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O desenvolvimento, na primeira metade do século XX, da ... - Unesp

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Universi<strong>da</strong>de Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”<br />

Campus de São Paulo<br />

Dalton Martins Soares<br />

O <strong>desenvolvimento</strong>, <strong>na</strong> <strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>, <strong>da</strong><br />

historiografia sobre a prática musical em São Paulo entre os<br />

<strong>século</strong>s XVI e XIX<br />

São Paulo/agosto/2007


Nome: Dalton Martins Soares<br />

Título: O <strong>desenvolvimento</strong>, <strong>na</strong> <strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>, <strong>da</strong> historiografia sobre a prática<br />

musical em são Paulo entre os <strong>século</strong>s XVI e XIX<br />

Linha de pesquisa: Abor<strong>da</strong>gens históricas, estéticas e educacio<strong>na</strong>is <strong>do</strong> processo de criação,<br />

transmissão e recepção <strong>da</strong> linguagem musical.<br />

Natureza: Dissertação apresenta<strong>da</strong> para a obtenção <strong>do</strong> título de Mestre em musicologia;<br />

Universi<strong>da</strong>de Estadual Paulista/ Instituto de Artes<br />

Orienta<strong>do</strong>r: Profº Drº Paulo Augusto Castag<strong>na</strong><br />

2


Nome: Dalton Martins Soares,<br />

Título: O <strong>desenvolvimento</strong>, <strong>na</strong> <strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>, <strong>da</strong> historiografia sobre a prática<br />

musical em São Paulo nos <strong>século</strong>s XVI a XIX.<br />

Natureza: dissertação de mestra<strong>do</strong> apresenta<strong>da</strong> ao programa de pós graduação <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />

Estadual Paulista – Instituto de Artes/IA-UNESP.<br />

3


Sumário<br />

Introdução ......................................................................................................................6<br />

1. O contexto geral <strong>do</strong> objeto: flagrantes <strong>do</strong> pensamento brasileiro............................12<br />

1.1 Pesquisa histórica no Brasil ........................................................................................13<br />

1.2 Pesquisas históricas sobre São Paulo <strong>na</strong> <strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>.....................15<br />

1.3 Considerações sobre o sistema intelectual brasileiro ...................................................17<br />

1.4 A procura <strong>do</strong> “caráter <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l”...................................................................................19<br />

1.5 .Os “forma<strong>do</strong>res” <strong>da</strong> <strong>na</strong>ção...........................................................................................21<br />

1.6 História e política..........................................................................................................23<br />

1.7 História e literatura.......................................................................................................25<br />

1.8 Tendências evolucionistas no pensamento brasileiro ..................................................27<br />

1.9 Tendências positivistas no pensamento brasileiro........................................................30<br />

1.10 Algumas considerações sobre o modernismo brasileiro ............................................35<br />

2. O objeto e seu contexto particular ..............................................................................38<br />

2.1 O objeto <strong>na</strong>s biografias..................................................................................................38<br />

2.2 O objeto <strong>na</strong>s “histórias <strong>da</strong> musica brasileira”................................................................41<br />

2.3 O objeto em trabalhos de compilação de informações..................................................43<br />

2.4 Considerações sobre os principais autores abor<strong>da</strong><strong>do</strong>s <strong>na</strong> pesquisa...............................44<br />

2.4.1 Guilherme de Mello .......................................................................................44<br />

2.4.2 Mário de Andrade...........................................................................................46<br />

2.4.3 Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong> .............................................................................................47<br />

2.4.4 João <strong>da</strong> Cunha Caldeira Filho ........................................................................48<br />

2.4.5 Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende ...........................................................................49<br />

2.4.6 Clóvis de Oliveira ...........................................................................................50<br />

2.5 Periódicos musicais no Brasil ........................................................................................51<br />

3. Os temas e as idéias em torno <strong>do</strong> objeto ......................................................................53<br />

3.1 Aspectos <strong>da</strong> historiografia musical sobre a atuação <strong>do</strong>s jesuítas ...................................54<br />

4


3.1.1 Cristianismo e civilização <strong>na</strong> historiografia sobre os jesuítas.........................55<br />

3.1.2 Evidências evolucionistas <strong>na</strong> historiografia musical sobre os jesuítas............57<br />

3.2 Aspectos <strong>da</strong> historiografia musical sobre André <strong>da</strong> Silva Gomes .................................62<br />

3.3 Aspectos <strong>da</strong> historiografia musical sobre Carlos Gomes ...............................................67<br />

3.3.1 O “embaixa<strong>do</strong>r sonoro”....................................................................................67<br />

3.3.2 O “cria<strong>do</strong>r” <strong>da</strong> musica brasileira .....................................................................69<br />

3.3.3 Crítica ao suposto <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo de Carlos Gomes..........................................73<br />

3.4 Aspectos <strong>da</strong> historiografia musical sobre Alexandre Levy............................................76<br />

3.5 Aspectos <strong>da</strong> historiografia musical sobre Henrique Oswald..........................................81<br />

3.6 Aspectos literários no objeto...........................................................................................84<br />

3.7 A historiografia ds “heróis”.............................................................................................87<br />

3.8 O impacto <strong>da</strong>s comemorações <strong>do</strong> IV Centenário <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção de São Paulo.................88<br />

3.9 O impacto <strong>do</strong> centenário de <strong>na</strong>scimento de Caros Gomes..............................................88<br />

3.10 O esboço de uma mu<strong>da</strong>nça paradigmática.....................................................................89<br />

4. Conclusões........................................................................................................................93<br />

5.Bibliografia........................................................................................................................95<br />

5


Introdução:<br />

O objeto deste trabalho é a historiografia, produzi<strong>da</strong> <strong>na</strong> <strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>,<br />

que versou sobre a prática musical em São Paulo entre os <strong>século</strong>s XVI e XIX. Entendemos por<br />

historiografia a produção em história e as idéias relacio<strong>na</strong><strong>da</strong>s a ela, cujo estu<strong>do</strong> aponta para a<br />

tentativa de se compreender as maneiras de se conceber o conhecimento histórico de determi<strong>na</strong><strong>do</strong><br />

perío<strong>do</strong> (FURAY; SALEVOURIS, 1988:233).<br />

A ativi<strong>da</strong>de musical em São Paulo não foi um objeto de pesquisas sistemáticas durante a<br />

<strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>, e assim, é pequeno o número de trabalhos que compõem a<br />

historiografia <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> em questão. A ausência de organização <strong>da</strong> pesquisa histórico-musical<br />

sistemática no Brasil em geral e os problemas <strong>da</strong> própria concepção <strong>da</strong> musicologia em nosso<br />

país enquanto discipli<strong>na</strong> <strong>do</strong> conhecimento determi<strong>na</strong>ram a criação de biografias e trabalhos<br />

históricos de caráter literário os quais envere<strong>da</strong>ram para o elogio e para a mera apresentação de<br />

fatos biográficos que permaneceram desarticula<strong>do</strong>s de seu contexto geral (OLIVEIRA, 1992:3-<br />

4). Outro problema enfrenta<strong>do</strong> pelos estudiosos <strong>da</strong> música brasileira em geral tem si<strong>do</strong> o<br />

desconhecimento, i<strong>na</strong>cessibili<strong>da</strong>de e desorganização de arquivos de <strong>do</strong>cumentos históricos<br />

musicais (DUPRAT, 1972:101-102), (OLIVEIRA, 1992:4).<br />

No entanto, é preciso lembrar que mesmo os estu<strong>do</strong>s históricos sistemáticos no Brasil não<br />

tiveram maior impulso crítico senão antes de 1930, com a produção <strong>da</strong> academia ofuscan<strong>do</strong> os<br />

antigos Institutos Históricos (MESGRAVIS, 1998:39). Além disso, conforme afirmou José<br />

Ribeiro <strong>do</strong> Amaral Lapa:<br />

“... os estu<strong>do</strong>s sobre as obras de História e sua significação foram, durante muito<br />

tempo no Brasil, competência <strong>do</strong>s cultores de Literatura. Explica-se tal<br />

ocorrência, uma vez que a História era considera<strong>da</strong> simplesmente um gênero<br />

literário” (LAPA, 1985:49).<br />

Apesar disso, conforme apontou Antonio Alexandre Bispo, acreditava-se estar <strong>na</strong> fase<br />

inicial <strong>da</strong> musicologia no Brasil, e havia razões para se crer neste fato:<br />

6


“... o Conservatório Nacio<strong>na</strong>l de Música havia si<strong>do</strong> integra<strong>do</strong> ple<strong>na</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />

<strong>do</strong> Brasil, criavam-se as cadeiras de folclore e de História <strong>da</strong> Música,<br />

organizavam-se discotecas públicas, bibliotecas especializa<strong>da</strong>s, arquivos e<br />

museus, patroci<strong>na</strong>vam-se publicações, gravações, viagens de pesquisas,<br />

concursos, concursos de monografias e congressos” (BISPO, 1983:19).<br />

De qualquer mo<strong>do</strong>, ain<strong>da</strong> não foram feitos estu<strong>do</strong>s sobre a história <strong>da</strong> historiografia no<br />

Brasil, senão de forma incipiente, conforme apontou Nilo Odália: “Falta-nos, sem dúvi<strong>da</strong>, uma<br />

história <strong>da</strong> historiografia, que poderia servir como uma ponte entre o que se faz e o que se fez”<br />

(ODÁLIA, 1997: 11).<br />

Vale destacar alguns aspectos <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s <strong>da</strong> historiografia a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s para este trabalho,<br />

segun<strong>do</strong> a concepção de que:<br />

“Estu<strong>do</strong>s de historiografia supõem o julgamento <strong>da</strong> obra de História, não ape<strong>na</strong>s<br />

com o trabalho de inspiração individual, mais ou menos bem-sucedi<strong>do</strong>, mas<br />

também com resulta<strong>do</strong> intelectual <strong>do</strong> confronto <strong>da</strong>s concepções que uma<br />

socie<strong>da</strong>de tem sobre si mesma em um determi<strong>na</strong><strong>do</strong> momento vivi<strong>do</strong> de seu<br />

percurso [...] Explicar, compreender a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des e registrar os<br />

acontecimentos presentes e passa<strong>do</strong>s foram sempre o objetivo mais aparente <strong>da</strong><br />

historiografia. Entretanto, essas ações são impeli<strong>da</strong>s pela busca, sempre<br />

renova<strong>da</strong>. Dos elementos constitutivos de uma identi<strong>da</strong>de coletiva que se articula<br />

dialeticamente com o campo abrangente <strong>da</strong>s relações político-sociais”<br />

(JANOTTI, 1998:119).<br />

Segun<strong>do</strong> José Honório Rodrigues, a historiografia de uma época está intimamente liga<strong>da</strong><br />

às idéias e as características <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de que a produziu, segun<strong>do</strong> nela onde “... se refletem os<br />

problemas <strong>da</strong> própria <strong>na</strong>ção e <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de” (RODRIGUES, 1978:28). Da mesma maneira,<br />

segun<strong>do</strong> o autor, o mo<strong>do</strong> como os historiógrafos comunicam certa reali<strong>da</strong>de a seus leitores está<br />

intimamente relacio<strong>na</strong><strong>do</strong> às experiências, opções, objetivos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de de que fazem parte<br />

(RODRIGUES, 1978:32).<br />

Ten<strong>do</strong> em vista tais considerações, o objetivo deste trabalho é tentar compreender o<br />

<strong>desenvolvimento</strong>, <strong>na</strong> <strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>, <strong>da</strong> historiografia relacio<strong>na</strong><strong>da</strong> à prática<br />

musical em São Paulo entre os <strong>século</strong>s XVI e XIX, e deste mo<strong>do</strong>, refletir sobre as opiniões<br />

correntes em relação a seus varia<strong>do</strong>s temas. Dentre as questões que orientam o trabalho<br />

destacamos:<br />

7


• Seria possível explicar os conteú<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s textos produzi<strong>do</strong>s <strong>na</strong> <strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong><br />

<strong>século</strong> <strong>XX</strong> sobre a história prática musical em São Paulo entre os <strong>século</strong>s XVI e XIX a<br />

partir <strong>do</strong> contexto em que se inserem?<br />

Partin<strong>do</strong> de pressupostos semelhantes ao acima descritos alguns musicólogos têm<br />

chegan<strong>do</strong> a interessantes conclusões as quais evidenciam a questão <strong>da</strong> estreita conexão entre<br />

historiografia e socie<strong>da</strong>de. James Garrat, por exemplo, demonstra que as <strong>primeira</strong>s evocações de<br />

uma “ver<strong>da</strong>deira” música sacra pelos estudiosos alemães <strong>do</strong> início <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX, nos primórdios<br />

<strong>do</strong> movimento romântico, ocorrem simultaneamente à polêmica contra a cultura liga<strong>da</strong> ao<br />

Iluminismo (GARRAT, 2000:170). Karen Painter por sua vez afirma que as biografias foram o<br />

manual pe<strong>da</strong>gógico mais acessível em relação à divulgação <strong>da</strong>s idéias abstratas <strong>da</strong> estética<br />

musical à ascendente burguesia alemã <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX (PAINTER, 2002:187).<br />

Outros conceitos orientam a pesquisa:<br />

• história <strong>da</strong> musicologia, ou seja, a “... utilização <strong>do</strong>s critérios meto<strong>do</strong>lógicos <strong>da</strong> história<br />

aplica<strong>do</strong>s ao estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>desenvolvimento</strong> <strong>da</strong> pesquisa musicológica” (CASTAGNA, 2004:2)<br />

• pensamento brasileiro, a saber, a produção intelectual <strong>do</strong> Brasil e suas relações com a<br />

socie<strong>da</strong>de brasileira (LAPA, 1985:23).<br />

Outra importante concepção teórica <strong>do</strong> trabalho é a idéia <strong>da</strong> “subjetivi<strong>da</strong>de histórica”, ou<br />

seja, a impossibili<strong>da</strong>de de se construir uma história objetiva, basea<strong>da</strong> <strong>na</strong> procura de <strong>da</strong><strong>do</strong>s<br />

supostamente “positivos” encontra<strong>do</strong>s em <strong>do</strong>cumentos ema<strong>na</strong><strong>do</strong>s de instituições oficiais como a<br />

Igreja e o Esta<strong>do</strong>. Portanto, a subjetivi<strong>da</strong>de de quem escreve a história, sua ideologia, seus<br />

vínculos a determi<strong>na</strong><strong>do</strong>s grupos e ativi<strong>da</strong>des profissio<strong>na</strong>is, devem ser, portanto, considera<strong>do</strong>s <strong>na</strong><br />

compreensão de determi<strong>na</strong><strong>da</strong> produção intelectual. Segun<strong>do</strong> Peter Burke: “Nossas mentes não<br />

refletem diretamente a reali<strong>da</strong>de. Só percebemos o mun<strong>do</strong> através de uma estrutura de<br />

convenções, esquemas e estereótipos, um entrelaçamento que varia de uma cultura para outra”<br />

(BURKE, 1992:15).<br />

Um <strong>do</strong>s motivos para utilizarmos uma fun<strong>da</strong>mentação teórica advin<strong>da</strong> <strong>da</strong> discipli<strong>na</strong><br />

história reside no fato não havermos estabeleci<strong>do</strong>, <strong>na</strong> musicologia brasileira, ao menos de<br />

maneira sistemática, o debate em torno <strong>da</strong> escrita <strong>da</strong> história musical no Brasil. Por este motivo,<br />

8


ain<strong>da</strong> não se produziu um montante significativo de material teórico sobre o assunto que pudesse<br />

eventualmente orientar os trabalhos que vão surgin<strong>do</strong>. Pelo mesmo fato, os trabalhos atuais ain<strong>da</strong><br />

assumem um caráter especulativo e deman<strong>da</strong>m enormemente de uma base essencialmente<br />

empírica.<br />

Quanto ao méto<strong>do</strong> a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> para o trabalho, este segue os seguintes passos: em primeiro<br />

lugar, o objeto foi compreendi<strong>do</strong> a partir de aspectos externos e aspectos internos, ou seja,<br />

através de elementos provenientes de seu contexto e de seu conteú<strong>do</strong> textual. Além disso,<br />

denomi<strong>na</strong>mos elementos externos <strong>do</strong> objeto aqueles que se referem a seu contexto, e por outro<br />

la<strong>do</strong>, denomi<strong>na</strong>mos elementos internos <strong>do</strong> objeto aqueles que se referem a seus aspectos textuais.<br />

Compreendi<strong>do</strong> desta maneira, decompomos o objeto em seus diversos elementos para,<br />

posteriormente, realizarmos uma análise histórica onde se buscará a inter-relação dessas vários<br />

elementos. Assim, a dissertação foi organiza<strong>da</strong> <strong>da</strong> seguinte maneira:<br />

• No primeiro capítulo é estu<strong>da</strong><strong>do</strong> o contexto geral <strong>do</strong> objeto, ou seja, diversos aspectos<br />

<strong>do</strong> pensamento brasileiro entre fins <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX e início <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>.<br />

• No segun<strong>do</strong> capítulo é estu<strong>da</strong><strong>do</strong> o contexto particular <strong>do</strong> objeto. Cabe aqui<br />

exami<strong>na</strong>rmos o que se publicou, quem escreveu, onde se publicou, que fatores motivaram<br />

as publicações, que referências tinham os autores sobre o que escreviam, o que estes<br />

entendiam por pesquisa histórico-musical, a quais leitores eram desti<strong>na</strong><strong>do</strong>s seus escritos.<br />

• No terceiro capítulo é estu<strong>da</strong><strong>do</strong> o conteú<strong>do</strong> textual <strong>do</strong> objeto em articulação com os<br />

capítulos precedentes, buscan<strong>do</strong> as similari<strong>da</strong>des e diferenças entre os vários aspectos<br />

levanta<strong>do</strong>s. Neste capítulo tenta-se realizar uma síntese <strong>do</strong> discurso e <strong>da</strong>s idéias<br />

comunica<strong>da</strong>s pelos historiógrafos sobre os diversos temas relacio<strong>na</strong><strong>do</strong>s ao objeto em<br />

questão. Tal interpretação será realiza<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong> observação <strong>da</strong>s relações entre os<br />

elementos externos e internos <strong>do</strong> objeto, ou seja, entre seu contexto e seu conteú<strong>do</strong><br />

textual.<br />

Por considerarmos necessário compreender o <strong>na</strong>sce<strong>do</strong>uro, no <strong>século</strong> XIX, de certas idéias<br />

que perdurarão no pensamento brasileiro durante o <strong>século</strong> <strong>XX</strong> (por exemplo, o evolucionismo e o<br />

9


positivismo), recuamos o estu<strong>do</strong> <strong>da</strong>s tendências <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira para o ano de 1870, em<br />

razão de que, por esta época, começam a surgir novos questio<strong>na</strong>mentos sobre a reali<strong>da</strong>de social<br />

brasileira e como a busca pela resolução de suas contradições e a compreensão de sua identi<strong>da</strong>de<br />

(BRASIL. CONGRESSO; CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1981:3).<br />

Vale lembrar que vários intelectuais que produziram entre fins <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX e início <strong>do</strong><br />

<strong>século</strong> <strong>XX</strong> fazem uso de “... parâmetros interpretativos vicia<strong>do</strong>s pelo etnocentrismo e por<br />

conceitos sistemáticos predetermi<strong>na</strong><strong>do</strong>s” (DIAS, 1998:58). Tor<strong>na</strong>-se corrente o uso no perío<strong>do</strong><br />

de conceitos como “raça” e “meio”, onde, o português é interpreta<strong>do</strong> como um indivíduo de uma<br />

raça “superior”, “evoluí<strong>da</strong>”; por sua vez, o índio e o negro são considera<strong>do</strong>s membros de uma<br />

raça “inferior”, “primitiva”, “selvagem” etc. É a partir desse contexto que empregamos aqui tais<br />

noções neste.<br />

Quanto às fontes utiliza<strong>da</strong>s constituem-se de escritos produzi<strong>do</strong>s <strong>na</strong> <strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong><br />

<strong>século</strong> <strong>XX</strong>, e que trataram sobre a prática musical em São Paulo entre os <strong>século</strong>s XVI e XIX.<br />

Grande parte desses escritos constitui-se de biografias sobre compositores liga<strong>do</strong>s à região, que<br />

se encontram em uma série de publicações, <strong>da</strong>s quais, selecio<strong>na</strong>mos os quais consideramos os<br />

mais representativos, cujo critério foi a projeção <strong>da</strong> obra em seu contexto, além <strong>da</strong> relevância e<br />

influência <strong>do</strong> autor em seu meio. Assim, destacamos os seguintes trabalhos:<br />

1- A música no Brasil, de Guilherme de Melo.<br />

2- História <strong>da</strong> Música Brasileira e Compêndio de História <strong>da</strong> Música<br />

Brasileira, de Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong>.<br />

3- História breve <strong>da</strong> música no Brasil e Temas de música Brasileira, de Gastão<br />

de Bittencourt.<br />

4- Cronologia Musical Paulista, Tradições musicais <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Direito<br />

de São Paulo e Fragmentos para uma história <strong>da</strong> música de São Paulo, de<br />

Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende.<br />

5- André <strong>da</strong> Silva Gomes, o regente <strong>do</strong> coro <strong>da</strong> Sé de São Paulo, de Clóvis de<br />

Oliveira.<br />

6- A música em São Paulo, de João <strong>da</strong> Cunha Caldeira Filho.<br />

7 -O regente <strong>do</strong> coro <strong>da</strong> Sé (1938) de Nuto Santa<strong>na</strong>.<br />

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Além destes trabalhos há outros que, embora de um alcance mais limita<strong>do</strong>, também serão<br />

considera<strong>do</strong>s <strong>na</strong> pesquisa. Dentre esses destacamos:<br />

1) Dois meninos prodígio em São Paulo e O compositor d’O Guarany, de Carlos<br />

pentea<strong>do</strong> de Resende.<br />

2) Antônio Carlos Gomes: a estrela musical <strong>do</strong> cruzeiro <strong>do</strong> sul, de Arthur de<br />

Mace<strong>do</strong>.<br />

3) Um <strong>século</strong> de música brasileira (1922) de José Rodrigues Barbosa.<br />

A principal justificativa para este trabalho é o fato de que ele propõe uma reflexão a<br />

respeito <strong>da</strong>s relações entre as tendências <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira e sua historiografia musical, sob<br />

o exemplo <strong>da</strong> historiografia <strong>da</strong> música de São Paulo. Vale lembrar que o número de trabalhos que<br />

se propõem à reflexão sobre o assunto é pequeno, fato que não chega a se configurar como um<br />

problema exclusivo <strong>da</strong> musicologia histórica brasileira, como se desse anteriormente<br />

(OLIVEIRA, 1992:9), (ODÁLIA, 1997:11).<br />

Deste mo<strong>do</strong>, a não compreensão <strong>do</strong> <strong>desenvolvimento</strong> histórico de nossa historiografia<br />

musical pode nos condicio<strong>na</strong>r a idéias e opiniões equivoca<strong>da</strong>s sobre a história música brasileira,<br />

além disso, nos induzir ao hábito de não refletir sobre a adequação <strong>do</strong>s procedimentos<br />

emprega<strong>do</strong>s no estu<strong>do</strong> <strong>da</strong> música brasileira. Por fim, feito este estu<strong>do</strong>, se poderia contribuir para<br />

o avanço <strong>da</strong> compreensão e <strong>desenvolvimento</strong> <strong>da</strong> historiografia musical no Brasil, bem como <strong>do</strong>s<br />

problemas relacio<strong>na</strong><strong>do</strong>s à escrita <strong>da</strong> história <strong>da</strong> música brasileira.<br />

Outra questão ao nosso ver tor<strong>na</strong> pertinente este estu<strong>do</strong>. Desde o início <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>, São<br />

Paulo lidera o movimento de modernização e industrialização <strong>do</strong> Brasil. São realiza<strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s<br />

históricos sobre o papel <strong>da</strong> vila, <strong>da</strong> província e <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> paulista <strong>na</strong> história <strong>do</strong> Brasil, nos quais<br />

transparece, ao nosso ver, a tentativa de se construir uma imagem positiva <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> de São<br />

Paulo, determi<strong>na</strong>n<strong>do</strong> assim a sua contribuição <strong>na</strong> história <strong>do</strong> Brasil.<br />

No entanto, ao contrário de outros esta<strong>do</strong>s brasileiros que já possuíam seus compositores<br />

mais antigos consagra<strong>do</strong>s - por exemplo, Caetano de Mello de Jesus <strong>na</strong> Bahia e José Maurício<br />

Nunes Garcia no Rio de Janeiro - não havia evidências de uma ativi<strong>da</strong>de musical sistemática em<br />

São Paulo antes de mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX, e assim, o mais antigo compositor “ilustre” liga<strong>do</strong> a<br />

11


São Paulo é Carlos Gomes, segui<strong>do</strong> de Alexandre Levy e Henrique Oswald. Portanto, não havia<br />

nenhum que teria atua<strong>do</strong> durante o perío<strong>do</strong> colonial.<br />

Em 1930 foram encontra<strong>do</strong>s, por Fúrio Franceschini, manuscritos de André <strong>da</strong> Silva<br />

Gomes, compositor que teria atua<strong>do</strong> em São Paulo em fins <strong>do</strong> <strong>século</strong> XVIII e início <strong>do</strong> <strong>século</strong><br />

XIX. Este compositor, alvo de biografias, foi considera<strong>do</strong> o fun<strong>da</strong><strong>do</strong>r <strong>do</strong> coro <strong>da</strong> Sé de São Paulo,<br />

e ain<strong>da</strong>, o mais antigo músico de valor que teria atua<strong>do</strong> em São Paulo. Enfim, mesmo haven<strong>do</strong><br />

<strong>na</strong>quele momento um número bastante reduzi<strong>do</strong> de peças musicais suas conheci<strong>da</strong>s, Silva Gomes<br />

parecia ter si<strong>do</strong> escolhi<strong>do</strong> o “grande mestre” <strong>da</strong> arte <strong>da</strong> música presente em São Paulo. Porém, em<br />

mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s anos de 1940, Curt Lange encontra ricos acervos musicais de compositores mineiros,<br />

despertan<strong>do</strong> grande interesse pela produção musical entorno <strong>do</strong> ciclo <strong>do</strong> ouro, e evidencian<strong>do</strong> de<br />

uma vez por to<strong>da</strong>s a modéstia <strong>da</strong> produção de São Paulo, e em conseqüência disso, a modéstia <strong>da</strong><br />

contribuição musical <strong>na</strong> formação <strong>da</strong> história <strong>da</strong> música brasileira.<br />

Outro fator importante a se considerar é fato de que, <strong>na</strong>s <strong>primeira</strong>s déca<strong>da</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>,<br />

certos parâmetros interpretativos de caráter etnocêntrico começavam a ser suplanta<strong>do</strong>s por uma<br />

interpretação antropológica <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> no conceito de “cultura” (LEITE, 2002:52).<br />

Além disso: “O processo de urbanização que concentrou <strong>na</strong>s ci<strong>da</strong>des as populações regio<strong>na</strong>is<br />

rurais, contribuiu indiretamente para transformar parâmetros interpretativos vicia<strong>do</strong>s pelo<br />

etnocentrismo e por conceitos sistemáticos predetermi<strong>na</strong><strong>do</strong>s” (DIAS, 1998:58).<br />

O que tentaremos demonstrar é que tais questões, ao nosso ver, se relacio<strong>na</strong>m diretamente<br />

ao objeto no senti<strong>do</strong> de determi<strong>na</strong>r, de certo mo<strong>do</strong>, as considerações <strong>do</strong>s autores sobre os<br />

diferentes assuntos trata<strong>do</strong>s pela historiografia em questão.<br />

1. O contexto geral <strong>do</strong> objeto: flagrantes <strong>do</strong> pensamento brasileiro<br />

O capítulo que se segue pretende discutir sobre o contexto geral <strong>do</strong> objeto, ou seja, sobre<br />

alguns pontos <strong>do</strong> pensamento brasileiro <strong>do</strong> fi<strong>na</strong>l <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX e início <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>. Com ele<br />

temos o intuito de compreender o contexto em que começam a surgir sistematicamente reflexões<br />

e interpretações, conceitos e idéias sobre a socie<strong>da</strong>de brasileira, os quais, posteriormente, poderão<br />

12


se tor<strong>na</strong>r úteis <strong>na</strong> compreensão <strong>da</strong> produção historiográfico-musical dedica<strong>da</strong> à São Paulo e<br />

produzi<strong>da</strong> <strong>na</strong> <strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>.<br />

Faz-se necessário concentrarmo-nos <strong>na</strong> discussão de certos temas relacio<strong>na</strong><strong>do</strong>s ao<br />

pensamento brasileiro desde o fi<strong>na</strong>l <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX, os quais, ao nosso ver, são essenciais para o<br />

estu<strong>do</strong> <strong>da</strong> história <strong>da</strong> historiografia musical brasileira uma vez que serviram de base, em maior ou<br />

menor medi<strong>da</strong>, para várias visões de mun<strong>do</strong> consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s pelos textos de história.<br />

Tais temas estão relacio<strong>na</strong><strong>do</strong>s, em geral, a busca por uma compreensão crítica <strong>da</strong><br />

reali<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> formação e <strong>do</strong> papel <strong>da</strong> nova república brasileira no cenário inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l que se<br />

formava com o fim <strong>da</strong>s antigas aristocracias. Para Re<strong>na</strong>to Ortiz, este é um debate que se constitui<br />

“... uma espécie de sub-solo estrutural que alimenta to<strong>da</strong> a discussão sobre o que é o <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l”<br />

(ORTIZ, 1985:7).<br />

Assim, faremos a seguir uma exposição de certos temas considera<strong>do</strong>s relevantes para uma<br />

maior compreensão <strong>do</strong> objeto, os quais, em maior ou menor medi<strong>da</strong>, têm como ponto em comum<br />

a discussão sobre a história e sobre o “<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l” em nosso país.<br />

1.1 Pesquisa histórica no Brasil<br />

Segun<strong>do</strong> José Honório Rodrigues, a pesquisa histórica sistemática no Brasil surgiu com<br />

a fun<strong>da</strong>ção <strong>do</strong> Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (RODRIGUES, 1969:37). Este foi<br />

inspira<strong>do</strong> pelos princípios lança<strong>do</strong>s pela escola alemã, que desenvolveu o que havia de mais<br />

atualiza<strong>do</strong> em termos de meto<strong>do</strong>logia histórica <strong>na</strong>quele momento, ou seja, a procura, compilação,<br />

classificação e publicação de <strong>do</strong>cumentos históricos ema<strong>na</strong><strong>do</strong>s de instituições “oficiais”, como o<br />

governo e a Igreja (RODRIGUES, 1969:37).<br />

De acor<strong>do</strong> com José Honório Rodrigues, os pesquisa<strong>do</strong>res de história brasileiros já<br />

haviam aban<strong>do</strong><strong>na</strong><strong>do</strong> a mera compilação de fatos e notícias antes mesmo <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>ção <strong>do</strong> Instituto<br />

Histórico, no entanto, em razão <strong>do</strong> caráter ocasio<strong>na</strong>l e individualista que então caracterizava a<br />

ativi<strong>da</strong>de, tais contribuições não se constituíram uma tentativa de sistematização e organização <strong>do</strong><br />

trabalho <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r e <strong>do</strong> tratamento <strong>da</strong>s fontes. Coube assim ao Instituto Histórico esta tarefa:<br />

13


“... se o méto<strong>do</strong> histórico baseia-se essencialmente <strong>na</strong> consulta às fontes escritas<br />

origi<strong>na</strong>is e <strong>na</strong>s tarefas críticas auxiliares, então, não há como negar que os<br />

fun<strong>da</strong><strong>do</strong>res <strong>do</strong> Instituto histórico deram ao seu trabalho, desde o início, a<br />

orientação impecável” (RODRIGUES, 1969:38).<br />

Esta mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de pesquisa histórica exigiu como priori<strong>da</strong>de a procura e centralização de<br />

vários <strong>do</strong>cumentos dispersos pelas províncias e considera<strong>do</strong>s interessantes para o estu<strong>do</strong> <strong>da</strong><br />

história e <strong>da</strong> geografia <strong>do</strong> Brasil. Esta orientação se manifesta nos Estatutos <strong>do</strong> Instituto Histórico<br />

bem como <strong>na</strong>s <strong>primeira</strong>s propostas encaminha<strong>da</strong>s por seus membros. Na sessão de 15 de<br />

dezembro de 1838, por exemplo, surge a <strong>primeira</strong> iniciativa de pesquisa no estrangeiro, por<br />

Rocha Cabral, o qual pleiteava que se empregasse to<strong>do</strong> o esforço para vir de Portugal<br />

<strong>do</strong>cumentos importantes que lá deviam existir sobre o Brasil. José Silvestre Rebelo, por sua vez,<br />

em seção de 7 de junho de 1839, propunha que se enviasse um adi<strong>do</strong> à Espanha e outros países<br />

“... afim de copiar os manuscritos importantes que ali existissem, relativos ao Brasil”<br />

(RODRIGUES, 1978:39).<br />

Este movimento de compilação e organização <strong>do</strong>cumental motivou a criação de trabalhos<br />

gerais sobre a história <strong>do</strong> Brasil, sen<strong>do</strong> uma <strong>da</strong>s mais significativas contribuições deste perío<strong>do</strong> a<br />

História Geral <strong>do</strong> Brasil (1854) de Francisco A<strong>do</strong>lfo Varnhagen (RODRIGUES, 1978:39).<br />

Segun<strong>do</strong> Nilo Odália, este trabalho demonstra o esforço <strong>do</strong> autor de identificar em diversos<br />

momentos <strong>do</strong> país os prenúncios <strong>da</strong> “uni<strong>da</strong>de <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l”. Segun<strong>do</strong> o autor, em Varnhagen o “...<br />

pensamento burguês brasileiro encontrou o espírito que [...] conseguiu realizar uma síntese<br />

admirável <strong>do</strong>s ideais e objetivos <strong>da</strong>s classes dirigentes que tomaram a seu cargo a construção <strong>da</strong><br />

Nação” (ODÁLIA, 1997:24). Varnhagen foi eleito sócio correspondente <strong>do</strong> Instituto Histórico<br />

em 1840, e a partir de então realizou pesquisas em São Paulo, Santos, São Vicente, Portugal e<br />

Espanha. Tornou-se adi<strong>do</strong> de <strong>primeira</strong> classe em Lisboa no ano de 1842 (RODRIGUES,<br />

1963:44).<br />

Na transição <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX para o <strong>século</strong> <strong>XX</strong> a iniciativa <strong>do</strong> Governo através <strong>do</strong> Instituto<br />

Histórico e Geográfico deixou de existir, limitan<strong>do</strong>-se a pesquisa histórica em nosso país “... a<br />

trabalhos especiais e de circunstância” (RODRIGUES, 1969:92). Neste momento, nossos<br />

historia<strong>do</strong>res necessitavam de novas fontes ou de peças já referi<strong>da</strong>s por outros historia<strong>do</strong>res, mas<br />

nunca obti<strong>da</strong>s em cópias integrais, ou ain<strong>da</strong>, estavam desconfia<strong>do</strong>s <strong>da</strong> autentici<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s cópias<br />

existentes. Sem a iniciativa <strong>do</strong> Instituto Histórico e Geográfico, tais estudiosos precisaram<br />

14


ecorrer a amigos <strong>na</strong> Europa, e muitas vezes, tiveram de pagar com seus próprios recursos novas<br />

pesquisas (RODRIGUES, 1969:93).<br />

“Deste mo<strong>do</strong>, qualquer estudioso brasileiro, ver<strong>da</strong>deiramente consciente <strong>do</strong>s<br />

problemas, dúvi<strong>da</strong>s e questões que afloravam no campo <strong>da</strong> investigação histórica,<br />

cui<strong>da</strong>va de realizar, pelo seu próprio esforço e às suas custas, o que fosse<br />

necessário” (RODRIGUES, 1969:93).<br />

Neste momento, foi de crucial importância a iniciativa individual de homens como o<br />

Visconde <strong>do</strong> Rio Branco, Capistrano de Abreu, Afonso d’Escragnolle Tau<strong>na</strong>y, Alberto Lamego,<br />

entre outros, que vasculharam arquivos <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, esgotan<strong>do</strong>-lhes as fontes<br />

primordiais e a bibliografia existente (RODRIGUES, 1969:93).<br />

Deste mo<strong>do</strong>, até que a história se tor<strong>na</strong>sse uma discipli<strong>na</strong> acadêmica, que ocorreu a partir<br />

<strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1930 (JANOTTI, 1998:39), a pesquisa histórica no Brasil foi entendi<strong>da</strong> nos moldes<br />

positivistas de compilação, sistematização e publicação de fatos e notícias organiza<strong>do</strong>s<br />

cronologicamente.<br />

1.2 Pesquisas históricas sobre São Paulo no início <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong><br />

Podemos observar a partir de fins <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX, e mais pronuncia<strong>da</strong>mente desde o início<br />

<strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>, um aumento <strong>da</strong>s publicações sobre os mais varia<strong>do</strong>s aspectos <strong>da</strong> história de São<br />

Paulo. Dentre as publicações que confirmam este fenômeno destacamos as que seguem:<br />

1) Quadro histórico <strong>da</strong> província de São Paulo, até o ano de 1822 (1897), por<br />

José Joaquim Macha<strong>do</strong> de Oliveira.<br />

2) A igreja <strong>do</strong> Colégio <strong>da</strong> capital de São Paulo (1897), por Antônio de Tole<strong>do</strong><br />

Piza.<br />

3) As capelas de Araçariguama e seus fun<strong>da</strong><strong>do</strong>res, notas de história eclesiástica<br />

(1916), por Augusto Siqueira.<br />

4) Vi<strong>da</strong> e morte <strong>do</strong> bandeirante (1929), de José de Alcântara Macha<strong>do</strong> de<br />

Oliveira.<br />

15


5) História seiscentista <strong>da</strong> villa de São Paulo (1929-1930), por Alfonso de<br />

Escragnolle Tau<strong>na</strong>y.<br />

6) História <strong>da</strong> vila de São Paulo no <strong>século</strong> XVIII (1701-1711) (1931), por Alfonso<br />

de Escragnolle Tau<strong>na</strong>y<br />

7) O forte de São Tiago de Bertioga (1937), por Alfonso de Escragnolle Tau<strong>na</strong>y.<br />

8) Rótulas e mantilhas: evocações <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> paulista (1932), de Edmun<strong>do</strong><br />

Amaral.<br />

9) A casinha de palha <strong>do</strong> padre Anchieta (1940), por Assis Cintra.<br />

10) A igreja <strong>do</strong>s Remédios (1937), de Nuto Santa<strong>na</strong>.<br />

11) São Paulo Histórico (1938), de Nuto Santa<strong>na</strong>.<br />

12) A capela de Santo Antônio (1937), de Mário de Andrade (MORAES, 1998).<br />

É notório neste perío<strong>do</strong> o fato de que vários <strong>do</strong>cumentos históricos foram publica<strong>do</strong>s pelo<br />

Arquivo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de São Paulo, como por exemplo, as Atas e os Registros Gerais <strong>da</strong>s câmaras<br />

