrigado. (Palmas.)<br />

A SRA. PRESIDE<strong>NT</strong>A (Deputada Emília Fernan<strong>de</strong>s) - Muito obrigada, Dr.<br />

Paulo Abrão. Agra<strong>de</strong>mos a V.Sa. a participação, a atenção ao nosso convite. Tenho<br />

certeza <strong>de</strong> que este <strong>de</strong>bate será retomado no dia a dia do Congresso Nacional, bem<br />

como pela socieda<strong>de</strong> brasileira, exatamente para verificarmos quais são as i<strong>de</strong>ias,<br />

quais são os valores coloca<strong>dos</strong> sobre o tema.<br />

Sempre reafirmo, sem nenhum tipo <strong>de</strong> sentimento negativo, que temos <strong>de</strong><br />

projetar nossa energia, nosso sofrimento e nossos pensamentos para que os direitos<br />

avancem.<br />

Muito obrigada, mais uma vez, pela sua qualificada participação neste painel.<br />

Concedo a palavra ao Sr. Antônio Mo<strong>de</strong>sto da Silveira, ex-Deputado Fe<strong>de</strong>ral,<br />

<strong>de</strong>fensor e encaminhador da Lei <strong>de</strong> Anistia, para suas consi<strong>de</strong>rações finais.<br />

O SR. A<strong>NT</strong>ÔNIO MODESTO DA SILVEIRA - Sra. Presi<strong>de</strong>nta, agra<strong>de</strong>ço a<br />

V.Exa. a gentileza e a atenção.<br />

Sinto impulso <strong>de</strong> comentar sobre o que disse cada um <strong>dos</strong> interventores. O<br />

Jarbas fez consi<strong>de</strong>rações que merecem um verda<strong>de</strong>iro estudo. Ele, <strong>de</strong> alguma forma<br />

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— só farei um breve comentário —, chama a atenção para uma coisa que apelida <strong>de</strong><br />

ternuma, que significa ‘terrorismo, nunca mais!’.<br />

Nessas reuniões abertas e <strong>de</strong>mocráticas, e não só no Congresso, mas em<br />

geral, como dizem as vítimas do período, às vezes são reconheci<strong>dos</strong> aqueles que a<br />

Deputada Bete Men<strong>de</strong>s reconheceu lá no Uruguai. Até pelo posicionamento, alguns<br />

fotógrafos <strong>de</strong>vem ter registrado esses fatos, quase sempre na posição <strong>de</strong> ver e<br />

nunca ser visto. A maioria <strong>de</strong>ssas reuniões <strong>de</strong>mocráticas são registradas e gravadas<br />

por <strong>de</strong>termina<strong>dos</strong> agentes, seja do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, da Polícia<br />

Militar ou da Polícia Civil. E, muitas vezes, as coisas se repetem lá no ternuma,<br />

como diz o Jarbas.<br />

Aqui, não sei, porque não conheço as pessoas. Mas há locais nos quais<br />

alguns amigos dizem assim: “Olha lá o <strong>tortura</strong>dor fulano! Eles bobearam e<br />

mandaram um cara conhecido para nos espionar.”<br />

Isso é muito comum por aí. Espero que não haja repetições <strong>de</strong> outras Betes<br />

Men<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> Brilhantes Ustras, como no Uruguai. Mas, <strong>de</strong> qualquer maneira, o<br />

enfoque <strong>de</strong>le foi brilhante, sem ser ‘Ustra’.<br />

Logo em seguida, o Cerezo fez uma colocação política da maior qualida<strong>de</strong>.<br />

Eu gostaria até <strong>de</strong> vê-lo e ouvi-lo mais. Ele é muito pon<strong>de</strong>rado, objetivo e nos ajudou<br />

muito nessa análise toda, sobretudo quando nos chama a atenção à realida<strong>de</strong><br />

histórica, e até para o caso <strong>de</strong> Honduras, para que esse país não repita diante <strong>de</strong><br />

seus vizinhos, através do ‘gran<strong>de</strong> império’, o triste papel do Brasil como primeira<br />

pedra <strong>de</strong> um longo dominó <strong>de</strong> ditaduras, <strong>tortura</strong>s e assassinatos! (Muito bem!<br />

