Ensinar com afecto O segredo do bom professor - Página
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18<br />
a página<br />
da educação<br />
julho 2003<br />
verso e reverso<br />
AFINAL onde<br />
está a escola?<br />
Christiane Reis Dias<br />
Villela Assano<br />
Universidade Federal<br />
Fluminense, UFF,<br />
Integrante <strong>do</strong> Grupo de<br />
Pesquisa “Alfabetização<br />
<strong>do</strong>s Alunos das Classes<br />
Populares”, Rio<br />
de Janeiro, Brasil<br />
solta<br />
Tratar da escuta <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> significa<br />
investigar o desenvolvimento desta<br />
escuta, suas trajetórias, seus espaços<br />
de formação, e, sobretu<strong>do</strong>, investir<br />
na escuta crítica da “paisagem<br />
sonora”. (1) Escutar a “paisagem<br />
sonora” significa escutar as sutilezas<br />
<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, suas mais variadas<br />
linguagens, seus silêncios, seus<br />
ruí<strong>do</strong>s, suas sonoridades.<br />
A partir das reflexões de Freire,<br />
venho <strong>com</strong>preenden<strong>do</strong> que a leitura<br />
e a escuta <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> acontecem<br />
antes da leitura da palavra - em nosso<br />
caso, das palavras musicais,<br />
sen<strong>do</strong> importante investirmos na leitura<br />
da músicamun<strong>do</strong> (2), na qual a<br />
leitura não se limita à pura decodificação<br />
<strong>do</strong> código musical, mas “se<br />
antecipa e se alonga na inteligência<br />
<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>”, se transforma numa escuta<br />
que se arrisca em novos percursos,<br />
que se relaciona <strong>com</strong> percursos<br />
já conheci<strong>do</strong>s, que se desloca,<br />
que flui. Uma escuta que (re)cria<br />
o mun<strong>do</strong>. Uma escuta que <strong>com</strong>põe.<br />
Uma “escuta nômade”. (3)<br />
Foi justamente a partir de uma escuta<br />
cria<strong>do</strong>ra que o pequeno Abdijan<br />
travou seus primeiros diálogos <strong>com</strong><br />
a música na escola. O menino dava<br />
vida às palavras escritas por Freire e<br />
me fazia entender, durante nossos<br />
encontros, que sua escuta <strong>do</strong> mun<strong>do</strong><br />
encontrava-se relacionada à escuta<br />
das letras musicais que criava.<br />
A partir <strong>do</strong> contato <strong>com</strong> as teclas<br />
pretas e da exploração <strong>do</strong>s sons graves<br />
e agu<strong>do</strong>s <strong>do</strong> tecla<strong>do</strong>, Abdijan descobria<br />
algo familiar. Certo dia, <strong>com</strong><br />
sorriso estampa<strong>do</strong> no rosto, contoume<br />
ele que havia acha<strong>do</strong> o som <strong>do</strong><br />
Papa-Léguas. Mostrou-me que ao<br />
“apertar” duas vezes as duas teclas<br />
pretas mais próximas no tecla<strong>do</strong> (4),<br />
obtinha o som <strong>do</strong> “Bip-bip” - som este<br />
característico <strong>do</strong> personagem preferi<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong>s desenhos anima<strong>do</strong>s que<br />
assistia na televisão. Trata-se de uma<br />
ave veloz que briga constantemente<br />
<strong>com</strong> um coiote. O coiote azara<strong>do</strong>, entretanto,<br />
ao criar armadilhas para o<br />
papa-léguas, sofre <strong>com</strong> as mais <strong>do</strong>lorosas<br />
quedas de altas montanhas ou<br />
<strong>com</strong> a queda de pedras e objetos pesa<strong>do</strong>s<br />
sobre sua cabeça.<br />
Ao propor que <strong>com</strong>pusesse uma<br />
música, Abdijan não teve dúvidas:<br />
tomou o esperto Papa-léguas <strong>com</strong>o<br />
tema principal e posteriormente criou<br />
A Bolsa de Valores de São Paulo lançou<br />
recentemente uma "bolsa de valores<br />
sociais" destinada a atrair investimentos<br />
<strong>do</strong> sector priva<strong>do</strong> para<br />
projectos educativos de organizações<br />
não governamentais (ONG's)<br />
brasileiras que trabalham <strong>com</strong> crianças<br />
e jovens pobres. O projecto consiste<br />
na elaboração de uma lista de<br />
Alfabetizan<strong>do</strong> em<br />
Música na Escola<br />
COMO PROFESSORA DE MÚSICA DE UMA ESCOLA PÚBLICA,<br />
VENHO ME INSPIRANDO COTIDIANAMENTE NAS PALAVRAS<br />
DO POETA, EXERCITANDO, JUNTO DOS MEUS ALUNOS,<br />