<strong>da</strong>s vilas de São Paulo e Santo André <strong>da</strong> Bor<strong>da</strong> <strong>do</strong> Campo, a série Documentos Interessantes para<br />

a história e costumes de São Paulo, demonstran<strong>do</strong> uma preocupação com a organização de fontes<br />

históricas sobre São Paulo.<br />

Outros trabalhos confirmam esse interesse pela história de outros aspectos <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> de<br />

São Paulo, como as histórias <strong>da</strong>s bandeiras e <strong>do</strong>s bandeirantes, sobre os costumes <strong>do</strong>s habitantes<br />

<strong>da</strong> vila de São Paulo, sobre sua arquitetura local etc (MORAES, 1998). Além disso, ao longo <strong>da</strong>s<br />

três <strong>primeira</strong>s déca<strong>da</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>, em São Paulo, existem “... poetas que celebram os símbolos<br />

e os feitos paulistas, bem como historia<strong>do</strong>res que procuram mostrar a continui<strong>da</strong>de histórica e<br />

psicológica <strong>do</strong> bandeirante” (LEITE, 2002:307).<br />

A partir <strong>do</strong> Manuel Bibliográfico de Estu<strong>do</strong>s Brasileiros (1949), de Rubem Borba de<br />

Moraes (MORAES, 1998), podemos deduzir que os ensaístas e historia<strong>do</strong>res dedica<strong>do</strong>s à São<br />

Paulo parecem ter demonstra<strong>do</strong> maior interesse pela arquitetura, pela literatura e pela história de<br />

antigas instituições, <strong>do</strong> que pela prática musical <strong>na</strong> região, exceto, evidentemente, pelas<br />

biografias de artistas consagra<strong>do</strong>s (MORAES, 1998).<br />

Na medi<strong>da</strong> em que se aproximam as comemorações <strong>do</strong> Quarto Centenário <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção de<br />

São Paulo, em 1954, o número de publicações sobre a região aumenta significativamente. Se<br />

16


destacaram por seu número as publicações de Er<strong>na</strong>ni Bruno e de Afonso d’Escragnolle Tau<strong>na</strong>y<br />

(MORAES, 1998).<br />

As considerações acima apontam para o fato de que durante a <strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong><br />

<strong>XX</strong> há um interesse crescente sobre diversos aspectos <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> de São Paulo. Este interesse<br />

acompanha o próprio crescimento <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>, que desde os tempos <strong>da</strong> agricultura cafeeira de<br />

exportação, e a partir <strong>da</strong> liderança <strong>do</strong> processo de industrialização, firma-se como o mais rico <strong>do</strong><br />

país. No entanto, a preservação de fontes de interesse ao estu<strong>do</strong> de sua história foi grandemente<br />

comprometi<strong>da</strong>, e assim, os estudiosos dispuseram de parcos meios para realizar as suas pesquisas.<br />

Além disso, os <strong>do</strong>cumentos que resistiram à ação <strong>do</strong> tempo, de certo mo<strong>do</strong>, determi<strong>na</strong>ram<br />

a seleção de temas, entre os quais, salvo raras exceções, a música foi praticamente excluí<strong>da</strong>.<br />

Assim, os estu<strong>do</strong>s sobre o bandeirante, sobre a arquitetura e os monumentos <strong>da</strong> região tiveram<br />

maior destaque, e puderam se efetivar graças à preservação <strong>da</strong>s próprias construções e à<br />

publicação de <strong>do</strong>cumentos históricos pelo Arquivo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de São Paulo a partir <strong>do</strong> fi<strong>na</strong>l <strong>do</strong><br />

<strong>século</strong> XIX.<br />

Outro fator que acentua o pequeno número de estu<strong>do</strong>s históricos sobre a música de São<br />

Paulo neste perío<strong>do</strong> é o fato de que não havia, no Brasil, de um mo<strong>do</strong> geral, historia<strong>do</strong>res de<br />

“profissão”, pois a pesquisa histórica não era realiza<strong>da</strong> em termos de uma discipli<strong>na</strong> acadêmica,<br />

com objetivos e meto<strong>do</strong>logia específicos. Assim, os estudiosos <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> paulista eram em<br />

grande parte jor<strong>na</strong>listas, advoga<strong>do</strong>s, cronistas, homens de letras etc (OLIVEIRA, 1992:5).<br />

1.3 Algumas considerações sobre o sistema intelectual no Brasil<br />

Luiz <strong>da</strong> Costa Lima nos apresenta algumas reflexões sobre os intelectuais e o sistema<br />

intelectual no Brasil que nos parecem importantes para compreender a situação <strong>do</strong> pensamento<br />

brasileiro <strong>na</strong> transição <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX para o <strong>século</strong> <strong>XX</strong>. Embora fale <strong>da</strong> perspectiva de um crítico<br />

literário, tais reflexões nos parecem relevantes por contribuir para a compreensão <strong>do</strong> ambiente<br />

intelectual e <strong>do</strong> quadro social de onde se desenvolveu nosso objeto.<br />

Segun<strong>do</strong> o autor o sistema intelectual no Brasil sofreu marcas em seu processo histórico<br />

que o condicionou à certos maus-hábitos, os quais perduraram durante muito tempo:<br />

17


“Ora, sen<strong>do</strong> a imprensa local proibi<strong>da</strong> durante a colônia [...] inexistin<strong>do</strong> uma<br />

massa de leitores que levasse os escritores a modificar os padrões europeus,<br />

obviamente não se poderia falar então em sistema intelectual. Isso significa dizer<br />

que, quan<strong>do</strong> este se forma, já o esperam certas marcas, que só teriam si<strong>do</strong><br />

modifica<strong>da</strong>s caso as condições sociais determi<strong>na</strong>ntes se tor<strong>na</strong>ssem outras. Isto,<br />

entretanto não se deu” (LIMA, 1981:6).<br />

A questão <strong>do</strong>s intelectuais, segun<strong>do</strong> a visão <strong>do</strong> autor, pode ser posta sinteticamente <strong>da</strong><br />

seguinte maneira. Inicialmente, desde a colônia, o intelectual foi entre nós aceito não enquanto<br />

produtor de idéias – as quais, em tese, seriam o produto <strong>da</strong> reflexão sobre a sua própria reali<strong>da</strong>de<br />

social -, mas ao contrário disso, foi aceito enquanto reprodutor de idéias e ideologias vin<strong>da</strong>s <strong>do</strong><br />

estrangeiro, caracterizan<strong>do</strong>-se enquanto um “... especialista no verbo fácil, <strong>na</strong> palavra<br />

comovente” (LIMA, 1981: 8). Sua excelência intelectual e relevância social eram medi<strong>da</strong>s,<br />

portanto, em razão de sua atualização às tendências estrangeiras em voga (LIMA, 1981: 8).<br />

Roberto Schwartz se refere a esse fenômeno como o caráter imitativo <strong>da</strong> cultura<br />

brasileira (SCHWARTZ,1987:38-39).<br />

“Em síntese, desde <strong>século</strong> passa<strong>do</strong> existe entre as pessoas educa<strong>da</strong>s <strong>do</strong> Brasil – o<br />

que é uma categoria social mais <strong>do</strong> que um elogio – o sentimento de viverem entre<br />

instituições e idéias que são copia<strong>da</strong>s <strong>do</strong> estrangeiro e não refletem a reali<strong>da</strong>de<br />

local” (SCHWARTZ,1987:38-39).<br />

Com a Independência, o intelectual brasileiro tinha <strong>na</strong> tribu<strong>na</strong> e no púlpito seu veículo<br />

por excelência, e destaca-se como ora<strong>do</strong>r, “... empenha-se <strong>na</strong>s campanhas <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e assim<br />

ganha o beneplácito imperial, que favorece [...] sua futura servidão burocrática” (LIMA,<br />

1981:7). Além disso, “a forma escrita <strong>da</strong> literatura fazia-se a sucursal de uma circulação<br />

preponderantemente oral” (LIMA, 1981:7).<br />

O reflexo disso <strong>na</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira foi a criação de uma cultura letra<strong>da</strong>, porém,<br />

fun<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>na</strong> palavra fala<strong>da</strong>, a qual assassi<strong>na</strong>va o hábito de leitura e interpretação de textos. Os<br />

autores, os quais escreviam quase exclusivamente em jor<strong>na</strong>is, deveriam seguir o princípio de<br />

deleitar seu leitor, procuran<strong>do</strong> fugir de discussões de caráter abstrato que muito consumisse seu<br />

raciocínio e viesse a chatear. Não haven<strong>do</strong> um público especializa<strong>do</strong> para o intelectual brasileiro,<br />

o mecanismo estatal o deixava a salvo <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de conquistá-lo, o que justificaria certo<br />

18


traço moralizante e falsamente “neutro” que existe nos escritos de nossos intelectuais, como se<br />

não pertencessem a nenhum segmento social (LIMA, 1981:9).<br />

Posteriormente, com a República e a difusão mais intensa de um discurso <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista<br />

no Brasil, a tendência ao elogio, à grandiloqüência, à “palavra comovente” e ao “verbo fácil” se<br />

configuraram em nosso sistema intelectual e se concretizaram em nossa historiografia.<br />

1.4 Discussões em torno <strong>do</strong> caráter <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l brasileiro<br />

Segun<strong>do</strong> Dante Moreira Leite, a forma atual <strong>do</strong> conceito de caráter <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l se deve ao<br />

movimento literário pré-romântico alemão conheci<strong>do</strong> por Sturm und Drang, cujos fun<strong>da</strong>mentos<br />

filosóficos se opunham àqueles vincula<strong>do</strong>s à estética iluminista, de origem pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ntemente<br />

francesa, então em evidência (LEITE, 1976:28). Segun<strong>do</strong> Dante Moreira Leite, a razão é o<br />

princípio fun<strong>da</strong>mental iluminista, <strong>da</strong> qual decorre a igual<strong>da</strong>de entre os homens e <strong>na</strong>ções quanto à<br />

riqueza, instrução e liber<strong>da</strong>de. Deste mo<strong>do</strong>, a partir <strong>da</strong> razão, se entenderia a história como um<br />

avanço progressivo em direção ao conhecimento e <strong>desenvolvimento</strong> <strong>do</strong> “espírito humano”, e a<br />

este último, garantiria sua “uni<strong>da</strong>de” histórica (LEITE, 2002:39). Os pré-românticos, por sua vez,<br />

contestaram tal uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong>n<strong>do</strong> ênfase às particulari<strong>da</strong>des regio<strong>na</strong>is, <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e individuais. Além<br />

disso, negaram a “razão” como única via de conhecimento, passan<strong>do</strong> a valorizar o “sentimento” e<br />

a “intuição” (LEITE, 1976:29). Vale lembrar, porém, que embora os conceitos de ”sentimento”,<br />

“intuição”, “origi<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de” etc, tenham destaque no <strong>século</strong> XIX, eles já são encontra<strong>do</strong>s em<br />

discussão por diversos autores desde os últimos anos <strong>do</strong> <strong>século</strong> XVII (OSBOURNE, 1974:145).<br />

Segun<strong>do</strong> Dante Moreira Leite, o mais representativo nome <strong>do</strong> pré-romantismo alemão, no<br />

tocante a formulação de pressupostos, é Helder, para o qual o espírito <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l se desenvolve<br />

organicamente e segun<strong>do</strong> suas particulari<strong>da</strong>des. Por esse motivo, o espírito <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l somente<br />

pode se revelar <strong>na</strong> língua <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l (LEITE, 1976: 1976). Esta premissa leva Helder a valorizar e<br />

estimular a criação de peculiari<strong>da</strong>des e características específicas de ca<strong>da</strong> povo; <strong>da</strong>í “... a<br />

valorização <strong>da</strong>s canções populares como expressão ingênua e ain<strong>da</strong> jovem <strong>do</strong> espírito <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l”<br />

(LEITE, 1976:41).<br />

Os autores brasileiros que produziram entre o fi<strong>na</strong>l <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX e o início <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong><br />

acreditaram que o caráter <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l brasileiro seria determi<strong>na</strong><strong>do</strong> em duas etapas, em primeiro<br />

19


lugar, a partir <strong>da</strong> compreensão “exata” <strong>da</strong> psicologia <strong>da</strong>s “raças forma<strong>do</strong>ras”, e posteriormente, a<br />

procura <strong>da</strong>s “leis” que gover<strong>na</strong>ram a sua interação. A raça branca, representa<strong>da</strong> pelo português,<br />

foi classifica<strong>da</strong> como raça “superior”, enquanto a raça amarela e a negra como “inferiores”. A<br />

raça “superior” era considera<strong>da</strong> o agente cria<strong>do</strong>r, o qual se consistia o fun<strong>da</strong>mento biológico,<br />

cultural, institucio<strong>na</strong>l e psicológica etc; as raças “inferiores” eram considera<strong>da</strong>s “cria<strong>do</strong>res<br />

indiretos”, com suas len<strong>da</strong>s, seus cantos etc.<br />

Segun<strong>do</strong> Sílvio Romero as relações entre raça superior e inferiores tiveram <strong>do</strong>is aspectos:<br />

em primeiro lugar, as “relações exter<strong>na</strong>s”, “... em que os portugueses não poderiam, como<br />

civiliza<strong>do</strong>s, modificar sua vi<strong>da</strong> intelectual que tendia a prevalecer, e só podiam contrair um ou<br />

outro hábito, e empregar um ou outro utensílio <strong>na</strong> vi<strong>da</strong> ordinária”; em segun<strong>do</strong> lugar, as relações<br />

“de sangue”, “... tendentes a modificar as três raças e a formar o mestiço” (ROMERO, 1959:50).<br />

No primeiro caso, compreendia-se que a ação <strong>do</strong> indíge<strong>na</strong> e <strong>do</strong>s negros sobre o europeu<br />

não era muito profun<strong>da</strong>, já no segun<strong>do</strong>, a transformação fisiológica criava um novo tipo, o qual,<br />

“... se não eclipsava o europeu, ofuscava as duas raças inferiores” (ROMERO, 1959:50). Para<br />

Silvio Romero o “brasileiro” seria, portanto, produto <strong>da</strong> interação biológica, <strong>da</strong> mestiçagem, cujo<br />

produto, foi entendi<strong>do</strong> como “agente transforma<strong>do</strong>r” (ROMERO, 1959:50).<br />

No entanto, não houve acor<strong>do</strong> quanto se a influência determi<strong>na</strong>nte foi a <strong>da</strong> raça indíge<strong>na</strong><br />

ou <strong>da</strong> negra. Uma interessante polêmica entre Sílvio Romero e Capistrano de Abreu, mostra as<br />

dificul<strong>da</strong>des vivencia<strong>da</strong>s pelos intelectuais brasileiros <strong>na</strong> definição <strong>do</strong> caráter <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

brasileiro. Enquanto Sílvio Romero acreditava que nossas diferenças em relação ao europeu se<br />

<strong>da</strong>vam exclusivamente em razão <strong>do</strong> elemento negro, Capistrano de Abreu, por sua vez, atribuía<br />

esta ao meio e ao indíge<strong>na</strong>: “Sem negar a ação <strong>do</strong> elemento africano, penso que ela é menor que<br />

a <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is fatores” (ABREU, 1931:36). Capistrano de Abreu, com certa ironia, explica o motivo<br />

pelo qual Romero nega a influência <strong>da</strong> preponderância indíge<strong>na</strong> <strong>na</strong> formação <strong>do</strong> povo brasileiro:<br />

“A antipatia <strong>do</strong> dr. Silvio Romero pelos Tupi<strong>na</strong>mbás e a persistência com que lhes<br />

nega importância <strong>na</strong> formação <strong>do</strong> povo brasileiro, explicam-se muito facilmente.<br />

Ele achou, quan<strong>do</strong> começou a escrever, o indianismo como escola literária.<br />

Estu<strong>da</strong>n<strong>do</strong>-o nesta quali<strong>da</strong>de, em breve descobriu o que havia de insuficiente e<br />

estreito nos seus princípios e condenou-o. Depois por uma transição insensível,<br />

envolveu <strong>na</strong> mesma conde<strong>na</strong>ção a teoria literária e o fato sociológico. Segun<strong>do</strong> o<br />

dita<strong>do</strong> alemão, quis despejar a banheira e deitou fora também quem se banhava”<br />

(ABREU, 1931: 54).<br />

20


Assim, a despeito <strong>da</strong>s tendências que tendiam a ver a causa <strong>do</strong> “atraso” brasileiro o<br />

estágio precário de <strong>desenvolvimento</strong> de seu povo e instituições, tais autores passaram a<br />

preconizar uma imagem positiva <strong>da</strong> mestiçagem, interpretan<strong>do</strong>-a como traço distintivo de<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de.<br />

“Não há aqui, pois, em rigor, venci<strong>do</strong>s e vence<strong>do</strong>res; o mestiço consagrou as<br />

raças e a vitória é assim de to<strong>da</strong>s três. Pela lei <strong>da</strong> a<strong>da</strong>ptação elas tendem a<br />

modificar-se nele, que, por sua vez, pela lei <strong>da</strong> concorrência vital, tendeu e tende<br />

ain<strong>da</strong> a integrar-se à parte, forman<strong>do</strong> um tipo novo em que pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>rá a ação<br />

<strong>do</strong> branco” (ROMERO, 1959:51).<br />

Tal ideologia ofereceu aos intelectuais brasileiros deste momento, como para o próprio<br />

Sílvio Romero, a possibili<strong>da</strong>de de se vislumbrar a real formação de um povo e uma <strong>na</strong>ção no<br />

Brasil:<br />

“A ideologia <strong>da</strong> mestiçagem, que estava aprisio<strong>na</strong><strong>da</strong> <strong>na</strong>s ambigüi<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s<br />

teorias racistas, ao ser reelabora<strong>da</strong> pode difundir-se socialmente e se tor<strong>na</strong>r senso<br />

comum, ritualmente celebra<strong>do</strong> <strong>na</strong>s relações <strong>do</strong> cotidiano, ou nos grandes eventos<br />

como o car<strong>na</strong>val e o futebol. O que era mestiço tor<strong>na</strong>-se <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l” (ORTIZ,<br />

1985:41).<br />

Deste mo<strong>do</strong>, a ênfase consagra<strong>da</strong> aos fatores biológicos transporta-se para os fatores<br />

culturais. As explicações sobre a formação <strong>do</strong> povo brasileiro passam a ser feitas não mais<br />

através <strong>do</strong> evolucionismo, mas através <strong>da</strong>s então recentes abor<strong>da</strong>gens antropológicas. Esta<br />

ideologia está relacio<strong>na</strong><strong>da</strong> às correntes “moder<strong>na</strong>s” em nosso país.<br />

1.5 Os “forma<strong>do</strong>res” <strong>da</strong> <strong>na</strong>ção<br />

A questão <strong>do</strong>s “forma<strong>do</strong>res <strong>da</strong> <strong>na</strong>ção” insere-se <strong>na</strong> problemática <strong>da</strong> <strong>na</strong>ção e <strong>da</strong><br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de brasileira, que surge no início <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX com a nossa Independência. Esta<br />

problemática insere-se no contexto em que diversos países “... buscavam encontrar, em alguns<br />

casos, ou reencontrar, em outros, sua identi<strong>da</strong>de, seu projeto de vi<strong>da</strong> como Nação u<strong>na</strong>,<br />

indivisível e independente” (ODÁLIA, 1997:34).<br />

21


Alguns autores têm chama<strong>do</strong> a atenção para a importância, neste perío<strong>do</strong>, <strong>do</strong> papel <strong>do</strong><br />

historia<strong>do</strong>r, o qual iria “compor” as histórias <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, ou seja, li<strong>da</strong>n<strong>do</strong> com uma série de fatos<br />

<strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, ele deveria justificar o processo histórico <strong>da</strong>s <strong>na</strong>ções emergentes, “identifican<strong>do</strong>” o<br />

trajeto percorri<strong>do</strong> pela “uni<strong>da</strong>de <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l”. Desta maneira, cabia ao historia<strong>do</strong>r, juntamente com a<br />

cama<strong>da</strong> dirigente <strong>da</strong> <strong>na</strong>ção:<br />

“... esquadrinhar o passa<strong>do</strong>, peneirá-lo, resolvê-lo, buscar em suas cinzas ain<strong>da</strong><br />

fumegantes, entre as mazelas <strong>da</strong> servidão e <strong>da</strong> desunião, os desvãos camufla<strong>do</strong>s,<br />

as peque<strong>na</strong>s reentrâncias, os minúsculos acontecimentos em que se inserem os<br />

primeiros gestos tími<strong>do</strong>s de identi<strong>da</strong>de, os primeiros acenos de união, os<br />

primeiros sonhos de uma pátria livre” (ODÁLIA, 1997:34).<br />

Neste mesmo momento, os governos europeus passaram a considerar a história como um<br />

meio eficaz de promover uni<strong>da</strong>de <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, educação moral e cívica, e fazer propagan<strong>da</strong><br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista. (BURKE, 2002: 17). Deste mo<strong>do</strong>, responden<strong>do</strong> à necessi<strong>da</strong>de de unificação política<br />

e espiritual <strong>da</strong>s <strong>na</strong>ções que <strong>na</strong>sciam após os movimentos revolucionários <strong>do</strong> <strong>século</strong> XVIII, e,<br />

atuan<strong>do</strong> em conjunto com a cama<strong>da</strong> dirigente <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, os historia<strong>do</strong>res se admitiram como<br />

“... os forja<strong>do</strong>res <strong>da</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de” (ODÁLIA, 1997:34).<br />

Um <strong>da</strong>s maneiras utiliza<strong>da</strong>s para ressaltar a “uni<strong>da</strong>de <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l” <strong>na</strong> história <strong>da</strong>s <strong>na</strong>ções foi<br />

identificar os indivíduos que haviam contribuí<strong>do</strong> para a consoli<strong>da</strong>ção desta uni<strong>da</strong>de, os quais<br />

seriam identifica<strong>do</strong>s como ”heróis-<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is”. Este recurso foi vastamente utiliza<strong>do</strong> <strong>na</strong><br />

historiografia brasileira. Por exemplo, em estu<strong>do</strong> sobre o pensamento historiográfico de<br />

Varnhagen, Nilo Odália afirma: “Como forma para sedimentar a uni<strong>da</strong>de territorial e espiritual<br />

<strong>da</strong> Nação <strong>na</strong>scente, Varnhagen lança mão <strong>do</strong> recurso altamente sensibilizante <strong>da</strong> criação de<br />

heróis” (ODÁLIA, 1997:57).<br />

Dante Moreira Leite en<strong>do</strong>ssa a questão acima ao afirmar que a criação de heróis <strong>na</strong><br />

historiografia tradicio<strong>na</strong>l foi, <strong>na</strong> ver<strong>da</strong>de, a expressão <strong>da</strong> exigência de “continui<strong>da</strong>de” histórica, de<br />

um passa<strong>do</strong> comum a determi<strong>na</strong><strong>do</strong> povo:<br />

“... este [o <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo brasileiro], como os outros <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismos, parece exigir<br />

uma continui<strong>da</strong>de histórica e, mais que isso, um passa<strong>do</strong> comum, que<br />

freqüentemente se aproxima <strong>do</strong> mito – característica que aqui, como em outros<br />

países, é a atmosfera que cerca os heróis <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is” (LEITE, 2002:45).<br />

22


O culto aos grandes homens era matéria prega<strong>da</strong> por diversos de nossos intelectuais, pois,<br />

além de colaborar <strong>na</strong> construção <strong>da</strong> idéia de “<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de”, eles viriam a ser “fontes de<br />

inspiração”. Sílvio Romero, a esse respeito dizia Silvio Romero: “O amor pelos nossos grandes<br />

homens, o culto de nosso passa<strong>do</strong>, o entusiasmo pelo presente, serão perenes fontes de eter<strong>na</strong><br />

inspiração” (ROMERO,1911:31).<br />

Talvez o exemplo mais típico de “forma<strong>do</strong>r” <strong>do</strong> Brasil <strong>na</strong> historiografia paulista de fins <strong>do</strong><br />

<strong>século</strong> XIX e início <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong> seja o <strong>do</strong> bandeirante, que era “... considera<strong>do</strong> exatamente um<br />

elo fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> constituição e permanência <strong>do</strong> povo brasileiro e <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, em<br />

última instância, de sua uni<strong>da</strong>de geográfica e política” (DAVIDOFF, 1982:86).<br />

Desde mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX, criou-se a opinião de que os bandeirantes lutaram pela<br />

unificação <strong>da</strong> <strong>na</strong>ção, combaten<strong>do</strong> índios, vencen<strong>do</strong> obstáculos <strong>na</strong>turais, lutan<strong>do</strong> com animais<br />

ferozes, suplantan<strong>do</strong> a <strong>na</strong>tureza selvagens. Por exemplo, em 1864, J.J. Macha<strong>do</strong> D’Oliveira dizia<br />

o seguinte <strong>do</strong>s bandeirantes em 1864: “... em to<strong>da</strong>s as capitanias tinha se ouvi<strong>do</strong> com admiração<br />

os nomes desses homens de ferro, sua coragem, e as afoitezas e animosi<strong>da</strong>des com que<br />

afrontavam aos perigos e faziam guerra aos índios” (D’OLIVEIRA, 1978:110).<br />

A afirmação comum a to<strong>da</strong>s as apologias <strong>do</strong> bandeirante, em linhas gerais, é aquela que<br />

atribui a tais perso<strong>na</strong>gens um caráter ao mesmo tempo civiliza<strong>do</strong>r e conquista<strong>do</strong>r: civiliza<strong>do</strong>r,<br />

enquanto aquele que implanta a cultura <strong>da</strong> “civilização” européia; conquista<strong>do</strong>r, enquanto aquele<br />

que subjuga os diversos povos, anexan<strong>do</strong> seu território ao <strong>do</strong>mínio brasileiro. A apologia <strong>do</strong> herói<br />

bandeirante não é unânime em nossa historiografia, haven<strong>do</strong> autores que seguiram pela via de sua<br />

desmistificação. Capistrano de Abreu, por exemplo, figura quase como exceção em seu Capítulos<br />

de História Colonial, no qual chama a atenção para as atroci<strong>da</strong>des e dispari<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s guerras<br />

entre os bandeirantes e os índios: “Faltaram <strong>do</strong>cumentos para escrever a história <strong>da</strong>s bandeiras,<br />

aliás sempre a mesma: homens muni<strong>do</strong>s de armas de fogo atacam selvagens que se defendem<br />

com arco e flecha” (ABREU, 2006:85).<br />

1.6 História e política<br />

Henri Lefebvre afirmou que a idéia de <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo é muito recente, e foi possível<br />

somente a partir <strong>do</strong> “classicismo abstrato” e <strong>da</strong> falta de sen<strong>do</strong> histórico que caracterizaram o fm<br />

23


<strong>do</strong> <strong>século</strong> XVIII (LEFEBVRE, 1988:28). Desde mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX os governos europeus<br />

passaram a considerar a escrita <strong>da</strong> história um instrumento altamente eficaz de promover a<br />

uni<strong>da</strong>de <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, a educação ci<strong>da</strong>dã <strong>do</strong> povo, e, principalmente, de fazer propagan<strong>da</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista<br />

(BURKE, 2002: 17). Por outra perspectiva, coube aos historia<strong>do</strong>res “... atender a essa<br />

necessi<strong>da</strong>de básica <strong>da</strong>s <strong>na</strong>ções que estavam em vias de formação. Eles se admitiram como os<br />

forja<strong>do</strong>res <strong>da</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de” (ODÁLIA, 1997:34). A <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de é uma típica questão <strong>do</strong><br />

<strong>século</strong> XIX, que surge em um momento onde diversos países buscavam encontrar seu projeto de<br />

<strong>na</strong>ção u<strong>na</strong>, indivisível e independente. (ODÁLIA, 1997: 34). Do mesmo mo<strong>do</strong>, nossa<br />

independência, em 1822, marca o início de um processo de longa duração, que buscava forjar a<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de “brasileira”.<br />

Em seus primórdios, entre fins <strong>do</strong> <strong>século</strong> XVIII e início <strong>do</strong> XIX, a historiografia musical<br />

moder<strong>na</strong> esteve liga<strong>da</strong> a ideologias <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>listas e religiosas. Os historiógrafos de então quan<strong>do</strong><br />

realizavam a história <strong>da</strong> música estavam movi<strong>do</strong>s, <strong>na</strong> maioria <strong>da</strong>s vezes, por sentimentos de<br />

preservação e exaltação de tradição, seja ela <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l ou religiosa (KERMAN, 1985:35).<br />

A historiografia musical moder<strong>na</strong> surge, por sua vez, simultaneamente a outras<br />

transformações importantes ocorri<strong>da</strong>s no seio <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des moder<strong>na</strong>s, como por exemplo, a<br />

ascensão <strong>do</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo-romantismo. Deste mo<strong>do</strong>, esta não poderia deixar de apresentar uma<br />

visão “romântica” e “<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista”, que seria expressa, principalmente, através de uma<br />

abor<strong>da</strong>gem biográfica e pela ênfase às idéias de “gênio” ou “herói” <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l (às vezes<br />

simultaneamente).<br />

Segun<strong>do</strong> esta tendência, o primeiro expressaria a sua individuali<strong>da</strong>de em soluções<br />

origi<strong>na</strong>is nos <strong>do</strong>mínios de uma ciência misteriosa, a música (PEREIRA, 1997). O segun<strong>do</strong>, por<br />

sua vez, seria o responsável pela criação de uma música “<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l”, pois, perceben<strong>do</strong> os “ritmos<br />

<strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza” e a “alma <strong>do</strong> povo”, elementos determi<strong>na</strong>ntes <strong>do</strong> caráter <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, os condensaria <strong>na</strong><br />

forma de uma arte universal (ALLEN, 1962:87).<br />

As relações entre história e política se evidenciam <strong>na</strong>s <strong>na</strong>rrativas sobre a vi<strong>da</strong> <strong>do</strong>s “heróis<br />

forma<strong>do</strong>res” <strong>da</strong> <strong>na</strong>ção. No caso específico <strong>da</strong> historiografia musical brasileira, tais heróis seriam<br />

aqueles que contribuíram no processo de “civilização” e <strong>na</strong> criação de uma música “brasileira”.<br />

Exemplo disso é a historiografia <strong>do</strong> “bandeirantismo”, que, enquanto expressão <strong>da</strong> antiga<br />

aristocracia agrícola de São Paulo, procurou forjar uma imagem heróica <strong>do</strong> bandeirante,<br />

ignoran<strong>do</strong> o caráter violento de sua atuação (LEITE, 1989:54).<br />

24


1.7 História e literatura<br />

Vários musicólogos têm aponta<strong>do</strong> para o fato de que, tradicio<strong>na</strong>lmente, a historiografia<br />

musical que se desenvolveu a partir <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX não <strong>na</strong>sceu desvincula<strong>da</strong> <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de<br />

literatura de seu tempo, seja em sua meto<strong>do</strong>logia, seja em seus princípios, seus objetivos e<br />

autores. Vários fatores são determi<strong>na</strong>ntes para este quadro. Por exemplo, o fato que grande parte<br />

desses autores estava liga<strong>da</strong> a ativi<strong>da</strong>de jor<strong>na</strong>lística ou editaram periódicos especificamente<br />

dedica<strong>do</strong>s a circulação de textos e notícias sobre música, como é o caso de Nicolas Etienne<br />

Framery e seu Jour<strong>na</strong>l de musique historique, teórique et pratique (1770-1771).<br />

Além disso, deve-se considerar a importância <strong>do</strong> público no direcio<strong>na</strong>mento <strong>da</strong> produção<br />

historiográfico-musical. Na Alemanha ao longo <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX, por exemplo, a busca <strong>da</strong><br />

burguesia por instrução e entretenimento musical foi determi<strong>na</strong>nte para o aumento <strong>da</strong> produção e<br />

o direcio<strong>na</strong>mento <strong>do</strong>s assuntos. Neste senti<strong>do</strong>, as biografias ocupam local privilegia<strong>do</strong> para a<br />

apresentação <strong>do</strong>s principais tópicos em estética musical à iniciantes (PAINTER, 2002:191).<br />

Segun<strong>do</strong> Kerman, o senti<strong>do</strong> histórico em música é mais recente que <strong>na</strong> literatura<br />

(KERMAN, 1985:33). Assim, parece perfeitamente possível percebermos relações entre as<br />

formas de escrita <strong>da</strong> literatura e as formas de escrita <strong>da</strong> história.<br />

Segun<strong>do</strong> Leo<strong>na</strong>r<strong>do</strong> Waisman, são publica<strong>do</strong>s artigos lau<strong>da</strong>tórios sobre a vi<strong>da</strong> <strong>do</strong>s<br />

“mestres” e de suas obras a partir de abor<strong>da</strong>gens empresta<strong>da</strong>s <strong>da</strong> literatura (WAISMAN,<br />

1989:20).<br />

No Brasil, a historiografia musical apresenta ape<strong>na</strong>s os reflexos <strong>do</strong> próprio sistema de<br />

produção de conhecimento histórico em nosso país. Há pouco tempo que prestamos atenção <strong>na</strong>s<br />

questões em torno <strong>da</strong> escrita <strong>da</strong> nossa história, e vários autores apontam para o fato de que ain<strong>da</strong><br />

não desenvolvemos ple<strong>na</strong>mente o hábito de refletir sobre nossa produção histórica nem<br />

avançamos consideravelmente em seu estu<strong>do</strong> crítico e sistemático (ODÁLIA, 1997:11). Isso<br />

porque, desde o tempo <strong>da</strong>s antigas Academias Literárias <strong>da</strong> Colônia, e entre to<strong>do</strong>s os autores que<br />

produziram no perío<strong>do</strong> anterior à déca<strong>da</strong> de 1930, a história no Brasil foi considera<strong>da</strong> como um<br />

gênero literário (LAPA, 1985: 49). Deste mo<strong>do</strong>, “... os estu<strong>do</strong>s sobre as obras de História e sua<br />

significação foram, durante muito tempo no Brasil, competência <strong>do</strong>s cultores de Literatura”<br />

(LAPA, 1985:49).<br />

25


Assim, não é difícil supor que a literatura tenha si<strong>do</strong> a grande responsável pelo tipo de<br />

abor<strong>da</strong>gem utiliza<strong>da</strong> <strong>na</strong> historiografia musical que se produziu <strong>na</strong> Europa ao longo <strong>do</strong> <strong>século</strong><br />

XIX, e, no Brasil, durante a <strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>.<br />

Segun<strong>do</strong> Antonio Alexandre Bispo, é possível observar que uma <strong>da</strong>s tendências mais<br />

freqüentes em trabalhos brasileiros sobre música é o ensaio (BISPO, 1983:21).<br />

“... o trabalho sobre música assume assim características de um gênero<br />

compreendi<strong>do</strong> entre ciência e arte: <strong>da</strong> ciência aproxima-se pelo esforço em<br />

conhecer e explicar os fatos, <strong>da</strong> arte pela forma de conhece-los e expressá-los”<br />

(BISPO, 1985:21)<br />

Isso pode também ter certa relação com o que nos diz Joseph Kerman, o qual apontou<br />

para o fato de que, no <strong>século</strong> XIX, a produção histórica em música estava intimamente liga<strong>da</strong> à<br />

tendências <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>listas e religiosas, as quais, deram especial atenção aos “homens ilustres” que<br />

haviam contribuí<strong>do</strong> para o crescimento de sua <strong>na</strong>ção ou religião (KERMAN, 1985:35).<br />

O surgimento de novas meto<strong>do</strong>logias a partir <strong>do</strong>s anos 1930 com a produção de<br />

historia<strong>do</strong>res liga<strong>do</strong>s à Universi<strong>da</strong>de de São Paulo - como, por exemplo, Caio Pra<strong>do</strong> Jr e Sérgio<br />

Buarque de Holan<strong>da</strong> -, ao que parece, não afetou a maneira como os historiógrafos <strong>da</strong> música<br />

percebiam a sua ativi<strong>da</strong>de, e assim, parecem certas as ressonâncias de uma abor<strong>da</strong>gem literária <strong>na</strong><br />

historiografia <strong>da</strong> música no Brasil durante este perío<strong>do</strong>.<br />

A partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1940, se intensificam os trabalhos no campo <strong>da</strong> História Geral <strong>do</strong><br />

Brasil, os quais têm o objetivo de realizar uma avaliação crítica e sistematiza<strong>da</strong> <strong>da</strong>s conquistas <strong>da</strong><br />

discipli<strong>na</strong> e <strong>do</strong> papel <strong>do</strong>s historia<strong>do</strong>res (LAPA, 1985: 51). Nesse momento, a historiografia<br />

musical brasileira se orientava para a aplicação de méto<strong>do</strong>s desti<strong>na</strong><strong>do</strong>s ao tratamento <strong>do</strong>cumental,<br />

concentran<strong>do</strong>-se quase que exclusivamente nesta tarefa e sem se preocupar mais demora<strong>da</strong>mente<br />

com as questões em torno <strong>da</strong> escrita <strong>da</strong> história <strong>da</strong> música e <strong>do</strong>s músicos de São Paulo. Segun<strong>do</strong><br />

Ricar<strong>do</strong> Tacuchian, esta seria a fase de:<br />

"... levantamento sistemático e classificação <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos de fontes primárias,<br />

especialmente as partituras e/ou partes musicais. Uma meto<strong>do</strong>logia científica com<br />

instrumental histórico adequa<strong>do</strong> passa a ser utiliza<strong>do</strong> para o estu<strong>do</strong> <strong>da</strong><br />

autentici<strong>da</strong>de <strong>do</strong> material recolhi<strong>do</strong>, sua restauração criteriosa e, sempre que<br />

possível, sua edição moder<strong>na</strong> e gravação sonora" (TACUCHIAN, 1994:99).<br />

26


Assim, a historiografia <strong>da</strong> música e <strong>do</strong>s músicos de São Paulo produzi<strong>da</strong> <strong>na</strong> <strong>primeira</strong><br />

<strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong> não assimilou as mesmas bases críticas <strong>da</strong> história geral <strong>do</strong> Brasil no<br />

tocante ao estu<strong>do</strong> <strong>da</strong>s formas <strong>da</strong> escrita <strong>da</strong> história e <strong>do</strong>s meios de legitimação desse<br />

conhecimento. Não se pode esquecer que o crescimento de um público interessa<strong>do</strong> em instrução e<br />

entretenimento musical parece ter estimula<strong>do</strong>, no Brasil, o aparecimento de revistas e periódicos<br />

especializa<strong>do</strong>s, os quais, <strong>na</strong> ausência de instituições de pesquisa, e mesmo cátedras de<br />

musicologia no Brasil, se tor<strong>na</strong>ram os principais fomenta<strong>do</strong>res <strong>da</strong> produção historiográfico-<br />

musical brasileira <strong>na</strong> <strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>.<br />