Palmas.)<br />

Acho isso muito relevante, até porque o perdão com reconciliação, sim, para<br />

crimes políticos. Muitos <strong>dos</strong> que estavam no po<strong>de</strong>r só praticaram <strong>de</strong>litos políticos e<br />

<strong>de</strong>vem ser, por isso mesmo, também reconcilia<strong>dos</strong>.<br />

Agora, eu pergunto a uma das nossas consciências. O Prof. Comparato disse<br />

que sua cliente foi usada, sofreu toda sorte <strong>de</strong> humilhação e estupro, e isso não está<br />

em nenhuma legislação, nem na do Hitler! Quando, em Nurembergue, jogavam tudo<br />

para cima <strong>de</strong> Hitler, tentando escapar, o mundo não perdoou! Por quê? Porque<br />

aquilo era uma <strong>de</strong>cisão pessoal. Por isso até o Brasil, reconhecendo a<br />

imprescritibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>dos</strong> atos contra a humanida<strong>de</strong>, reconheceu e<br />

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<strong>de</strong>volveu. Outras pessoas foram sequestradas por agentes <strong>de</strong> países diferentes<br />

para respon<strong>de</strong>rem por um <strong>de</strong>lito imprescritível cometido em países que adotaram,<br />

como método <strong>de</strong> governo e massacre, o nazi-fascismo. Nós também o praticamos,<br />

aqui e em outros países vizinhos, como um triste dominó, para o qual o Brasil foi<br />

utilizado.<br />

Quando ele colocou a questão <strong>de</strong> Honduras, é para que Honduras não seja<br />

um minibrasil <strong>de</strong> amanhã. E quando o mundo foi buscar os <strong>tortura</strong>dores <strong>de</strong> crimes<br />

inafiançáveis e não anistiáveis, foi como mo<strong>de</strong>lo e exemplo daquilo que o professor<br />

reclamava, isto é, uma lição <strong>de</strong> ética e moral para a história futura.<br />

É preciso que to<strong>dos</strong> saibam que crime <strong>de</strong> estupro, tudo que se disse aqui...<br />

Mas nem tudo, como disse um <strong>dos</strong> interpeladores, foi terrorismo. O que é<br />

terrorismo? Quem praticou o terrorismo? Esse terrorismo <strong>de</strong> Estado que provocou,<br />

inicialmente, reações, às vezes, excessivas em alguns lugares? Mas o terrorismo foi<br />

implantado como instituição <strong>de</strong> Estado, e alguns <strong>dos</strong> executores estão sendo<br />

menciona<strong>dos</strong> aqui. E quem praticou o terrorismo? Até um Ministro, insuspeito, do<br />

STM, disse que constatou, num curto período <strong>de</strong> pouco mais <strong>de</strong> 1 ano, 38 atos <strong>de</strong><br />

terrorismo, até oficiosos. E eu me lembro, então eu era Deputado: quantas bancas<br />

<strong>de</strong> jornais foram explodidas pelo simples fato <strong>de</strong> exibirem um jornal que não era do<br />

agrado da ditadura! E as bombas que explodiram em casas <strong>de</strong> pessoas não por uma<br />

razão política, mas por ato <strong>de</strong> terrorismo puro! Esses atos <strong>de</strong> terrorismo foram<br />

pratica<strong>dos</strong> pelos terroristas oficiosos e, às vezes, até oficiais, como confessam por<br />

aí, aqui e ali — sei lá!<br />

Olha, tenho aqui um livro que já foi mencionado: Sem Vestígios, <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong><br />

uma moça, uma autora absolutamente insuspeita que até já esteve aqui <strong>de</strong>pondo.<br />

Ela disse: “Eu sou filha <strong>de</strong> um militar que era instrutor <strong>dos</strong> militares que participaram<br />