A ESCUTA DOS CAMINHOS «SONOROS» DO MUNDO.<br />
Economia Social<br />
Bolsa de Valores Sociais lançada no Brasil<br />
entidades e projectos sociais que facilite<br />
a aproximação daqueles que<br />
desejem contribuir para este tipo de<br />
causas. Assim <strong>com</strong>o no merca<strong>do</strong> de<br />
capitais, o patrocina<strong>do</strong>r poderá investir<br />
em carteiras que incluam vários<br />
projectos. Esta bolsa social terá<br />
o mesmo ambiente de uma bolsa de<br />
valores: o pregão e os opera<strong>do</strong>res<br />
Adriano Rangel_isto é<br />
apresentarão aos eventuais investi<strong>do</strong>res<br />
os projectos que precisam de<br />
investimentos e estes poderão "adquirir"<br />
as acções por meio de <strong>do</strong>ações,<br />
pela Internet ou através de um<br />
corretor. O investi<strong>do</strong>r poderá a<strong>com</strong>panhar<br />
o desenvolvimento <strong>do</strong> programa,<br />
já que as ONGs, assim <strong>com</strong>o<br />
as <strong>com</strong>panhias <strong>com</strong> capital na bol-<br />
sua própria partitura. Assim, sua música<br />
mostra o sobe e desce das montanhas<br />
(representa<strong>do</strong> pelas linhas sinuosas),<br />
em que os de<strong>do</strong>s <strong>do</strong> pequeno<br />
precisam deslizar pelo tecla<strong>do</strong>,<br />
escorregan<strong>do</strong> sobre as teclas em forma<br />
de glissan<strong>do</strong> que, ao chegarem<br />
no ponto mais agu<strong>do</strong> ou mais grave<br />
<strong>do</strong> tecla<strong>do</strong>, emitem o som <strong>do</strong> papaléguas<br />
- o bip-bip- escrito na partitura<br />
<strong>com</strong> a própria imagem <strong>do</strong> animal.<br />
Mais <strong>do</strong> que relatar o processo de<br />
criação da música Papa-léguas,<br />
penso que a partitura de Abdijan pode<br />
nos revelar alguns <strong>do</strong>s percursos<br />
de seus atos de escuta, <strong>do</strong>s “lugares<br />
pratica<strong>do</strong>s” (5) de sua escuta atenta<br />
que, numa escola excludente, seriam<br />
simplesmente ignora<strong>do</strong>s. Mais<br />
<strong>do</strong> que escrever sobre um acontecimento<br />
cotidiano de minha escola,<br />
penso que, ao trazer o papa-léguas,<br />
podemos entender a importância da<br />
valorização das diferentes formas de<br />
escutar o mun<strong>do</strong>, da valorização das<br />
experiências sonoras de nossos alunos,<br />
entenden<strong>do</strong> que eles não vão<br />
se “alfabetizar” na escola, mas que<br />
vêm já se alfabetizan<strong>do</strong> no universo<br />
sonoro em que estão mergulha<strong>do</strong>s.<br />
Portanto, ao valorizar estes “mo<strong>do</strong>s<br />
de fazer”(6), estamos investin<strong>do</strong> numa<br />
escola que potencializa, que não<br />
realiza uma ruptura <strong>com</strong> a ‘leitura’ <strong>do</strong><br />
mun<strong>do</strong>(7), que olha o aluno <strong>com</strong>o alguém<br />
que possui conhecimentos<br />
musicais, e que, portanto, já vem<br />
sen<strong>do</strong> musicaliza<strong>do</strong> no mun<strong>do</strong> em<br />
que vive, <strong>com</strong>o se “estivessem<br />
abertos diante dele to<strong>do</strong>s os caminhos<br />
sonoros <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>”...<br />
Notas:<br />
1. SCHAFER, Murray. O ouvi<strong>do</strong> pensante. São<br />
Paulo: Unesp, 1991.<br />
2. Tomo de empréstimo a expressão de Paulo<br />
Freire “palavramun<strong>do</strong>” (FREIRE, Paulo. A importância<br />
<strong>do</strong> ato de ler. São Paulo: Autores Associa<strong>do</strong>s:<br />
Cortez, 1988).<br />
3. SANTOS, Fátima Carneiro <strong>do</strong>s. Música das<br />
ruas: o exercício de uma “escuta nômade”. Revista<br />
eletrônica Opus, setembro, 2000.<br />
4. Em linguagem musical, as teclas correspondentes<br />
ao dó susteni<strong>do</strong> e ao ré susteni<strong>do</strong>.<br />
5. CERTEAU, Michel de. A invenção <strong>do</strong> cotidiano.<br />
Petrópolis, Vozes, 1996.<br />
6. CERTEAU, op. cit.<br />
7. FREIRE, op. cit.<br />
sa, serão obrigadas a apresentar balanços<br />
trimestrais, <strong>com</strong> um relatório<br />
sobre o desenvolvimento <strong>do</strong> projecto.<br />
Várias personalidades da cultura<br />
e da educação brasileira fazem parte<br />
<strong>do</strong> conselho desta peculiar bolsa<br />
de valores.<br />
Fonte. AFP