1.8 Tendências evolucionistas no pensamento brasileiro<br />

Um <strong>do</strong>s fenômenos mais significativos que ocorreu a partir de mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX foi<br />

a gradual utilização de fun<strong>da</strong>mentos teóricos <strong>da</strong>s ciências <strong>na</strong>turais no estu<strong>do</strong> <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des<br />

huma<strong>na</strong>s. Os pressupostos <strong>da</strong> biologia e <strong>da</strong> física passaram a ser váli<strong>do</strong>s também para a história e<br />

para a sociologia. A socie<strong>da</strong>de começou a ser entendi<strong>da</strong> como um “organismo”, um sistema em<br />

equilíbrio perfeito onde ca<strong>da</strong> um de seus elementos desempenha uma função de manutenção de<br />

to<strong>da</strong> a estrutura (BURKE, 1002: 27).<br />

As várias teorias que iam surgin<strong>do</strong> neste perío<strong>do</strong> podem ser considera<strong>da</strong>s sobre o prisma<br />

comum <strong>do</strong> evolucionismo. De um mo<strong>do</strong> geral, tais teorias procuravam por um nexo comum no<br />

<strong>desenvolvimento</strong> <strong>da</strong>s diferentes socie<strong>da</strong>des huma<strong>na</strong>s, e partiam <strong>do</strong> pressuposto que, assim como<br />

outros organismos, as socie<strong>da</strong>des huma<strong>na</strong>s estão sujeitas a certas “leis” passíveis de serem<br />

demonstra<strong>da</strong>s objetiva e empiricamente. Isso acaba por conferir a idéia de uma objetivi<strong>da</strong>de<br />

científica. Outra premissa fun<strong>da</strong>mental <strong>do</strong> pensamento evolucionista é a idéia de que organismos<br />

mais simples evoluem para os mais complexos, e de uma maneira orgânica, ou seja, cumprin<strong>do</strong><br />

certos estágios previamente determi<strong>na</strong><strong>do</strong>s. (ORTIZ, 1985:14).<br />

No Brasil as discussões tomaram como conceitos-chave as noções de meio e raça, as<br />

quais, apesar de seu alcance limita<strong>do</strong> <strong>na</strong>s teorias européias, foram amplamente utiliza<strong>da</strong>s no<br />

Brasil para especificar as particulari<strong>da</strong>des <strong>da</strong> nossa “evolução” (ORTIZ, 1985:16).<br />

27


“... <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que a reali<strong>da</strong>de <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l se diferencia <strong>da</strong> européia, tem-se que<br />

ela adquire no Brasil novos contornos e peculiari<strong>da</strong>des. A especifici<strong>da</strong>de <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l,<br />

isto é, o hiato entre teoria e socie<strong>da</strong>de, só pode ser compreendi<strong>do</strong> quan<strong>do</strong><br />

combi<strong>na</strong><strong>do</strong> a outros conceitos que permitem considerar o porquê <strong>do</strong> ‘atraso’ <strong>do</strong><br />

país [...]” (ORTIZ, 1985:15).<br />

Sílvio Romero, por exemplo, em História <strong>da</strong> Literatura Brasileira estu<strong>da</strong> a origem de<br />

nossa poesia e de nossos contos populares a partir <strong>da</strong>s relações de “influência” entre a raça<br />

“superior” e as raças “inferiores”, e estas em relação ao meio (ROMERO1959:51).<br />

Ao nos comparar às grandes <strong>na</strong>ções européias, nossos intelectuais interpretaram o<br />

“estágio” de nossa evolução numa perspectiva não anima<strong>do</strong>ra (ORTIZ, 1985:15). Em primeiro<br />

lugar, havia a tentativa de se compreender os porquês de não se ter cria<strong>do</strong> uma civilização no<br />

Brasil. Tais questio<strong>na</strong>mentos desaguavam, em primeiro lugar, <strong>na</strong> tentativa de explicação <strong>do</strong><br />

“atraso” brasileiro, e posteriormente, <strong>na</strong> verificação <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de se criarem no Brasil (a<br />

despeito <strong>da</strong> falta de uni<strong>da</strong>de racial e cultural) um povo e uma <strong>na</strong>ção (ORTIZ, 1985:15). Deste<br />

mo<strong>do</strong>, tais dilemas se caracterizam pela tentativa de compreender a “... defasagem entre teoria e<br />

reali<strong>da</strong>de, o que se consubstancia <strong>na</strong> construção de uma identi<strong>da</strong>de <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l” (ORTIZ,<br />

1985:15).<br />

Foi quan<strong>do</strong> se acreditou que a determi<strong>na</strong>ção <strong>do</strong> caráter <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l deveria ser feita a partir<br />

<strong>da</strong> compreensão <strong>da</strong>s peculiari<strong>da</strong>des de nossa formação, <strong>da</strong> busca <strong>da</strong>s “leis” que gover<strong>na</strong>ram a<br />

interação <strong>da</strong>s três forma<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> Brasil (branca, negra, indíge<strong>na</strong>): “O espetáculo de nossa<br />

história, pois, é o <strong>da</strong> modificação de três povos para a formação de um povo novo; é um<br />

espetáculo de transformações de forças étnicas e aptidões de três culturas diversas, três almas<br />

que se fundem” (ROMERO, 1959:57).<br />

Para Sílvio Romero, por exemplo, a filosofia <strong>da</strong> história <strong>do</strong> Brasil consistirá em “...<br />

marcar a lei <strong>do</strong> fluxo e <strong>do</strong> refluxo dessas causas diversas, ação e reação de umas sobre as<br />

outras, a justaposição <strong>do</strong> elemento moral sobre o elemento mesológico e étnico” (ROMERO,<br />

1959:57). Fi<strong>na</strong>lmente, Romero afirma que tal lei, “de psicologia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l”, não é outra senão “...<br />

a lei gera <strong>da</strong> transformação <strong>da</strong>s espécies, a lei <strong>da</strong> a<strong>da</strong>ptação e <strong>da</strong> seleção <strong>na</strong>tural sustenta<strong>da</strong> por<br />

uma raça que emigrou para um meio diverso <strong>do</strong> seu habitat anterior” (ROMERO, 1959:57).<br />

O evolucionismo tem no Brasil seus mais significativos representantes o já cita<strong>do</strong> com<br />

Sílvio Romero, Capistrano de Abreu e Euclides <strong>da</strong> Cunha, os quais escreviam sobre os mais<br />

diversos assuntos, dentre eles história, crítica literária e o que então se chamava sociologia. Em<br />

28


sua História <strong>da</strong> Literatura Brasileira, por exemplo, Sílvio Romero afirma que: “Não resta a<br />

menor dúvi<strong>da</strong> que a história deve ser encara<strong>da</strong> como um problema de biologia” (ROMERO,<br />

1959:57). E em outra passagem nos diz que “O primo vivere é tão certo para os povos como para<br />

os indivíduos; o homem antes de ser um ente histórico é um indivíduo biológico” (ROMERO,<br />

1903:14).<br />

No entanto, isso não quer dizer que tais autores desprezassem o fator cultural <strong>na</strong> formação<br />

histórica de determi<strong>na</strong><strong>do</strong> povo. A esse respeito, Romero faz a ressalva: “Para contrabalançar as<br />

influências hereditárias <strong>da</strong> raça, por exemplo, existem as influências transmiti<strong>da</strong>s pela educação,<br />

pela seleção artística <strong>da</strong> cultura” (ROMERO, 1959:57). Naturalmente, de acor<strong>do</strong> com o<br />

pensamento de sua época, para Sílvio Romero a ação cultural viria ape<strong>na</strong>s a “contrabalançar” o<br />

fator biológico e mesológico.<br />

Segun<strong>do</strong> Nilo Odália, os historia<strong>do</strong>res brasileiros desse perío<strong>do</strong>:<br />

“... vão extrair <strong>da</strong> experiência histórica <strong>da</strong> relativamente nova socie<strong>da</strong>de<br />

brasileira os elementos de uma interpretação ideológica que amol<strong>da</strong> as<br />

peculiari<strong>da</strong>des de nosso ambiente racial e geográfico às condições de teorias que<br />

conde<strong>na</strong>vam a priori qualquer esforço de edificação de uma <strong>na</strong>ção nos trópicos”<br />

(ODÁLIA, 1997:17).<br />

Re<strong>na</strong>to Ortiz aponta para o fato de que Silvio Romero havia feito uma lista <strong>da</strong>s teorias que<br />

teriam contribuí<strong>do</strong> para a superação <strong>do</strong> pensamento romântico no Brasil, as quais se constituíram,<br />

em fins <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX, os fun<strong>da</strong>mentos para os estu<strong>do</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira:<br />

“Dentre elas, três tiveram um impacto real junto a inteligentsia brasileira: e de uma<br />

certa forma delinearam os limites no interior <strong>do</strong>s quais to<strong>da</strong> a produção teórica <strong>da</strong><br />

época se constitui: o positivismo de Comte, o <strong>da</strong>rwinismo social, o evolucionismo<br />

de Spencer” (ORTIZ, 1985:14).<br />

Segun<strong>do</strong> Capistrano de Abreu, simpático às teorias de Spencer, a influência <strong>do</strong> meio no<br />

<strong>desenvolvimento</strong> de qualquer socie<strong>da</strong>de se dá pelo fato de que “... embora, modificável dentro de<br />

certos limites, é ele por sua <strong>na</strong>tureza persistente, pouco plástico, invariável até algumas de suas<br />

feições” (ABREU, 1931:37). E falan<strong>do</strong> especificamente <strong>do</strong> meio continua, “... como pode<br />

compreender-se que o homem e a socie<strong>da</strong>de fossem refratárias a ação <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza brasílica?”<br />

(ABREU,1931:39).<br />

29


O evolucionismo parece cair em descrédito no Brasil em função de algumas críticas à<br />

noção de “raça” advin<strong>da</strong>s <strong>da</strong> antropologia <strong>do</strong> início <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>:<br />

“Há, em primeiro lugar, a variabili<strong>da</strong>de de critérios: alguns pensam em cor de<br />

pele; outros, <strong>na</strong>s proporções de medi<strong>da</strong>s <strong>da</strong> cabeça. E não só os critérios são<br />

superponíveis, mas também existem os tipos intermediários, cuja classificação<br />

apresenta uma dificul<strong>da</strong>de insuperável” (LEITE, 2002:52).<br />

Além disso, o movimento modernista a partir de 1922 propõe a compreensão <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira não mais sob a perspectiva <strong>do</strong> “atraso”, mas através <strong>da</strong> construção de um<br />

projeto de cultura <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Desta maneira, os conceitos de “raça” e “meio” utiliza<strong>do</strong>s por nossos<br />

autores evolucionistas passam a ser gra<strong>da</strong>tivamente substituí<strong>do</strong>s pelo conceito de “cultura”.<br />

(LEITE, 2002:52) Este, a partir <strong>do</strong> aban<strong>do</strong>no de uma abor<strong>da</strong>gem “biológica”, minimizaria as<br />

contradições sociais e prepararia o caminho para a criação de uma cultura <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

(LAHUERTA, 1997: 96).<br />

1.9 Tendências positivistas no pensamento brasileiro<br />

O Positivismo foi uma <strong>do</strong>utri<strong>na</strong> filosófica que surgiu <strong>na</strong> França em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong><br />

XIX, ten<strong>do</strong> como seu principal formula<strong>do</strong>r Auguste Comte (1798-1857). Segun<strong>do</strong> o filósofo<br />

havia algo de permanente no <strong>desenvolvimento</strong> <strong>do</strong> espírito humano e em seus mo<strong>do</strong>s de pensar e<br />

explicar o mun<strong>do</strong>. A partir dessa idéia ele desenvolveu a “leis <strong>do</strong>s três esta<strong>do</strong>s”. No primeiro<br />

esta<strong>do</strong> (teológico-fictício), o espírito humano explicaria os fenômenos por meio de “vontades<br />

transcendentais” ou “agentes sobre<strong>na</strong>turais”; no segun<strong>do</strong> esta<strong>do</strong> (metafísico-abstrato), os<br />

fenômenos seriam explica<strong>do</strong>s por meio de especulações as quais se apoiariam em conceitos<br />

“abstratos”; no terceiro e último esta<strong>do</strong> (positivo-científico), os fenômenos se explicariam através<br />

<strong>da</strong> subordi<strong>na</strong>ção a determi<strong>na</strong><strong>da</strong>s leis experimentalmente demonstráveis (RIBEIRO, 2001:19).<br />

Assim, para Comte, "... to<strong>da</strong>s as ciências passaram pelos <strong>do</strong>is primeiros esta<strong>do</strong>s, e só se<br />

constituíram quan<strong>do</strong> chegaram ao terceiro" (RIBEIRO, 2001:19).<br />

A entra<strong>da</strong> <strong>do</strong> positivismo no Brasil se deu, segun<strong>do</strong> se sabe, através <strong>do</strong>s estu<strong>da</strong>ntes de<br />

medici<strong>na</strong>, direito e ciências matemáticas que haviam trava<strong>do</strong> contato com a <strong>do</strong>utri<strong>na</strong> em diversos<br />

30


países <strong>da</strong> Europa. Ivan Lins (LINS, 1964:30-31) se refere a um certo Antonio Macha<strong>do</strong> Dias, o<br />

qual teria si<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s “auditores livres” <strong>do</strong>s cursos de Augusto Comte <strong>na</strong> Escola Politécnica de<br />

Paris, entre 1837 e 1838. O mesmo Antonio Macha<strong>do</strong> Dias fora, posteriormente, professor <strong>do</strong><br />

Visconde de Tau<strong>na</strong>y, no Colégio Pedro II. Outros três brasileiros que estu<strong>da</strong>ram <strong>na</strong> Escola<br />

Politécnica de Paris teriam si<strong>do</strong> ain<strong>da</strong> alunos particulares de Comte entre 1838 e 1839: José P.<br />

d’Almei<strong>da</strong>, Antonio de Campos Belos e Agostinho Roiz Cunha. (LINS, 1964:14).<br />

Outro caso é o <strong>do</strong> clínico paulista Luís Pereira Barreto, um <strong>do</strong>s grandes divulga<strong>do</strong>res <strong>do</strong><br />

positivismo no Brasil. Este havia toma<strong>do</strong> contato com a <strong>do</strong>utri<strong>na</strong> em Bruxelas, através de Marie<br />

de Ribbentrop, durante um curso de medici<strong>na</strong>. Ribbentrop havia <strong>na</strong>sci<strong>do</strong> em Metz, em 1837, e era<br />

filha <strong>do</strong> Barão prussiano A<strong>do</strong>lf von Ribbentrop, segun<strong>do</strong> Ivan Lins, um “positivista de <strong>primeira</strong><br />

hora”, o qual Comte designou como representante <strong>da</strong> Prússia no Comitê Positivo Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l,<br />

de que vinha cogitan<strong>do</strong> desde 1848 (LINS, 1964:45).<br />

Diga-se de passagem, Marie Ribbentropp, que conheceu pessoalmente Comte e assistira<br />

ain<strong>da</strong> meni<strong>na</strong> um de seus cursos sobre a História Geral <strong>da</strong> Humani<strong>da</strong>de, foi educa<strong>da</strong> fora de<br />

qualquer influência teológica, sob a direção de seu pai, que a iniciou <strong>na</strong> <strong>do</strong>utri<strong>na</strong> (LINS,<br />

1964:45).<br />

Podemos acompanhar a dissemi<strong>na</strong>ção <strong>do</strong> positivismo no Brasil através de diversos<br />

trabalhos que surgem em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX. Em 1844, por exemplo, <strong>do</strong>is anos após Comte<br />

publicar o último volume <strong>do</strong> Curso de Filosofia Positiva, Justiniano <strong>da</strong> Silva Gomes, que esteve<br />

em Paris por volta de 1842, solicitava uma cátedra à Facul<strong>da</strong>de de Medici<strong>na</strong> <strong>da</strong> Bahia com a tese<br />

“Plano e méto<strong>do</strong> de um curso de fisiologia”, <strong>na</strong> qual se referia à “lei <strong>do</strong>s três esta<strong>do</strong>s” (LINS,<br />

1964:17).<br />

Nísia Floresta, responsável pelo “Colégio Augusto”, no Rio de Janeiro, onde lecio<strong>na</strong>va,<br />

para mulheres, latim e diversas outras matérias, publicou, sob influência <strong>da</strong>s idéias de Comte,<br />

uma coletânea de sessenta e <strong>do</strong>is artigos sobre educação femini<strong>na</strong> intitula<strong>da</strong> “Opúsculo<br />

Humanitário”, <strong>primeira</strong>mente, no Diário <strong>do</strong> Rio de Janeiro, e logo em segui<strong>da</strong>, em O Liberal<br />

(LINS, 1964:20).<br />

Ten<strong>do</strong> estabeleci<strong>do</strong> seu primeiro contato com Auguste Comte em Paris numa <strong>da</strong>s sessões<br />

<strong>do</strong> curso ministra<strong>do</strong> pelo filósofo francês sobre a História Geral <strong>da</strong> Humani<strong>da</strong>de, Nísia oferece-<br />

lhe um exemplar <strong>do</strong> “Opúsculo” conten<strong>do</strong> a seguinte dedicatória: “Ao grande pai <strong>da</strong><br />

31


Humani<strong>da</strong>de, o profun<strong>do</strong> filósofo M.A Comte, home<strong>na</strong>gem <strong>da</strong> autora. Brasileira Augusta 1 ”<br />

(LINS, 1964:20).<br />

Laffitte:<br />

Sobre esta obra, comentou o próprio Comte numa carta a outro positivista, Pierre<br />

“O opúsculo em português, além de revelar-me que eu sabia indiretamente mais<br />

uma língua, inspira-me sóli<strong>da</strong>s razões para esperar se torne a nobre <strong>da</strong>ma, sua<br />

autora, dentro em breve, uma dig<strong>na</strong> positivista, susceptível de alta eficácia para<br />

nossa propagan<strong>da</strong> femini<strong>na</strong> e meridio<strong>na</strong>l” (LINS, 1964:20).<br />

A partir de 1850, várias instituições no Brasil passaram a a<strong>do</strong>tar, através de alguns de seus<br />

professores, o positivismo como fun<strong>da</strong>mento filosófico, e dentre elas, figura o Colégio Pedro II, a<br />

Escola Politécnica, e evidentemente a já cita<strong>da</strong> Escola Militar. Em 1873, por exemplo, antes de<br />

prestar provas orais para ser admiti<strong>do</strong> no quadro de professores <strong>da</strong> Escola Militar, Benjamin<br />

Constant in<strong>da</strong>gou à mesa se o fato de ter aceito o positivismo como <strong>do</strong>utri<strong>na</strong>, deven<strong>do</strong> por ele<br />

pautar as suas lições, não o incompatibilizaria de concorrer ao cargo a que se propunha. Estava<br />

presente D. Pedro II, que o permitiu prosseguir sua avaliação, “... episódio que igualmente<br />

enobrece o mo<strong>na</strong>rca e aquele que, dezesseis anos mais tarde, chefiaria o movimento que<br />

resultaria <strong>na</strong> República” (LINS, 1964: 305).<br />

Outros trabalhos influencia<strong>do</strong>s pelo positivismo vão surgin<strong>do</strong> no Brasil ao longo <strong>do</strong><br />

<strong>século</strong> XIX, demonstran<strong>do</strong> assim a adesão de princípios <strong>da</strong> <strong>do</strong>utri<strong>na</strong> pela parcela liberal<br />

brasileira. Por exemplo, apresenta à Escola Militar Joaquim Pereira de Sá, em 1850, uma tese<br />

sobre os princípios <strong>da</strong> Estática, em 1851 é Joaquim Mauro Saião, que escreve sobre<br />

Hidroestática, e por fim, em 1855, Augusto Dias Carneiro, sobre Termologia (GAGLIARDI,<br />

1989:42-43).<br />

Em 1865, o cita<strong>do</strong> Pereira Barreto submete à Facul<strong>da</strong>de de Medici<strong>na</strong> <strong>do</strong> Rio de Janeiro<br />

uma tese de feição acentua<strong>da</strong>mente positivista. Tratava-se de “Teoria <strong>da</strong>s Gastralgias e <strong>da</strong>s<br />

Nevroses em Geral”. Consagra<strong>da</strong> à memória de Comte, esta tese reproduzia em suas pági<strong>na</strong>s<br />

iniciais uma máxima positivista: “O amor como princípio e a ordem por base; o progresso por<br />

fim”. A tese fora ain<strong>da</strong> dedica<strong>da</strong> a vários positivistas europeus, dentre eles Laffitte, Congreve,<br />

1 “Au grand Prètre de l’Humanitè, le profund philosophe M.A Comte, hommage de l’auteur. Brasileira<br />

Augusta”<br />

32


Audiffrent, e também a seus amigos brasileiros positivistas Ribeiro de Men<strong>do</strong>nça e Brandão<br />

Júnior (LINS, 1964:?).<br />

A partir de 1870, mais <strong>do</strong>centes e alunos de diversas instituições de ensino no Brasil:<br />

“... engajaram-se firmemente <strong>na</strong> difusão <strong>do</strong> <strong>da</strong>rwinismo, <strong>do</strong> positivismo e <strong>do</strong>s<br />

pensa<strong>do</strong>res anticlericais então em voga [...] No perío<strong>do</strong> anterior, as simpatias<br />

pelas <strong>do</strong>utri<strong>na</strong>s de Augusto Comte (1798/1957) só chegaram a adquirir<br />

significação <strong>na</strong> Academia Militar (BRASIL; CONGRESSO; CÂMARA DOS<br />

DEPUTADOS, 1981:3).<br />

Para os militares positivistas, através de uma educação técnico-civil-militar, a <strong>do</strong>utri<strong>na</strong><br />

oferecia a oportuni<strong>da</strong>de de uma reforma que tinha como objetivo civilizar e educar o povo<br />

brasileiro, fazen<strong>do</strong> <strong>do</strong> país uma <strong>na</strong>ção moder<strong>na</strong> e progressista. Para tal, em 1890, Benjamin<br />

Constant promoveu uma reforma no ensino secundário que tinha como objetivo essencial<br />

transformá-lo num “... ciclo integral de formação científica e humanista nos modelos<br />

preconiza<strong>do</strong>s por Augusto Comte” (MORAES, 1997:75). Constant promoveu outra reforma,<br />

desta vez <strong>na</strong> educação militar, a qual deveria se dirigir tanto aos melhoramentos <strong>da</strong> arte <strong>da</strong> guerra<br />

quanto ao avanço <strong>da</strong> missão civiliza<strong>do</strong>ra, moral e humanitária desig<strong>na</strong><strong>da</strong> aos exércitos <strong>do</strong><br />

continente sul-americano (MORAES, 1997:74).<br />

Em sua visão, o sol<strong>da</strong><strong>do</strong> deveria ser a “... corporificação <strong>da</strong> honra <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e importante<br />

coopera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> progresso como garantia <strong>da</strong> ordem e <strong>da</strong> paz públicas” (MORAES, 1997:74). Para<br />

tanto, o sol<strong>da</strong><strong>do</strong>-ci<strong>da</strong>dão de Constant, necessitaria de uma educação “... que o habilite pela<br />

formação <strong>do</strong> coração, pelo legítimo <strong>desenvolvimento</strong> <strong>do</strong>s sentimentos afetivos, pela racio<strong>na</strong>l<br />

expansão <strong>da</strong> inteligência, e bem conhecer os seus deveres não só militares como principalmente<br />

sociais” (MORAES, 1997:75).<br />

Do mesmo mo<strong>do</strong>, os profissio<strong>na</strong>is liberais que haviam aderi<strong>do</strong> ao positivismo<br />

interpretavam a <strong>do</strong>utri<strong>na</strong> de Comte com espírito progressista, imbuin<strong>do</strong>-se de ideais de reforma<br />

social no Brasil. Exemplo disso é o próprio Pereira Barreto, o qual havia se empenha<strong>do</strong> <strong>na</strong><br />

propagan<strong>da</strong> <strong>do</strong> positivismo em solo brasileiro. Numa carta <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> de 14 de dezembro de 1864 e<br />

envia<strong>da</strong> ao positivista Pierre Laffitte, transparece a vontade de Pereira Barreto de implantar o<br />

positivismo no Brasil:<br />

33


“No que diz respeito aos interesses positivistas, não posso ain<strong>da</strong> falar-lhe exprofesso.<br />

Mas já pude ver que a <strong>do</strong>utri<strong>na</strong> regenera<strong>do</strong>ra não encontrará aqui muita<br />

oposição. As câmaras legislativas estão no auge <strong>do</strong> descrédito e o clero, em<br />

desordem, só continua a subsistir pela tolerância <strong>da</strong> população que não encontra<br />

coisa melhor. Os padres são ignorantes e de sórdi<strong>da</strong> falta de vergonha. Só fazem<br />

destruir os bons resulta<strong>do</strong>s <strong>da</strong> influência <strong>do</strong>s jesuítas. O povo está<br />

ver<strong>da</strong>deiramente priva<strong>do</strong> de qualquer direção moral. É impossível ao governo<br />

fazer penetrar sua ação até o interior. E, apesar desse completo aban<strong>do</strong>no, a<br />

população é de uma <strong>do</strong>çura incomparável, de uma franqueza e de uma<br />

hospitali<strong>da</strong>de patriarcais. Não há polícia e quase não há crimes. Até o momento<br />

pude conversar um pouco sobre o Positivismo com meu pai, que concor<strong>da</strong> com as<br />

nossas idéias sem restrição (LINS,1964:47-48).<br />

A propagan<strong>da</strong> <strong>do</strong> positivismo em diversos países espalha<strong>do</strong>s pelo mun<strong>do</strong> afora parece ter<br />

si<strong>do</strong> um tópico relevante para Comte e outros companheiros positivistas. Para esse fim, o filósofo<br />

planejava realizar “salões positivistas”, ou seja, reuniões <strong>na</strong> casa de particulares, <strong>na</strong>s quais, <strong>na</strong><br />

presença <strong>do</strong> mestre, se discutiria sobre os diversos tópicos <strong>da</strong> <strong>do</strong>utri<strong>na</strong> bem sobre as estratégias de<br />

“conversão” de novos adeptos. Segun<strong>do</strong> uma carta envia<strong>da</strong> ao Dr. Audiffrant em 29 de março de<br />

1857, Comte assume ver em Nísia Floresta, e mais precisamente, em sua filha, presidentes em<br />

potencial desses salões positivistas:<br />

“Durante vossa visita de outono, comunicar-vos-ei especialmente as fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s<br />

esperanças que me inspiram, para nosso mais decisivo progresso, duas novas<br />

discípulas meridio<strong>na</strong>is, uma nobre viúva brasileira, e, sobretu<strong>do</strong> sua dig<strong>na</strong> filha,<br />

contan<strong>do</strong> respectivamente 47 e 22 anos. Estão em Paris há sete meses e tenho<br />

motivo de esperar que aqui se fixarão, de mo<strong>do</strong> a poderem presidir o ver<strong>da</strong>deiro<br />

salão positivista que nos seria tão precioso. Ambas são eminentes pelo coração e<br />

suficientes quanto ao espírito. Acha-se, contu<strong>do</strong>, a mãe de tal mo<strong>do</strong> imbuí<strong>da</strong> de<br />

hábitos <strong>do</strong> <strong>século</strong> dezoito, que pouco devemos esperar <strong>da</strong> plenitude de sua<br />

conversão, embora as suas simpatias remontem ao meu curso de 1851, cuja<br />

influência ela não pôde, entretanto, receber senão através de uma única <strong>da</strong>s<br />

sessões. Sua filha, porém, comporta uma incorporação completa, que a mãe<br />

secun<strong>da</strong>rá sem rivali<strong>da</strong>de disfarça<strong>da</strong>” (LINS, 1964:21).<br />

Durante os últimos anos <strong>do</strong> Império, a Escola Militar era ple<strong>na</strong>mente positivista, e<br />

passou a ser mais um centro de estu<strong>do</strong>s de matemática, filosofia e letras <strong>do</strong> que de discipli<strong>na</strong>s<br />

militares (MORAES, 1997:77). De certo mo<strong>do</strong>, é <strong>na</strong>tural que “... fosse nessas escolas o lugar<br />

onde o Positivismo esteve melhor representa<strong>do</strong> e mais ativo, pois eram escolas de ciências exatas<br />

e <strong>na</strong>turais, modelos <strong>do</strong> pensamento objetivo de Comte” (LINS, 1964:306).<br />

34


O desprestígio <strong>da</strong> classe militar com o fim <strong>da</strong> Guerra <strong>do</strong> Paraguai parece ter leva<strong>do</strong> jovens<br />

militares a se afastar <strong>do</strong> ideal bélico, e, assim, se aproximar <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> de ciências exatas.<br />

(MORAES, 1997:74). Neste perío<strong>do</strong>, os militares passaram a receber determi<strong>na</strong>ções que além de<br />

denegrir a imagem <strong>da</strong> corporação, como por exemplo, caçar escravos fugitivos - tarefa<br />

normalmente entregue aos “capitães <strong>do</strong> mato”. Além disso, o próprio princípio escravagista se<br />

opunha diretamente àqueles outros preconiza<strong>do</strong>s pela <strong>do</strong>utri<strong>na</strong> de Comte, de teor altruísta. Com<br />

isso, os atritos entre o Exército (agora mais organiza<strong>do</strong> e numeroso) e o Império se intensificaram<br />

“... até beirar o rompimento de fato entre alguns setores <strong>da</strong> oficiali<strong>da</strong>de e o Governo monárquico<br />

por volta de 1887” (TEIXEIRA, 1978:267).<br />

Outros profissio<strong>na</strong>is liberais que haviam aderi<strong>do</strong> ao positivismo também interpretaram a<br />

<strong>do</strong>utri<strong>na</strong> com espírito progressista, e imbuíram-se de ideais que tinham como foco uma reforma<br />

social no Brasil. Um exemplo disso foi a preferência pelas idéias <strong>do</strong> positivismo “religioso” por<br />

alguns liberais brasileiros engaja<strong>do</strong>s <strong>na</strong> dissemi<strong>na</strong>ção <strong>da</strong> <strong>do</strong>utri<strong>na</strong> no país, como é o caso de<br />

Miguel Lemos. Em seu primeiro ano em Paris (1877), onde esteve para concluir o curso<br />

politécnico, Miguel Lemos decepcio<strong>na</strong>ra-se com Littré, segun<strong>do</strong> ele um “erudito seco” e sem<br />

“ação social”, “... um paciente investiga<strong>do</strong>r de vocábulos, sem entusiasmo, sem fé, absorvi<strong>do</strong> <strong>na</strong>s<br />

minúcias de uma erudição estéril” (BRASIL; CONGRESSO; CÂMARA DOS DEPUTADOS,<br />

1981:4).<br />

Nsse tempo, Lemos entrara em contato com a obra fi<strong>na</strong>l de Comte, Sistema Política<br />

Positiva, onde o filósofo concebeu a “Religião <strong>da</strong> Humani<strong>da</strong>de” (BRASIL; CONGRESSO;<br />

CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1981:4).<br />

Ten<strong>do</strong> diversos estabelecimentos de ensino no Brasil a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> o positivismo como<br />

<strong>do</strong>utri<strong>na</strong> nortea<strong>do</strong>ra, grande parte <strong>da</strong>queles que desempenharam funções de destaque e projeção<br />

social entre mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX e mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong> (médicos, professores de ciências<br />

matemáticas e biológicas, membros <strong>do</strong> funcio<strong>na</strong>lismo público, militares, entre outros) foram<br />

positivistas, e senão, alunos de positivistas.<br />

1.10 Algumas considerações sobre o Modernismo no Brasil<br />

35


O movimento modernista teve inicio em 1922 e propunha a socie<strong>da</strong>de brasileira um<br />

projeto de âmbito <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, que visava, num primeiro momento, criar uma “literatura brasileira”,<br />

e posteriormente - projeto mais ambicioso, criar uma cultura <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l (MORAIS, 1978:73).<br />

Estes anos “... são simbólicos <strong>na</strong> história política e cultural brasileira, por i<strong>na</strong>ugurarem<br />

a gênese <strong>do</strong> Brasil Moderno, com a introdução de procedimentos, hábitos, ângulos de visão,<br />

diagnósticos que orientaram o mobilizaram várias gerações” (LAHUERTA, 1997:93). O tema<br />

<strong>da</strong> organização e unificação <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l prevalece entre a intelectuali<strong>da</strong>de brasileira neste momento,<br />

e ampliam-se as tentativas de compreensão <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de brasileira (LAHUERTA, 1997:96).<br />

Instaura-se neste perío<strong>do</strong> “... uma crise de ‘identi<strong>da</strong>de social’ entre a intelectuali<strong>da</strong>de,<br />

levan<strong>do</strong> o conjunto <strong>do</strong>s homens cultos a problematizar sua condição com enorme radicali<strong>da</strong>de”<br />

(LAHUERTA, 1997:94-96). A idéia de “missão”, presente entre os intelectuais brasileiros desde<br />

os primeiros anos <strong>da</strong> República, se aprofun<strong>da</strong> dentro <strong>do</strong> processo histórico vivencia<strong>do</strong> ao longo<br />

<strong>do</strong>s anos 20, fazen<strong>do</strong> com que a base <strong>do</strong>s questio<strong>na</strong>mentos se desse sob um ângulo que, buscan<strong>do</strong><br />

o “brasileiro”, recolocasse com maior intensi<strong>da</strong>de o tema <strong>do</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e <strong>do</strong> popular (LAHUERTA,<br />

1997: 95).<br />

“Para esse esforço [a modernização e <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lização <strong>do</strong> Brasil] é chama<strong>da</strong> a<br />

inteligência brasileira. O estu<strong>do</strong> de nossos problemas, a análise profun<strong>da</strong> de<br />

nossas cama<strong>da</strong>s sociais, a in<strong>da</strong>gação <strong>do</strong>s seus desejos e necessi<strong>da</strong>des, a<br />

psicologia exata <strong>do</strong> povo são elementos de verificação indispensáveis para<br />

qualquer obra construtora neste senti<strong>do</strong> [...]. Para a realização dessa obra<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l é que o país reclama o esforço de to<strong>do</strong>s os homens de inteligência e<br />

ação” (ALMEIDA, 1928: 3).<br />

Essas transformações verifica<strong>da</strong>s ao longo <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1920 se des<strong>do</strong>bram <strong>na</strong> Revolução<br />

de 30 e no Esta<strong>do</strong> Novo, implantan<strong>do</strong> um modelo de produção cultural até então jamais visto <strong>na</strong><br />

história brasileira. Tais transformações no seio <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de fazem surgir uma identi<strong>da</strong>de<br />

intelectual “... que se define pela tentativa de construir, como se fossem termos intercambiáveis,<br />

a <strong>na</strong>ção, o povo e o moderno” (LAHUERTA, 1997: 95).<br />

Os modernistas convocam a socie<strong>da</strong>de brasileira, representa<strong>da</strong> por seus “homens de<br />

inteligência e ação”, para o estu<strong>do</strong> de seus problemas, para “... a análise profun<strong>da</strong> de nossas<br />

cama<strong>da</strong>s sociais, a in<strong>da</strong>gação <strong>do</strong>s seus desejos e necessi<strong>da</strong>des, a psicologia exata <strong>do</strong> povo”<br />

(ALMEIDA, 1928:3), os quais são “... elementos de verificação indispensáveis para qualquer<br />

obra construtora neste senti<strong>do</strong>” (ALMEIDA, 1928: 3).<br />

36


Para a realização desta tarefa que visava a criação de uma cultura <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l unifica<strong>da</strong>, os<br />

modernistas aban<strong>do</strong><strong>na</strong>ram as especulações em torno <strong>do</strong> “atraso”, fazen<strong>do</strong> com que os conceitos<br />

de “raça” e “meio”, utiliza<strong>do</strong>s anteriormente à exaustão por evolucionistas como Silvio Romero e<br />

Capistrano de Abreu, fossem paulati<strong>na</strong>mente substituí<strong>do</strong>s pelo conceito de “cultura”, o qual,<br />

aparentemente, minimiza as contradições sociais, permitin<strong>do</strong> com que a raça branca, negra e<br />

indíge<strong>na</strong>, pudessem, juntas, formar um dia o povo “brasileiro” (LAHUERTA, 1997: 96).<br />

Portanto, há neste momento, simultaneamente, uma mu<strong>da</strong>nça de paradigma científico<br />

entre os pensa<strong>do</strong>res <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira e uma mu<strong>da</strong>nça de perspectiva em relação à reali<strong>da</strong>de<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l: aban<strong>do</strong><strong>na</strong>-se uma perspectiva “realista-pessimista” (exemplifica<strong>do</strong> por pensa<strong>do</strong>res,<br />

como Silvio Romero, que conde<strong>na</strong>vam a priori a possibili<strong>da</strong>de de criação de uma civilização no<br />

Brasil) em prol de uma perspectiva “construtivista”, que visava, antes de tu<strong>do</strong>, a criação de uma<br />

cultura “brasileira”. Esta mu<strong>da</strong>nça de perspectiva foi possível, segun<strong>do</strong> Moraes, devi<strong>do</strong> à<br />

revalorização e incorporação <strong>do</strong> “primitivismo” <strong>na</strong> arte moder<strong>na</strong> inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, o que fez com que<br />

elementos relacio<strong>na</strong><strong>do</strong>s ao “atraso” fossem reinterpreta<strong>do</strong>s e vistos como traços distintivos de<br />

cultura (MORAES, 1998).<br />

2. Objeto e contexto (1900-1954)<br />

Neste capítulo estu<strong>da</strong>remos o contexto particular <strong>do</strong> objeto, ou seja, o que se tem<br />

publica<strong>do</strong>, quais os principais autores, que meios dispuseram para divulgação de seus escritos,<br />

qual o público de tais escritos, que realizações sobre a história de São Paulo podem ser<br />

encontra<strong>da</strong>s neste momento etc.<br />

2.1 O objeto em biografias<br />

A biografia é a principal forma de abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong> historiografia musical tradicio<strong>na</strong>l<br />

(PEREIRA, 1996:40). Segun<strong>do</strong> Dwight Allen, em Philosophies of music history, a origem <strong>do</strong><br />

37


iografismo <strong>na</strong> historiografia musical se deve aos racio<strong>na</strong>listas <strong>do</strong> <strong>século</strong> XVIII, os quais<br />

julgaram os músicos <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> como “inventores” <strong>da</strong> arte e ciência musical, e mais,<br />

considera<strong>do</strong>s responsáveis pelo “<strong>desenvolvimento</strong> constante” e pelo “progresso” <strong>da</strong> arte musical,<br />

em função de seus poderes racio<strong>na</strong>is e de seu esforço consciente (ALLEN, 1962: 85). Allen<br />

lembra ain<strong>da</strong> que, ao levar o “terror” à França, o racio<strong>na</strong>lismo havia se posto em ver<strong>da</strong>deiro<br />

descrédito, causan<strong>do</strong>, de tal mo<strong>do</strong>, uma revitalização <strong>da</strong> fé cristã, e assim, crian<strong>do</strong> um ambiente<br />

favorável para que os historia<strong>do</strong>res recorressem à expla<strong>na</strong>ções de ordem super<strong>na</strong>tural, onde a<br />

idéia de gênio poderia se desenvolver ple<strong>na</strong>mente (ALLEN, 1961:87).<br />