<strong>de</strong>sse período — não digo negro em respeito à cor — sangrento. Ela diz — está aqui<br />

— coisas que não é possível admitir, como sequestro. É o sequestro crime político?<br />

Nunca! Sequestro é crime comum! Eu fui sequestrado pela ousadia <strong>de</strong> ser<br />

advogado, como o foram Sobral Pinto, Heleno Fragoso, Evaristo <strong>de</strong> Moraes, George<br />

Tavares, Vivaldo Vasconcellos e tantos outros do Sul ao Norte do País. Isso é<br />

terrorismo! Isso não é crime comum! E uma série <strong>de</strong> crimes comuns aterrorizam o<br />

País.<br />

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O Fábio disse o que eu também passei. Quando ele diz que aquela moça que<br />

sofreu tudo isso e mais, que ele não quis dizer... Eu tive alguns assim também,<br />

como, por exemplo, a Dilma Alves, viúva <strong>de</strong> Mário Alves, que morreu sangrando lá<br />

<strong>de</strong>ntro do DOI-CODI para on<strong>de</strong> me levaram também. Ele morreu sangrando até com<br />

raspadura <strong>de</strong> animal — como é que se chama aquele negócio que raspa cavalo? Ele<br />

morreu sangrando, como inúmeras vítimas, pelo fato <strong>de</strong> ter sido um militante<br />

comunista, um jornalista <strong>de</strong> alto nível, mas militante comunista.<br />

Ela também disse: “Eu não quero receber uma in<strong>de</strong>nização sangrando na<br />

minha mão. Eu não quero entrar sequer com um pedido <strong>de</strong> anistia.” Se todas as<br />

vítimas diretas e indiretas entrassem com isso, o Dr. Paulo Abrão estaria soterrado<br />

sob uma montanha <strong>de</strong> pedi<strong>dos</strong>. No entanto, só há pouco mais <strong>de</strong> 60 mil. E eu ouso<br />

dizer: as vítimas não foram 60 mil. E eu disse isso a um general em <strong>de</strong>bate. Ele<br />

falava: “Não houve 300”. Eu disse a ele: “O senhor tem razão; não eram 300, não;<br />

eram 3 mi. Nem eram 30 mil, sequer 300 mil. Se quiser, fazemos uma aritmética<br />

simples, que eu sei fazer aqui agora, para verificar que o número foi muito superior a<br />

meio milhão <strong>de</strong> pessoas vítimas diretas e indiretas”. A maioria já morreu, é claro.<br />

Outros não querem, como a Dilma ou essa moça <strong>de</strong> São Paulo; não querem sujar as<br />

mãos com a lembrança <strong>de</strong> um sangue passado.<br />

A Rosa falou <strong>dos</strong> espiões, e nós temos constatado a presença <strong>de</strong>les em<br />

quase todas as reuniões. Se eles abrissem as <strong>de</strong>les, iríamos também — por que<br />

não? Acho até que é conveniente convidar alguns a essas sessões para que eles<br />

ouçam e, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ouvirem, <strong>de</strong>em suas opiniões ou contestem as nossas<br />

informações. Feito isso, a gente vê quem realmente merece ou não merece existir,<br />

porque, como se diz lá, preten<strong>de</strong>ndo-se excluir os chama<strong>dos</strong> subversivos, no fundo<br />

acabaram excluindo a si mesmos. Eles praticaram atos terroristas, eles assaltaram...<br />

Uma cliente <strong>de</strong> São Paulo, uma engenheira, teve a casa assaltada por oficiais<br />

enriqueci<strong>dos</strong> com alguns policiais. Como um <strong>de</strong>les estava montando casa, esse<br />

resolveu levar tudo no caminhão em que vinham. Chegaram até a <strong>de</strong>smontar a<br />

instalação elétrica, porque ela seria necessária na casa <strong>dos</strong><br />

sequestradores/<strong>tortura</strong>dores. Isso é crime político?! São ladrões comuns! São<br />

violadores da lei. Essa lei não permite sequestro. Houve represália a sequestros...<br />