José Honório Rodrigues nos apresenta importantes considerações para compreendermos o<br />

caráter <strong>do</strong> gênero biográfico. Em primeiro lugar, o autor dizer este ser um gênero origi<strong>na</strong>lmente<br />

associa<strong>do</strong> à poesia e à prosa, e em segun<strong>do</strong> lugar, que há uma estreita conexão entre a biografia e<br />

o elogio, chegan<strong>do</strong> mesmo esta a ser caracteriza<strong>da</strong> pelo autor como um tipo de literatura<br />

comemorativa (RODRIGUES, 1978:204). O autor exemplifica suas considerações com uma série<br />

de tipos de escritos biográficos produzi<strong>do</strong>s entre várias civilizações desde a Antigui<strong>da</strong>de até os<br />

dias de hoje.<br />

Além disso, o autor relata que no Brasil houve sempre um pre<strong>do</strong>mínio <strong>da</strong> biografia de<br />

perso<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de sobre a própria história política, e que durante muito tempo nossa história política<br />

foi escrita em torno de figuras centrais como D. João, D. Pedro I, José Bonifácio, D. Pedro II,<br />

Joaquim Nabuco, Rui Barbosa etc (RODRIGUES, 1978:206). Segun<strong>do</strong> Rodrigues, através <strong>da</strong>s<br />

biografias a historiografia brasileira difundiu a idéia de “heróis” vincula<strong>do</strong>s ao processo de<br />

“criação” <strong>da</strong> <strong>na</strong>ção. Segun<strong>do</strong> o autor, “... os heróis aparecem <strong>na</strong>s ativi<strong>da</strong>des <strong>do</strong>mésticas ou<br />

superestruturais <strong>da</strong> política, sem que esta última se coordene com as bases econômicas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l” (RODRIGUES, 1978:206).<br />

Nilo Odália, por sua vez, cita o caso <strong>do</strong> renoma<strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r brasileiro de mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />

<strong>século</strong> XIX, Francisco de Varnhagen, o qual, no intuito de sedimentar a uni<strong>da</strong>de territorial <strong>da</strong><br />

<strong>na</strong>scente <strong>na</strong>ção brasileira, “... lança mão <strong>do</strong> recurso altamente sensibilizante <strong>da</strong> criação de<br />

heróis” (ODÁLIA, 1997:57). Do mesmo mo<strong>do</strong>, a historiografia paulista <strong>do</strong> início <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong><br />

procurou forjar uma imagem heróica <strong>do</strong> bandeirante, então “... considera<strong>do</strong> exatamente um elo<br />

fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> constituição e permanência <strong>do</strong> povo brasileiro e <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, em última<br />

instância, de sua uni<strong>da</strong>de geográfica e política” (DAVIDOFF, 1982:86).<br />

38


Dentre os músicos que atuaram em São Paulo, Carlos Gomes foi o que mais teve<br />

biografias publica<strong>da</strong>s, o que certamente se deve à sua reputação inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l enquanto<br />

compositor de óperas. Conforme uma bibliografia sobre o compositor disponível <strong>na</strong> pági<strong>na</strong><br />

eletrônica <strong>do</strong> “Núcleo de Informação Automatiza<strong>da</strong> <strong>da</strong> Divisão de Música e Arquivo Sonoro <strong>da</strong><br />

Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l”, sua vi<strong>da</strong> tem si<strong>do</strong> registra<strong>da</strong> e <strong>na</strong>rra<strong>da</strong> em diversas publicações<br />

desde mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX. Em 1870, por exemplo, Luiz Guimarães publica, no Rio de<br />

Janeiro, A. Carlos Gomes; perfil biographico por L.Guimarães Junior. Em 1882, José Veríssimo<br />

publica seu Carlos Gomes; escorço. Já no <strong>século</strong> <strong>XX</strong>, Luigi Chiaffarelli, renoma<strong>do</strong> professor de<br />

piano instala<strong>do</strong> em São Paulo desde fins <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX, publica uma biografia <strong>do</strong> compositor,<br />

resulta<strong>do</strong> de uma conferência realiza<strong>da</strong> em 1909 e intitula<strong>da</strong> Carlos Gomes. Por sua vez,<br />

Archimedes Pereira Guimarães, membro <strong>do</strong> Instituto Histórico e Geográfico <strong>da</strong> Bahia, publica,<br />

em 1936, outra conferência sobre o compositor, sob o título de Antonio Carlos Gomes. Há o<br />

trabalho de Tau<strong>na</strong>y, Dois artistas máximos: José Maurício e Carlos Gomes, sem <strong>da</strong>ta. Carlos<br />

Pentea<strong>do</strong> de Resende, em 1954, publica O compositor D’O Guarany e os seus biógrafos:<br />

voltan<strong>do</strong> ao passa<strong>do</strong> – um pouco de história – erros <strong>na</strong>s biografias de Carlos Gomes – resposta<br />

a sr. Jorumá Brito - além de erros, plágios.<br />

Uma série de outros escritos produzi<strong>do</strong>s ao longo <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong> confirma o prestígio <strong>do</strong><br />

compositor, considera<strong>do</strong> então o mais antigo músico paulista de renome e valor (FUNDAÇÃO<br />

BIBLIOTECA NACIONAL, 2007).<br />

Outros compositores de renome vincula<strong>do</strong>s a São Paulo também foram alvos de<br />

biografias, como é o caso de Alexandre Levy e Henrique Oswald. Gelásio Pimenta, por exemplo,<br />

publica Alexandre Levy, em 1911, e outra publicação sobre o compositor saiu em 1930, pela Casa<br />

Levy, a qual então era proprie<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s membros <strong>da</strong> família <strong>do</strong> compositor.<br />

Henrique Oswald teve dentre suas biografias o trabalho de Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende,<br />

Moci<strong>da</strong>de de Henrique Oswald, publica<strong>do</strong> em 1948 <strong>na</strong> revista Colégio. Em 1951, o mesmo autor<br />

publica Dois meninos prodígio de outrora em São Paulo, tratan<strong>do</strong> <strong>da</strong> biografia de Henrique<br />

Oswald e Eugênio Dengremont (RESENDE, 1951).<br />

Além <strong>da</strong>s perso<strong>na</strong>li<strong>da</strong>des acima relacio<strong>na</strong><strong>da</strong>s, outro compositor, ain<strong>da</strong> mais antigo que os<br />

anteriores, se tornou um novo objeto de interesse <strong>do</strong>s historiógrafos <strong>da</strong> música de São Paulo a<br />

partir de 1930 - trata-se de André <strong>da</strong> Silva Gomes. Neste ano, Fúrio Franceschini, então mestre de<br />

capela <strong>da</strong> Sé de São Paulo, encontrou no Arquivo <strong>da</strong> Cúria Metropolita<strong>na</strong> de São Paulo um<br />

39


manuscrito <strong>do</strong> compositor português André <strong>da</strong> Silva Gomes, o qual viveu em São Paulo desde a<br />

segun<strong>da</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> XVIII até o início <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX. Esta obra foi apresenta<strong>da</strong> <strong>na</strong>quele<br />

ano em um concerto promovi<strong>do</strong> pela Socie<strong>da</strong>de de Cultura Artística de São Paulo, em 16 de<br />

dezembro de 1930, ten<strong>do</strong> desperta<strong>do</strong> grande interesse pela figura <strong>do</strong> compositor (OLIVEIRA,<br />

1956:19).<br />

Da<strong>da</strong> a grande escassez de informações, André <strong>da</strong> Silva Gomes foi considera<strong>do</strong> o mais<br />

antigo compositor a atuar em São Paulo, além disso, pelo fato de vir <strong>na</strong> comitiva <strong>do</strong> Bispo de São<br />

Paulo, Dom Manuel <strong>da</strong> Ressurreição, foi considera<strong>do</strong> um músico “consagra<strong>do</strong>” pelos<br />

historiógrafos <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>. Silva Gomes passou a ser considera<strong>do</strong> o “cria<strong>do</strong>r” <strong>do</strong> coro <strong>da</strong> Sé de<br />

São Paulo, fato que foi repeti<strong>do</strong> por diversos autores em uma série de trabalhos. Carlos Pentea<strong>do</strong><br />

de Resende, por exemplo, nos diz que este músico veio com a missão de “... criar e reger nesta<br />

ci<strong>da</strong>de o côro de música <strong>da</strong> Sé Catedral” (RESENDE, 1954: 233); Clóvis de Oliveira, por sua<br />

vez, afirma que este fora “... o primeiro mestre de capela e o fun<strong>da</strong><strong>do</strong>r <strong>do</strong> côro <strong>da</strong> Sé Catedral de<br />

São Paulo; foi o primeiro músico de real valor a fixar-se em São Paulo e a iniciar a tradição<br />

musical <strong>da</strong> terra bandeirante” (OLIVEIRA, 1956: 18); João <strong>da</strong> Cunha Caldeira Filho também<br />

afirma que Silva Gomes foi “diretor” <strong>do</strong> coro <strong>da</strong> Sé de São Paulo, por ele recém fun<strong>da</strong><strong>do</strong><br />

(CALDEIRA FILHO, 1956: 129).<br />

Apesar de se consistirem basicamente de biografias, podemos perceber certas diferenças<br />

no teor <strong>do</strong>s discursos, as quais variam de acor<strong>do</strong> com o perfil <strong>do</strong> biografa<strong>do</strong> e as idéias que se<br />

quer comunicar. Essa diferença aponta, ao nosso ver, para três tipos de abor<strong>da</strong>gens <strong>do</strong> objeto: em<br />

primeiro lugar, <strong>na</strong>rrativas <strong>do</strong> gênio (biografias sobre grandes homens); em segun<strong>do</strong> lugar,<br />

<strong>na</strong>rrativas <strong>do</strong> “herói <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l” (historiografia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista); e em terceiro lugar, <strong>na</strong>rrativas sobre<br />

os “ilustres conterrâneos” (<strong>na</strong>rrativas regio<strong>na</strong>listas).<br />

Para este momento nos coube ape<strong>na</strong>s apresentar uma visão geral <strong>do</strong> objeto. As análises<br />

sobre as relações entre biografa<strong>do</strong>s e tendências <strong>da</strong> historiografia <strong>da</strong> música de São Paulo serão<br />

aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong>s posteriormente no terceiro capítulo <strong>da</strong> dissertação.<br />

Assim, temos André <strong>da</strong> Silva Gomes, Carlos Gomes, Alexandre Levy e Henrique Oswald<br />

como os músicos de maior destaque relacio<strong>na</strong><strong>do</strong>s a historiografia <strong>da</strong> música de São Paulo neste<br />

momento, e por sua vez, são o objeto <strong>do</strong>s historiógrafos. Fica-nos a pergunta: como tais<br />

compositores eram compreendi<strong>do</strong>s neste perío<strong>do</strong>, ou seja, como era avalia<strong>da</strong> a contribuição<br />

destes compositores por nossos historiógrafos, como e porquê tais historiógrafos chegaram a suas<br />

40


conclusões a despeito <strong>do</strong> pequeno número de informações, e por fim, de que maneira tais<br />

considerações evidenciam as preferências e tendências <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de no momento <strong>da</strong> produção<br />

<strong>do</strong>s escritos?<br />

2.2 O objeto <strong>na</strong>s “histórias <strong>da</strong> música brasileira”<br />

Uma vez que a história de São Paulo está conti<strong>da</strong> <strong>na</strong> história <strong>do</strong> Brasil, podemos encontrar<br />

nos livros de “história <strong>da</strong> música brasileira” certos escritos sobre a ativi<strong>da</strong>de musical <strong>na</strong> região<br />

paulista. Os primeiros trabalhos <strong>do</strong> gênero que temos noticia são A música no Brasil (1908) de<br />

Guilherme de Mello, História <strong>da</strong> Música Brasileira (1926), de Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong>, e por fim, Storia<br />

della musica nel Brasile <strong>da</strong>i tempi coloniali sino ai nostri giorni (1549-1925) (1926), de Vicenzo<br />

Cernicchiaro.<br />

Tais trabalhos foram cria<strong>do</strong>s numa época de grande ausência de informações precisas<br />

sobre a ativi<strong>da</strong>de musical em nosso país, e se constituem de um mo<strong>do</strong> geral de uma série de fatos<br />

relacio<strong>na</strong><strong>do</strong>s à música e aos músicos brasileiros, e que, alinha<strong>do</strong>s aos “grandes acontecimentos”<br />

de nossa história geral, vinham a afirmar a tendência <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista então em voga (PEREIRA,<br />

1995:36). Em tais trabalhos, o reconhecimento de certos fatos enquanto “históricos”, e o<br />

julgamento <strong>da</strong> contribuição pessoal de ca<strong>da</strong> um <strong>do</strong>s compositores abor<strong>da</strong><strong>do</strong>s tor<strong>na</strong>va-se<br />

importante ao nosso ver para reconhecimento de uma espécie de “consciência” musical <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.<br />

O mais antigo <strong>do</strong>s trabalhos deste gênero de que temos notícia é A música no Brasil de<br />

Guilherme de Mello. Foi publica<strong>do</strong> em 1908, portanto, quan<strong>do</strong> a República contava ape<strong>na</strong>s cerca<br />

de vinte anos de vi<strong>da</strong>. No dizer de Avelino Pereira, este trabalho “... traz o reflexo <strong>da</strong> esperança<br />

que o novo regime fez <strong>na</strong>scer <strong>na</strong> intelectuali<strong>da</strong>de brasileira <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>, toca<strong>da</strong> pela discussão <strong>da</strong><br />

questão <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l” (PEREIRA, 1995:36).<br />

De fato, ele <strong>na</strong>sceu num momento em que o país vivenciava uma série de transformações,<br />

que tinham como objetivo tor<strong>na</strong>r o Brasil uma <strong>na</strong>ção moder<strong>na</strong> e progressista. A política<br />

econômica implanta<strong>da</strong> pelo presidente Afonso Pe<strong>na</strong>, que governou entre 1906 e 1909, orientou-se<br />

para a valorização <strong>do</strong> café, então o principal produto brasileiro no merca<strong>do</strong> inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Foram<br />

promovi<strong>da</strong>s melhorias no Exército e <strong>na</strong> Marinha, a imigração foi incentiva<strong>da</strong> e o país teve sua<br />

41


famosa participação <strong>na</strong> Conferência de Paz de Haia, em 1907, sen<strong>do</strong> representa<strong>do</strong> por Rui<br />

Barbosa. O “progresso” <strong>da</strong> República podia ser verifica<strong>do</strong> em diversos setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, e<br />

para divulgá-lo, o Governo Federal promoveu a Exposição Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>do</strong> Rio de Janeiro, em<br />

comemoração à Abertura <strong>do</strong>s Portos (BASTOS; SILVA, 1983:229).<br />

Quase duas déca<strong>da</strong>s <strong>da</strong> publicação de A música no Brasil surge, em 1926, o trabalho de<br />

Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong>, História <strong>da</strong> Música Brasileira, O pode ser considera<strong>do</strong> como o principal porta-<br />

voz <strong>da</strong> tendência estético-ideológica <strong>do</strong> movimento modernista. “Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong> [...] foi um <strong>do</strong>s<br />

principais defensores <strong>da</strong> tendência <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l-modernista <strong>na</strong> música brasileira durante os anos<br />

vinte e trinta” (PEREIRA, 1995:38).<br />

O livro de Almei<strong>da</strong> teve duas edições, a <strong>primeira</strong>, como se disse, publica<strong>da</strong> em 1926, foi<br />

considera<strong>da</strong> pelo autor um livro “impressionista” (MARIZ, 1983:96). Sua segun<strong>da</strong> edição,<br />

corrigi<strong>da</strong> e aumenta<strong>da</strong>, publica<strong>da</strong> em 1942, obteve repercussões positivas <strong>na</strong> crítica especializa<strong>da</strong>,<br />

tor<strong>na</strong>n<strong>do</strong>-se, segun<strong>do</strong> Mário de Andrade, “... o livro base que nos faltava, ponto indispensável de<br />

parti<strong>da</strong> para os estu<strong>do</strong>s e ensaios de caráter monográfico, que agora tem onde se estribar”<br />

(ANDRADE, 1963:354).<br />

Tal escolha recebeu o apoio de Mário de Andrade pelo fato <strong>do</strong> autor “... ter <strong>da</strong><strong>do</strong> à nossa<br />

música popular importância igual a que deu para a música erudita” (ANDRADE, 1963:354). A<br />

justificativa de Almei<strong>da</strong> para tal escolha é o fato de o autor constatar então que a música<br />

brasileira deveria ser estu<strong>da</strong><strong>da</strong> em suas “origens” (MARIZ, 1983:96).<br />

Essa igual<strong>da</strong>de <strong>da</strong> música popular frente à erudita corresponde à ideologia <strong>do</strong> movimento<br />

modernista, a partir <strong>da</strong> qual era preciso <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lizar a música brasileira “... pela regra eter<strong>na</strong> de<br />

transpor eruditamente a obra anônima <strong>do</strong> povo” (ANDRADE, 1963:354).<br />

Assim, o que temos aponta<strong>do</strong> é que, conforme vários autores, grande parte <strong>da</strong> pesquisa<br />

histórico-musical pratica<strong>da</strong> ao longo <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong> no Brasil vinculou-se, conforme apontou<br />

Avelino Pereira, a uma ideologia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista e elegeu como uma de suas metas a criação uma<br />

história “oficial” <strong>da</strong> música brasileira. Esta se prestaria, em primeiro lugar, a decifrar os fatos e<br />

elementos latentes de <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de “brasileira”, e em segun<strong>do</strong> lugar, indicar os caminhos<br />

estéticos “modernos” aos novos compositores (PEREIRA, 1995:10).<br />

A tendência <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista de afirmação de uma música <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l parece trazer consigo o<br />

desejo de se determi<strong>na</strong>r precisamente a suposta origem desta música, bem como seus cria<strong>do</strong>res,<br />

seu <strong>desenvolvimento</strong> etc, o que acaba inevitavelmente por apresentar, além <strong>da</strong>s biografias de<br />

42


nossos “homens ilustres”, a <strong>na</strong>rrativa <strong>do</strong>s fatos musicais considera<strong>do</strong>s “oficiais”, ou seja, a<br />

<strong>na</strong>rrativa <strong>do</strong>s acontecimentos relacio<strong>na</strong><strong>do</strong>s à criação <strong>da</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de brasileira onde houve<br />

presença de música.<br />

Dentre tais fatos, há <strong>do</strong>is que particularmente interessam ao nosso trabalho por terem se<br />

<strong>da</strong><strong>do</strong> em São Paulo. Em primeiro lugar, a ativi<strong>da</strong>de musical jesuítica vincula<strong>da</strong> ao Colégio e à<br />

Fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de de São Paulo, e em segun<strong>do</strong> lugar, os acontecimentos e figuras relacio<strong>na</strong><strong>da</strong>s<br />

à Independência <strong>do</strong> Brasil.<br />

2.3 O objeto em trabalhos de compilação de informações<br />

Podemos perceber uma modesta preocupação com a organização <strong>da</strong> pesquisa histórico-<br />

musical sistemática no Brasil desde as <strong>primeira</strong>s déca<strong>da</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>. Luís Heitor Corrêa de<br />

Azeve<strong>do</strong>, com seu Inventário <strong>do</strong>s periódicos musicais no Brasil e sua Bibliografia <strong>da</strong> música<br />

brasileira, de certo mo<strong>do</strong>, procura responder a essa necessi<strong>da</strong>de de organização <strong>da</strong> pesquisa<br />

musical em nosso país.<br />

A mesma preocupação pode ser nota<strong>da</strong> nos trabalhos de Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende,<br />

especialmente preocupa<strong>do</strong> com a organização <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s sobre a história <strong>da</strong> música de São<br />

Paulo. Em relação aos trabalhos que mostram tal preocupação destacamos: Fragmentos para uma<br />

história <strong>da</strong> música em São Paulo (1954) e Cronologia Musical de São Paulo (1954).<br />

Resende nos apresenta como um <strong>do</strong>s escritores que mais se mostrou preocupa<strong>do</strong> com a<br />

organização <strong>da</strong> pesquisa histórica sistemática em música em São Paulo. Nos <strong>do</strong>is trabalhos acima<br />

cita<strong>do</strong>s, o autor elege objetivos semelhantes àqueles que de certo mo<strong>do</strong> motivaram a criação <strong>do</strong><br />

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: procurar, compilar e sistematizar informações que<br />

possam importar ao estudioso <strong>da</strong> história <strong>da</strong> música em São Paulo.<br />

Esta tendência compilatória <strong>na</strong> historiografia <strong>da</strong> música de São Paulo toma maior corpo a<br />

partir de fins <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1950 com os trabalhos de Curt Lange, e especialmente, Régis Duprat.<br />

No entanto, por atuarem em um perío<strong>do</strong> posterior à delimitação proposta para este trabalho, tais<br />

autores não serão abor<strong>da</strong><strong>do</strong>s, e assim, esta tendência é melhor representa<strong>da</strong> pelos trabalhos de<br />

43


Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende, especialmente aqueles produzi<strong>do</strong>s no ano <strong>da</strong>s comemorações <strong>do</strong> IV<br />

Centenário de São Paulo.<br />

Os trabalhos de Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende acima cita<strong>do</strong>s, e outros como Tradições<br />

Musicais dea Facul<strong>da</strong>de de Direito de São Paulo e Dois meninos prodígio de outrora em São<br />

Paulo podem exemplificar a tendência historiográfica que chamamos “regio<strong>na</strong>lista”, pois o<br />

enfoque é a reconstrução <strong>da</strong> memória musical regio<strong>na</strong>l, e não a afirmação de uma música<br />

“<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l”.<br />

2.4 Os autores e obras<br />

Vejamos a seguir algumas considerações sobre os principais autores que <strong>na</strong> <strong>primeira</strong><br />

<strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong> contribuíram para o <strong>desenvolvimento</strong> <strong>da</strong> escrita <strong>da</strong> história <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de<br />

musical em São Paulo. Tais considerações se tor<strong>na</strong>rão importantes, posteriormente, para a<br />

compreensão <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> de suas contribuições e <strong>da</strong> perspectiva a partir <strong>da</strong> qual tais escritores<br />

entendiam sua tarefa.<br />

Dentre os autores selecio<strong>na</strong><strong>do</strong>s destacamos Guilherme de Mello e Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong>, como<br />

os precursores <strong>da</strong> historiografia <strong>da</strong> música brasileira, Mário de Andrade, como o principal<br />

ideólogo <strong>do</strong> movimento modernista e <strong>da</strong> historiografia a este vincula<strong>da</strong>, João <strong>da</strong> Cunha Caldeira<br />

Filho, como um <strong>do</strong>s principais críticos musicais atuantes <strong>na</strong> <strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong> e<br />

como autor de uma publicação sobre a história <strong>da</strong> música de São Paulo no O Esta<strong>do</strong> de S.Paulo,<br />

Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende, com um <strong>do</strong>s primeiros autores que demonstraram uma preocupação<br />

com a organização <strong>da</strong> pesquisa histórico-musical sobre São Paulo, e por fim, Clóvis de Oliveira,<br />

autor de alguns trabalhos de pequeno alcance sobre a música <strong>na</strong> região e editor <strong>do</strong> periódico<br />

Resenha Musical, que por sua vez trouxe algumas publicações sobre o assunto.<br />

2.4.1 Guilherme de Mello<br />

44


Parcas são as informações que dispomos sobre Guilherme de Melo, sen<strong>do</strong> ele conheci<strong>do</strong><br />

como o autor <strong>da</strong> <strong>primeira</strong> “história <strong>da</strong> música brasileira”. Seu trabalho A música no Brasil foi<br />

publica<strong>do</strong> em 1908 <strong>na</strong> ci<strong>da</strong>de de Salva<strong>do</strong>r, onde o autor permaneceu até 1928, quan<strong>do</strong> assumiu,<br />

no Rio de Janeiro, o cargo de bibliotecário interino no Instituto Nacio<strong>na</strong>l de Música<br />

(ENCICLOPÉDIA, 1998:500).<br />

Guilherme de Melo estu<strong>do</strong>u no Colégio de Órfãos São Joaquim por dez anos, onde<br />

substituiu seu antigo professor de música <strong>na</strong> função de mestre de ban<strong>da</strong>, em 1892. Mello<br />

desempenhou ain<strong>da</strong> uma série de ativi<strong>da</strong>des liga<strong>da</strong>s ao ensino musical em Salva<strong>do</strong>r, fun<strong>da</strong>n<strong>do</strong> no<br />

Colégio uma Schola Cantorum, “... tor<strong>na</strong>n<strong>do</strong>-se responsável pela formação de diversos músicos<br />

baianos” (ENCICLOPÉDIA, 1998:500).<br />

Avelino Simões nos diz que no trabalho de Guilherme de Mello transparece “... a<br />

esperança que o novo regime fez <strong>na</strong>scer <strong>na</strong> intelectuali<strong>da</strong>de brasileira <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>, toca<strong>da</strong> pela<br />

discussão <strong>da</strong> questão <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l” (PERERA, 1997:36). A contribuição de Guilherme de Mello<br />

para a escrita <strong>da</strong> história <strong>da</strong> música brasileira reside <strong>na</strong> tentativa de construir, a partir de um<br />

escasso número de fontes, uma ampla visão <strong>do</strong> <strong>desenvolvimento</strong> de uma música brasileira,<br />

indican<strong>do</strong> com a modinha a existência de uma música de caráter <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.<br />

Durante o perío<strong>do</strong> em que viveu (1867-1932) o Brasil fora alvo de uma grande influência<br />

de teorias evolucionistas européias, como o positivismo de Comte e o evolucionismo de Spencer<br />

e, além disso, à época <strong>da</strong> publicação de A música no Brasil, o país vivenciava uma série de<br />

transformações, as quais tiveram como objetivo tor<strong>na</strong>-lo uma <strong>na</strong>ção progressista. A política<br />

econômica implanta<strong>da</strong> pelo presidente Afonso Pe<strong>na</strong>, por exemplo, que governou entre 1906 e<br />

1909, orientou-se para a valorização <strong>do</strong> café, então o principal produto brasileiro no merca<strong>do</strong><br />

inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l; foram promovi<strong>da</strong>s melhorias no Exército e <strong>na</strong> Marinha, a imigração foi incentiva<strong>da</strong><br />

e o país teve sua famosa participação <strong>na</strong> Conferência de Paz de Haia, em 1907, sen<strong>do</strong><br />

representa<strong>do</strong> por Rui Barbosa. Para divulgar o “progresso” <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira, o Governo<br />

Federal promoveu a Exposição Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>do</strong> Rio de Janeiro, em comemoração à Abertura <strong>do</strong>s<br />

Portos (BASTOS; SILVA, 1983:229).<br />

Guilherme de Mello escrevia, portanto, num momento de grande influência de um<br />

pensamento evolucionista no Brasil, e assim, para ele o “<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l” seria produto <strong>da</strong>s lentas e<br />

“orgânicas” transformações sociais - <strong>da</strong>í sua valorização <strong>da</strong> modinha e sua crítica à influência <strong>da</strong><br />

ópera italia<strong>na</strong>. Além disso, a despeito <strong>da</strong> criação de uma imagem heróica <strong>do</strong> índio e a denúncia <strong>da</strong><br />

45


escravidão e a posterior abolição em fins <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX, a despeito disso, a visão evolucionista<br />

implicava, necessariamente, em identifica-los – índio e negro – como raças inferiores, o que, por<br />

si só, traz uma série de implicações para a análise e julgamento <strong>do</strong>s escritos de tal autor.<br />

2.4.2 Mário de Andrade<br />

Exceto por alguns escritos, como a biografia <strong>do</strong> padre Jesuíno <strong>do</strong> Monte Carmelo, Mário<br />

de Andrade pouco contribuiu no campo <strong>da</strong> historiografia <strong>da</strong> música de São Paulo, e assim, ao<br />

nosso ver, sua importância se encontra muito mais em suas críticas á historiografia tradicio<strong>na</strong>l e<br />

em suas considerações sobre temas consagra<strong>do</strong>s, como por exemplo, a música entre os jesuítas e<br />

a contribuição de certos compositores <strong>na</strong> criação de uma música “<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l”.<br />

Como se sabe, Mário de Andrade foi um <strong>do</strong>s principais ideólogos <strong>do</strong> movimento<br />

modernista e um <strong>do</strong>s principais intelectuais brasileiros de sua geração. Assim, não é de se<br />

suspeitar a forte presença de suas idéias <strong>na</strong> escrita <strong>da</strong> história <strong>da</strong> música brasileira. Caldeira Filho<br />

afirmou que “... sem ser compositor, situa-se ele com grande relevo entre os construtores <strong>da</strong><br />

música brasileira” (CALDEIRA FILHO, 1954a:131).<br />

Mário criticava as configurações <strong>da</strong> historiografia musical tradicio<strong>na</strong>l afirman<strong>do</strong> ser esta<br />

excessivamente “individualizante”, e deste mo<strong>do</strong>, não passar “... de uma enumeração de músicos<br />

e suas biografias” (ANDRADE, 1963:360-361). Além disso, o autor preconizava a necessi<strong>da</strong>de<br />

de se reformar não ape<strong>na</strong>s os méto<strong>do</strong>s dessa literatura, mas talvez até seu objeto (ANDRADE,<br />

1963:362).<br />

Esta crítica de Mário de Andrade ao “individualismo” provém de seu vínculo com o<br />

movimento modernista, o qual esteve preocupa<strong>do</strong> com a questão <strong>da</strong> criação de uma música de<br />

caráter <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e função social. Os modernistas, de um mo<strong>do</strong> geral, viam a música <strong>do</strong>s artistas<br />

brasileiros europeiza<strong>do</strong>s destituí<strong>da</strong> de caráter <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, e mais, sem uma função social, pois, em<br />

razão de serem construí<strong>da</strong>s a partir de temática e elementos musicais estrangeiros, eram<br />

incapazes de fazer com que os brasileiros se identificassem culturalmente sob um mesmo<br />

conjunto de valores.<br />

46


A aceitação <strong>do</strong> “primitivo” enquanto traço distintivo de uma coletivi<strong>da</strong>de evidencia esta<br />

mu<strong>da</strong>nça de paradigma e os novos objetivos <strong>da</strong> intelectuali<strong>da</strong>de brasileira no momento em<br />

questão. A valorização <strong>do</strong> popular por Mário de Andrade chega a tal ponto <strong>do</strong> autor afirmar que<br />

os exemplos <strong>da</strong> arte erudita e <strong>da</strong> popular:<br />

“... podem ser profun<strong>da</strong>mente distintos como concepção e mesmo funcio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de,<br />

e mais ain<strong>da</strong> como civili<strong>da</strong>de. Mas não há razão de ordem crítica nenhuma que<br />

faça uma obra prevalecer sobre a outra, nem sequer sob o ponto de vista <strong>da</strong><br />

beleza” (ANDRADE, 1963:355).<br />

Esta valorização reflete de certo mo<strong>do</strong> a questão <strong>da</strong> funcio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de social. Por exemplo,<br />

em uma crítica à segun<strong>da</strong> edição de História <strong>da</strong> Música Brasileira de Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong>, Mário<br />

afirma ser uma <strong>da</strong>s origi<strong>na</strong>li<strong>da</strong>des <strong>do</strong> livro o fato <strong>do</strong> autor “... ter <strong>da</strong><strong>do</strong> à nossa música popular<br />

importância igual a que deu para a música erudita” (ANDRADE, 1963:354). Além disso,<br />

segun<strong>do</strong> o autor “... a obra popular não perde nunca a funcio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de social, ao passo que a<br />

obra erudita não só a desencaminha com freqüência, como muitas vezes a ignora” (ANDRADE,<br />

1963:355).<br />

A questão <strong>da</strong> igual importância <strong>da</strong> música popular em relação à música erudita <strong>na</strong> obra de<br />

Almei<strong>da</strong> aponta<strong>da</strong> por Mário de Andrade reflete o engajamento destes autores em relação aos<br />

objetivos <strong>do</strong> movimento modernista, ou seja, criar uma obra “<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l” através <strong>da</strong> utilização<br />

erudito <strong>do</strong> popular, ou ain<strong>da</strong>, <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lizar a nossa produção musical “... pela regra eter<strong>na</strong> de<br />

transpor eruditamente a obra anônima <strong>do</strong> povo” (ANDRADE, 1963:354).<br />

Enfim, a grande ênfase <strong>da</strong><strong>da</strong> à pesquisa folclórica, a qual serviria de base para a criação de<br />

uma música <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, parece ter agi<strong>do</strong> como um desestímulo ao estu<strong>do</strong> <strong>da</strong> música pratica<strong>da</strong><br />

tradicio<strong>na</strong>lmente entre os compositores brasileiros diversas regiões <strong>do</strong> país. Tal fato deve ser<br />

considera<strong>do</strong> para a análise <strong>do</strong> <strong>desenvolvimento</strong> de uma historiografia <strong>da</strong> música de São Paulo.<br />

2.4.3 Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong><br />

A principal contribuição a historiografia <strong>da</strong> música de São Paulo por Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong> se<br />

encontra em História <strong>da</strong> música no Brasil (1926), no Compêndio de História <strong>da</strong> música no Brasil<br />

47


(1948) e Carlos Gomes. No dizer de Mário de Andrade, História <strong>da</strong> Música Brasileira se tor<strong>na</strong>ra<br />

“... o livro base que nos faltava, ponto indispensável de parti<strong>da</strong> para os estu<strong>do</strong>s e ensaios de<br />

caráter monográfico, que agora tem onde se estribar” (ANDRADE, 1963:354).<br />

Como grande parte <strong>do</strong>s homens de letras de sua época, foi advoga<strong>do</strong> e jor<strong>na</strong>lista,<br />

colaboran<strong>do</strong> em diversos jor<strong>na</strong>is e revistas como o “Merca<strong>do</strong>r Mercantil” e “América Brasileira”,<br />

<strong>da</strong> qual foi re<strong>da</strong>tor-chefe (ENCICLOPEDIA, 1998:18).<br />

Em 1926, ano <strong>da</strong> publicação de sua História <strong>da</strong> música brasileira, Almei<strong>da</strong> foi nomea<strong>do</strong><br />

diretor <strong>do</strong> Lycèe Français <strong>do</strong> Rio de Janeiro, e desempenhou ali ativi<strong>da</strong>des administrativas e<br />

pe<strong>da</strong>gógicas. Posteriormente, ingressou no Ministério <strong>da</strong>s Relações Exteriores, onde por vários<br />

anos chefiou o serviço de informações e o serviço de <strong>do</strong>cumentação <strong>do</strong> Itamaraty<br />

(ENCICLOPEDIA, 1998:18).<br />

Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong> dedicou grande parte de suas pesquisas ao folclore. Entre 1948 e 1951,<br />

por exemplo, promoveu “Sema<strong>na</strong>s <strong>do</strong> Folclore” e o “I Congresso Brasileiro <strong>do</strong> Folclore”. Por sua<br />

sugestão foi cria<strong>da</strong>, em 1947, a “Comissão Nacio<strong>na</strong>l de Folclore”. Segun<strong>do</strong> o próprio autor, o<br />

modernismo levou-lhe à música brasileira, e esta, ao folclore.<br />

2.4.4 João <strong>da</strong> Cunha Caldeira Filho<br />

Grande parte <strong>da</strong>s contribuições de Caldeira Filho em periódicos e em livros refere-se à<br />

análise, interpretação e apreciação musical, e especialmente, <strong>da</strong> música contemporânea. A partir<br />

de 1932 inicia sua carreira de crítico musical no Correio de São Paulo, publican<strong>do</strong> críticas neste<br />

periódico até 1937. Escreveu também em periódicos como a Folha <strong>da</strong> Noite, entre 1933 e 1935,<br />

O Esta<strong>do</strong> de São Paulo entre 1935 e 1981, e Anhembi, entre 1951 e 1962 (GIOS, 1989:118).<br />

Ao contrário <strong>da</strong> grande maioria <strong>do</strong>s historiógrafos de seu tempo, Caldeira Filho possuía<br />

ampla formação musical, ten<strong>do</strong> completa<strong>do</strong> o curso de piano <strong>do</strong> Conservatório Dramático e<br />

Musical de São Paulo, em 1924, onde teve como professor de história <strong>da</strong> música e estética Mário<br />

de Andrade, e Savino de Benedictis, harmonia. Em 1927 viajou a Paris para, <strong>na</strong> Sorbonne, tomar<br />

aulas de história <strong>da</strong> música com André Pirro e música antiga com Wan<strong>da</strong> Lan<strong>do</strong>wska<br />

(ENCICLOPÉDIA,1998).<br />

48


De volta ao Brasil passou a exercer intensa ativi<strong>da</strong>de <strong>do</strong>cente, <strong>da</strong>n<strong>do</strong> aulas no<br />

Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, no Conservatório Estadual de Canto<br />

Orfeônico, no Instituto Musical de São Paulo e no Conservatório Musical de Santos, atual<br />

Facul<strong>da</strong>de de Música <strong>do</strong> Conservatório Musical de Santos (ENCICLOPÉDIA,).<br />

As principais contribuições <strong>do</strong> autor à historiografia <strong>da</strong> música de São Paulo se encontram<br />

em duas publicações: a <strong>primeira</strong>, publica<strong>da</strong> no suplemento literário de O Esta<strong>do</strong> de S.Paulo como<br />

parte <strong>da</strong>s comemorações <strong>do</strong> IV Centenário <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de é um panorama <strong>da</strong> história <strong>da</strong><br />

música de São Paulo intitula<strong>do</strong> A música em São Paulo; a segun<strong>da</strong>, publica<strong>da</strong> sob o mesmo título,<br />

no livro organiza<strong>do</strong> por Er<strong>na</strong>ni Bruno São Paulo, espírito, povo, instituições, em 1968.<br />

Caldeira Filho tornou-se membro <strong>da</strong> Associação Paulista de Críticos de Arte e membro-<br />

fun<strong>da</strong><strong>do</strong>r <strong>da</strong> Academia Brasileira de Música. Em 1937 é nomea<strong>do</strong>, por concurso público,<br />

professor de canto orfeônico <strong>do</strong> Instituto de Educação Caetano de Campos, aposentan<strong>do</strong>-se em<br />

1964.<br />

Dentre suas publicações destacam-se: Palestras sobre as so<strong>na</strong>tas de Beethoven, São<br />

Paulo, s.e; História <strong>da</strong> Pe<strong>da</strong>gogia Musical, s.e; Música Contemporânea e Música no Brasil, São<br />

Paulo, 1942, s.ed; Os compositores, São Paulo, 1961; s.ed; Apreciação Musical. São Paulo, 1971,<br />

s.ed. (ENCICLOPÉDIA, 1998).<br />

2.4.5 Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende<br />

Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende estu<strong>do</strong>u no Colégio São Bento de 1933 à 1937, e<br />

posteriormente, <strong>na</strong> Facul<strong>da</strong>de de Direito <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de São Paulo, forman<strong>do</strong>-se em 1946<br />

(ENCICLOPEDIA, 1998: 673).<br />

Dentre suas publicações estão Cronologia Musical Paulista, Dois meninos prodígio de<br />

outrora em São Paulo (1952), Tradições musicais <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Direito de São Paulo (1954),<br />

e O compositor D´O Guarany e os seus biógrafos: voltan<strong>do</strong> ao passa<strong>do</strong> – um pouco de história –<br />

erros <strong>na</strong>s biografias de Carlos Gomes (1952).<br />

49


A partir de 1940 escreveu ensaios para o jor<strong>na</strong>l Dom Casmurro, <strong>do</strong> Rio de Janeiro, e<br />

também para revistas e jor<strong>na</strong>is de São Paulo, como O Esta<strong>do</strong> de São Paulo, Correio Paulistano e<br />

Folha de São Paulo (ENCICLOPEDIA, 1998: 674).<br />

As publicações de Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende nos mostram o interesse <strong>do</strong> autor pela<br />

organização e sistematização <strong>da</strong> pesquisa <strong>do</strong>cumental sobre a música de São Paulo. Dois de seus<br />

trabalhos se propõem desti<strong>na</strong>m a esta tarefa: a Cronologia Musical Paulista e Fragmentos para<br />

uma história <strong>da</strong> música em São Paulo, ambos de 1954, ano <strong>do</strong> Quarto Centenário <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de de<br />

São Paulo.<br />

2.4.6 Clóvis de Oliveira<br />

Grande parte <strong>da</strong>s contribuições de Clóvis de Oliveira para a escrita <strong>da</strong> história <strong>da</strong> música<br />

de São Paulo se encontra <strong>na</strong> revista Resenha Musical, que circulou entre 1938 e 1945, <strong>da</strong> qual era<br />

editor Atenden<strong>do</strong> à um público pouco especializa<strong>do</strong>, a revista trazia diversos artigos sobre os<br />

mais diversos assuntos relacio<strong>na</strong><strong>do</strong>s à música, como por exemplo, críticas de concertos,<br />

biografias de compositores e intérpretes em destaque <strong>na</strong>quele momento, e também biografias de<br />

compositores consagra<strong>do</strong>s.<br />

Mais recentemente, Clóvis de Oliveira tem si<strong>do</strong> lembra<strong>do</strong> como o autor de uma<br />

monografia sobre André <strong>da</strong> Silva Gomes, com a qual recebeu o segun<strong>do</strong> prêmio em um concurso<br />

promovi<strong>do</strong> pela prefeitura <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, em 1946. O departamento não honrou seu compromisso de<br />

publicar as monografias premia<strong>da</strong>s, e assim, Oliveira publicou-a por sua própria conta, em 1954,<br />

servin<strong>do</strong> para as comemorações <strong>do</strong> IV Centenário <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de de São Paulo, em 1954<br />

(OLIVEIRA, 1954).<br />

Clóvis de Oliveira havia se forma<strong>do</strong> em piano pelo Conservatório Dramático e Musical de<br />

São Paulo em 1930, e, posteriormente, em Direito, pela Facul<strong>da</strong>de de Direito <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio de<br />

Janeiro, em 1945. Foi professor de música em diversas instituições, como no próprio<br />

Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, entre 1931 e 1934, no Conservatório Musical<br />

de Araraquara, entre 1935 a 1940, e por fim, no Conservatório Musical Carlos Gomes em 1940<br />

50


(BONORA, 1990:27). Entre 1942 e 1975, ano de sua morte, ocupou cargos burocráticos em<br />

diversas associações industriais de São Paulo (BONORA,1990:28).<br />

2.5 Os periódicos literários e musicais no Brasil<br />

Periódicos exclusivamente musicais existem <strong>na</strong> Europa desde mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong> XVII.<br />

(STEVENSON, 1934:1). Neste mesmo momento, uma outra série de periódicos de cunho<br />

literário passou a publicar suplementos conten<strong>do</strong> peças musicais. Posteriormente, a partir <strong>do</strong><br />

<strong>século</strong> XVIII, surgiu um número significativo de periódicos dedica<strong>do</strong>s especialmente à música<br />

(OLIVEIRA, 1992:4).<br />

O Grove´s Dictio<strong>na</strong>ry of Music and Musicians cita como exemplos de periódicos<br />

literários o “Mercure Galant”, fun<strong>da</strong><strong>do</strong> <strong>na</strong> França, em 1672, por Donneau de Visè. Na Alemanha,<br />

destaca-se o “Mo<strong>na</strong>thliche Unterredungen”, edita<strong>do</strong> por E.W. Tentzel, que circulou de 1680 à<br />

1707. Na Inglaterra, o The Gentleman’s Jour<strong>na</strong>l, or The Monthly Miscellany, by Way of Letters to<br />

a Gentleman in the Country, consisting of News, History, Philosophy, Poetry, Musick (1691/2–4),<br />

edita<strong>do</strong> por Peter Motteux.<br />

No caso brasileiro, os periódicos musicais carregam a marca de em geral terem uma curta<br />

duração (ANTONIO, 1992:243) (STEVENSON,1934:2). (AZEVEDO, 1939:4).<br />

O primeiro periódico musical, segun<strong>do</strong> Irati Antônio, é Gazeta Musical <strong>do</strong> Brasil: Jor<strong>na</strong>l<br />

científico, crítico e literário, publica<strong>do</strong> em 1860 por João Jacques Soland de Chirol. Este trazia<br />

peças musicais, notícias sobre eventos musicais <strong>na</strong> Europa e no Rio de Janeiro e biografias de<br />

compositores brasileiros, como José Maurício Nunes Garcia e Antônio Carlos Gomes<br />

(ANTONIO, 1992:238).<br />

Posteriormente, surgem outros periódicos como a Revista musical e de bellas artes,<br />

fun<strong>da</strong><strong>da</strong> pelos compositores Arthur Napoleão e Leopol<strong>do</strong> Miguéz, e que circulou no Rio de<br />

Janeiro de 1879 a 1880 trazen<strong>do</strong> artigos sobre história <strong>da</strong> música, notícias <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> musical,<br />

biografias de compositores e suplementos com partituras. Outros periódicos vão surgin<strong>do</strong> a partir<br />

<strong>do</strong> fi<strong>na</strong>l <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX, como por exemplo, Arte Musical (1891-1893), Gazeta Musical (1891-<br />

51


1893) O Lyrico (1895), Revista Musical (1887-1888) e Música para To<strong>do</strong>s (1896-)<br />

(ANTONIO,1992:243).<br />

Como decorrência <strong>da</strong>s transformações sociais ocorri<strong>da</strong>s no país no início <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>,<br />

dentre elas a crescente urbanização e industrialização, podemos observar um significativo<br />

aumento <strong>do</strong> número de periódicos dedica<strong>do</strong>s exclusivamente à divulgação de matérias, artigos e<br />

notícias sobre a vi<strong>da</strong> musical <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Este é o caso de periódicos tais quais a Gazeta Artística:<br />

música, litteratura e bellas Artes (1909-1914), Correio Musical Brasileiro (1921-), Ariel (1923-<br />

1929), Musica (1923-1926), Música Eclesiástica. (1936-?), Noticiário Ricordi (1938-1942),<br />

Boletim <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de Filarmônica de São Paulo (1939-), Resenha Musical entre outros (1938-<br />

1945) (ANTONIO,1992:243).<br />

Durante o mesmo perío<strong>do</strong>, uma série de revistas de cunho literário também trazia em seus<br />

exemplares textos sobre os mais diversos assuntos em arte, e dentre eles, história <strong>da</strong> música.<br />

Dentre elas destacam-se A Cigarra, A Garoa, Miscellanea: Revista Sema<strong>na</strong>l Illustra<strong>da</strong>,<br />

Illustração Brasileira, Revista <strong>do</strong> Brasil, Os Debates, Ariel, Revista <strong>do</strong> Brasil, América<br />

Brasileira, Estética, A Revista, Revista Novíssima, Revista de Antropofagia, Klaxon, Movimento,<br />

Movimento Brasileiro etc (LOPEZ, 1991).<br />

Não podemos deixar de destacar a importância <strong>da</strong> imprensa jor<strong>na</strong>lística no que toca a<br />

publicação de críticas de concertos, de notícias sobre a vi<strong>da</strong> musical no país e, eventualmente, de<br />

textos sobre história <strong>da</strong> música brasileira. Dentre eles destacamos O Comércio, o Jor<strong>na</strong>l <strong>do</strong><br />

Commercio, A Gazeta, o Correio Paulistano, Diário Nacio<strong>na</strong>l, o Diário de S.Paulo, O Esta<strong>do</strong> de<br />

S.Paulo¸ Diário de notícias, Diários Associa<strong>do</strong>s, Diário Nacio<strong>na</strong>l, Folha <strong>da</strong> Manhã, A Manhã<br />

etc (LOPEZ, 1991).<br />

Embora este significativo número de periódicos possa sugerir que houve uma grande<br />

circulação de escritos sobre história <strong>da</strong> música no Brasil, as configurações sociais específicas <strong>do</strong><br />

perío<strong>do</strong>, especialmente durante as três <strong>primeira</strong>s déca<strong>da</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>, não colaboraram para<br />

que se criasse um montante de textos sobre a história <strong>da</strong> música de São Paulo, e mesmo <strong>da</strong><br />

história <strong>da</strong> música <strong>do</strong> Brasil. O público para qual tais escritos se dirigiam era em geral leigo,<br />

destituí<strong>do</strong> de conhecimento musical e ávi<strong>do</strong> por se inteirar <strong>da</strong>s novi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cultural<br />

brasileira <strong>na</strong>scente. Podemos deduzir isto facilmente a partir de uma consideração de Luis Heitor<br />

Correia de Azeve<strong>do</strong>, em 1932, onde o autor diz fi<strong>na</strong>lmente surgir um tipo de periódico que não se<br />

52


dirigia ao grande público, mas que pretendia divulgar as contribuições <strong>da</strong> <strong>na</strong>scente musicologia<br />

no Brasil:<br />

“Em 1932 aparece a Revista <strong>da</strong> Associação Brasileira de Música, que realiza um<br />

tipo diferente de periódico musical: a revista de alta cultura, sem estampas, sem<br />

concessões ao público, austera como um livro de estu<strong>do</strong>s”. (AZEVEDO, 1939: 4).<br />

Robert Stevenson corrobora tal informação, afirman<strong>do</strong> que desde o início de suas<br />

publicações, a Revista Brasileira de Música incluiu em suas publicações “... artigos de tão alto<br />

nível que mereceram ser indexa<strong>do</strong>s [...] no A Guide to Latin American Music”<br />

(STEVENSON,1934:2).<br />

Deste mo<strong>do</strong> criou-se um quadro em que, não haven<strong>do</strong> um público especializa<strong>do</strong>, e sen<strong>do</strong><br />

os periódicos a principal via de divulgação de textos musicais, não haverá estímulo para a<br />

pesquisa histórico-musical sistemática no Brasil.<br />

De qualquer mo<strong>do</strong>, durante to<strong>do</strong> este perío<strong>do</strong> e em meio a to<strong>da</strong>s estas questões vários<br />

autores publicaram, em jor<strong>na</strong>is e revistas, artigos sobre diversos aspectos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> musical,<br />

inclusive sobre história <strong>da</strong> música. Mário de Andrade, por exemplo, publica em diversos jor<strong>na</strong>is,<br />

dentre eles, o Jor<strong>na</strong>l <strong>do</strong> Comércio, o Correio Paulistano, Diário de São Paulo, Folha <strong>da</strong> Noite<br />

etc (LOPEZ, 1991:13-15). Caldeira filho, por sua vez, teve seus textos publica<strong>do</strong>s em jor<strong>na</strong>is<br />

paulistas como o Correio Paulistano, a Folha <strong>da</strong> Noite e O Esta<strong>do</strong> de S. Paulo (GIOS,<br />

1989:118). Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende também publica em O Esta<strong>do</strong> de São Paulo, no Correio<br />

Paulistano, <strong>na</strong> revista Colégio etc.<br />

3. Temas e idéias em torno <strong>do</strong> objeto<br />

Neste momento faremos nossas reflexões sobre as diversas idéias e tendências<br />

relacio<strong>na</strong><strong>da</strong>s à historiografia <strong>da</strong> prática musical em São Paulo. Procuraremos pelas semelhanças e<br />

diferenças entre o discurso <strong>do</strong>s vários autores, articulan<strong>do</strong> suas opiniões com o material<br />

desenvolvi<strong>do</strong> nos capítulos precedentes.<br />

53


3.1 Aspectos <strong>da</strong> historiografia sobre a atuação <strong>do</strong>s jesuítas<br />

Dois outros textos por nós utiliza<strong>do</strong>s referem-se exclusivamente a atuação musical <strong>do</strong>s<br />

jesuítas em São Paulo, tratam-se de A musica em Sâo Paulo (1954), de João <strong>da</strong> Cunha Caldeira<br />

Filho, e Fragmentos para uma História <strong>da</strong> Música em São Paulo (1954). Ambos foram<br />

produzi<strong>do</strong>s ten<strong>do</strong> em vista as comemorações <strong>do</strong> IV Centenário <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de de São Paulo (1554-<br />

1954). Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende afirma que “... a história <strong>da</strong> música em São Paulo tem início<br />

com a presença em seu território <strong>do</strong>s humildes e gloriosos jesuítas” (RESENDE, 1954b:197).<br />

João <strong>da</strong> Cunha Caldeira Filho, em A música em São Paulo, de 1954, por sua vez, nos diz que “...<br />

a prática de música em S.Paulo começa a existir com o ensino ministra<strong>do</strong> pelos jesuítas”<br />

(CALDEIRA FILHO, 1954a: 129).<br />

Evidentemente, como foram os jesuítas que iniciaram a colonização <strong>do</strong> Brasil, o ensino de<br />

música nos Colégios é relata<strong>do</strong> em diversos trabalhos que se referem a catequese <strong>do</strong>s índios<br />

(MELLO, 1926:7), (CERNICCHIARO, 1926:71), (ALMEIDA, 1926:188), (SANTOS, 1939:7),<br />

(BITTENCOURT, 1945: 20), (AZEVEDO, 1956:10).<br />

Samuel Arcanjo, que foi professor <strong>do</strong> Conservatório Dramático e Musical de São Paulo e<br />

membro <strong>do</strong> Conselho de Orientação Artística de São Paulo, afirmou em mea<strong>do</strong>s <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de<br />

1930: “... com a música singela <strong>da</strong>s Igrejas e <strong>da</strong>s peças teatrais lançaram os jesuítas as raízes <strong>da</strong><br />

cultura musical brasileira” (SANTOS, 1939:7). O autor, portanto, estende o âmbito <strong>da</strong> atuação<br />

<strong>do</strong>s jesuítas para além <strong>da</strong> catequese ao dizer que estes lançaram as raízes <strong>da</strong> “cultura brasileira”.<br />

Tal opinião aponta para o fato de ter se tor<strong>na</strong>n<strong>do</strong> corrente a noção de que os jesuítas iniciaram<br />

uma “tradição” musical no Brasil, assim como o ensino <strong>da</strong>s artes em geral e <strong>da</strong> literatura. Vale<br />

lembrar que, no Brasil, desde mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX, a ação <strong>do</strong>s jesuítas foi interpreta<strong>da</strong> como<br />

benéfica entre os “progressistas”, ou seja, aqueles que passaram a a<strong>do</strong>tar as teorias evolucionistas<br />

européias <strong>na</strong> crítica <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de brasileira. Entre estes se encontra Luis Pereira Barreto, o qual<br />

em carta ao positivista Pierre Laffite, explicava que o Positivismo não encontraria resistência no<br />

Brasil, pois, os padres de seu tempo eram “... ignorantes e de sórdi<strong>da</strong> falta de vergonha. Só fazem<br />

destruir os bons resulta<strong>do</strong>s <strong>da</strong> influência <strong>do</strong>s jesuítas” (LINS,1964:47-48).<br />

Grande parte destes textos possui tom acentua<strong>da</strong>mente apologético, onde o jesuíta é<br />

considera<strong>do</strong> um ver<strong>da</strong>deiro “herói” <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Na <strong>primeira</strong> edição de sua História <strong>da</strong> Música<br />

54


Brasileira, de 1926, Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong> afirma que os padres <strong>da</strong> Companhia de Jesus foram<br />

“homens extraordinários”, de “almas magnânimas” (ALMEIDA, 1926:188); “humildes e<br />

gloriosos” (RESENDE, 1954:197). Além de “eruditos”, haviam aban<strong>do</strong><strong>na</strong><strong>do</strong> sua terra em prol <strong>do</strong><br />

pelo ideal cristão (CALDEIRA FILHO, 1954:129).<br />

A tendência em tratar os jesuítas enquanto “grandes homens”, ao nosso ver, decorre <strong>da</strong><br />

própria caracterização tradicio<strong>na</strong>l destes pela historiografia brasileira, onde eles recebem muitas<br />

vezes epíteto de “forma<strong>do</strong>res <strong>da</strong> Brasil”. Deste mo<strong>do</strong>, tal qual o bandeirante, o jesuíta foi<br />

considera<strong>do</strong> como um “civiliza<strong>do</strong>r” pela historiografia geral e musical produzi<strong>da</strong> <strong>na</strong> <strong>primeira</strong><br />

<strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>.<br />

Isso talvez se deva ao fato de que, entre fins <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX e início <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>, e sob a<br />

perspectiva <strong>da</strong> criação <strong>da</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de brasileira, o jesuíta teria si<strong>do</strong> considera<strong>do</strong> como o<br />

primeiro representante <strong>da</strong> raça branca a pisar em solo brasileiro, raça esta considera<strong>da</strong> “superior”,<br />

“desenvolvi<strong>da</strong>”, que forneceu a base <strong>da</strong> cultura, costumes e instituições brasileiras, e que<br />

juntamente com as raças “inferiores” (índios e negros), veio a construir nossa “<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de”.<br />

Vale mencio<strong>na</strong>r que a fragili<strong>da</strong>de desta questão foi trata<strong>da</strong> por alguns autores a partir de<br />

mea<strong>do</strong>s de anos de 1960, os quais entenderam que a influência <strong>da</strong> música jesuítica restringia-se<br />

ape<strong>na</strong>s ao âmbito <strong>da</strong> catequese e era direcio<strong>na</strong><strong>da</strong> exclusivamente aos índios. Por tal motivo, não<br />

se poderia falar em uma “tradição” jesuítica no campo <strong>da</strong> composição musical brasileira<br />

(KIEFER, 1976:11), (LANGE, 1966:42).<br />

Uma vez difundi<strong>do</strong>s os fun<strong>da</strong>mentos evolucionistas, de maneira mais intensa em diversos<br />

estabelecimentos de ensino a partir de 1870 2 , <strong>na</strong>turalmente, o jesuíta europeu <strong>do</strong> <strong>século</strong> XVI foi<br />

interpreta<strong>do</strong>, a priori, durante to<strong>da</strong> a <strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>, como um indivíduo de uma<br />

“cultura” e de uma “raça” superiores.<br />

Disso decorre uma série de considerações que, ao nosso ver, tem como eixo a evidência<br />

de um pensamento evolucionista <strong>na</strong> historiografia musical sobre os jesuítas.<br />

3.1.1 Cristianismo e civilização <strong>na</strong> historiografia sobre a atuação <strong>do</strong>s jesuítas<br />

2 Ver tópico 1.9<br />

55


Antes de avançarmos é importante destacar os apontamentos de Dwight Allen em relação<br />

à aproximação muitas vezes encontra<strong>da</strong> <strong>na</strong> historiografia musical, desde mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX,<br />

entre a ideologia cristã e a própria idéia de “civilização”. Allen cita Kiesewetter (Historia of<br />

Modern Music of Western Music), o qual afirma que a música moder<strong>na</strong> começou seu<br />

<strong>desenvolvimento</strong> orgânico e <strong>na</strong>tural desde as assembléias <strong>do</strong>s cristãos (ALLEN, 1969:88).<br />

Kiesewetter citava ain<strong>da</strong> o caso <strong>da</strong> música grega, que não pôde se desenvolver até alcançar a<br />

maturi<strong>da</strong>de, ao contrário <strong>da</strong> música forma<strong>da</strong> <strong>na</strong> tradição cristã, que foi desti<strong>na</strong><strong>da</strong> ao progresso e à<br />

perfeição (ALLEN, 1969:88).<br />

Allen cita ain<strong>da</strong> o escritor Victor Hugo, que explicou a causa <strong>da</strong> decadência <strong>da</strong> religião<br />

grega e <strong>da</strong> ascensão <strong>do</strong> cristianismo <strong>da</strong> seguinte maneira: “Uma religião espiritual, suplantan<strong>do</strong> o<br />

material e externo paganismo, cria o seu caminho no coração <strong>da</strong> antiga socie<strong>da</strong>de, mata-a, e<br />

deposita, <strong>na</strong>quele cadáver de decrépita civilização, o germe <strong>da</strong> moder<strong>na</strong> civilização” (ALLEN,<br />

1969:88).<br />

No Brasil, tal questão foi trata<strong>da</strong> por Mário de Andrade, segun<strong>do</strong> o qual, com o<br />

Cristianismo um novo ideal de civilização <strong>na</strong>sce, provin<strong>do</strong> não mais <strong>do</strong> conceito de Socie<strong>da</strong>de,<br />

mas no conceito de Humani<strong>da</strong>de (ANDRADE,1963:24).<br />

“Só mesmo o a reali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> indivíduo, que o exame de consciência cristão<br />

evidenciava, traz a idéia de Humani<strong>da</strong>de; ao passo que a eficiência <strong>do</strong> homemcoletivo<br />

de <strong>da</strong>ntes despertava só a de Socie<strong>da</strong>de, o que não é a mesma coisa. Os<br />

homens antigos possuíram noção níti<strong>da</strong> de socialização porém tiveram idéias<br />

imperfeitas, quase sempre vagas e divagantes, sobre o que seja humanização e<br />

igual<strong>da</strong>de huma<strong>na</strong>” (ANDRADE,1963:25).<br />

Segun<strong>do</strong> o autor, inicia-se com isso uma nova fase <strong>na</strong> “evolução musical”, a fase<br />

melódica, em que “... os sons não têm mais como base fun<strong>da</strong>mental de união, a relação durativa<br />

que entre eles possa existir, mas a relação puramente sonora” (ANDRADE, 1969:25). Em outras<br />

palavras, segun<strong>do</strong> o autor, com o cristianismo a música deixa de interessar pelos “efeitos<br />

fisiológicos” impulsio<strong>na</strong><strong>do</strong>s pelo ritmo, relacio<strong>na</strong><strong>do</strong>s a coesão <strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong>de social, e passa a<br />

interessar por seus aspectos espirituais e intelectuais (ANDRADE, 1969:25).<br />

Deste mo<strong>do</strong>, parece evidente o paralelo entre a historiografia musical em questão e a<br />

historiografia musical européia de mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX o paralelo sobre a idéia <strong>do</strong> Cristianismo<br />

enquanto um fenômeno “civiliza<strong>do</strong>r”.<br />

56


Um exemplo desta opinião <strong>na</strong> historiografia relacio<strong>na</strong><strong>da</strong> aos jesuítas encontra-se <strong>na</strong><br />

passagem seguinte, de Caldeira Filho: “Assim, a civilização <strong>do</strong> Pla<strong>na</strong>lto <strong>do</strong> Piratininga acor<strong>do</strong>u<br />

ao som <strong>da</strong> música, e <strong>da</strong> música <strong>da</strong> Igreja católica” (CALDEIRA FILHO, 1954:129). Parece<br />

evidente, como se vê, que segun<strong>do</strong> o autor a “civilização” em São Paulo surge “ao som” <strong>da</strong> Igreja<br />

Católica.<br />

Ao contrário <strong>do</strong>s outros colonos que vieram para o Brasil no intuito de ganhar a vi<strong>da</strong>, os<br />

jesuítas vieram com a tarefa de cristianizar os povos “bárbaros”, fato que, sob a perspectiva de<br />

um país católico, cuja historiografia tradicio<strong>na</strong>lmente louva seus “heróis”, e, a despeito de<br />

qualquer atitude crítica, foi interpreta<strong>do</strong> como altruísmo e heroísmo <strong>da</strong> parte <strong>do</strong>s padres <strong>da</strong><br />

Companhia de Jesus. Neste senti<strong>do</strong>, Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong> afirma que eles foram “... abnega<strong>do</strong>s<br />

forma<strong>do</strong>res de nosso país, <strong>do</strong>s raros que aportavam aqui sem cobiça, mas com corações abertos<br />

e almas magnânimas” (ALMEIDA, 1926:188). Além disso, vieram para a América “...<br />

conquistar novos servos para Deus” (ALMEIDA, 1926:189).<br />

Em outra passagem, Caldeira Filho, por sua vez, refere-se aos “autos dramáticos” como<br />

peças “... desti<strong>na</strong><strong>da</strong>s a mol<strong>da</strong>r a alma rude <strong>do</strong> índio segun<strong>do</strong> os princípios eternos <strong>da</strong><br />

espirituali<strong>da</strong>de cristã” (CALDEIRA FILHO, 1954:129). Ora, a caracterização <strong>da</strong> alma <strong>do</strong> índio<br />

como “rude”, de um la<strong>do</strong>, e <strong>do</strong>s “princípios eternos” <strong>da</strong> espirituali<strong>da</strong>de cristã, sugere claramente a<br />

divisão <strong>da</strong>s raças huma<strong>na</strong>s em “superiores” e “inferiores”, de acor<strong>do</strong> com as teorias<br />

evolucionistas européias.<br />

Como se vê, as questões aqui apontam para a investigação <strong>da</strong>s evidências evolucionistas<br />

<strong>na</strong> historiografia musical sobre os jesuítas.<br />

3.1.2 Evidências evolucionistas <strong>na</strong> historiografia musical sobre os jesuítas<br />

Segun<strong>do</strong> Guilherme de Mello, em passagem também cita<strong>da</strong> por Caldeira Filho em A<br />

música em São Paulo (CALDEIRA FILHO, 1954:129), com os jesuítas “... a <strong>primeira</strong> exibição<br />

<strong>da</strong> arte musical brasileira basea<strong>da</strong> no sistema diatônico-cromático <strong>do</strong>s povos cultos” (MELLO,<br />

1908: 7). Ao nosso ver, o autor parece querer situar historicamente a <strong>primeira</strong> vez em que, no<br />

Brasil, se utilizou um sistema musical <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> “civiliza<strong>do</strong>”, o único então capaz de criar obras<br />

musicais “absolutas”, que figurem no rol <strong>da</strong>s grandes realizações musicais <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de.<br />

57


Vale lembrar que a questão <strong>do</strong> termo “absoluto” pede aqui maior <strong>desenvolvimento</strong>. Para<br />

grande parte <strong>do</strong>s autores pré-modernistas e modernistas, o termo “absoluto” poderia tomar o<br />

mesmo senti<strong>do</strong> de “universal”, ou seja, aquilo que se tor<strong>na</strong>sse um patrimônio comum de to<strong>da</strong> a<br />

humani<strong>da</strong>de, algo que, por diversos fatores, ultrapassa os limites de sua especifici<strong>da</strong>de local para<br />

figurar no rol <strong>da</strong>s grandes manifestações <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de. Vejamos como exemplo o trecho que<br />

se segue, de Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong> sobre Carlos Gomes:<br />

“... estava talha<strong>do</strong> para ser o cria<strong>do</strong>r <strong>da</strong> música brasileira, não no senti<strong>do</strong> de uma<br />

arte regio<strong>na</strong>l, que é sempre menor, mas com a grandeza <strong>do</strong>s motivos <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is,<br />

senti<strong>do</strong>s através <strong>da</strong> cultura, porque, no fi<strong>na</strong>l, a arte é aquele depoimento <strong>do</strong><br />

coração humano, que deve <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>r o tempo e o espaço, ser perpétuo e universal”<br />

(ALMEIDA, 1926: 85).<br />

Para o autor, portanto, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que a arte <strong>do</strong>mi<strong>na</strong> o tempo e espaço e se fun<strong>da</strong> em<br />

“motivos <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is” (elementos constituí<strong>do</strong>s a partir <strong>da</strong> idéia de povo e costume), aí sim,<br />

fi<strong>na</strong>lmente, a arte pode tor<strong>na</strong>r-se “perpétua e universal”. Em suma, somente sen<strong>do</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l a<br />

música brasileira poderia tor<strong>na</strong>r-se universal, absoluta.<br />

Mário de Andrade também pode nos aju<strong>da</strong>r a esclarecer o assunto. Ao dirigir a leitores<br />

ingleses, afirma que a música <strong>do</strong>s indíge<strong>na</strong>s “... além de melodicamente pobre, não era uma arte<br />

livre permitisse as manifestações espontâneas <strong>da</strong> imagi<strong>na</strong>ção cria<strong>do</strong>ra” (ANDRADE, 1963:17).<br />

De acor<strong>do</strong> como foi dito no tópico anterior (3.1.1), foi corrente entre os autores <strong>da</strong><br />

<strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong> que a música <strong>do</strong>s indíge<strong>na</strong>s, antes de se prestar à expressão <strong>do</strong><br />

intelecto humano e ao deleite estético individual, em suma, não foi livre, pois, tinha<br />

funcio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de social e cunho religioso (ANDRADE, 1963:17).<br />

Como se pode ver, tais questões começam a indicar existência de duas músicas no Brasil:<br />

uma “civiliza<strong>da</strong>” e outra “primitiva”, o que parece se constituir uma <strong>da</strong>s principais problemáticas<br />

<strong>da</strong> historiografia musical brasileira <strong>na</strong>s <strong>primeira</strong>s déca<strong>da</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>, a problemática entorno<br />

<strong>da</strong> própria definição de seu objeto, ou seja, <strong>do</strong> quê seria feita, de fato, a música “brasileira”. A<br />

tarefa <strong>do</strong>s historia<strong>do</strong>res seria, portanto, identificar o papel <strong>do</strong>s respectivos “agentes” <strong>na</strong> criação <strong>da</strong><br />

música “brasileira”.<br />

No âmbito <strong>da</strong> historiografia musical inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, o evolucionismo proporcionou o<br />

surgimento de novas abor<strong>da</strong>gens e novos objetos, no Brasil, porém, ele parece a<strong>da</strong>ptar-se à<br />

58


problemática <strong>da</strong> contribuição <strong>da</strong>s três raças <strong>na</strong> formação <strong>do</strong> povo brasileiro, que por sua vez, se<br />

des<strong>do</strong>bra <strong>na</strong> historiografia através <strong>da</strong> investigação sobre a criação de uma música “brasileira”.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, é interessante observar a permanência <strong>do</strong> que chamamos evidências<br />

evolucionistas, <strong>na</strong> historiografia sobre a prática musica em São Paulo, mesmo quan<strong>do</strong> tais<br />

pressupostos passam a ser paulati<strong>na</strong>mente substituí<strong>do</strong>s, durante as <strong>primeira</strong>s déca<strong>da</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong><br />

<strong>XX</strong>, a partir <strong>da</strong> assimilação de pressupostos provenientes <strong>da</strong> antropologia pelos intelectuais<br />

liga<strong>do</strong>s ao movimento modernista.<br />

O primeiro aspecto desse traço evolucionista, ao nosso ver, se manifesta através <strong>do</strong> jogo<br />

de oposições o jesuíta (“civiliza<strong>do</strong>”, “culto”, “cristão” etc) e o indíge<strong>na</strong> (“selvagem”, “inculto”,<br />

“pagão” etc). A partir desse jogo, portanto, se desenvolve uma série de considerações que nos<br />

apontam para a existência <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> traço evolucionista <strong>na</strong> historiografia sobre os jesuítas<br />

produzi<strong>da</strong> no perío<strong>do</strong> em questão.<br />

Retomemos a citação anterior de Guilherme de Mello, segun<strong>do</strong> o qual, com a música <strong>do</strong>s<br />

autos se dá “... a <strong>primeira</strong> exibição <strong>da</strong> arte musical brasileira basea<strong>da</strong> no sistema diatônico-<br />

cromático <strong>do</strong>s povos cultos” (MELO, 1908: 7).<br />

Como se pode ver anteriormente, Guilherme de Mello escreveu em um perío<strong>do</strong> de intensa<br />

propagan<strong>da</strong> positivista no Brasil, onde foi produzi<strong>da</strong> uma série de trabalhos fun<strong>da</strong>menta<strong>do</strong>s <strong>na</strong>s<br />

teorias evolucionistas européias, enfim, o sistema musical ”culto” trazi<strong>do</strong> pelos jesuítas, era<br />

reflexo <strong>do</strong> próprio estágio avança<strong>do</strong> de sua cultura européia. Assim, reconhecer o sistema<br />

musical <strong>do</strong>s jesuítas como “culto” (cultiva<strong>do</strong>) implica, necessariamente, em reconhecer o sistema<br />

musical <strong>do</strong>s índios como “inculto” (não cultiva<strong>do</strong>). Lembramos, que segun<strong>do</strong> o pressuposto<br />

evolucionista, o “simples” (inculto) evolui para o “complexo” (culto).<br />

Outro artigo que nos oferece importantes considerações para a compreensão <strong>da</strong> questão é<br />

A música em São Paulo, de João <strong>da</strong> Cunha Caldeira Filho, publica<strong>do</strong> no suplemento literário de<br />

O Esta<strong>do</strong> de S.Paulo, em 25 de janeiro de 1954, para as comemorações <strong>da</strong> IV Centenário <strong>da</strong><br />

ci<strong>da</strong>de. Neste trabalho o autor pretende identificar os jesuítas como homens de “lábios eruditos”,<br />

pertencentes à uma cultura superior, caracterizan<strong>do</strong>-os como responsáveis pela criação de uma<br />

“civilização”. Por outro la<strong>do</strong>, o índio, segun<strong>do</strong> o autor, possui “mãos desajeita<strong>da</strong>s”, uma<br />

“garganta rude” e tangem “instrumentos grosseiros”, feitos pelos próprios índios:<br />

“A garganta rude <strong>do</strong> selvagem e os lábios eruditos <strong>do</strong>s padres cantavam<br />

acompanha<strong>do</strong>s por instrumentos grosseiros tangi<strong>do</strong>s pelas mãos desajeita<strong>da</strong>s <strong>do</strong>s<br />

59


pequenos brasís, realizan<strong>do</strong> a <strong>primeira</strong> manifestação musical <strong>da</strong> história de S.<br />

Paulo” (CALDEIRA FILHO, 1954:129).<br />

O jogo de oposições entre, de um la<strong>do</strong>, “lábios eruditos” e “princípios eternos <strong>da</strong><br />

espirituali<strong>da</strong>de cristã”, atribuí<strong>do</strong>s ao jesuíta, e, de outro, “garganta rude”, “instrumentos<br />

grosseiros” e “mãos desajeita<strong>da</strong>s”, atribuí<strong>do</strong>s ao índio, nos sugere, portanto, a idéia de que, tanto<br />

em relação a conformação biológica quanto a espirituali<strong>da</strong>de, o índio se encontra num estágio<br />

evolutivo inferior em relação ao jesuíta, e além disso, necessita deste para “progredir”.<br />

Outro aspecto que se manifesta esse traço evolucionista <strong>na</strong> historiografia em questão,<br />

trata-se <strong>da</strong>s considerações em torno <strong>da</strong> suposta “boa receptivi<strong>da</strong>de” <strong>da</strong> música européia pelos<br />

indíge<strong>na</strong>s. Grande parte <strong>do</strong>s autores que trataram sobre a atuação musical <strong>do</strong>s jesuítas chama a<br />

atenção para este fato.<br />

Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong>, por exemplo, nos diz que: “Perceben<strong>do</strong> esse <strong>do</strong>mínio <strong>da</strong> música sobre o<br />

gentio, os jesuítas empregaram-<strong>na</strong> para a catequese” (ALMEIDA, 1926: 189-190). O autor<br />

prossegue dizen<strong>do</strong> que os acentos <strong>da</strong> música trazi<strong>da</strong> pelos jesuítas empolgavam os indíge<strong>na</strong>s “...<br />

que, desde a <strong>primeira</strong> missa, se deixaram enleiar pelas suas melodias” (ALMEIDA, 1926:189).<br />

Caldeira Filho, por sua vez, nos diz que o “pen<strong>do</strong>r” <strong>do</strong>s indíge<strong>na</strong>s para a música <strong>do</strong>s jesuítas foi o<br />

fator responsável pelo êxito <strong>da</strong> catequese (CALDEIRA FILHO, 1954:129). Segun<strong>do</strong> Luiz Heitor<br />

Correia de Azeve<strong>do</strong>, em 150 anos de música no Brasil, afirma que “O indíge<strong>na</strong> era sensível ao<br />

canto e à música <strong>do</strong>s instrumentos” (AZEVEDO, 1956:10).<br />

Vicenzo Cernicchiaro afirma que a incli<strong>na</strong>ção “i<strong>na</strong>ta” <strong>do</strong>s indíge<strong>na</strong>s brasileiros, bem<br />

como seu “sentimento musical” e seu “talento instrumentista”, foi objeto de admiração de muitos<br />

viajantes (CERNICCHIARO, 1926:18). O autor vai além e afirma que entre as raças<br />

“selvagens”, ou “primitivas”, a raça indíge<strong>na</strong> brasileira tem vantagem em relação à<br />

“intelectuali<strong>da</strong>de comum ao gosto <strong>na</strong>tivo” (CERNICCHIARO, 1926:18).<br />

O que estes textos parecem difundir é a idéia de que, por mais “distante” que estivessem<br />

os índios <strong>do</strong>s jesuítas em termos “evolutivos”, havia “algo” que os atraía e os ligava àquela<br />

música. Segun<strong>do</strong> Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong>: “Havia uma influência indefinível e instintiva que atuava<br />

sobre a sensibili<strong>da</strong>de grosseira <strong>do</strong>s índios e aqueles cantos e aqueles hinos lhes pareciam vozes<br />

celestiais” (ALMEIDA, 1926:189).<br />

O fun<strong>da</strong>mento dessas opiniões no tocante a historiografia musical brasileira encontram-se<br />

justamente <strong>na</strong>s <strong>primeira</strong>s “histórias” <strong>da</strong> música brasileira. E neste senti<strong>do</strong>, são úteis as<br />

60


considerações de Cernicchiaro, por expressarem de mo<strong>do</strong> claro as idéias pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ntes a esse<br />

respeito sobre o assunto.<br />

Vicenzo Cernicchiaro nos diz que to<strong>da</strong> arte, ou melhor, os “afetos” característicos <strong>da</strong>s<br />

diversas manifestações artísticas, são determi<strong>na</strong><strong>do</strong>s pelo meio e pela raça, os quais determi<strong>na</strong>m<br />

também os “tratos característicos” e a “idéia social e religiosa” <strong>do</strong>s diversos povos<br />

(CERNICCHIARO, 1926:7).<br />

Conforme visto anteriormente, os conceitos de “meio” e “raça” foram largamente<br />

utiliza<strong>do</strong>s pelos pensa<strong>do</strong>res evolucionistas brasileiros, especialmente por permitirem, dentro de<br />

certos limites, explicar a formação de uma “raça”, e conseqüentemente, um povo em nosso país.<br />

O autor considera que em ca<strong>da</strong> raça huma<strong>na</strong> se encontra o fun<strong>da</strong>mento de to<strong>da</strong>s as outras<br />

manifestações artísticas, por isso, segun<strong>do</strong> ele, “... a música interessa igualmente a to<strong>do</strong> espírito<br />

humano de grau superior ou inferior, no <strong>desenvolvimento</strong> e perfeição <strong>da</strong> arte que o circun<strong>da</strong>”<br />

(CERNICCHIARO, 1926:27) 3 .<br />

O autor se refere a um “fun<strong>da</strong>mento comum” às diferentes raças, ou seja, de que criaturas<br />

<strong>da</strong> mesma ”espécie”, mas distintas pela raça, estariam sujeitas às mesmas “leis” de evolução.<br />