Sequestros... Houve alguns, é verda<strong>de</strong>. Os embaixadores, sobretudo aqueles que<br />

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colaboraram com a ditadura, alguns <strong>de</strong>les foram sequestra<strong>dos</strong>, sim; mas não<br />

sofreram um tapa, um arranhão, e saíram <strong>de</strong> lá <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo os <strong>tortura</strong>dores como<br />

homens que respeitam os direitos humanos. E disseram que os trataram muito bem<br />

e que alegaram fatos que eles reconheciam como verda<strong>de</strong>iros. Eu cheguei a ouvir<br />

sobre o caso do Bucher, se não me engano, da Suíça, a seguinte opinião: “Esse<br />

cara é um homossexual que merece morrer”. Eu ouvi isso da parte <strong>de</strong> algumas<br />

pessoas em auditoria <strong>de</strong>ntro da Justiça, porque o homem era tênue, e na sua<br />

tenuida<strong>de</strong> reconheceu e publicou <strong>de</strong>pois — por isso foi mandado embora — que ele<br />

foi muito bem tratado por pessoas que alegaram questões verda<strong>de</strong>iras do<br />

nazi-fascismo brasileiro.<br />

Sequestro. Quem cometeu sequestro? Só esses poucos, pouquíssimos, mas<br />

que respeitaram a pessoa humana, e como forma <strong>de</strong> reação para salvar aqueles<br />

que estavam marca<strong>dos</strong> para morrer — e que morreriam caso não tivesse havido tal<br />

assalto preventivo para salvar vidas. Respeitaram a pessoa humana, respeitaram-na<br />

em tudo. Não houve um que tenha alegado ter sido maltratado.<br />

E o meu sequestro? E o sequestro <strong>dos</strong> advoga<strong>dos</strong>, quase to<strong>dos</strong> do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro? E o sequestro do Sobral Pinto, homem <strong>de</strong> quase 80 anos? E os <strong>de</strong> Heleno<br />

Fragoso, Vivaldo Vasconcellos, George Tavares, Evaristo <strong>de</strong> Moraes e tantos<br />

outros? foram sequestros legais? Prisão tem forma? Se alguém apresenta um<br />

mandado <strong>de</strong> prisão assinado por uma autorida<strong>de</strong> competente, por um juiz, tudo bem;<br />

você tem que ir. Mas, se ele vem no fim <strong>de</strong> semana, como o meu, que veio <strong>de</strong><br />

madrugada à minha casa para me levar à força pela minha ousadia <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r<br />

político... Porque isso nunca foi crime político em lugar nenhum do mundo, nem na<br />

Alemanha <strong>de</strong> Hitler. Mas aqui foi.<br />

Atentado pessoal. Não havia nem atentado pessoal. Havia eliminação liminar<br />

<strong>de</strong> pessoas que eram consi<strong>de</strong>radas opositoras ao po<strong>de</strong>r.<br />

Vai seguindo, seguindo, e há vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> falar muito mais, mas tenho <strong>de</strong><br />

finalizar. Não posso abusar.<br />

Paulo Abrão fez uma magnífica apresentação <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong> político-jurídica<br />

do Brasil tanto quanto o fez o professor que acabou <strong>de</strong> sair.<br />

Agora, to<strong>dos</strong> queremos a reconciliação, sim. São muitos, talvez a maioria.<br />

Aliás, é bom lembrar que a maioria não é <strong>de</strong> militares ou policiais <strong>tortura</strong>dores. Ao<br />

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contrário, a maioria é <strong>de</strong> militares e policiais <strong>tortura</strong><strong>dos</strong>. Quero repetir aqui, caso<br />

alguém não tenha ouvido, que nós temos acesso a listas <strong>de</strong> poucas centenas <strong>de</strong><br />

<strong>tortura</strong>dores assassinos sistemáticos, às vezes estimula<strong>dos</strong> ou apoia<strong>dos</strong> aqui e ali.<br />

As vítimas, inclusive militares, se contam às centenas. Se as Forças Armadas e o<br />

Governo brasileiro optarem por essa minoria <strong>tortura</strong>dora, ainda que alegando<br />

reconciliação, e ficarem do lado <strong>de</strong>ssa minoria, contra a gran<strong>de</strong> maioria <strong>de</strong> oficiais<br />

do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, da PM etc., então estarão escolhendo o<br />

lado errado da história, o lado errado da educação para o futuro. Se ficarem assim,<br />

esses mesmos “brilhantes” sequestradores e <strong>tortura</strong>dores seguramente tentarão <strong>de</strong><br />

novo. Porque, às vezes, nos mandam mensagens com ameaças — discretas<br />

algumas, ousadas outras — para o futuro: comportem-se bem e reconheçam que<br />

sou tão bom quanto todo o mundo, ou então o País po<strong>de</strong> sofrer.<br />

Que tentem e até consigam, mas não é possível que <strong>de</strong>mocratas, pessoas <strong>de</strong><br />

bem, que têm sensibilida<strong>de</strong> humana permitam <strong>de</strong> qualquer modo que se faça o<br />

ensinamento do golpe, da violação aos direitos humanos, da violação à vida e todo o<br />

elenco do art. 5º da Constituição, ao qual to<strong>dos</strong> estamos sujeitos: respeito à vida, à<br />

segurança, à liberda<strong>de</strong>, à igualda<strong>de</strong>, e tudo mais, até à proprieda<strong>de</strong>, num nível em<br />

que ela não violente a igualda<strong>de</strong> e os direitos humanos com dignida<strong>de</strong>.<br />

Se pensarmos assim, sei que haverá muito poucos a serem con<strong>de</strong>na<strong>dos</strong><br />

<strong>de</strong>ntre aqueles que nos <strong>tortura</strong>ram e mataram, mas haverá muitos mais daqueles<br />

que, dignos que eram, <strong>de</strong>nunciaram e até renunciaram a certos cargos por não<br />

concordarem com tudo isso que sabemos e dissemos aqui.<br />

Por outro lado, mesmo do ponto <strong>de</strong> vista técnico, o Paulo Abrão e o Prof.<br />

Kon<strong>de</strong>r Comparato mostraram que aqueles legisladores da Lei <strong>de</strong> Anistia, a qual<br />

estamos discutindo — e até gostei <strong>de</strong> constatar isso no Congresso —, nem sabem o<br />

que é crime conexo. E tentaram conectar alhos com bugalhos, tentando, na verda<strong>de</strong>,<br />

serem eles os beneficia<strong>dos</strong>, botando uma questão técnico-jurídica que eles não<br />

conheciam, não sabiam, não entendiam, nem sequer do ponto <strong>de</strong> vista doutrinário,<br />

nem <strong>de</strong> interpretação jurispru<strong>de</strong>ncial, nem nada!<br />

Então, acho assim: posso admitir que aquele meu sequestrador tinha o direito<br />

<strong>de</strong> me sequestrar <strong>de</strong> madrugada da minha casa. Aquele não, porque aquele era um<br />

grupo gran<strong>de</strong>. E daí se <strong>de</strong>sdobram muitas outras informações.<br />

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Esse é um problema que temos para nós agora, para os nossos filhos, netos<br />

e bisnetos <strong>dos</strong> nossos netos. É uma questão difícil. E isso não dá para reconciliar ao<br />

contrário, na medida em que você perdoa o assassino, dá a ele uma anistia prévia,<br />

geral e irrestrita pelo passado, presente e futuro, como foi essa lei que <strong>de</strong>u para o<br />

futuro. E o que aconteceu? Eles ficaram anistia<strong>dos</strong> pelo Rio-Centro, pelos 38 — só<br />

em Brasília! — crimes <strong>de</strong> terrorismo oficioso aqui em Brasília; se falarmos no Brasil<br />

todo serão centenas ou milhares.<br />

Essa é uma questão <strong>de</strong> vida ou morte.<br />

Nós, nem tanto. Eu, por exemplo, não tenho problema. Sou um octogenário,<br />

não tenho problema. Se eu morrer amanhã terei morrido com uma longevida<strong>de</strong><br />

maior que a do povo brasileiro, que tem 70 anos como média <strong>de</strong> longevida<strong>de</strong>, que já<br />

foi <strong>de</strong> 30 anos em outros tempos. Hoje ainda é <strong>de</strong> 30 anos na África pobre, enquanto<br />