Se de certo mo<strong>do</strong>, é presumível que os autores que escreveram no momento de “vigência”<br />

<strong>da</strong> influência <strong>da</strong>s teorias evolucionistas no Brasil (como os autores pré-modernistas, que<br />

produziram entre cerca de 1870-1920), é também curioso perceber a presença desses<br />

fun<strong>da</strong>mentos justamente <strong>na</strong> obra <strong>do</strong>s intelectuais modernistas, os quais ao menos em tese<br />

aban<strong>do</strong><strong>na</strong>ram a perspectiva “biológica” de seus antecessores e passaram a a<strong>do</strong>tar uma perspectiva<br />

“antropológica”, a qual implicava <strong>na</strong> interpretação <strong>do</strong> primitivo enquanto traço distintivo de<br />

cultura, e por extensão, <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de. Nos parece que Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong> encontra-se justamente<br />

neste caso, ao la<strong>do</strong> de Mário de Andrade.<br />

Em A música no Brasil, também publica<strong>do</strong> em “Anglo-Brazilian Chronicle”, Mário de<br />

Andrade afirma que, os índios brasileiros, “... apesar <strong>do</strong> estágio primário de civilização que<br />

possuíam, faziam muita música” (ANDRADE, 1963:17).<br />

Ten<strong>do</strong> em vista as considerações acima, parece certo podermos falar em evidências de um<br />

pensamento evolucionista associa<strong>do</strong> a historiografia produzi<strong>da</strong> <strong>na</strong> <strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong><br />

sobre os jesuítas.<br />

3 “... la musica debba interessare in pari ogni spirito umano di gra<strong>do</strong> inferiori o superiori, nello svolgimento e<br />

perfezione dell’arte che lo circun<strong>da</strong>”.<br />

61


3.2 Aspectos <strong>da</strong> historiografia sobre André <strong>da</strong> Silva Gomes<br />

Os textos sobre André <strong>da</strong> Silva Gomes são bastante escassos no perío<strong>do</strong> em questão.<br />

Dente os trabalhos sobre utiliza<strong>do</strong>s nesta pesquisa dedica<strong>do</strong>s ao compositor e que, ao nosso ver,<br />

tiveram certo alcance em seu contexto, destacamos: O regente <strong>do</strong> coro <strong>da</strong> Sé (1938) de Nuto<br />

Santa<strong>na</strong>, A música em São Paulo (1954), de João <strong>da</strong> Cunha Caldeira Filho, Cronologia Musical<br />

Paulista (1954), de Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende e, fi<strong>na</strong>lmente, André <strong>da</strong> Silva Gomes, o mestre<br />

de capela <strong>da</strong> Sé de São Paulo (1954), de Clóvis de Oliveira.<br />

O texto de Nuto Santa<strong>na</strong> e o de Caldeira Filho foram publica<strong>do</strong>s em O Esta<strong>do</strong> de S.Paulo,<br />

enquanto o de Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende e de Clóvis de Oliveira tiveram críticas positivas<br />

publica<strong>da</strong>s no jor<strong>na</strong>l <strong>da</strong> autoria de Caldeira Filho (CALDEIRA FILHO, 1954b), (CALDEIRA<br />

FILHO, 1954c).<br />

A despeito <strong>da</strong> ausência de informações sobre o compositor, bem como o passa<strong>do</strong> <strong>da</strong><br />

ci<strong>da</strong>de em geral, disponíveis <strong>na</strong>quele momento, André <strong>da</strong> Silva Gomes foi caracteriza<strong>do</strong> como<br />

um homem bon<strong>do</strong>so, devota<strong>do</strong> ao seu trabalho, generoso. Nuto Santa<strong>na</strong>, por exemplo, citan<strong>do</strong><br />

Antonio Egídio Martins afirma que o compositor era:<br />

“... bon<strong>do</strong>so em extremo, pois lecio<strong>na</strong>va a meninos pobres gratuitamente e criava<br />

outros que lhe eram confia<strong>do</strong>s ou enjeita<strong>do</strong>s em sua casa. Muitos desses filhos<br />

a<strong>do</strong>tivos ou alunos gratuitos tor<strong>na</strong>ram-se figuras salientes no clero”<br />

(SANTANA, 1938:4).<br />

Esta consideração parece ter se repeti<strong>do</strong> nos trabalhos de Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende e de<br />

Clóvis de Oliveira. O primeiro afirma em sua Cronologia Musical de São Paulo: “Homem<br />

bon<strong>do</strong>so, devota<strong>do</strong> à sua carreira, exerceu durante mais de cinqüenta anos o cargo de mestre de<br />

capela. Costumava repartir entre os executantes e cantores o orde<strong>na</strong><strong>do</strong> que lhe cabia”<br />

(RESENDE, 1954a: 233).<br />

O interesse pelo compositor André <strong>da</strong> Silva Gomes parece ter se inicia<strong>do</strong> de uma maneira<br />

mais intensa desde que Fúrio Franceschini, antigo mestre de capela <strong>da</strong> Sé de São Paulo,<br />

encontrou um manuscrito <strong>do</strong> compositor no Arquivo <strong>da</strong> Cúria Metropolita<strong>na</strong> de São Paulo,<br />

62


tratan<strong>do</strong>-se de um hino Ave Maria Stela (OLIVEIRA, 1954:19). Este acha<strong>do</strong> rendeu um concerto<br />

promovi<strong>do</strong> pela Socie<strong>da</strong>de de Cultura Artística, em 16 de dezembro de 1930, <strong>na</strong> Igreja de Santa<br />

Ifigênia em São Paulo (OLIVEIRA, 1954:19).<br />

Durante a <strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>, era pequeno o número de informações sobre o<br />

compositor, o que fez com que os historiógrafos, no intuito de engrandecer-lhe a importância,<br />

cometessem uma série de pequenos equívocos. Vale destacar que, antes dessa <strong>da</strong>ta, precisamente<br />

em 1912, Antônio Egídio Martins, escreven<strong>do</strong> sobre as “lembranças e reminiscências” de São<br />

Paulo, havia feito uma referência à André <strong>da</strong> Silva Gomes, em seu trabalho São Paulo Antigo, a<br />

qual foi cita<strong>da</strong> por Nuto Santa<strong>na</strong> (SANTANA, 1938), Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende (RESENDE,<br />

1954a) e Clóvis de Oliveira (OLIVEIRA, 1954). Tamanha a falta de informações sobre o antigo<br />

compositor, que Clóvis de Oliveira insere em seu texto uma nota eluci<strong>da</strong>tiva, corrigin<strong>do</strong> a<br />

informação divulga<strong>da</strong> no programa <strong>do</strong> concerto, segun<strong>do</strong> a qual André <strong>da</strong> Silva Gomes seria<br />

“irmão” de Francisco Manuel <strong>da</strong> Silva (OLIVEIRA, 1954:19).<br />

Além disso, os textos em geral são peque<strong>na</strong>s biografias, e não fazem mais <strong>do</strong> que repetir<br />

uma série de informações, resultan<strong>do</strong> em grande redundância de informações. O trabalho mais<br />

extenso sobre o compositor dentre os aqui abor<strong>da</strong><strong>do</strong>s é André <strong>da</strong> Silva Gomes, o mestre de capela<br />

<strong>da</strong> Sé de São Paulo, de Clóvis de Oliveira (58 pág<strong>na</strong>s). Mesmo assim, o autor deu igual ênfase a<br />

outros aspectos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>do</strong> biografa<strong>do</strong>, como, por exemplo, à sua atuação como professor de<br />

Gramática Lati<strong>na</strong> e como membro <strong>do</strong> parti<strong>do</strong> provisório. Ao nosso ver, o texto de Clóvis de<br />

Oliveira não constitui um trabalho exclusivamente de historiografia musical, pois, de acor<strong>do</strong> com<br />

o próprio autor: “É o passa<strong>do</strong> de S. Paulo que historiamos ao realçar essa figura que só a<br />

posteri<strong>da</strong>de caberia fazer-lhe justiça e coloca-lo no lugar de honra de nossos homens ilustres”<br />

(OLIVEIRA, 1954:9). OU seja, o trabalho de Clóvis de Oliveira parece mais volta<strong>do</strong> para a<br />

história regio<strong>na</strong>l <strong>do</strong> que para uma história <strong>da</strong> música <strong>na</strong> região, pois, trata superficialmente de<br />

questões musicais, e enfatiza outros aspectos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>do</strong> músico biografa<strong>do</strong>: I. O Mestre de<br />

capela; II. O Professor Régio de Gramática Lati<strong>na</strong>; III. Fatos históricos que envolveram a figura<br />

de André <strong>da</strong> Silva Gomes” (OLIVEIRA, 1954: 7).<br />

Uma <strong>da</strong>s <strong>primeira</strong>s quali<strong>da</strong>des atribuí<strong>da</strong>s a Silva Gomes por uma série de historiógrafos<br />

que escreveram no perío<strong>do</strong> em questão foi ter ele si<strong>do</strong> um “célebre” compositor. Isto parece ter<br />

si<strong>do</strong> motiva<strong>do</strong> pelo fato de que ele chegou juntamente com então novo bispo de São Paulo, Dom<br />

63


Manuel <strong>da</strong> Ressurreição, fato que relata<strong>do</strong> por Nuto Santa<strong>na</strong> (SANTANA, 1938:4), Clóvis de<br />

Oliveira (OLIVEIRA, 1954:11) e Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende (RESENDE, 1954:233).<br />

O texto mais antigo aqui em questão é, portanto, o de Nuto Santa<strong>na</strong> publica<strong>do</strong> em 1938.<br />

Vale salientar que Nuto Santa<strong>na</strong> é reconheci<strong>do</strong> como um historia<strong>do</strong>r liga<strong>do</strong> à história e<br />

“reminiscências” <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de São Paulo, e por tal motivo, ao contrário de grande parte <strong>do</strong>s<br />

historiógrafos <strong>da</strong> época, estava habitua<strong>do</strong> à pesquisa de arquivo. No mesmo perío<strong>do</strong> <strong>da</strong><br />

publicação de O mestre de capela <strong>da</strong> Sé, Nuto Santa<strong>na</strong> havia publica<strong>do</strong> <strong>do</strong>is outros trabalhos<br />

sobre os costumes e a arquitetura em São Paulo colonial, tratan<strong>do</strong>-se respectivamente de São<br />

Paulo Histórico (1938) e A igreja <strong>do</strong>s Remédios (1937) (MORAES, 1998).<br />

Nuto Santa<strong>na</strong> consultou no Arquivo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de São Paulo os <strong>do</strong>cumentos sobre o<br />

recenseamento de 1777 em São Paulo, e assim, escreveu a seguinte observação, que foi cita<strong>da</strong><br />

posteriormente por Clóvis de Oliveira em André <strong>da</strong> Silva Gomes, o mestre de capela <strong>da</strong> Sé de<br />

São Paulo (OLIVEIRA, 1954:26): “Esse André <strong>da</strong> Silva Gomes, em 1777, tinha 25 anos e era<br />

casa<strong>do</strong> cm a viúva Maria Garcia de Jesus, de 37 anos. Vivia com eles uma entea<strong>da</strong> de 13 anos,<br />

de nome Joaqui<strong>na</strong>. E também uma agrega<strong>da</strong>” (SANTANA, 1938:4).<br />

Nuto Santa<strong>na</strong> descreve a série de “reminiscências” que lhe foram evoca<strong>da</strong>s pela antiga<br />

batuta pertencente a André <strong>da</strong> Silva Gomes, presente no Arquivo <strong>da</strong> Cúria Metropolita<strong>na</strong> de São<br />

Paulo:<br />

“... relembrei o perío<strong>do</strong> de longos anos em que regeu o coro e célebre André <strong>da</strong><br />

Silva Gomes. Teria si<strong>do</strong> a dele. Com ela o ilustre músico teria feito vibrar, <strong>na</strong><br />

sucessão de várias gerações, o coração católico de to<strong>do</strong>s aqueles que ali iam<br />

guia<strong>do</strong>s pelo esplen<strong>do</strong>r de sua crença” (SANTANA, 1938:4)<br />

Mais adiante, Nuto Santa<strong>na</strong> afirma algo que se consistirá um <strong>do</strong>s grandes equívocos em<br />

torno <strong>da</strong> figura de André <strong>da</strong> Silva Gomes, ou seja, que ele teria si<strong>do</strong>, por mais de trinta anos, “... o<br />

primeiro mestre de capela <strong>da</strong> sé catedral” (SANTANA, 1938:4).<br />

Essa consideração se repetirá posteriormente nos três principais textos de referência sobre<br />

o compositor: A Música em São Paulo (1954), de João <strong>da</strong> Cunha Caldeira Filho. O autor afirma<br />

que o coro <strong>da</strong> Sé teria si<strong>do</strong> forma<strong>do</strong> por André <strong>da</strong> Silva Gomes em 1774. (CALDEIRA FILHO,<br />

1954:129). Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende, em sua Cronologia Musical de São Paulo (1800-1870)<br />

afirma que André <strong>da</strong> Silva Gomes chegara de Lisboa “... com a missão de criar e reger o coro de<br />

música <strong>da</strong> Sé Catedral” (RESENDE, 1954a: 233). Por sua vez, Clóvis de Oliveira afirmou que<br />

64


“... foi André <strong>da</strong> Silva Gomes o primeiro mestre de capela e o fun<strong>da</strong><strong>do</strong>r <strong>do</strong> coro <strong>da</strong> Sé Catedral<br />

de São Paulo; o foi o primeiro músico de real valor a fixar-se em São Paulo e a iniciar a<br />

tradição artística <strong>da</strong> terra bandeirante” (OLIVEIRA, 1954:9).<br />

Como se verificou posteriormente, André <strong>da</strong> Silva Gomes não fun<strong>do</strong>u o coro <strong>da</strong> Sé de São<br />

Paulo, tão pouco foi seu primeiro mestre de capela. De acor<strong>do</strong> com as pesquisas de Duprat se<br />

pôde verificar que a ativi<strong>da</strong>de musical <strong>na</strong> referi<strong>da</strong> Sé <strong>da</strong>ta <strong>do</strong> <strong>século</strong> XVI (DUPRAT, 1995).<br />

Outra faceta <strong>do</strong> compositor referi<strong>da</strong> por seus historiógrafos é o fato de ter si<strong>do</strong> membro <strong>do</strong><br />

Governo Provisório, às vésperas <strong>da</strong> Independência <strong>do</strong> Brasil: “Em 1821 escolherem-no para,<br />

como representante <strong>da</strong> Instrução Pública, integrar o governo provisório de São Paulo ...”<br />

(SANTANA, 1938:4)<br />

Interessante a nota <strong>do</strong> autor sobre o posicio<strong>na</strong>mento político de André <strong>da</strong> Silva Gomes nos<br />

acontecimentos em torno a Independência <strong>do</strong> Brasil. Segun<strong>do</strong> ele, André <strong>da</strong> Silva Gomes “...<br />

como membro <strong>do</strong> Governo Provisório se manteve como uma <strong>da</strong>s figuras neutras durante os<br />

acontecimentos. Contu<strong>do</strong> não foi favorável à corrente <strong>do</strong>s Andra<strong>da</strong>s, com mais uns <strong>do</strong>is ou três<br />

...” (SANTANA, 1938:4). Esta mesma passagem é cita<strong>da</strong> por Clóvis de Oliveira (OLIVEIRA,<br />

1954:38). O autor dedica-lhe um capítulo inteiro sobre a atuação de André <strong>da</strong> Silva Gomes no<br />

Governo Provisório. Diz ele:<br />

“Durante a sua gestão o Governo Provisório realizou mais de cem (100) sessões,<br />

ten<strong>do</strong> André Gomes deixa<strong>do</strong> de comparecer a umas dez, ape<strong>na</strong>s. Em duas <strong>da</strong>s<br />

sessões realiza<strong>da</strong>s - <strong>na</strong>s 60 a e 65 a - foi distingui<strong>do</strong> pelos seus pares para participar<br />

de comissões especiais com o fim de estu<strong>da</strong>r assuntos relevantes para a<br />

administração” (OLIVEIRA, 1954:38-39).<br />

A participação de André <strong>da</strong> Silva Gomes no Governo Provisório foi vista posteriormente<br />

pelos historiógrafos em questão como expressão de <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo, e o compositor passou a ser<br />

identifica<strong>do</strong> como um “homem ilustre” liga<strong>do</strong> à Independência <strong>do</strong> Brasil. Neste senti<strong>do</strong>, Clóvis<br />

de Oliveira afirma que André <strong>da</strong> Silva Gomes ”... era partidário <strong>da</strong> Independência <strong>do</strong> Brasil e,<br />

para tanto dedicou to<strong>do</strong> o seu entusiasmo pela causa <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l” (OLIVEIRA, 1954:40).<br />

Segun<strong>do</strong> Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende, o historia<strong>do</strong>r Eugenio Egas havia escrito que “...<br />

foi o maestro André <strong>da</strong> Silva Gomes quem, de afogadilho, orquestrou, ensaiou e regeu, <strong>na</strong><br />

histórica noite, o Hino <strong>da</strong> Independência” (RESENDE, 1954a: 237). Este fato foi repeti<strong>do</strong> por<br />

uma série de autores, como por exemplo, João <strong>da</strong> Cunha Caldeira Filho, que escreveu ter si<strong>do</strong><br />

65


André <strong>da</strong> Silva Gomes “... o orquestra<strong>do</strong>r e ensaia<strong>do</strong>r de música e ain<strong>da</strong> o regente <strong>da</strong> execução”<br />

(CALDEIRA FILHO, 1954:129).<br />

Devi<strong>do</strong> ao comprometimento <strong>do</strong> autor com a estética modernista, ele autor dá grande<br />

importância a este fato como se pode ver a seguir. :<br />

“Foi <strong>na</strong> Casa <strong>da</strong> Ópera de São Paulo, a <strong>do</strong> Pátio <strong>do</strong> Colégio, que, a 7 de setembro<br />

de 1822 transcorreu um <strong>do</strong>s momentos máximos <strong>da</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de: pela <strong>primeira</strong><br />

vez se cantou ali., segun<strong>do</strong> vários testemunhos, o Hino <strong>da</strong> Independência e ali,<br />

ain<strong>da</strong> pela <strong>primeira</strong> vez, foi o Príncipe D. Pedro aclama<strong>do</strong> Rei <strong>do</strong> Brasil”<br />

(CALDEIRA FILHO, 1954:129).<br />

Clóvis de Oliveira se refere a tal fato de maneira mais ufanista, exaltan<strong>do</strong> as quali<strong>da</strong>des de<br />

patriota <strong>do</strong> compositor:<br />

“Com o fin<strong>da</strong>r <strong>do</strong> 7 de setembro de 1822, sob o som <strong>da</strong>s melodias executa<strong>da</strong>s pela<br />

orquestra de André <strong>da</strong> Silva Gomes, ar<strong>do</strong>roso patriota e defensor <strong>do</strong> ideal político<br />

<strong>da</strong> Independência <strong>do</strong> Brasil; sob a harmonia vocal <strong>do</strong> coração patriótico <strong>da</strong> nossa<br />

gente;sob a égide de um príncipe cheio de coragem e independente, <strong>na</strong>sceu um<br />

Brasil livre, grandioso no ideal, <strong>na</strong> riqueza e <strong>na</strong> extensão territorial”(OLIVEIRA,<br />

1954:56)<br />

Embora de menor impacto, outra faceta foi atribuí<strong>da</strong> ao compositor que é a de ter si<strong>do</strong> o<br />

inicia<strong>do</strong>r de uma suposta “tradição” musical em São Paulo. Como se viu acima, André <strong>da</strong> Silva<br />

Gomes foi visto como o primeiro compositor de valor a se estabelecer em São Paulo e a fun<strong>da</strong>r o<br />

coro <strong>da</strong> Sé. Clóvis de Oliveira, que, vale lembrar, formou-se pelo Conservatório Dramático<br />

Musical de São Paulo (então a melhor instituição de formação musical disponível em São Paulo<br />

<strong>na</strong>quele momento) e editou, desde 1938, a revista Resenha Musical, disse expressamente em seu<br />

trabalho sobre Silva Gomes que “... não havia música sacra em São Paulo. Os poucos que a<br />

praticavam <strong>na</strong> Sé e mesmo <strong>na</strong>s outras igrejas, nem sabiam, <strong>na</strong> reali<strong>da</strong>de, o que era música<br />

religiosa” (OLIVEIRA, 1954:12).<br />

Além disso, divulgou-se a idéia de que André <strong>da</strong> Silva Gomes teria si<strong>do</strong> professor de<br />

Manuel José Gomes, pai de Carlos Gomes, inicialmente no texto de Nuto Santa<strong>na</strong> (SANTANA,<br />

1938:4), e posteriormente em Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende (RESENDE, 1954a:233)e fi<strong>na</strong>lmente<br />

Clóvis de Oliveira (OLIVEIRA, 1954:17). Caldeira Filho foi o único que não mencionou tais<br />

66


fatos. Conseqüentemente, André <strong>da</strong> Silva Gomes, liga<strong>do</strong> à Carlos Gomes, “... indiretamente, teria<br />

contribuí<strong>do</strong> para a sua formação espiritual e artística” (SANTANA, 1938:4).<br />

Ao nosso ver, as considerações em torno de André <strong>da</strong> Silva Gomes ter si<strong>do</strong> o inicia<strong>do</strong>r <strong>da</strong><br />

“tradição” musical em São Paulo refletem, de um la<strong>do</strong>, a carência de informações disponíveis<br />

sobre o passa<strong>do</strong> musical <strong>da</strong> região, e de outro, a necessi<strong>da</strong>de de se determi<strong>na</strong>r os músicos ilustres<br />

de São Paulo, uma vez que outras regiões importantes no passa<strong>do</strong> brasileiro, como o Rio de<br />

Janeiro, Bahia, e mais recentemente (nos anos de 1940) Mi<strong>na</strong>s Gerais, tiveram sua produção<br />

conheci<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong>s pesquisa musicológicas desenvolvi<strong>da</strong>s no país.<br />

3.3 Aspectos <strong>da</strong> historiografia sobre Carlos Gomes<br />

3.3.1 O “embaixa<strong>do</strong>r” Carlos Gomes<br />

O fato de ter si<strong>do</strong> o primeiro compositor brasileiro a conquistar fama inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l parece<br />

ter si<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s motivos que fez com que Carlos Gomes passasse a ser considera<strong>do</strong> a partir de um<br />

viés <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista. A jovem República brasileira não contava ain<strong>da</strong> 50 anos quan<strong>do</strong> se deu o<br />

centenário de <strong>na</strong>scimento <strong>do</strong> compositor (1836-1936), quan<strong>do</strong> foram publica<strong>do</strong>s trabalhos que<br />

evocaram a imagem de Carlos Gomes como um patriota: “... tu<strong>do</strong> fez pela grandeza <strong>da</strong> pátria, e<br />

ao seu nome juntava sempre os epítetos de brasileiro e patriota” (SEIDL, 1935:52).<br />

Já foi bastante enfatiza<strong>do</strong> aqui a presença, <strong>na</strong> historiografia, de tendências <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>listas,<br />

desde mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX, bem com a tendência <strong>da</strong> historiografia musical (e mesmo <strong>da</strong><br />

historiografia geral) em se voltar para a <strong>na</strong>rrativa <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>do</strong>s “grandes homens”. No entanto,<br />

gostaríamos de ressaltar aspecto diferente nesta historiografia, o qual ao nosso ver surgiu <strong>da</strong>s<br />

próprias necessi<strong>da</strong>des e dilemas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira <strong>do</strong> início <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>.<br />

Gastão de Bittencourt afirma que a música brasileira deve a Carlos Gomes o<br />

reconhecimento inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l por ter produzi<strong>do</strong> obras “imortais”, e com isso, conquista<strong>do</strong> o<br />

reconhecimento <strong>do</strong>s grandes centros artísticos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> civiliza<strong>do</strong> (BITTENCOURT, 1945b:<br />

14). Nas palavras <strong>do</strong> autor: “Carlos Gomes foi uma <strong>da</strong>s máximas figuras <strong>da</strong> música brasileira e<br />

esta deve-lhe pági<strong>na</strong>s ver<strong>da</strong>deiramente imortais que levaram, exaltan<strong>do</strong>-o, o nome <strong>do</strong> Brasil por<br />

67


to<strong>do</strong>s os grandes centros artísticos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> (BITTENCOURT, 1945b: 14). Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong><br />

havia escrito que o compositor paulista foi “... uma <strong>da</strong>s maiores glórias artísticas <strong>do</strong> Brasil”<br />

(ALMEIDA, 1942:388).<br />

Para Artur de Mace<strong>do</strong>, num artigo publica<strong>do</strong> <strong>na</strong> revista Resenha Musical, edita<strong>da</strong> por<br />

Clóvis de Oliveira, as obras de Carlos Gomes se tor<strong>na</strong>ram “... as representantes lídimas <strong>do</strong> valor<br />

artístico <strong>da</strong> raça brasileira, desta raça boa e forte que tem coração de gigante e coração de<br />

criança cândi<strong>da</strong>, que sabe sorrir e querer bem” (MACEDO, 1940:24).<br />

Paulo Cerqueira não restringe a importância de Carlos Gomes ao Brasil, estenden<strong>do</strong>-a a<br />

to<strong>da</strong>s as <strong>na</strong>ções america<strong>na</strong>s. O autor o representa como a maior “evidência” <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de<br />

artística <strong>do</strong> brasileiro, e num âmbito mais amplo, <strong>do</strong> potencial artístico <strong>da</strong>s jovens <strong>na</strong>ções<br />

america<strong>na</strong>s: “Carlos Gomes revelou à Europa o potencial artístico <strong>da</strong>s <strong>na</strong>ções america<strong>na</strong>s.<br />

Afirmação <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de de um povo. O gênio musical brasileiro é a glória incontesta<strong>da</strong> e<br />

perene <strong>da</strong> América” (CERQUEIRA, s.d:23)<br />

Como foi observa<strong>do</strong> em tópico anterior (<strong>XX</strong>), o dilema <strong>do</strong>s intelectuais brasileiros de fins<br />

<strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX e início <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong> foi justamente estu<strong>da</strong>r a interação <strong>da</strong>s “três raças<br />

forma<strong>do</strong>ras” para, posteriormente, verificar a possibili<strong>da</strong>de de se estabelecer no Brasil uma<br />

“civilização”, a qual seria efetiva<strong>da</strong> através <strong>da</strong> constituição de uma <strong>na</strong>ção republica<strong>na</strong> e<br />

progressista, o que pressupunha certa uni<strong>da</strong>de cultural e racial.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, podemos perceber em alguns escritos que compõem a historiografia em<br />

questão que Carlos Gomes é freqüentemente reconheci<strong>do</strong> como o primeiro compositor brasileiro<br />

a alcançar fama inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, bem como, a levar o nome <strong>do</strong> Brasil ao rol <strong>da</strong>s grandes produções<br />

operísticas européias. Com isso, no intuito de remarcar esse aspecto particular <strong>da</strong> contribuição de<br />

Carlos Gomes, alguns historiógrafos agregaram ao nome <strong>do</strong> compositor campineiro o epíteto de<br />

“embaixa<strong>do</strong>r sonoro” (CARVALHO, 1935:11); (BITTENCOURT, 1945b: 7).<br />

Ao nosso ver, esta consideração aponta para as questões entorno <strong>do</strong> reconhecimento <strong>da</strong><br />

“<strong>na</strong>ção brasileira” no cenário inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, ou seja, em que Carlos Gomes figura como o<br />

“representante” <strong>do</strong> suposto “progresso” alcança<strong>do</strong> pela jovem <strong>na</strong>ção brasileira.<br />

A <strong>primeira</strong> menção <strong>da</strong> expressão “embaixa<strong>do</strong>r sonoro” encontramos no trabalho de Ítala<br />

Gomes Vaz de Carvalho, A vi<strong>da</strong> de Carlos Gomes, publica<strong>do</strong> em 1935, no ano anterior ao<br />

centenário de <strong>na</strong>scimento <strong>do</strong> compositor. Trata-se de um trabalho de autoria <strong>da</strong> filha <strong>do</strong><br />

compositor, publica<strong>do</strong> me vista <strong>da</strong>s futuras comemorações de seu <strong>na</strong>scimento, em 1936.<br />

68


Posteriormente a encontramos em A vi<strong>da</strong> ansiosa e atormenta<strong>da</strong> de um gênio (Antônio<br />

Carlos Gomes), de Gastão de Bittencourt, publica<strong>do</strong> em 1945.<br />

Uma passagem expressiva proveniente <strong>do</strong> trabalho de Ítala Carvalho resume d certo<br />

mo<strong>do</strong> as angustias a respeito desta questão <strong>na</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira <strong>do</strong> início <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>, e<br />

mostra com o Carlos Gomes muitas vezes utiliza<strong>do</strong> como “argumento” para a defesa <strong>do</strong><br />

progresso <strong>do</strong> nosso país:<br />

“É de grande conforto para nós, brasileiros, notar como num lugar ain<strong>da</strong> muito<br />

atrasa<strong>do</strong> como era Campi<strong>na</strong>s <strong>do</strong> início <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX, entre pessoas oriun<strong>da</strong>s de<br />

uma raça recém forma<strong>da</strong>, pudessem ter apareci<strong>do</strong> duas aptidões tão<br />

extraordinárias para a música [Carlos Gomes e seu irmão Santa<strong>na</strong> Gomes]”<br />

(CARVALHO, 1935:21).<br />

Portanto, segun<strong>do</strong> as considerações desenvolvi<strong>da</strong>s acima, é possível dizer que a<br />

historiografia produzi<strong>da</strong> <strong>na</strong> <strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>, como se tem dito, interpretou Carlos<br />

Gomes como a <strong>primeira</strong> grande evidência <strong>do</strong> “progresso” musical brasileiro, além disso, como<br />

seu primeiro “divulga<strong>do</strong>r”.<br />

3.3.2 O “cria<strong>do</strong>r” <strong>da</strong> música brasileira<br />

Outro aspecto presente <strong>na</strong> historiografia de Carlos Gomes é aquele segun<strong>do</strong> o qual o<br />

compositor figura como “cria<strong>do</strong>r” de uma música brasileira. Tal consideração, de caráter<br />

notoriamente <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista, parece evidenciar a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> historiografia musical brasileira em<br />

geral, no perío<strong>do</strong> em questão, de apresentar os compositores considera<strong>do</strong>s os “responsáveis” pela<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lização <strong>da</strong> música em nosso país.<br />

No entanto, o que especificamente nos chama a atenção neste momento é a maneira pela<br />

qual os historiógrafos sustentaram sua opinião, a quais idéias se apegaram, quais foram seus<br />

argumentos apresenta<strong>do</strong>s <strong>na</strong> defesa <strong>do</strong> compositor, e fi<strong>na</strong>lmente, como podemos interpretar tal<br />

fato no contexto em questão. Ao nosso ver, tal idéia se des<strong>do</strong>brou em uma série de considerações<br />

que estão intimamente relacio<strong>na</strong><strong>da</strong>s à problemática em torno <strong>da</strong> definição <strong>do</strong>s elementos<br />

“brasileiros” em música.<br />

69


Exemplos dessa opinião encontram-se em diversos trabalhos, como por exemplo, os que<br />

apresentaremos a seguir. Na <strong>primeira</strong> edição <strong>da</strong> História <strong>da</strong> Música Brasileira, de Re<strong>na</strong>to<br />

Almei<strong>da</strong>: “Carlos Gomes estava talha<strong>do</strong> para ser o cria<strong>do</strong>r <strong>da</strong> música brasileira, não no senti<strong>do</strong><br />

de uma arte regio<strong>na</strong>l, que é sempre menor, mas com a grandeza <strong>do</strong>s motivos <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, senti<strong>do</strong>s<br />

através <strong>da</strong> cultura” (ALMEIDA, 1926: 85). Dez anos depois, no ano <strong>do</strong> centenário <strong>do</strong><br />

<strong>na</strong>scimento <strong>do</strong> compositor, Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong> escreve que Carlos Gomes foi “... a <strong>primeira</strong><br />

afirmação de uma música brasileira” (ALMEIDA, 1936:4). Em Carlos Gomes, Paulo Cerqueira,<br />

por exemplo, chama o compositor de “mestre de <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de” (CERQUEIRA, s.d:4). Gastão de<br />

Bittencourt, por sua vez, afirmou que Carlos Gomes foi um “mestre de brasili<strong>da</strong>de”<br />

(BITTENCOURT, s.d:134)<br />

Lembramos que a produção liga<strong>da</strong> a análise musical ain<strong>da</strong> não tinha se desenvolvi<strong>do</strong> de<br />

maneira sistemática em nosso país <strong>na</strong>quele momento, e assim, parece ter si<strong>do</strong> difícil para os<br />

historiógrafos determi<strong>na</strong>r com precisão o grau de “brasili<strong>da</strong>de” <strong>da</strong> obra <strong>do</strong>s diversos<br />

compositores, uma vez que não seria possível identificar os elementos estruturais considera<strong>do</strong>s<br />

característicos <strong>da</strong> música brasileira. A “brasili<strong>da</strong>de” <strong>do</strong> compositor deveria, portanto, ser atesta<strong>da</strong><br />

de uma outra maneira. Deste mo<strong>do</strong>, as <strong>primeira</strong>s caracterizações de Carlos Gomes enquanto<br />

“cria<strong>do</strong>r” <strong>da</strong> música brasileira, ao nosso ver, enfatizam a idéia de uma suposta “influência” <strong>da</strong><br />

<strong>na</strong>tureza como determi<strong>na</strong>nte para a especifici<strong>da</strong>de de seu temperamento e, conseqüentemente, de<br />

sua música.<br />

É importante considerar que a idéia <strong>da</strong> exuberância <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza brasileira e sua suposta<br />

influência sob nossos artistas brasileiros foi desenvolvi<strong>da</strong> pela historiografia e literatura<br />

brasileiras desde o Romantismo, segun<strong>do</strong> apontou Dante Moreira Leite (LEITE, 2002:219).<br />

“Uma grande parte <strong>do</strong> romantismo brasileiro, no entanto, foi vivi<strong>da</strong> num ambiente<br />

de entusiasmo pela vi<strong>da</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, de confiança no futuro <strong>do</strong> jovem país, de<br />

celebração de sua <strong>na</strong>tureza, de elogios à inspiração <strong>do</strong>s seus jovens poetas,<br />

mortos <strong>na</strong> flor <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de” (LEITE, 2002:219).<br />

Além disso, conforme anteriormente aponta<strong>do</strong> por Re<strong>na</strong>to Ortiz (<strong>XX</strong>), após mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />

<strong>século</strong> XIX, a noção de “meio” - juntamente com a noção de “raça” - tornou-se, um <strong>do</strong>s<br />

principais elementos para a explicação <strong>da</strong> especifici<strong>da</strong>de <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l (ORTIZ, 1985:16).<br />

Naturalmente, ten<strong>do</strong> o evolucionismo encerra<strong>do</strong> (oficialmente) sua influência sistemática no<br />

pensamento brasileiro a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1920 com a produção vincula<strong>da</strong> ao movimento<br />

70


modernista, não é improvável, portanto, supormos que resquícios dessa “influência” mesológica<br />

possam ain<strong>da</strong> perdurar por muito tempo <strong>na</strong> historiografia musical <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> em questão.<br />

Especialmente, se considerarmos que, segun<strong>do</strong> apontou Luiz <strong>da</strong> Costa Lima, não houve,<br />

tradicio<strong>na</strong>lmente em nosso país, “... uma massa de leitores que levasse os escritores a modificar<br />

os padrões europeus” (LIMA, 1981:6).<br />

Na historiografia musical brasileira, tal idéia parece ter si<strong>do</strong> divulga<strong>da</strong> por Re<strong>na</strong>to<br />

Almei<strong>da</strong> desde a “Sinfonia <strong>da</strong> terra”, em sua História <strong>da</strong> Música Brasileira de 1926. Em outro<br />

momento o autor parece sintetizar <strong>da</strong> seguinte maneira a idéia de que nossa especifici<strong>da</strong>de<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l é determi<strong>na</strong><strong>da</strong> pela nossa <strong>na</strong>tureza:<br />

“Na luta infatigável e trágica, que o europeu teve de sustentar com a <strong>na</strong>tureza<br />

america<strong>na</strong>, o seu espírito se retemperou por ta forma, que as linhas diretoras <strong>do</strong><br />

caráter tiveram logo a marca deforma<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> embate” (ALMEIDA, 1926:184).<br />

Como se vê, o espírito <strong>do</strong> europeu se “retemperou” no embate com o meio, a tal ponto,<br />

que as “linhas diretoras”, base <strong>do</strong> seu caráter <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, transformara-se neste embate Sobre<br />

Carlos Gomes, Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong> nos diz que ele foi:<br />

“...um <strong>do</strong>s poderosos artistas <strong>do</strong> nosso país. Com origi<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de de estro e<br />

inspiração opulenta e varia, criou uma obra em que, por vezes, a expressão tem<br />

uma violência imprevista e admirável, quan<strong>do</strong> soam as notas exuberantes <strong>da</strong> terra<br />

america<strong>na</strong>” (ALMEIDA, 1926: 83).<br />

O trecho em que o autor nos diz que “... a expressão tem uma violência imprevista e<br />

admirável quan<strong>do</strong> soam as notas exuberantes <strong>da</strong> terra america<strong>na</strong>” parece justamente evocar a<br />

influência <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza selvagem sobre o caráter <strong>do</strong> compositor.<br />

Em Carlos Gomes, a estrela musical <strong>do</strong> Cruzeiro <strong>do</strong> Sul, publica<strong>do</strong> <strong>na</strong> revista Resenha<br />

Musica, edita<strong>da</strong> em São Paulo por Clóvis de Oliveira, Artur de Mace<strong>do</strong>:<br />

“Carlos Gomes – o genial cantor <strong>da</strong>s selvas brasileiras, o homem diviniza<strong>do</strong> pela<br />

própria <strong>na</strong>tureza em que <strong>na</strong>sceu e que ele tanto amou e honrou! Carlos Gomes –<br />

esta voz que soa em nossos corações, musica<strong>da</strong> pela sua própria voz – as suas<br />

obras que se tor<strong>na</strong>ram as representantes lídimas <strong>do</strong> valor artístico <strong>da</strong> raça<br />

brasileira, desta raça boa e forte que tem coração de gigante e coração de<br />

criança cândi<strong>da</strong>, que sabe sorrir e querer bem. O Brasil inteiro sempre vibrará de<br />

orgulho justo e palpitante” (MACEDO, 1940:24-25)<br />

71


Posteriormente, em 1945, Gastão de Bittencourt, em A vi<strong>da</strong> ansiosa e atormenta<strong>da</strong> de um<br />

gênio, se refere a Carlos Gomes como um <strong>do</strong>s maiores defensores de uma música “bem”<br />

brasileira:<br />

“... que sentisse as ema<strong>na</strong>ções <strong>da</strong> terra, as reverberações <strong>da</strong> luz, a lucilação <strong>do</strong>s<br />

astros e os cantos <strong>da</strong>s aves, o me<strong>do</strong>nho rugir <strong>da</strong>s que<strong>da</strong>s d´água deslumbra<strong>do</strong>ras e<br />

grandiosas, tu<strong>do</strong>, enfim, que era em sedução e beleza a sua terra tão ama<strong>da</strong>”<br />

(BITTENCOURT, 1945b: 14).<br />

Como se vê, para Gastão de Bittencourt, Carlos Gomes, que criou uma música “bem<br />

brasileira”, havia sofri<strong>do</strong> a influência <strong>da</strong> especifici<strong>da</strong>de <strong>do</strong> nosso meio ambiente. Assim, o autor<br />

destaca especialmente os elementos que viriam a estabelecer diferenças fun<strong>da</strong>mentais entre o<br />

Brasil e os outros países europeus: de sua “terra”, <strong>da</strong> “luz, <strong>do</strong>s “astros”, <strong>do</strong> “canto <strong>da</strong>s aves”, <strong>do</strong>s<br />

acidentes <strong>na</strong>turais etc.<br />

Parece clara, portanto, possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> permanência dessa tendência que, expressa <strong>na</strong><br />

historiografia musical em questão, tende a atribuir à influência <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza local a determi<strong>na</strong>ção<br />

<strong>da</strong>s quali<strong>da</strong>des “brasileiras” <strong>na</strong> música de Carlos Gomes.<br />

Este aspecto <strong>da</strong> historiografia dedica<strong>da</strong> ao compositor, ao nosso ver, pode ser, portanto,<br />

caracteriza<strong>do</strong> pelo epíteto atribuí<strong>do</strong> ao compositor por Artur de Mace<strong>do</strong>, acima mencio<strong>na</strong><strong>do</strong>: a<br />

historiografia <strong>do</strong> “cantor <strong>da</strong>s selvas brasileiras” (MACEDO, 1940:24-25).<br />

3.3.3 Crítica ao suposto <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo de Carlos Gomes<br />

Passaremos agora para os comentários em torno de reavaliação <strong>da</strong> contribuição de Carlos<br />

Gomes para a criação de uma música “brasileira”.<br />

Na medi<strong>da</strong> que foram se incrementan<strong>do</strong> os estu<strong>do</strong>s históricos musicais no Brasil,<br />

passan<strong>do</strong> estes a incluir apreciações estritamente relacio<strong>na</strong><strong>da</strong>s ao escrito musical - poden<strong>do</strong><br />

inclusive, eventualmente, contar com análises harmônicas -, parece ter si<strong>do</strong> difícil sustentar a<br />

idéia <strong>da</strong> contribuição ”brasileira” de Carlos Gomes. Desde então, ele tem si<strong>do</strong> questio<strong>na</strong><strong>do</strong> como<br />

um compositor ver<strong>da</strong>deiramente brasileiro, uma vez que se manteve fiel à estética italia<strong>na</strong><br />

oitocentista liga<strong>da</strong> à ópera.<br />

72


Além disso, a música brasileira que se começa a produzir de mea<strong>do</strong>s <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1930,<br />

já pode contar com uma definição clara de seus “novos” elementos estruturais, especialmente<br />

pela orientação <strong>da</strong><strong>da</strong> com a produção de Villa-Lobos, e, o <strong>desenvolvimento</strong> <strong>da</strong>s pesquisas<br />

folclóricas em nosso país, que permitiu com que várias melodias tradicio<strong>na</strong>is brasileiros fossem<br />

compila<strong>da</strong>s, e posteriormente, reutiliza<strong>da</strong>s por nossos compositores.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, surgem uma série de considerações que, sem pretender desconsiderar a<br />

importância de Carlos Gomes, pretende ao menos reavaliar a sua ver<strong>da</strong>deira contribuição e sua<br />

posição no rol <strong>do</strong>s “cria<strong>do</strong>res” <strong>da</strong> música brasileira.<br />

Em História <strong>da</strong> Música, de forma simples e direta, Mário de Andrade apresenta Carlos<br />

Gomes como um compositor de óperas italia<strong>na</strong>s e, sem lhe atribui nenhuma caracterização<br />

“<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista”, descreve-o ape<strong>na</strong>s com um “gênio dramático”: “Carlos Gomes está entre os<br />

grandes melodistas <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX. Gênio dramático de força, ele concentra a expressão <strong>na</strong><br />

melodia, como era costume <strong>na</strong> ópera oitocenista” (ANDRADE, 1933:166).<br />

Mais adiante, no entanto, Mário de Andrade apresenta a questão abertamente e, apelan<strong>do</strong><br />

para a idéia <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong>de histórica, que se dá em função <strong>do</strong> pré-<br />

condicio<strong>na</strong>mento <strong>do</strong> sujeito através de suas experiências particulares, Mário de Andrade,<br />

portanto, realiza a defesa <strong>do</strong> compositor:<br />

“É opinião repisa<strong>da</strong> entre nós que Carlos Gomes não tem <strong>na</strong><strong>da</strong> de musicalmente<br />

brasileiro [...] Mesmo que assim fosse, ele tinha o lugar de ver<strong>da</strong>deiro inicia<strong>do</strong>r<br />

<strong>da</strong> música brasileira porque <strong>na</strong> época dele, o que fez a base essencial <strong>da</strong>s músicas<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, a obra popular ain<strong>da</strong> não dera entre nós a cantiga racial [...] É<br />

ridículo que consideremos como brasileiros os cantos negros, os cantos<br />

portugueses (e até ameríndios!), as Modinhas, as Habaneras e Tangos <strong>do</strong> <strong>século</strong><br />

XIX, e repudiemos um gênio ver<strong>da</strong>deiro cuja preocupação <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista foi<br />

intensa” (ANDRADE, 1933:168).<br />

Não se pretende dizer com isso que esta reavaliação <strong>da</strong> contribuição <strong>do</strong> compositor tenha<br />

acaba<strong>do</strong> definitivamente com a historiografia <strong>do</strong> “cantor <strong>da</strong>s selvas brasileiras”, e nem que parte<br />

<strong>do</strong>s autores havia mu<strong>da</strong><strong>do</strong> definitivamente de opinião e reavalia<strong>do</strong> suas posições. Nós podemos<br />

encontrar um exemplo dessas contradições <strong>na</strong> obra <strong>do</strong> próprio Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong>, o qual parece<br />

evocar em momentos diferentes tanto a influência quanto a reavaliação crítica <strong>da</strong> contribuição <strong>do</strong><br />

maestro campineiro.<br />

73


Por exemplo, ele diz ser uma <strong>da</strong>s características <strong>da</strong> brasili<strong>da</strong>de de Carlos Gomes sua “...<br />

imagi<strong>na</strong>ção ardente e prodigiosa abundância melódica” (ALMEIDA, 1936:36). Além disso, que<br />

o maestro campineiro teria si<strong>do</strong>: “Uma <strong>da</strong>s maiores afirmações <strong>do</strong> espírito brasileiro”<br />

(ALMEIDA, 1942:387). Em momento, porém, o autor tor<strong>na</strong>-se mais específico, e avalia a<br />

contribuição <strong>do</strong> compositor <strong>da</strong> seguinte maneira:<br />

“A glória de Carlos Gomes foi de ter comovi<strong>do</strong> a sensibili<strong>da</strong>de brasileira [sua obra]<br />

viverá como um marco <strong>na</strong> nossa música, o início de um esforço que ele mais pressentiu<br />

<strong>do</strong> que realizou” (ALMEIDA, 1936:37).<br />

Em outro momento, porém, o autor desenvolve sua idéia <strong>da</strong> contribuição de Carlos<br />

Gomes no senti<strong>do</strong> de lhe atribuir o posto de primeiro compositor brasileiro <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> romântico:<br />

“O Romantismo [...] não chegara à música até que Carlos Gomes o afirmou gloriosamente”<br />

(ALMEIDA, 1942:371). Numa outra passagem, o autor argumenta que: “... Carlos Gomes não<br />

poderia fazer mais <strong>do</strong> que adivinhar, como adivinhou por vezes o nosso lirismo musical, sem lhe<br />

<strong>da</strong>r contu<strong>do</strong> maior substância” (ALMEIDA, 1942:371). Como se vê, o autor afirma que o<br />

compositor havia adivinha<strong>do</strong> nosso “lirismo”, um termo muito mais abrangente, que não se<br />

compromete a aspectos estruturais nem se apóia <strong>na</strong> suposta influência <strong>do</strong> meio sobre a obra<br />

artística. Portanto, Carlos Gomes é entendi<strong>do</strong> aqui como um “gênio” que, de acor<strong>do</strong> com as<br />

possibili<strong>da</strong>des e as circunstancias de seu tempo, colaborou a seu mo<strong>do</strong> com a “caracterização” <strong>da</strong><br />

música brasileira.<br />

Outros autores, no entanto, tem apela<strong>do</strong> para outra espécie de argumentos para a defesa <strong>da</strong><br />

contribuição de Carlos Gomes, os quais se dirigiam às opiniões simplistas segun<strong>do</strong> as quais<br />

Carlos Gomes seria, meramente, um compositor de música italia<strong>na</strong>, sem valor “<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l”.<br />

Tais argumentos nos remetem, para as concepções evolucionistas no senti<strong>do</strong> de tomarem<br />

as <strong>na</strong>ções européias, seus costumes e sua cultura, como modelo para o nosso “progresso”.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, o fato de Carlos Gomes ter i<strong>do</strong> à Europa especializar-se foi interpreta<strong>do</strong><br />

como uma decorrência <strong>na</strong>tural <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de civilização <strong>do</strong> nosso país e <strong>do</strong> processo de sua<br />

“formação”.<br />

“... to<strong>da</strong> <strong>na</strong>ção em vias de civilizar-se busca o seu lugar no mun<strong>do</strong> esplendi<strong>do</strong> <strong>da</strong><br />

Arte. O país novo precisa aprender as regras <strong>do</strong> bom-tom impostas pelos centros<br />

<strong>da</strong> Europa. A linguagem musical, vin<strong>da</strong> <strong>da</strong> precária e rústica imitação sonora,<br />

74


aformoseou-se com requintes de polifonias e riquezas de colori<strong>da</strong>s. A melodia,<br />

grata conquista <strong>do</strong> camponês, <strong>do</strong> caipira, <strong>do</strong> marujo, teve o destino brilhante <strong>do</strong>s<br />

salões, para enfim encimar o edifício monumental <strong>da</strong>s sinfonias românticas. O<br />

folclore – acervo <strong>da</strong>s tradições populares - , antes de tor<strong>na</strong>r-se a fonte <strong>da</strong> arte<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, o princípio cede o passo às composições <strong>do</strong>s mestres absolutos <strong>na</strong><br />

literatura musical. O gênio que emerge <strong>da</strong> cama<strong>da</strong> popular de uma <strong>na</strong>ção<br />

nova,para merecer a admiração <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, procura estu<strong>da</strong>r e penetrar a obra <strong>do</strong>s<br />

grandes compositores e, fi<strong>na</strong>lmente, com ela nivelar os próprios lavores. Assim fez<br />

Carlos Gomes”(CERQUEIRA, s.d:4)<br />

Em outra passagem, o mesmo autor sugere que a formação <strong>na</strong> ópera italia<strong>na</strong> seria,<br />

portanto, o complemento necessário que facilitaria a aceitação e repercussão <strong>da</strong> música de uma<br />

jovem <strong>na</strong>ção:<br />

“Ele demonstrou que o ver<strong>da</strong>deiro gênio música não poderia restringir-se à<br />

composição de modinhas ou à exploração de um folclore musical ain<strong>da</strong> indeciso<br />

como o de sua terra, em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong> passa<strong>do</strong>; que o aprendiza<strong>do</strong> <strong>na</strong> ópera<br />

italia<strong>na</strong> era então necessário – uma espécie de complemento <strong>da</strong> cultura literária e<br />

histórica, abrin<strong>do</strong> campo mais brilhante e facilitan<strong>do</strong> maior repercussão a obra<br />

<strong>do</strong> compositor oriun<strong>do</strong> de uma <strong>na</strong>ção ain<strong>da</strong> quase desconheci<strong>da</strong> no mun<strong>do</strong><br />

civiliza<strong>do</strong>” (CERQUEIRA, s.d:6).<br />

Paulo Cerqueira, portanto, chega a tratar a atitude de Carlos Gomes, a despeito de seus<br />

interesses pessoais, como ver<strong>da</strong>deiro altruísmo, cujo alcance chegava mesmo a ultrapassar os<br />

limites de <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de:<br />

“Como se poderia ser mais brasileiro, mais artista e mais valoroso? Ele ensinou<br />

que a arte musical não tem pátria e compreendeu que um povo a<strong>do</strong>lescente não<br />

pode viver <strong>da</strong> sua música sem a tradição e a cultura necessária. Por isso residiu<br />

longos anos <strong>na</strong> Itália ten<strong>do</strong> empreendi<strong>do</strong> porém várias viagens ao Brasil”<br />

(CERQUEIRA, s.d:6)<br />

Como se pode ver, podemos perceber que a reavaliação <strong>da</strong> contribuição de Carlos Gomes<br />

para a música brasileira <strong>na</strong> historiografia produzi<strong>da</strong> <strong>na</strong> <strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong> é abor<strong>da</strong><strong>da</strong><br />

por vários autores recebe nuances diferente em função disso. No entanto, a despeito <strong>da</strong>s<br />

diferenças, tais questões se articulam dentro <strong>da</strong> problemática que ao nosso ver que caracterizou a<br />

historiografia <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> em questão, a definição <strong>do</strong> “<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l” em música.<br />

75


3.4 Aspectos <strong>da</strong> historiografia sobre Alexandre Levy<br />

Alexandre Levy é normalmente descrito como um músico refi<strong>na</strong><strong>do</strong>, de boa formação<br />

musical, e que teve uma vi<strong>da</strong> de curta existência; além disso, é comumente tacha<strong>do</strong>, segun<strong>do</strong><br />

várias expressões, de um <strong>do</strong>s “precursores <strong>do</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo musical brasileiro”. To<strong>da</strong>s a<br />

assertivas sobre o compositor giram praticamente em torno desses três aspectos.<br />

Ao nosso ver, estes aspectos apontam novamente para a problemática em torno <strong>da</strong><br />

“música <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l”, uma vez que sobre o compositor foi cria<strong>da</strong> uma aura de “<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista<br />

engaja<strong>do</strong>”, sem que, no entanto, fossem apresenta<strong>do</strong>s fun<strong>da</strong>mentos concretos sobre sua<br />

contribuição, os quais, poderiam provir <strong>da</strong> análise musical, ain<strong>da</strong> incipiente <strong>na</strong>quele momento, e<br />

de uma orientação estética modernista mais defini<strong>da</strong>. Além disso, as considerações que se<br />

seguirão sobre Alexandre Levy, soma<strong>da</strong>s às considerações sobre outros compositores,<br />

demonstram as contradições em torno <strong>da</strong> problemática <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l em música.<br />

Guilherme de Mello se refere a estes três aspectos <strong>da</strong> perso<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de <strong>do</strong> compositor,<br />

ressaltan<strong>do</strong> que ele possuía “... grande poder de invenção e uma educação musica perfeita”<br />

(MELLO, 1908:311). Posteriormente, em 1926, <strong>na</strong> <strong>primeira</strong> edição de História <strong>da</strong> Música no<br />

Brasil, Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong> concor<strong>da</strong> com a consideração de Guilherme de Mello, no entanto,<br />

acentua a quali<strong>da</strong>de de folclorista <strong>do</strong> compositor:<br />

Guilherme de Mello aprecia Levy enquanto um compositor de “educação musical<br />

perfeita”, a qual, poderia ter ser mais útil à música brasileira se não tivesse ele morri<strong>do</strong> aos 28<br />

anos de i<strong>da</strong>de (MELLO, 1908:311).<br />

Para Guilherme de Mello, que certamente teve acesso a obras de intelectuais de grande<br />

alcance <strong>na</strong>quela época que haviam a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> as teorias evolucionistas, como Sílvio Romero, a<br />

música brasileira ain<strong>da</strong> não estava definitivamente conforma<strong>da</strong>, pois, entendia esse processo de<br />

forma “orgânica”, a partir <strong>da</strong> interação de seus vários “agentes”. Isso pode ser observa<strong>do</strong> <strong>na</strong><br />

especificação <strong>do</strong>s objetivos <strong>do</strong> autor em A Música <strong>do</strong> Brasil:<br />

“... procurei achar as leis étnicas que presidiram à formação <strong>do</strong> povo, <strong>do</strong> espírito<br />

e <strong>do</strong> caráter <strong>do</strong> povo brasileiro e de sua música, bem ain<strong>da</strong> como de sua<br />

etnologia; isto é, como o português sobre influência <strong>do</strong> clima americano e em<br />

contato com o índio e o africano se transformou, constituin<strong>do</strong> o mestiço ou o<br />

brasileiro propriamente dito” (MELLO, 1908:8).<br />

76


Esta afirmação nos leva a supor que, para a historiografia produzi<strong>da</strong> <strong>na</strong>s <strong>primeira</strong>s<br />

déca<strong>da</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>, fortemente impreg<strong>na</strong><strong>da</strong> pelas teorias evolucionistas e representa<strong>da</strong><br />

por Guilherme de Mello, Alexandre Levy, de origem franco-israelita, foi considera<strong>do</strong> para<br />

a música brasileira (especialmente por sua ascendência francesa) o que o português foi<br />

para a cultura brasileira em geral, pois, provinha de uma raça e de uma cultura<br />

“superiores”. Se, no intuito de melhor compreender o discurso <strong>da</strong> historiografia<br />

exemplifica<strong>da</strong> por Guilherme de Mello a<strong>do</strong>tássemos a terminologia utiliza<strong>da</strong> por Silvio<br />

Romero em História <strong>da</strong> Literatura Brasileira, (ROMERO, 1959:49), Alexandre Levy<br />

seria, fi<strong>na</strong>lmente, considera<strong>do</strong> um “agente direto” <strong>da</strong> criação <strong>da</strong> música brasileira<br />

(ROMERO, 1959:49).<br />

Posteriormente, em 1926, Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong> traça suas considerações sobre o<br />

compositor, as quais apontam para a tendência modernista de o autor:<br />

“Tinha um espírito requinta<strong>do</strong> e <strong>da</strong>í ter trata<strong>do</strong> o folclore de um certo mo<strong>do</strong><br />

superior que não lhe tira em <strong>na</strong><strong>da</strong> o brilho, mas como que esmorece a<br />

<strong>na</strong>turali<strong>da</strong>de. Não impede, porém, que Levy tenha si<strong>do</strong> um apreciável folclorista,<br />

de forte valor musical ...” (ALMEIDA, 1926: 99-100).<br />

Na segun<strong>da</strong> edição de História <strong>da</strong> Música no Brasil, de 1942, Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong>, novamente<br />

ressalta os três aspectos em torno <strong>da</strong> historiografia de Alexandre Levy, destacan<strong>do</strong> seu preparo<br />

musical:<br />

“Revelou-se Alexandre Levy um <strong>do</strong>s nossos mais altos engenhos musicais, mas a<br />

sua vi<strong>da</strong>, corta<strong>da</strong> aos vinte e oito anos, não lhe permitiu a realização que<br />

magnificamente prenunciou o início <strong>da</strong> sua obra” (ALMEIDA, 1942:426).<br />

Em outra passagem o autor prossegue com o argumento <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista em torno <strong>da</strong><br />

contribuição de Alexandre Levy:<br />

“... foi Alexandre Levy um <strong>do</strong>s primeiros a sentir essa ânsia por uma música<br />

brasileira, que só depois se caracterizaria como coisa nossa e livre, hauri<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

terra e unin<strong>do</strong>-se pela cultura á arte universal” (ALMEIDA, 1942: 427).<br />

A exaltação de Alexandre Levy enquanto um compositor refi<strong>na</strong><strong>do</strong>, possui<strong>do</strong>r de técnica<br />

musical (então bastante deficiente entre os compositores de seu tempo) e, sobretu<strong>do</strong>, como<br />

“precursor” <strong>do</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo brasileiro, decorre <strong>do</strong> discurso <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista de Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong>, que<br />

valoriza <strong>do</strong>s biografa<strong>do</strong>s seus aspectos de “forma<strong>do</strong>res” <strong>da</strong> música brasileira.<br />

77


Por sua vez, em Compêndio de História <strong>da</strong> Música Brasileira, de 1933, Mário de<br />

Andrade afirma com sutil ironia que Alexandre Levy foi “... um anúncio de gênio” (ANDRADE,<br />

1933: 168). No entanto, posteriormente, em Evolução Social <strong>da</strong> Música no Brasil, de 1939, o<br />

autor admite que Alexandre Levy, ao la<strong>do</strong> de Alberto Nepomuceno, pode ser visto como uma <strong>da</strong>s<br />

“... <strong>primeira</strong>s conformações eruditas <strong>do</strong> novo esta<strong>do</strong> de consciência coletivo que se formava <strong>na</strong><br />

evolução social <strong>da</strong> nossa música” (ANDRADE, 1965:30).<br />

O prossegue em outra passagem com o mesmo teor:<br />

“... pon<strong>do</strong> de parte o frágil <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo musical de Carlos Gomes, não parece<br />

ape<strong>na</strong>s ocasio<strong>na</strong>l que justamente <strong>na</strong> terra-<strong>da</strong>-promissão paulista, recémdescoberta,<br />

surgisse o primeiro <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista musical, Alexandre Levy”<br />

(ANDRADE, 1965, 30).<br />

O historiógrafo português Gastão de Bittencourt parece apoiar a opinião quanto à<br />

importância de Levy para a definição de uma música brasileira. Em Alexandre Levy (um grande<br />

compositor paulista), ele trata o compositor como um mestre de “brasili<strong>da</strong>de”, além disso, como<br />

um “grande compositor paulista” (BITTENCOURT, s.d:). Trata-se este texto de uma conferência<br />

publica<strong>da</strong> em Temas de Música Brasileira, sem, indicação de <strong>da</strong>ta, no Rio de Janeiro, pela editora<br />

“A Noite”. Tal conferência foi realiza<strong>da</strong> <strong>na</strong> residência de Do<strong>na</strong> Emma Romero <strong>do</strong>s Santos<br />

Fonseca <strong>da</strong> Câmara Reys, em 1 de março de 1936, e se consistia <strong>da</strong> apresentação <strong>da</strong> biografia <strong>do</strong>s<br />

compositores em concertos.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, justifica-se através de uma platéia de paulistas, a reincidência ao longo <strong>do</strong><br />

texto, a qualificação de Alexandre Levy como grande compositor “paulista”.<br />

“Compositor Paulista!<br />

Paulista!<br />

É bem grato evocar aqui o ver<strong>da</strong>deiro significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> vocábulo “paulista”<br />

Ele indica mais <strong>do</strong> que ser filho dessa famosa terra brasileira, onde o progresso é<br />

vertigem renova<strong>do</strong>ra aluci<strong>na</strong>nte [...] Paulista é ser brasileiro cem por cento; é ser<br />

luta<strong>do</strong>r intemerato, que jamais esquece o esforço ingente <strong>do</strong> bandeirante<br />

destemi<strong>do</strong> ... “ etc (BITTENCOURT, s.d:76-77).<br />

Por esse simples exemplo podemos perceber o quanto esteve sujeita ao público a<br />

historiografia musical no Brasil.<br />

78


Gastão de Bittencourt não poupa elogios à Alexandre Levy tão pouco apresenta elementos<br />

concretos sobre suas considerações sobre Levy ter contribuí<strong>do</strong> para a música brasileira. O autor<br />

qualifica Levy como um gênio, “... morto aos 28 anos de i<strong>da</strong>de. E que soberba demonstração de<br />

seu talento nos legou; que obra estupen<strong>da</strong> de cultura musical consegui realizar”<br />

(BITTENCOURT, s.d:83).<br />

Posteriormente, Gastão de Bittencourt reafirma a reputação <strong>do</strong> autor como “protetor <strong>da</strong>s<br />

artes”, segun<strong>do</strong> a expressão utiliza<strong>da</strong> por Caldeira Filho em A música em São Paulo (1954):<br />

“Não foram ape<strong>na</strong>s as obras que deixou ... foi também notável a sua ação notável<br />

no senti<strong>do</strong> de maior divulgação <strong>da</strong> boa música, foi o papel importante que<br />

desempenhou no meio artístico <strong>da</strong> sua época, que agitou de iniciativas arroja<strong>da</strong>s e<br />

de alto valor cultural” (BITENCOURT, 1945:85).<br />

Ao que parece, Gastão de Bittencourt apoiava a estética modernista de Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong>,<br />

chegan<strong>do</strong> a promovê-la em Portugal em uma série de conferências. Ao que parece o autor tinha<br />

simpatia pelas idéias de Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong>, pois o cita diversas vezes em História breve <strong>da</strong> música<br />

no Brasil (1945). Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong>, por sua vez, prefacia Temas de Música Brasileira de<br />

Bittencourt, e se refere às quali<strong>da</strong>des <strong>do</strong> autor:<br />

“Gastão de Bittencourt é um amigo fiel <strong>da</strong> música brasileira. Ele a tem estu<strong>da</strong><strong>do</strong><br />

com penetrante senso crítico, buscan<strong>do</strong> o mistério <strong>da</strong> sua sensibili<strong>da</strong>de e a gênese<br />

<strong>da</strong> sua emoção, através de eruditas conferência, com os quais a vem divulgan<strong>do</strong><br />

<strong>na</strong> terra ama<strong>da</strong> de Portugal (ALMEIDA 1945:2)<br />

Ao contrário <strong>da</strong> tendência ao elogio, que caracteriza a historiografia <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> em<br />

questão, um trabalho de Gelásio Pimenta, publica<strong>do</strong> em 1910, portanto, anterior aos já cita<strong>do</strong>s<br />

aqui, apresenta uma visão mais modesta <strong>da</strong> contribuição de Alexandre Levy para a história<br />

musical brasileira. Trata-se de Alexandre Levy, trabalho apresenta<strong>do</strong> ao Instituto Histórico e<br />

Geográfico de São Paulo, durante a sessão de 20 de setembro de 1910.<br />

Na introdução de seu texto, Gelásio Pimenta afirma que espera que seu trabalho possa ser<br />

útil ao “culto aos grandes homens” (PIMENTA, 1911:7-8). Posteriormente, o autor traça o perfil<br />

de Alexandre Levy sem atribuir-lhe nenhum grande epíteto de impacto. Ao contrário <strong>da</strong><br />

tendência centra<strong>da</strong> <strong>na</strong>o elogio, limita-se a dizer que Alexandre Levy “... não foi propriamente um<br />

gênio” (PIMENTA, 1911:7). No entanto, reconhece que o compositor foi um “... um artista de<br />

grande talento” (PIMENTA, 1911:8).<br />

79


O autor enfatiza que, nos tempos de Alexandre Levy, São Paulo era ain<strong>da</strong> um centro<br />

atrasa<strong>do</strong> em termos culturais, haven<strong>do</strong> grande desinteresse musical <strong>da</strong> parte <strong>do</strong> público. Deste<br />

mo<strong>do</strong>, o texto concentra-se <strong>na</strong> figura <strong>do</strong> compositor enquanto protetor <strong>da</strong>s artes, mau<br />

compreendi<strong>do</strong> pelos seus contemporâneos paulistas (PIMENTA, 1911:9).<br />

Supomos que a ausência de elementos lau<strong>da</strong>tórios no texto de Gelásio Pimenta pode estar<br />

relacio<strong>na</strong><strong>da</strong> ao fato <strong>do</strong> trabalho ter si<strong>do</strong> publica<strong>do</strong> no Instituto Histórico e Geográfico de São<br />

Paulo, cuja orientação se voltava para a compilação de informações “positivas”. O texto traz<br />

ain<strong>da</strong> uma importante indicação para futuras pesquisas sobre o compositor, pois, segun<strong>do</strong><br />

Pimenta, Alexandre Levy assi<strong>na</strong>va suas colu<strong>na</strong>s no Correio Paulistano com o pseudônimo<br />

“Figarote”.<br />

João <strong>da</strong> Cunha Caldeira Filho, por sua vez, traz uma peque<strong>na</strong> biografia de Alexandre<br />

Levy em A música em São Paulo (1954). Nestes rápi<strong>do</strong>s apontamentos biográficos, Caldeira<br />

Filho não se concentra nos aspectos “<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>listas” relacio<strong>na</strong><strong>do</strong>s ao compositor, mas em seu<br />

papel enquanto “protetor <strong>do</strong>s artistas”, como um artista inconforma<strong>do</strong> com a apatia <strong>do</strong> público e<br />

pelas condições musicais de São Paulo em seu tempo. Segun<strong>do</strong> Caldeira Filho, Alexandre Levy<br />

sempre “... lutou pela melhoria <strong>da</strong>s condições musicais de seu tempo” (CALDEIRA FILHO,<br />

1954a: 130).<br />

Assim, prossegue o autor:<br />

“... quantas e quantas vezes gritava contra o pouco caso que em S. Paulo se fazia<br />

<strong>do</strong>s artistas que lá iam <strong>da</strong>r concertos. Com o coração de ver<strong>da</strong>deiro amor pela<br />

arte, era o melhor protetor de to<strong>do</strong>s os artistas que pisaram o solo paulista”<br />

(CALDEIRA FILHO, 1954a: 130).<br />

Digno de nota é ênfase que dá Caldeira Filho à qualificação de Alexandre Levy como<br />

um”protetor <strong>da</strong>s artes em São Paulo”, e não em sua contribuição de Alexandre Levy para o<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo musical brasileiro. Assim, ao que nos parece, Caldeira Filho considera-o menos<br />

sobre o aspecto <strong>do</strong> “precursor <strong>do</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo brasileiro” <strong>do</strong> que quanto ao de “protetor <strong>do</strong>s<br />

artistas” (CALDEIRA FILHO, 1954a: 130). Isso pode ser uma decorrência <strong>da</strong> delimitação <strong>do</strong><br />

objeto <strong>do</strong> autor, uma vez que esta peque<strong>na</strong> biografia de Levy foi publica<strong>da</strong> em A música em São<br />

Paulo, que é um texto panorâmico que trata exclusivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de em São Paulo.<br />

80


Caldeira Filho refere-se ain<strong>da</strong> à Levy como um “romântico“, “melancólico”, desiludi<strong>do</strong><br />

com as condições musicais de seu tempo: “O <strong>século</strong> XIX fin<strong>da</strong>va sobre a lembrança melancólica<br />

<strong>da</strong> desilusão de Levy (CALDEIRA FILHO, 1954a: 130).<br />

3.5 Aspectos <strong>da</strong> historiografia sobre Henrique Oswald<br />

O primeiro trabalho aqui abor<strong>da</strong><strong>do</strong> que traça considerações sobre Henrique Oswald é<br />

História <strong>da</strong> Música no Brasil, de Guilherme de Mello. O autor apresenta uma visão romantiza<strong>da</strong><br />

<strong>do</strong> compositor, centra<strong>da</strong> no elogio <strong>do</strong> “grande homem”. Segun<strong>do</strong> Guilherme de Mello, Oswald<br />

“... representa o tipo de um sumo sacer<strong>do</strong>te <strong>da</strong> Arte, inspira<strong>do</strong> pelo nosso bon<strong>do</strong>so Deus para<br />

distribui-nos as suas bênçãos celestiais por meio <strong>da</strong> linguagem <strong>do</strong>s sons musicais” (MELLO,<br />

1908:328). Posteriormente, o autor nos diz que “... já não há mais segre<strong>do</strong>s para ele [Henrique<br />

Oswald] <strong>na</strong> ciência <strong>da</strong> harmonia, <strong>do</strong> contraponto e <strong>da</strong>s fugas” (MELLO, 1908:328).<br />

Ao nosso ver a idéia de um “sumo-sacer<strong>do</strong>te <strong>da</strong> arte”, ao nosso ver, evoca a referi<strong>da</strong><br />

compreensão romântica sobre a música e os músicos conforme aponta<strong>da</strong> por Dwight Allen, onde<br />

a música é vista como uma “ciência misteriosa”, e deste mo<strong>do</strong>, possui “leis” e “segre<strong>do</strong>s<br />

imutáveis”, os quais podiam ser “revela<strong>do</strong>s”, “descobertos”, pelos “gênios” (ALLEN, 1962:87).<br />

Na segun<strong>da</strong> edição de sua História <strong>da</strong> Música Brasileira, Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong> não aban<strong>do</strong><strong>na</strong> a<br />

caracterização de Henrique Oswald como um artista refi<strong>na</strong><strong>do</strong>, no entanto, ele passa enfatizar no<br />

compositor o quê poderíamos chamar de “atitude tolerante” quanto à então nova estética<br />

modernista, a qual, vale lembrar, se formava a partir <strong>da</strong> incorporação <strong>do</strong>s elementos<br />

supostamente “primitivos” oriun<strong>do</strong>s <strong>da</strong> obra popular. Assim, Almei<strong>da</strong> diz que Henrique Oswald:<br />

“Foi sempre um espírito aberto e jamais se enquadrou, dentro <strong>da</strong>s tendências pessoais, para<br />

negar ou perturbar os valores novos” (ALMEIDA, 1942:399).<br />

Além disso, Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong> julga benéfica a atuação de Henrique Oswald. Para ele, a<br />

contribuição deste compositor, com seus hábitos e sua cultura acentua<strong>da</strong>mente europeus,<br />

equilibra, dentro de nossa música, os exageros <strong>na</strong>tivistas e primitivistas que pudessem decorrer<br />

<strong>do</strong> nosso “tropicalismo ardente”:<br />

81


“No Brasil, não absorveu as forças dinâmicas <strong>da</strong> nossa imagi<strong>na</strong>ção, a<br />

exuberância <strong>da</strong> terra. Sem que se possa dizer que tivesse reagi<strong>do</strong>, contrabalançou<br />

com a noção de equilíbrio e a sensibili<strong>da</strong>de apura<strong>da</strong> e fi<strong>na</strong> os excessos <strong>do</strong> nosso<br />

tropicalismo ardente” (ALMEIDA, 1942:402)<br />

No Compêndio de História <strong>da</strong> Música Brasileira, de 1933, Mário de Andrade assim<br />

classifica o compositor paulista:<br />

“É a mais completa figura de músico <strong>da</strong> geração dele. Une a uma perso<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de<br />

de cria<strong>do</strong>r fino, sempre delica<strong>do</strong>, inimigo <strong>do</strong> áspero e <strong>do</strong> ba<strong>na</strong>l, uma técnica muito<br />

larga e perfeitamente assimila<strong>da</strong>” (ANDRADE, 1933:173)<br />

No entanto, num texto escrito anteriormente, em 1933, em função <strong>da</strong> morte <strong>do</strong><br />

compositor, Mário de Andrade critica o não comprometimento <strong>do</strong> compositor com a questão<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e coletiva, atribuin<strong>do</strong> isso ao individualismo <strong>da</strong> estética romântica: “Henrique Oswald,<br />

que podia nos <strong>da</strong>r a sua expressão particular <strong>da</strong> nossa raça, provinha dum epicurismo fatiga<strong>do</strong> e<br />

refi<strong>na</strong><strong>do</strong> por demais pra aban<strong>do</strong><strong>na</strong>r suas liber<strong>da</strong>des em favor dessa conquista comum de<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de” (ANDRADE, 1963, 169).<br />

Mais adiante, Mário de Andrade continua desenvolven<strong>do</strong> a mesma questão: “Contentou-<br />

se em viver o que individualmente era, sem <strong>na</strong><strong>da</strong> aban<strong>do</strong><strong>na</strong>r de si, pra se afeiar com as violentas<br />

precarie<strong>da</strong>des <strong>do</strong> povo” (ANDRADE, 1969:170).<br />

João <strong>da</strong> Cunha Caldeira Filho, por sua vez, <strong>na</strong> breve biografia dedica<strong>da</strong> ao compositor,<br />

publica<strong>da</strong> em A música em São Paulo, de João <strong>da</strong> Cunha Caldeira Filho, Henrique Oswald é<br />

trata<strong>do</strong> como um menino-prodígio, posteriormente, como um compositor refi<strong>na</strong><strong>do</strong> em pleno<br />

<strong>do</strong>mínio de sua técnica e, fi<strong>na</strong>lmente, como o fun<strong>da</strong><strong>do</strong>r <strong>do</strong> Conservatório Nacio<strong>na</strong>l de Música<br />

(CALDEIRA FILHO, 1954a: 130). Caldeira Filho mencio<strong>na</strong> o concerto promovi<strong>do</strong> por membros<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de paulista<strong>na</strong> em benefício aos Voluntários <strong>da</strong> Pátria, concerto em que tocou Henrique<br />

Oswald quan<strong>do</strong> menino, juntamente com seu professor Gabriel Girau<strong>do</strong>n (CALDEIRA FILHO,<br />

1954a: 130). O autor cita o fato deste ter si<strong>do</strong> o primeiro concerto contrário ao antigo preceito <strong>da</strong><br />

proibição de apresentação de senhoras em concertos públicos. Tal trecho parece ter si<strong>do</strong> cita<strong>do</strong> <strong>da</strong><br />

Cronologia Musical de São Paulo de Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende, (CALDEIRA FILHO, 1954a:<br />

130).<br />

As considerações sobre a juventude Henrique Oswald, provavelmente, tiveram base em<br />

outro livro de Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende, Dois meninos prodígios de outrora em São Paulo, de<br />

82


1952. Este que foi o primeiro livro publica<strong>do</strong> pelo autor, <strong>na</strong> ver<strong>da</strong>de, surgiu de duas monografias<br />

publica<strong>da</strong>s <strong>na</strong> Revista Colégio, n° 3 e 4, em 1948 (Moci<strong>da</strong>de de Henrique Oswald e O violinista<br />

Dengremont) (RESENDE, 1951:4).<br />

Ambos os biografa<strong>do</strong>s são caracteriza<strong>do</strong>s como jovens virtuoses residentes <strong>na</strong> ci<strong>da</strong>de de<br />

São Paulo em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX. Segun<strong>do</strong> Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende, o o texto tem como<br />

objetivo “... servir de contribuição para o centenário de Henrique Oswald [e] divulgar melhor a<br />

biografia <strong>do</strong> esqueci<strong>do</strong> violinista brasileiro [Eugênio Maurício Dengremont]” (RESENDE,<br />

1951:4). Este pode ser considera<strong>do</strong> um exemplo <strong>do</strong> caráter comemorativo atribuí<strong>do</strong> à biografia<br />

por José Honório Rodrigues, quan<strong>do</strong> o propósito <strong>do</strong> texto é celebrar, fazer o elogio de uma<br />

perso<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de morta.<br />

Em Música e músicos <strong>do</strong> Brasil, de 1950, Luiz Heitor Correa de Azeve<strong>do</strong> en<strong>do</strong>ssa as<br />

opiniões anteriores que consideram Henrique Oswald um compositor descomprometi<strong>do</strong> com a<br />

questão <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, a não ser, aludin<strong>do</strong>-a vagamente em algumas de suas obras (AZEVEDO,<br />