é <strong>de</strong> 80 para 90 anos nos países ricos. Mas esse é outro <strong>de</strong>bate, é outra discussão<br />

que estimulamos.<br />

Mas — perdão pelo tempo excessivo — temos que repensar essa questão, o<br />

que vai ser bom para a história futura <strong>de</strong>ste País e até para as gerações atuais.<br />

Todo governo não gosta <strong>de</strong> problemas, prefere reconciliar. Mas tem que haver a<br />

inteligência <strong>de</strong>sta Comissão, que procura não misturar alhos com bugalhos, para<br />

não perdoar aqueles que quase sistematicamente praticaram crimes comuns, nunca<br />

políticos. Quero que sejam anistia<strong>dos</strong> aqueles, como eu vi alguns militares e policiais<br />

<strong>de</strong> quem recebia às vezes informações do DOI-CODI, da Polícia Fe<strong>de</strong>ral, da Polícia<br />

Militar, da Polícia Civil. Eram informações dizendo: “Olha, aqui está um cara, fulano<br />

<strong>de</strong> tal, que está sendo massacrado; se o senhor não correr ele vai morrer”. Isso<br />

significa o quê? Que <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do DOI-CODI, <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da Polícia Fe<strong>de</strong>ral e das<br />

polícias militares havia gente <strong>de</strong> bem, que talvez tenha feito alguma “prisãozinha”<br />

ilegal por or<strong>de</strong>m escrita... E eu dizia: or<strong>de</strong>m escrita <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> competente,<br />

porque, se ela não for evi<strong>de</strong>ntemente ilegal, você po<strong>de</strong> fazer; agora, se ela for ilegal,<br />

<strong>de</strong>scumpra a or<strong>de</strong>m do general, <strong>de</strong>scumpra a or<strong>de</strong>m do Presi<strong>de</strong>nte da República,<br />

ainda que por escrito, se ela for evi<strong>de</strong>ntemente ilegal.<br />

Mas a gente quase não conhece, senão aos <strong>de</strong><strong>dos</strong>, aqueles que se<br />

recusaram a praticar atos ilegais, sobretudo esses atos hedion<strong>dos</strong> que as ditaduras<br />

gostam <strong>de</strong> praticar.<br />

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Obrigado, e <strong>de</strong>sculpem-me. (Palmas.)<br />

A SRA. PRESIDE<strong>NT</strong>A (Deputada Emília Fernan<strong>de</strong>s) - Muito obrigada, Dr.<br />

Mo<strong>de</strong>sto da Silveira.<br />

Queremos, em nome <strong>dos</strong> integrantes da Comissão <strong>de</strong> Direitos Humanos e<br />

Minorias e da nossa Comissão <strong>de</strong> Participação Legislativa da <strong>Câmara</strong> <strong>dos</strong><br />

Deputa<strong>dos</strong>, agra<strong>de</strong>cer as pessoas que nos honraram compondo esta Mesa <strong>de</strong><br />

palestras e também a to<strong>dos</strong> que aqui participaram e nos assistiram.<br />

Cada vez mais temos a consciência que este tema é <strong>de</strong>safiador, é uma pauta<br />

não apenas do Brasil, mas mundial, um <strong>de</strong>bate que é do presente. Portanto to<strong>dos</strong><br />

nós, homens e mulheres, temos a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enfrentá-lo e fazer com que,<br />

cada vez mais, a verda<strong>de</strong>, a liberda<strong>de</strong> e a <strong>de</strong>mocracia estejam sempre presentes na<br />

pauta <strong>de</strong>ste nosso amado Brasil.<br />

Está encerrada a reunião. Muito obrigada! (Palmas.)<br />

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