1950:234): Segun<strong>do</strong> o autor, Henrique Oswald foi “... um compositor viven<strong>do</strong> num perío<strong>do</strong> de<br />

intensa campanha <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista e cuja obra se conserva alheia à injunções <strong>do</strong> meio, às sugestões<br />

desta nossa consciência artística em fusão” (AZEVEDO, 1950:234).<br />

Como se viu anteriormente, durante este perío<strong>do</strong> a especifici<strong>da</strong>de <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l continuava a<br />

ser vista como determi<strong>na</strong><strong>da</strong> pela influência mesológica e climática, além <strong>da</strong> interação <strong>da</strong>s três<br />

raças. Assim, Luiz Heitor explica as preferências estéticas de Henrique Oswald, bem como seu<br />

temperamento, através <strong>da</strong>s noções de “meio” e “raça”:<br />

“Esse ítalo-germano, puramente francês de espírito, viven<strong>do</strong> <strong>na</strong> Itália, mas <strong>da</strong>n<strong>do</strong><br />

nomes franceses às suas músicas e, em casa [...] exprimin<strong>do</strong>-se de preferência em<br />

francês, era um homem de outro clima, de uma outra paisagem” (AZEVEDO,<br />

1950:236).<br />

Como se pode ver, ao contrário de Re<strong>na</strong>to Almei<strong>da</strong>, que havia considera<strong>do</strong> benéfica a<br />

ação de Henrique Oswald <strong>na</strong> música brasileira, no senti<strong>do</strong> de <strong>da</strong>r-lhe “equilíbrio” e refrear o<br />

“primitivismo”, Luiz Heitor Correia de Azeve<strong>do</strong> afirma que: “A influência de Oswald como<br />

artista, no meio musical brasileiro, fôra nula” (AZEVEDO, 1950:233). Esta consideração se<br />

deve, evidentemente, ao engajamento <strong>do</strong> autor <strong>na</strong> questão <strong>da</strong> criação de uma música “brasileira”<br />

que fosse basea<strong>da</strong> em nossa cultura popular. Nas palavras <strong>do</strong> autor, “... a ausência de<br />

83


características <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is <strong>na</strong> obra de um compositor não constitui nem defeito nem quali<strong>da</strong>de. O<br />

contrário sim, julgo que é quali<strong>da</strong>de, e valiosíssima” (AZEVEDO, 1950:234).<br />

No entanto, após afirmar ser “nula” a influência de Henrique Oswald <strong>na</strong> música brasileira,<br />

Luiz Heitor Correa de Azeve<strong>do</strong> afirma que a música brasileira “... sem Henrique Oswald perde<br />

uma boa parte de sua significação. Com ele conquista um posto avança<strong>do</strong> no conceito universal”<br />

(AZEVEDO, 1950:239).<br />

A despeito <strong>da</strong>s variantes <strong>na</strong> caracterização geral <strong>da</strong> relevância <strong>do</strong> compositor para a<br />

música brasileira, variantes estas encontra<strong>da</strong>s, como se viu, até em um mesmo autor, é possível<br />

afirmar que, à medi<strong>da</strong> em que se delineava mais concretamente a música moder<strong>na</strong> brasileira,<br />

Henrique Oswald foi sen<strong>do</strong> visto ca<strong>da</strong> vez mais como um <strong>do</strong>s “últimos românticos”, cuja<br />

contribuição para a criação <strong>da</strong> música <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l foi irrelevante, a despeito de sua reputação<br />

enquanto artista refi<strong>na</strong><strong>do</strong> e competente.<br />

3.6 Aspectos literários no objeto<br />

Podemos observar duas grandes expressões <strong>da</strong> relação entre a literatura e o nosso objeto.<br />

Em primeiro lugar, o uso de figuras de estilo e linguagem diversas, e em segun<strong>do</strong> lugar, o uso de<br />

dramatizações, ou seja, de tentativas de reconstrução <strong>da</strong> ce<strong>na</strong> <strong>na</strong>rra<strong>da</strong> a partir de um estilo<br />

literário.<br />

Dwight Allen observou que, com a divulgação <strong>da</strong> teoria <strong>do</strong> “grande homem”, surge <strong>na</strong><br />

Europa uma série de textos que tiveram em comum a elevação de heróis. Desde então a história<br />

<strong>da</strong> música tem si<strong>do</strong> escrita em torno <strong>do</strong>s grandes homens (ALLEN, 1969:87).<br />

No Brasil, segun<strong>do</strong> apontou Antônio Alexandre Bispo, o uso de formas espirituosas, <strong>do</strong><br />

jogo de palavras e de outros recursos utiliza<strong>do</strong>s para captar a simpatia <strong>do</strong> leitor (como o humor e<br />

a ironia) foram as principais marcas dessa influência literária <strong>na</strong> historiografia musical (BISPO,<br />

1985:22).<br />

Exemplos <strong>do</strong> primeiro caso são mais abun<strong>da</strong>ntes, como, por exemplo, perífrases [“...<br />

Carlos Gomes, o genial cantor <strong>da</strong>s selvas brasileiras” (MACEDO, 1940:13)], antíteses [A<br />

garganta rude <strong>do</strong> selvagem e os lábios eruditos <strong>do</strong>s padres (CALDEIRA FILHO, 1954:129)],<br />

84


metáforas [“... aqueles cantos e aqueles hinos lhes pareciam [aos indíge<strong>na</strong>s] vozes celestiais”<br />

(ALMEIDA, 1926:189)].<br />

Dentre os exemplos <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> caso, vale destacar a passagem em que Clóvis de Oliveira<br />

<strong>na</strong>rra sobre o momento em que André <strong>da</strong> Silva Gomes aceita o convite <strong>do</strong> bispo de São Paulo de<br />

ir morar no Brasil:<br />

“... Dom Manuel, ain<strong>da</strong> em Lisboa, convi<strong>do</strong>u o maestro e Tenente-Coronel André<br />

<strong>da</strong> Silva Gomes para acompanha-lo, e em São Paulo, criar o coro <strong>da</strong> Sé e regê-lo.<br />

André <strong>da</strong> Silva Gomes não meditou o convite. Não pensou que ia deixar Lisboa, a<br />

grande capital européia; não refletiu sobre o seu futuro com o grande músico nem<br />

sobre a possível glória que o porvir lhe prometia seguramente; não imaginou que<br />

iria ficar to<strong>do</strong> o resto de sua vi<strong>da</strong> longe <strong>da</strong> pátria, não pensou em <strong>na</strong><strong>da</strong>, <strong>na</strong><strong>da</strong>! ...”<br />

(OLIVEIRA, 1954:12).<br />

Como se vê, o trecho tem níti<strong>do</strong> interesse de chamar atenção <strong>do</strong> autor para as possíveis<br />

angústias <strong>do</strong> biografa<strong>do</strong>, transforman<strong>do</strong>-o num ver<strong>da</strong>deiro herói.<br />

Jolumá Brito, por sua vez, em "Carlos Gomes" - ("O Tonico de Campi<strong>na</strong>s"), de 1936,<br />

dramatiza a ocasião em que Carlos Gomes, em São Paulo, decide ir ao Rio de Janeiro se<br />

apresentar ao Impera<strong>do</strong>r D. Pedro I:<br />

“ Depois <strong>do</strong> concerto houve congresso república onde se hospe<strong>da</strong>ra Antonio<br />

Carlos. O piano o champagne os ditos espirituosos, o calor, <strong>do</strong> entusiasmo<br />

contagioso transtor<strong>na</strong>ra as suas cabeças e os corações <strong>da</strong>quela chusma de<br />

rapazes:<br />

- Para o Rio, Carlos<br />

- Vai, Antonio Carlos.<br />

-Vai, Gomes.<br />

- Vou mesmo – bra<strong>do</strong>u ele com o olhar abrasa<strong>do</strong> e o rosto fulgurante” (BRITO,<br />

1936:27).<br />

Paulo Cerqueira, por sua vez, também apresenta um trecho em que dramatiza os últimos<br />

momentos de vi<strong>da</strong> de Carlos Gomes:<br />

“Os seus lábios trêmulos murmuram o <strong>do</strong>ce nome Adeli<strong>na</strong>... Passa-lhe pela mente<br />

a lembrança <strong>do</strong>s dias venturosos de noiva<strong>do</strong> e de casamento, m Milão, com<br />

Adeli<strong>na</strong> Peri, jovem e culta musicista, que lhe deu cinco filhos, alegria <strong>do</strong> seu lar<br />

[...] Já velho, a lembrança de um passa<strong>do</strong> de glórias lhe aquecia o coração aflito”<br />

(CERQUEIRA, s.d:22)<br />

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Uma outra evidência dessa influência literária ao nosso ver é a identificação <strong>do</strong> artista<br />

biografa<strong>do</strong> como herói. No Brasil, vários autores se referiam aos perso<strong>na</strong>gens <strong>da</strong> história de nossa<br />

música como heróis cria<strong>do</strong>res, forma<strong>do</strong>res <strong>da</strong> música brasileira. Por exemplo, para Re<strong>na</strong>to<br />

Almei<strong>da</strong>, os jesuítas eram “... abnega<strong>do</strong>s forma<strong>do</strong>res <strong>do</strong> nosso país...” (ALMEIDA, 1926:188); e<br />

Carlos Gomes, por sua vez, “... estava talha<strong>do</strong> para ser o cria<strong>do</strong>r <strong>da</strong> música brasileira...”<br />

(ALMEIDA, 1926:85). Na visão de Clóvis de Oliveira, o fato de ser “bom católico” e de possuir<br />

um “ânimo forte” permitiu a André <strong>da</strong> Silva Gomes aban<strong>do</strong><strong>na</strong>r, segun<strong>do</strong> ele, sua carreira de<br />

glórias em Lisboa e aceitar o convite <strong>do</strong> bispo de São Paulo para, fi<strong>na</strong>lmente “... encetar a tarefa<br />

cultural que imortalizou o seu nome ligan<strong>do</strong>-o a história de São Paulo e, quiçá, a <strong>do</strong> Brasil”<br />

(OLIVEIRA, 1954:13).<br />

Este traço literário parece ter si<strong>do</strong> condicio<strong>na</strong><strong>do</strong> pelo próprio sistema de produção e<br />

divulgação <strong>da</strong> historiografia musical, demasia<strong>da</strong>mente restrito a imprensa jor<strong>na</strong>lística, e por tanto<br />

volta<strong>do</strong> a um público leigo.<br />

3.7 Historiografia <strong>do</strong>s “heróis”<br />

Dwight Allen apontou para o fato de que o “grande homem” foi o conceito pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte<br />

<strong>na</strong> historiografia musical <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX (ALLEN, 1969:87). Ele dá o exemplo de Georg<br />

Kiesewetter, autor de History of the Modern Music of Western Music, para o qual “... o grande<br />

homem ditava a época” (ALLEN, 1969:87). O “grande homem” a que se refere Allen é também<br />

o homem público, reconheci<strong>do</strong> e admira<strong>do</strong> por multidões devi<strong>do</strong> a suas quali<strong>da</strong>des geniais<br />

(ALLEN, 1969:87).<br />

Encontramos alguns paralelos desta tendência <strong>na</strong> própria historiografia geral brasileira.<br />

Conforme apontou José Honório Rodrigues, no Brasil, a produção histórica tem se caracteriza<strong>do</strong><br />

pela ênfase <strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>na</strong> vi<strong>da</strong> <strong>do</strong>s “homens ilustres” e em sua respectiva contribuição no<br />

engrandecimento <strong>da</strong> <strong>na</strong>ção. “Na historiografia brasileira pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong> a busca pelo fato pessoal, a<br />

ação pessoal e seus efeitos positivos ou negativos” (RODRIGUES, 1969:30). O autor explica esta<br />

configuração a partir <strong>da</strong>s incli<strong>na</strong>ções <strong>da</strong> “mentali<strong>da</strong>de básica” luso-brasileira:<br />

“Um <strong>do</strong>s traços <strong>do</strong> caráter luso-brasileiro está <strong>na</strong> ênfase que no mun<strong>do</strong> lusobrasileiro<br />

se coloca <strong>na</strong>s relações pessoais e simpáticas e não <strong>na</strong>s impessoais. Ora,<br />

esse perso<strong>na</strong>lismo de tão nefastas conseqüências políticas haveria de conduzir ao<br />

86


iografismo histórico, ao estu<strong>do</strong> <strong>da</strong>s perso<strong>na</strong>li<strong>da</strong>des e <strong>do</strong>s heróis, ti<strong>do</strong>s como os<br />

condutores e elabora<strong>do</strong>res <strong>da</strong> história ...” (RODRIGUES, 1978:33).<br />

No entanto, para além de uma incli<strong>na</strong>ção <strong>do</strong> caráter <strong>da</strong>s relações, o elogio ao “grande<br />

homem” foi incentiva<strong>do</strong> no Brasil por intelectuais, como Sílvio Romero, segun<strong>do</strong> o qual: “O<br />

amor pelos nossos grandes homens, o culto de nosso passa<strong>do</strong>, o entusiasmo pelo presente, serão<br />

perenes fontes de eter<strong>na</strong> inspiração” (ROMERO,1911:31).<br />

Percebemos esta incli<strong>na</strong>ção <strong>na</strong> historiografia produzi<strong>da</strong> <strong>na</strong> <strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong><br />

sobre São Paulo, especialmente em relação ao tom apologético.<br />

Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende, por exemplo, espera que sua monografia Dois meninos<br />

prodígios de outrora em São Paulo, possa “... servir de contribuição para o centenário de<br />

Henrique Oswald [...] e divulgar melhor a biografia <strong>do</strong> esqueci<strong>do</strong> violinista Dengremont”<br />

(RESENDE, 1951:3).<br />

Fator determi<strong>na</strong>nte para este configuração é a questão <strong>da</strong> “uni<strong>da</strong>de <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l”, e<br />

conseqüentemente, <strong>da</strong> criação de uma música “brasileira”, questão pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte durante to<strong>da</strong> a<br />

<strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong> entre os principais escritores <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>, e que, fi<strong>na</strong>lmente,<br />

condicionou a escrita <strong>da</strong> história <strong>da</strong> música à procura <strong>do</strong>s supostos “forma<strong>do</strong>res” <strong>da</strong> música<br />

brasileira. Segun<strong>do</strong> Dante Moreira Leite, essa procura decorre <strong>da</strong> exigência <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista por uma<br />

continui<strong>da</strong>de histórica e um passa<strong>do</strong> comum, o qual “... freqüentemente se aproxima <strong>do</strong> mito”<br />

(LEITE, 2002:45).<br />

Deste mo<strong>do</strong>, justifica-se a biografia enquanto mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte <strong>na</strong> historiografia<br />

musical em questão.<br />

3.8 O impacto <strong>do</strong> centenário de <strong>na</strong>scimento de Carlos Gomes (1836-1936)<br />

Como se pôde ver anteriormente, a maior parte <strong>do</strong>s escritos sobre Carlos Gomes<br />

produzi<strong>do</strong>s no perío<strong>do</strong> em questão foi publica<strong>da</strong> ten<strong>do</strong> em vista o centenário de Carlos Gomes.<br />

Isto aponta <strong>do</strong>is fatos principais, o de não haver pesquisas sistemáticas sobre o compositor <strong>na</strong><br />

<strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>, e que tal produção, para usar a expressão de José Honório<br />

Rodrigues, trata-se de uma literatura “comemorativa” (RODRIGUES, 1978:204).<br />

87


Ao nosso ver, além <strong>da</strong> ausência de pesquisa musical sistemática e científica no Brasil <strong>na</strong>s<br />

<strong>primeira</strong>s déca<strong>da</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>, tal fato foi uma decorrência <strong>da</strong> preponderância <strong>da</strong> questão<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l no perío<strong>do</strong> em questão, pois, conforme estu<strong>da</strong><strong>do</strong>, as considerações <strong>do</strong>s autores circulam<br />

em torno, principalmente, <strong>da</strong> contribuição de Carlos Gomes <strong>na</strong> formação de uma musica<br />

“<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l”.<br />

3.9 O impacto <strong>da</strong>s comemorações <strong>do</strong> Quarto Centenário de São Paulo (1554-1954)<br />

As comemorações em torno <strong>do</strong> Quarto Centenário <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de de São Paulo estimularam<br />

significativamente o surgimento de publicações sobre a música <strong>na</strong> região. Em 1954, Carlos<br />

Pentea<strong>do</strong> de Resende publica O compositor d´O Guarany, Fragmentos para uma história <strong>da</strong><br />

música em São Paulo, Tradições musicais <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Direito de São Paulo, Cronologia<br />

Musical de São Paulo (1800-1870). Este último, segun<strong>do</strong> João <strong>da</strong> Cunha Caldeira Filho, esta<br />

Cronologia é “... obra completa no momento quanto às fontes atualmente conheci<strong>da</strong>s”<br />

(CALDEIRA FILHO, 1954:8). O próprio Caldeira Filho publica no dia 25 de janeiro de 1954 o<br />

artigo A música em São Paulo, no suplemento literário de O Esta<strong>do</strong> de S. Paulo, artigo cujo<br />

mérito, ao nosso ver, é se constituir uma <strong>da</strong>s <strong>primeira</strong>s tentativas de se abor<strong>da</strong>r a totali<strong>da</strong>de <strong>do</strong><br />

<strong>desenvolvimento</strong> musical <strong>na</strong> ci<strong>da</strong>de de São Paulo.<br />

Segun<strong>do</strong> o autor, <strong>na</strong>quele momento, três grandes aspectos chamam a atenção <strong>do</strong><br />

estudioso que deseja traçar um panorama <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> musical em São Paulo: o musicológico, o <strong>da</strong><br />

composição e o <strong>da</strong> educação (CALDEIRA FILHO, 1954:131). E assim, neste texto, o autor<br />

identifica em vários momentos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> musical em São Paulo os principais indivíduos que teriam<br />

contribuí<strong>do</strong> para o <strong>desenvolvimento</strong> e conhecimento <strong>da</strong> música “brasileira”. Embora mantenha<br />

seu teor apologético em relação às perso<strong>na</strong>gens cita<strong>da</strong>s, o autor representa um momento em que a<br />

música de São Paulo passa, muito modestamente, a se constituir um objeto autônomo de interesse<br />

e estu<strong>do</strong>.<br />

Além <strong>da</strong>s contribuições de Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende e Caldeira Filho, destaca-se, no<br />

mesmo ano de 1954, a monografia de Clóvis de Oliveira André <strong>da</strong> Silva Gomes, o mestre de<br />

capela <strong>da</strong> Sé de São Paulo. Embora se trate de uma <strong>primeira</strong> biografia de um compositor que<br />

atuou em São Paulo entre a transição <strong>do</strong> <strong>século</strong> XVIII e XIX, o autor deu igual ênfase a outros<br />

88


aspectos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>do</strong> biografa<strong>do</strong>, não se pretenden<strong>do</strong> escrever, ao que parece, um trabalho<br />

exclusivamente de historiografia musical.<br />

Nas palavras <strong>do</strong> próprio autor: “É o passa<strong>do</strong> de S. Paulo que historiamos ao realçar<br />

essa figura que só a posteri<strong>da</strong>de caberia fazer-lhe justiça e coloca-lo no lugar de honra de<br />

nossos homens ilustres” (OLIVEIRA, 1954:9).<br />

Com se pode observar, <strong>do</strong>s seis trabalhos publica<strong>do</strong>s por Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende<br />

abor<strong>da</strong><strong>do</strong>s nesta pesquisa, cinco deles foram publica<strong>do</strong>s em 1954. Além desses, destacamos o<br />

artigo de Caldeira Filho A música em São Paulo, e de Clóvis de Oliveira O mestre de capela <strong>da</strong><br />

Sé de São Paulo, que também foram escritos ten<strong>do</strong> em vista as comemorações <strong>do</strong> Quarto<br />

Centenário <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de.<br />

Tal fato nos leva a crer que a historiografia produzi<strong>da</strong> <strong>na</strong> <strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong><br />

sobre a prática musical em São Paulo nos <strong>século</strong>s XVI-XIX possui caráter circunstancial e<br />

comemorativo.<br />

3.10 O esboço de uma mu<strong>da</strong>nça paradigmática<br />

Podemos perceber duas grandes linhas <strong>da</strong> pesquisa histórica em música, as quais ao<br />

apresentam maior ou menor grau de envolvimento com a questão <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. A <strong>primeira</strong> delas, cuja<br />

meto<strong>do</strong>logia parece ter si<strong>do</strong> basicamente a pesquisa bibliográfica, é caracteriza<strong>da</strong> pela procura<br />

<strong>do</strong>s supostamente considera<strong>do</strong>s forma<strong>do</strong>res <strong>da</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de, ou simplesmente, <strong>do</strong>s “homens<br />

ilustres”, ou pela afirmação de uma música brasileira basea<strong>da</strong> <strong>na</strong> fusão <strong>da</strong>s três raças (branca,<br />

amarela e negra, com a preponderância <strong>da</strong> <strong>primeira</strong>).<br />

Guilherme de Mello, representante desta tendência, sintetiza sua concepção de pesquisa<br />

histórica em música <strong>na</strong> seguinte passagem:<br />

“Há <strong>do</strong>is mo<strong>do</strong>s, diz Edmond Scherrer, de escrever a história artística e literária<br />

de um povo: pender para considerações gerais, referir os efeitos às causas,<br />

distinguir, classificar; ou então tomar por alvo este mun<strong>do</strong> de artistas e escritores<br />

<strong>do</strong> meio que tão grandes coisas produziu, procurar surpreender estes homens em<br />

sua vi<strong>da</strong> de to<strong>do</strong> dia, desenhan<strong>do</strong>-lhes a fisionomia e recolher as picantes<br />

ane<strong>do</strong>tas ao seu respeito. Foi, pois, <strong>na</strong> observância destes mo<strong>do</strong>s que procurei<br />

achar as leis eter<strong>na</strong>s que presidiram à formação <strong>do</strong> gênio, <strong>do</strong> espírito, e <strong>do</strong><br />

89


caráter <strong>do</strong> povo brasileiro e de sua música, bem ain<strong>da</strong> como de sua etnologia; isto<br />

é, como o povo português, sob a influência <strong>do</strong> clima americano, em contato com o<br />

índio e o africano se transformou, constituin<strong>do</strong> o mestiço ou o brasileiro<br />

propriamente dito” (MELO, 1908:8).<br />

Grande parte <strong>da</strong> produção historiografia produzi<strong>da</strong> <strong>na</strong> <strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong><br />

insere-se <strong>na</strong> <strong>primeira</strong> linha, devi<strong>do</strong> a preponderância <strong>da</strong> questão <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e ao pré-<br />

condicio<strong>na</strong>mento <strong>da</strong> historiografia brasileira em geral de ser realiza<strong>da</strong> em torno de grandes<br />

homens. Segun<strong>do</strong> José Honório Rodrigues: “Na historiografia brasileira pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong> a busca pelo<br />

fato pessoal, a ação pessoal e seus efeitos positivos ou negativos” (RODRIGUES, 1969:30).<br />

Além disso, o autor justifica o caso <strong>da</strong> tendência <strong>da</strong> historiografia para a crônica em<br />

detrimento <strong>da</strong> história: “Nos países mais modestos <strong>na</strong> sua força econômica, insuficientes <strong>na</strong><br />

educação, com uma minoria <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte alie<strong>na</strong><strong>da</strong>, não só é insignificante a produção <strong>do</strong> fato e<br />

atos, como realmente não produzem história, mas crônica” (RODRIGUES, 1969:32).<br />

A partir <strong>do</strong>s trabalhos compilatórios de Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende, podemos perceber<br />

uma maior preocupação com a pesquisa musical em São Paulo. Como se viu anteriormente, três<br />

trabalhos <strong>do</strong> autor se prestam a compilar informações, como por exemplo, Cronologia Musical de<br />

São Paulo, Fragmentos para uma história <strong>da</strong> música em São Paulo, transição de uma perspectiva<br />

jor<strong>na</strong>lístico-literária para uma perspectiva científica. Assim, a segun<strong>da</strong> perspectiva, a que<br />

chamamos compilatória, apresenta, ao nosso ver, uma maior preocupação meto<strong>do</strong>lógica com o<br />

levantamento, organização e divulgação de informações sobre o passa<strong>do</strong> <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Além disso,<br />

ela se apresenta como uma tentativa, ain<strong>da</strong> bastante modesta, de alargamento <strong>do</strong> objeto, através<br />

<strong>do</strong> interesse pela música de anterior ao <strong>século</strong> XIX. Inclui-se nesta segun<strong>da</strong> perspectiva o<br />

trabalho Carlos Pentea<strong>do</strong> de Rezende, o qual, pareceu ser o historiógrafo mais preocupa<strong>do</strong> com a<br />

organização de pesquisas mais amplas e sistematiza<strong>da</strong>s sobre o passa<strong>do</strong> musical <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de São<br />

Paulo.<br />

A transição de uma perspectiva jor<strong>na</strong>lística para uma compilatória, que falamos acima,<br />

não se deu, evidentemente, de forma radical e mesmo de forma consciente entre seus autores.<br />

Havia ape<strong>na</strong>s uma preocupação maior com o levantamento e organização de novas informações,<br />

como por exemplo, Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende, que dizia em Fragmentos para uma História <strong>da</strong><br />

Música em São Paulo: “Compendiei e sistematizei, ano por ano, uma infini<strong>da</strong>de de fatos e<br />

notícias que se achavam dispersas em publicações <strong>da</strong>s mais diferentes origens”. (RESENDE,<br />

1954:195). Além disso, a crítica sobre o objeto biográfico já vinha sen<strong>do</strong> realiza<strong>da</strong>, por exemplo,<br />

90


por Mário de Andrade, para o qual, com as biografias fazia-se “... uma história <strong>do</strong>s músicos, e<br />

não, <strong>da</strong> música” (ANDRADE, 1963:360-361).<br />

Ao nosso ver estas novas preocupações com a compilação e a organização de informações<br />

não representam uma “evolução científica” <strong>na</strong> historiografia musical <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>, pois o que se<br />

procurava resolver era a carência e a inexatidão <strong>da</strong>s informações disponíveis; além disso, o<br />

caráter literário, que não pertence à linguagem específica de uma ciência, ain<strong>da</strong> era uma<br />

característica desejável em um texto historiográfico-musical neste momento. Caldeira Filho, por<br />

exemplo, nos diz no prefácio de Dois meninos prodígios de outrora em São Paulo (1951), de<br />

Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende, que o autor, além de possuir “discernimento crítico” e “criteriosa<br />

honesti<strong>da</strong>de”, “... é suficientemente artista para <strong>da</strong>r à sua exposição cui<strong>da</strong><strong>da</strong> forma literária”<br />

(CALDEIRA FILHO, 1951:3).<br />

Os trabalhos de Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende referência de Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende no<br />

trabalho Fragmentos para uma história <strong>da</strong> música em São Paulo (1954), que, vale lembrar, em<br />

relação ao gênero, é semelhante à Cronologia Musical Paulista, <strong>do</strong> mesmo autor, também<br />

publica<strong>do</strong> em 1954, ano <strong>da</strong>s comemorações <strong>do</strong>s 400 anos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de São Paulo (1554-1954).<br />

Outras evidências apontam para o surgimento de uma nova perspectiva meto<strong>do</strong>lógica a<br />

partir <strong>do</strong> início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1950, quan<strong>do</strong> se começava a esboçar a pesquisa sistemática em São<br />

Paulo com Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende.<br />

Graças a interessante polêmica entre Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende e Jolumá Brito em torno<br />

de Carlos Gomes, podemos perceber, no discurso <strong>do</strong> primeiro, uma perspectiva a partir <strong>da</strong> qual se<br />

delineava uma nova noção de pesquisa histórico-musical sobre São Paulo, orienta<strong>da</strong> para a busca<br />

de provas, fatos, <strong>do</strong>cumentos, diferentemente <strong>da</strong> historiografia fun<strong>da</strong><strong>da</strong> no elogio <strong>do</strong>s grandes<br />

“heróis” <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, a <strong>na</strong> crônica <strong>da</strong> autoria de supostas autori<strong>da</strong>des:<br />

“... em história o que vale é sempre a melhor prova, o melhor <strong>do</strong>cumento. Os fatos<br />

individuais e sociais de outrora podem e devem ser revistos à luz de novos<br />

elementos, desde que em torno deles pairem dúvi<strong>da</strong>s e incorreções. É missão <strong>do</strong><br />

historia<strong>do</strong>r procurar a Ver<strong>da</strong>de, onde quer que ela esteja. Descoberta, apura-la,<br />

esquadrinha<strong>da</strong>, será ti<strong>da</strong> em conta, com definitiva, enquanto 'não' surgir alguém,<br />

ou um novo <strong>do</strong>cumento, que prove o contrario. A História é, assim, uma ciência<br />

eminentemente perfectível. Não há historia<strong>do</strong>r que não tenha cometi<strong>do</strong>, pelo<br />

menos uma vez, em sua carreira, um equívoco, um erro, uma omissão. Errar não é<br />

privilegio, nem des<strong>do</strong>uro de ninguém: faz parte <strong>da</strong> nossa frágil condição huma<strong>na</strong>”<br />

(RESENDE, 1954d).<br />

91


Em outro momento, ao criticar a obra de Jolumá Brito, Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende deixa<br />

transparecer a necessi<strong>da</strong>de então senti<strong>da</strong> pelos historiógrafos de se inserirem no texto elementos<br />

eluci<strong>da</strong>tivos como notas de ro<strong>da</strong>-pé e indicação bibliográfica:<br />

“Acontece, to<strong>da</strong>via, que o Sr. Jorumá Brito não é historia<strong>do</strong>r. Levou, afirma ele,<br />

cerca de dez anos pesquisan<strong>do</strong> a vi<strong>da</strong> de Carlos Gomes, para enfim lançar, em<br />

1936, pela Livraria Editora Record, de S. Paulo, o seu livro "Carlos Gomes" - ("O<br />

Tonico de Campi<strong>na</strong>s"). Trata-se de um romance, ou melhor, de uma <strong>na</strong>rrativa<br />

romancea<strong>da</strong>, com um prefácio lau<strong>da</strong>tório, sem notas ao pé <strong>da</strong> pági<strong>na</strong>, sem<br />

citações e sem bibliografia fi<strong>na</strong>l. A obra teve o mérito de servir às comemorações<br />

<strong>do</strong> cente<strong>na</strong> rio de <strong>na</strong>scimento de Carlos Gomes”(RESENDE, 1954:) .<br />

Em outro trabalho, o autor afirma que as notas de ro<strong>da</strong>pé encontra<strong>da</strong>s em seu trabalho: “...<br />

minuciosas em demasia, dirão alguns – eluci<strong>da</strong>m e garantem a autentici<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s fatos e<br />

comentários <strong>do</strong> texto, fornecen<strong>do</strong>, outrossim, subsídios necessários aos estudiosos” (RESENDE,<br />

1954e: 12).<br />

Em outro momento, o autor passa a enfatizar a necessi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> acúmulo de material<br />

factual para se construir a história musical em São Paulo, apresentan<strong>do</strong> a idéia que se tor<strong>na</strong>rá,<br />

posteriormente, a tônica <strong>da</strong> pesquisa musicológica no Brasil (DUPRAT, 1972:101):<br />

“Nomes, <strong>da</strong>tas, pequenos fatos, tu<strong>do</strong> isso bagatelas, lê levarmos em consideração<br />

os grandes lineamentos <strong>da</strong> historia social ou individual. Mas é com tijolos que se<br />

constroem os grandes edifícios. E se os tijolos forem frágeis, inconsistentes, ou<br />

ape<strong>na</strong>s mal coloca<strong>do</strong>s, ai <strong>do</strong>s edifícios!” (RESENDE, 1954d).<br />

Em Tradições musicais <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Direito de São Paulo, mais uma vez, Carlos<br />

Pentea<strong>do</strong> de Resende apresenta tal perspectiva basea<strong>da</strong> <strong>na</strong> busca de uma suposta “ver<strong>da</strong>de<br />

histórica”:<br />

“Este não é um livro de imagi<strong>na</strong>ção, escrevi-o basean<strong>do</strong>-me em pesquisa próprias<br />

e em fontes seguras. A ver<strong>da</strong>de histórica foi colhi<strong>da</strong> nos jor<strong>na</strong>is de época,<br />

publicações acadêmicas, revistas antigas, cartas e <strong>do</strong>cumentos e também através<br />

de uns poucos depoimentos pessoais” (RESENDE, 1954e: 11-12).<br />

Como se vê tais considerações apontam para a tentativa de uma maior organização <strong>da</strong>s<br />

pesquisas musicais sobre São Paulo e para a tentativa de se vencer a ausência de informações<br />

disponíveis sobre o passa<strong>do</strong> musical <strong>da</strong> região.<br />

92


4. Considerações fi<strong>na</strong>is<br />

A análise <strong>da</strong>s várias facetas <strong>do</strong> objeto nos leva a afirmar que grande parte <strong>da</strong> historiografia<br />

em questão apresenta relação com a problemática <strong>da</strong> musica “<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l”. Exceto pela<br />

historiografia sobre a atuação jesuítica e o episódio <strong>do</strong> Hino <strong>da</strong> Independência, os demais temas<br />

relacio<strong>na</strong><strong>do</strong>s a historiografia produzi<strong>da</strong> <strong>na</strong> <strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong> sobre <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de<br />

musical em São Paulo entre os <strong>século</strong>s XVI e <strong>XX</strong> constituem-se de objetos biográficos, <strong>do</strong>s quais<br />

grande parte se concentra em torno <strong>do</strong>s seguintes compositores: André <strong>da</strong> Silva Gomes, Carlos<br />

Gomes, Alexandre Levy, e Henrique Oswald.<br />

Nosso estu<strong>do</strong> nos leva a conclusão de que a pre<strong>do</strong>minância desta configuração é<br />

justifica<strong>da</strong> pela própria história <strong>da</strong> pesquisa histórica no Brasil, marca<strong>da</strong> pela busca de elementos<br />

biográficos, pequenos fatos, e pela <strong>na</strong>rrativa sobre a vi<strong>da</strong> de “homens ilustres”. Também foi<br />

observa<strong>do</strong> um paralelo entre esta mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de e a historiografia européia produzi<strong>da</strong> <strong>na</strong> segun<strong>da</strong><br />

<strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX, marca<strong>da</strong> pelo “grande homem”.<br />

Dentre as tendências <strong>do</strong> pensamento brasileiro que ao nosso ver se repercutiram no objeto<br />

em questão destacamos o “evolucionismo”, especialmente presente <strong>na</strong> historiografia musical<br />

sobre a atuação <strong>do</strong>s jesuítas, e que se evidencia a partir <strong>do</strong> uso de conceitos como “primitivo”,<br />

“inferior”, “selvagem” etc, consideran<strong>do</strong> o negro e o índio como indivíduos de “raças inferiores”,<br />

e o português como “raça” superior. Tais considerações acabam por evidenciar a ideologia<br />

<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte no momento caracteriza<strong>da</strong> sobretu<strong>do</strong> pelo etnocentrismo <strong>da</strong>s teorias raciais.<br />

Foi possível observar <strong>na</strong> historiografia <strong>do</strong>s jesuítas certas aproximações entre a idéia de<br />

civilização com a idéia de cristianização, e em conseqüência disso, de formação <strong>do</strong> povo e <strong>da</strong><br />

cultura brasileiros basea<strong>da</strong> <strong>na</strong> cultura européia.<br />

Também liga<strong>do</strong> às tendências evolucionistas através <strong>da</strong> idéia <strong>da</strong> influência mesológica<br />

sobre os indivíduos, é possível identificar no objeto em questão a presença de um “<strong>na</strong>turalismo”<br />

<strong>na</strong> caracterização <strong>da</strong>s quali<strong>da</strong>des “brasileiras” <strong>do</strong>s compositores supostamente responsáveis pela<br />

criação de uma música “<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l”. Segun<strong>do</strong> esta concepção, os artistas brasileiros seriam<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is “a medi<strong>da</strong> em que se “influenciassem” pela <strong>na</strong>tureza brasileira. Antonio Alexandre<br />

93


Bispo, que se refere a esse fenômeno por “imperativo ambiental” (BISPO, 1983:22), enfatiza os<br />

aspectos literários deste fenômeno. No entanto, segun<strong>do</strong> demonstra<strong>do</strong> neste trabalho, o referi<strong>do</strong><br />

fenômeno foi motiva<strong>do</strong> pela exigência de se explicar e justificar os elementos “<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is” <strong>da</strong><br />

contribuição <strong>do</strong>s diversos compositores abor<strong>da</strong><strong>do</strong>s.<br />

De acor<strong>do</strong> com o estu<strong>da</strong><strong>do</strong>, <strong>na</strong> transição <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIX para o <strong>século</strong> <strong>XX</strong>, a pesquisa<br />

histórica em nosso país limitou-se a estu<strong>do</strong>s circunstanciais. Observamos um paralelo com o<br />

objeto ao perceber que grande parte <strong>do</strong>s trabalhos produzi<strong>do</strong>s <strong>na</strong> <strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong>,<br />

sobre a prática musical em São Paulo entre os <strong>século</strong>s XVI e XIX, gravita em torno de <strong>da</strong>tas<br />

comemorativas, como por exemplo, o centenário de <strong>na</strong>scimento de Carlos Gomes (1836-1936) e<br />

(MARQUES JÚNIOR, 1936), (SEIDL, 1935), (VIERA, 1936), (CARVALHO, 1935), (BRTITO,<br />

1936), (ALMEIDA, 1936). Dois seis trabalhos publica<strong>do</strong>s por Carlos Pentea<strong>do</strong> de Resende<br />

abor<strong>da</strong><strong>do</strong>s neste trabalho, cinco foram publica<strong>do</strong>s em 1954. Além disso, A música em São Paulo,<br />

de João <strong>da</strong> Cunha Caldeira Filho e O mestre de capela <strong>da</strong> Sé de São Paulo, de Clóvis de Oliveira,<br />

também foram escritos ten<strong>do</strong> em vista as comemorações <strong>do</strong> Quarto Centenário <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de.<br />

Tal fato nos leva a crer que a historiografia produzi<strong>da</strong> <strong>na</strong> <strong>primeira</strong> <strong>metade</strong> <strong>do</strong> <strong>século</strong> <strong>XX</strong><br />

sobre a prática musical em São Paulo nos <strong>século</strong>s XVI-XIX possui caráter circunstancial e<br />

comemorativo.<br />

Foi possível perceber o surgimento, a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1950 de uma incipiente<br />

deman<strong>da</strong> por estu<strong>do</strong>s históricos em São Paulo que se baseassem em critérios meto<strong>do</strong>lógicos<br />

“objetivos”, especialmente através <strong>da</strong> a<strong>do</strong>ção <strong>da</strong> pesquisa arquivística em sua meto<strong>do</strong>logia, e pela<br />

busca de fatos “positivos”. Esta tendência é mais bem representa<strong>da</strong> <strong>na</strong> historiografia por Carlos<br />

Pentea<strong>do</strong> de Resende.<br />

O estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> objeto em questão mostrou ser possível utilizar-se <strong>da</strong> forma de análise<br />

proposta, que estu<strong>da</strong> o objeto não ape<strong>na</strong>s sob a perspectiva <strong>da</strong> autoria, mas também de seus<br />

contextos geral e particular. Neste senti<strong>do</strong>, a meto<strong>do</strong>logia utiliza<strong>da</strong> permitiu-nos identificar<br />

paralelos entre o objeto e o pensamento brasileiro <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> em questão, possibilitan<strong>do</strong> a<br />

reflexão sobre parte <strong>da</strong> história <strong>da</strong> historiografia musical em nosso país.<br />

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